Nossa Política

Carlos Marighella

Novembro de 1947


Primeira Edição: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, nº 4, novembro 1947.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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capa foto Marighella

Desde que a democracia vem avançando, temos verificado o aumento da agressividade do imperialismo norte americano, que foi o imperialismo a sair mais fortalecido da guerra. Vem, assim, aprofundando-se a divisão entre os dois campos, o antidemocrático e imperialista e o democrático e anti-imperialista, o primeiro dirigido — como diz Zhdanov no seu informe à Conferencia dos Nove Partidos — pelos Estados Unidos, com o apoio da Inglaterra e da França e sustentado também pelos Estados coloniais, como a Bélgica e a Holanda, pelos países de regime antidemocrático como a Turquia e a Grécia e os países dependentes dos Estados Unidos, como os do Oriente Próximo, os da América do Sul e a China; o segundo constituído pela URSS e os países da nova democracia, além da Finlândia, da Indonésia, do Viet-Nam, e dos países que com estes simpatizam, como a Índia, o Egito e a Síria.

Mas a agressividade do imperialismo americano não vem obtendo sucessos. Petkov — agente do capital financeiro norte americano, traidor da Bulgária, foi enforcado, Maniú é condenado à prisão perpétua, Micolaiczk foge para a terra de seus patrões anglo-americanos. O Plano Truman e o Plano Marshall não produzem os resultados previstos. A propaganda reacionária que pretendia apresentar os resultados das eleições na França como uma vitória de De Gaulle — lacaio do imperialismo ianque — é obrigada a silenciar, em face do incontestável avanço eleitoral do Partido Comunista Frances. Na Assembleia das Nações Unidas cria-se uma atmosfera de conciliação, o imperialismo norte americano é derrotado com a aprovação da proposta contra a propaganda de guerra, originariamente formulada pela União Soviética. O Brasil e o Chile, agindo como países que gravitam na órbita dos Estados Unidos, ficam isolados no mundo inteiro com a sua atitude de provocação fascista rompendo com a Pátria do Socialismo.

Entretanto foi com a Conferencia dos Nove Partidos na Polônia que ficou inteiramente clara a existência deste fato novo — já entrevisto desde o discurso de Truman a 12 de março, o Plano Truman e o Plano Marshall, até os discursas de Tito e Vichinski, este último na ONU, tudo isso confirmado, enfim, com a criação do Bureau de Belgrado.

A Conferencia dos Nove Partidos constituiu no cenário internacional o fato mais importante.

A declaração política que resultou dessa reunião constata em primeiro lugar o perigo de guerra. Assinala que desde a guerra se desenvolviam duas linhas políticas. Os Estados Unidos e a Inglaterra lutavam por eliminar os concorrentes da Alemanha e do Japão. A União Soviética e os países democráticos lutavam para liquidar o fascismo, pela manutenção de uma paz duradoura e pela cooperação entre as nações.

Durante a guerra coincidiam essas linhas políticas, mas derrotado o nazifascismo, começou a acentuar-se a diferenciação entre os dois campos, já que a linha política dos Estados Unidos se resume em pretender implantar no mundo seu predomínio, eliminada a concorrencia da Alemanha e do Japão, enquanto os países democráticos, liderados pela URSS, persistem nos mesmos propósitos de liquidar o fascismo, manter a paz e a cooperação entre os povos.

A constatação de um fato de tão profundo alcance leva imediatamente a concluir pela necessidade de uma ativa resistência a toda e qualquer pretensão do imperialismo ianque de levar avante seu plano de domínio mundial.

Foi por isso mesmo que da Conferencia dos Nove Partidos resultou a formação do Bureau de Belgrado, destinado a constituir o centro de informações necessário a unificar o comando das forças que com mais energia e decisão se vem opondo ao imperialismo. Essas forças são dirigidas pelos Partidos Comunistas que se reuniram na Polônia, partidos com responsabilidade de governo ou de influencia decisiva na direção dos povos que mais avançaram no caminho da democracia, em países onde a correlação de forças é sensivelmente a favor do proletariado.

É claro que não se pode confundir o Bureau de Belgrado com a Internacional Comunista, cuja missão histórica ficou realizada com a formação de Partidos Comunistas capazes de dirigir independentemente o proletariado.

O objetivo da IC era formar quadros dirigentes, dar direção ao proletariado. O objetivo do Bureau de Belgrado é unificar a orientação do proletariado, através da orientação unificada dos Partidos Comunistas, a partir daqueles que se acham no governo ou decidem da situação merce da preponderância de sua influencia sobre as grandes massas.

Em face da ação coordenada do imperialismo, cabe ao proletariado responder-lhe com a resistência organizada e unificada.

O imperialismo sente que a resistência se fortifica e que o golpe por ele sofrido é de profunda repercussão.

Os povos da França e da Itália logo viram no exemplo do Bureau de Belgrado o caminho de uma resistência mais sólida contra o imperialismo e contra os governos que o servem, e grandes movimentos de massa foram desencadeados contra Ramadier e De Gasperi.

Os últimos acontecimentos mundiais vem demonstrar que não há condições de guerra, que o imperialismo só avança onde não encontra resistência, que o perigo de guerra só existe na medida em que falta a mobilização das grandes massas para lutar contra a agressividade do imperialismo e pela democracia.

A orientação das forças democráticas em todo o mundo é, portanto, resistir.

Isso é tanto mais evidente agora quanto que o trigésimo aniversário da Revolução Socialista de 7 de novembro de 1917 transcorre num momento decisivo da vida dos povos que não pretendem mais deixar-se dominar pelo imperialismo e particularmente pelo imperialismo ianque. A União Soviética é hoje uma das maiores potencias, é a grande Pátria do Socialismo e se encontra conjuntamente com os países da nova democracia na direção do campo anti-imperialista.

Sua contribuição à causa da paz é inestimável e não há dúvida, que, graças à vitória da Revolução de 7 de novembro, o mundo inteiro pode hoje respirar melhor.

Na União Soviética, os povos amantes da paz, os povos fracos e ainda dependentes do capital colonizador veem o grande baluarte da resistência ao imperialismo, o campeão da luta pela paz.

Cresce, por isso, a frente anti-imperialista no mundo inteiro, e o imperialismo ianque sente-se cada vez mais impotente e desesperado em face da resistência que se avoluma e cresce por toda a parte.

Na situação nacional, assistimos ao rompimento do Brasil com a URSS, fato que, depois da ilegal cassação do registro do Partido Comunista, serviu para mostrar o desespero do grupo fascista enquistado no governo Dutra.

Embora a esse rompimento não fosse estranho o dedo do imperialismo ianque, não há dúvida que deve ser ligado mais particularmente ao desejo do governo de encobrir a alarmante situação do país, desde as dificuldades das próprias classes dominantes até às terríveis condições de vida das massas brasileiras.

O rompimento, entretanto, acompanhado como foi da intensa campanha anticomunista do rádio e dos jornais, mal serviu para justificar o atentado à liberdade de imprensa e à Constituição, no ataque policial-fascista dirigido contra a "Tribuna Popular", cujo empastelamento trouxe como resultado o aumento de seu prestigio de massas, ao contrário do que pensava o grupo fascista empenhado no emprego do terror.

Mesmo com o rompimento levado a efeito no Brasil e logo secundado no Chile, acompanhado de todas as provocações e manobras desesperadas, redobramento da atividade dos integralistas, aprovação do projeto de cassação de mandatos no Senado, os efeitos foram negativos. O Brasil ficou isolado no mundo, ao lado do seu parceiro — o Chile — e nem ao menos a América do Norte — em sinal de solidariedade — resolveu seguir a atitude de nosso país, desgovernado pela insensatez do ditador Dutra.

Na verdade, encontramo-nos no Brasil sob o regime de uma ditadura terrorista, contra a qual é preciso lutar sem descanso, mobilizando amplamente as grandes massas, levantando sem cessar suas menores reivindicações, resistindo a Dutra e ao imperialismo ianque de quem ele é serviçal, fazendo oposição firme e decidida a esse governo incapaz e inepto, criticando com rigor, marcando com ferro em brasa todos os seus erros e desatinos.

O acordo político em S. Paulo, que congregou comunistas, trabalhistas e pessedistas em torno da candidatura Cirilo Júnior, é bem uma amostra de que contra Dutra e a ditadura terrorista é possível levar a efeito a união nacional desde as classes dominantes até o proletariado.

É tudo isso indício claro da desmoralização do governo e do grupo fascista, que não conta nem com o apoio do partido que o levou ao poder.

Hoje é evidente o aumento do prestigio dos comunistas que são procurados por todas as forças políticas para fazer acordos, mesmo contra e por cima da vontade do ditador Dutra, antigo condestável do Estado Novo e comensal das rodas fascistas.

O grupo fascista pensou eliminar o Partido Comunista, cassando-lhe o registro eleitoral, mas hoje nos achamos em pleno caminho da legalidade.

Continuamos sendo de oposição, continuamos a lutar pela legalidade do Partido Comunista, levantando sempre as reivindicações mais elementares das massas, porque o povo só virá para a luta pela legalidade se soubermos lutar por essas reivindicações.

Na luta pela legalidade do PCB temos muito que fazer. A legalidade pode ser conquistada, o Supremo Tribunal Federal pode rever a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, mas o imperialismo não há de querer ceder tão facilmente.

Será então preciso compreender que a solução pacífica só se dará onde houver forças de massas para resistir ao imperialismo.

O essencial é que os comunistas saibam colocar-se à frente das massas, dirigir suas lutas, pois qualquer delas pode ser útil para a conquista da legalidade.

A miséria é cada vez maior no país, merce da colonização crescente a que vamos sendo mais e mais reduzidos pelo imperialismo norte americano e em consequência da inépcia e da indiferença do governo.

Em tais condições, cruzar os braços, permanecer na passividade, é retardar o impulso das massas que querem o bem estar, o respeito à Carta Magna e a democracia.

Nosso objetivo é lutar contra a ditadura terrorista, é resistir, não permitir que ela de um passo adiante, e, desde que qualquer paralisação sua implica num recuo, barrar suas tentativas desesperadas. Nossa luta é para impedir que o Brasil se colonize.

Nosso lugar é junto às grandes massas, orientando e dirigindo suas lutas.

Lutar contra Dutra é seguir o caminho da própria democracia que avança por toda a parte.

E aqui poderíamos dizer com Stalin, que afirmava de seu próprio país: "somos um povo paciente", para significar que não há condições de guerra, que a paz é possível se por ela soubermos lutar, que a resistência paciente e tenaz ao imperialismo e seus agentes e lacaios é a primeira condição para libertar os povos.


Contra o Oportunismo e a Passividade

O inimigo procura utilizar os covardes e os vacilantes, os que se sentem fatigados da luta, os ambiciosos que se corrompem e capitulam para introduzir em nossas fileiras correntes de passividade e oportunismo.

É preciso estarmos alertas e vigilantes. Nada mais alheio ao caráter revolucionário e proletário do nosso Partido do que a passividade e o oportunismo. Onde aparecer essa planta venenosa, é preciso extirpá-la com mão de ferro.

Dolores Ibarruri

Inclusão 14/03/2015