Nossa Política

Carlos Marighella

Janeiro de 1948


Primeira Edição: Janeiro de 1948.
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 6 -Janeiro de 1948 .
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Maio 2007.
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desenho Marighella

Impossível seria traçar o quadro de nossa política neste número de "Problemas" sem a referência à homenagem comovida que o povo brasileiro prestou à figura inconfundível de Prestes, na passagem de seu cinqüentenário.

Pouco importa que a reação tivesse se atirado com fúria inexcedível em muitos Estados contra as manifestações programadas em homenagem ao Cavaleiro da Esperança, grande organizador e condutor de massas, construtor por excelência de nosso Partido.

Não pôde impedir que prosseguisse a luta pela resistência ao imperialismo norte-americano e pela defesa de nossa soberania, o progresso e o bem-estar de nosso povo, luta de que tem sido Prestes – à frente do Partido Comunista — o maior dirigente.

Este o motivo por que às homenagens já prestadas a Prestes pela passagem de seu cinqüentenário juntamos mais a de "Problemas", com o edição deste número especial dedicado ao grande dirigente comunista, líder querido de nosso povo.

Não pretendemos passar adiante, porém, sem o registro de que neste mês transcorre mais um aniversário da morte de Lénin. Discípulo e continuador de Marx, dos maiores de que se orgulham o movimento revolucionário internacional e o proletariado, por isso mesmo não poderia deixar de receber as homenagens de nosso povo e de nossa Revista.

É o que fazemos, convictos de que a obra de Lénin, à frente do glorioso Partido bolchevique que levou uma sexta parte do mundo ao socialismo, continuará sendo motivo de permanente estímulo aos povos para conseguirem sua libertação do jugo do imperialismo.

Passemos agora à apreciação do quadro mundial. É incontestável que vem se acentuando a divisão entre os dois campos, de que nos fala Zhdanov no seu importantíssimo informe à Conferência dos nove Partidos na Polônia.

Assistimos de um lado, ao reforçamento do campo democrático e anti-imperialista, dirigido pela União Soviética e as Nações da nova democracia, principalmente depois que a Romênia se transformou numa República Popular, avançando mais um passo no caminho do socialismo.

De outro lado, o campo anti-democrático e imperialista sofre golpes cada vez mais profundos. Um governo revolucionário é instalado na Grécia; na França e na Itália as greves se multiplicam, o proletariado adquire uma consciência cada vez maior do poderio de sua organização e, na luta pelos seus interesses, pressiona de forma esmagadora os governos de Schuman e De Gasperi, vendidos aos banqueiros de Wall Street. O Congresso do Partido Comunista Italiano, realizado em Milão, mostra quanto avançou na Itália o movimento revolucionário do proletariado. A luta centra o latifúndio e pela reforma agrária assume novos aspectos, uma vez que já se situa no quadro da tomada das terras do sul do país através da organização dos camponeses.

Na França e na Itália, bem como na Alemanha, recrudesce a oposição ao Plano Marshall. Os Estados Unidos, na direção do campo imperialista, experimentam dificuldades de toda a ordem. Truman, como instrumento dos trustes e monopólios ianques que constituem a baseada reação mundial, sente a ameaça da depressão norte-americano conseqüente ao curso inflacionista que se processa aceleradamente no país. Abandona, assim, o tom cor de rosa da prosperidade que antevia para os Estados Unidos e franze a testa ante a iminência da crise cíclica do capitalismo que desabará sobre a nação. Depois da resistência crescente que o Plano Marshall encontra no mundo e particularmente da parte dos povos europeus, os chacais do imperialismo ianque enveredam pelo terreno da preparação guerreira. Truman insiste na necessidade do serviço militar obrigatório e volta a sonhar com a bomba atômica, sua única esperança para o esmagamento das nações do campo democrático.

Estamos, destarte, em face de uma ativa preparação guerreira do imperialismo ianque.

Semelhante atividade leva-o a agir com o maior descaramento, enviando tropas para o Mediterrâneo, exigindo bases no Panamá, entregando aos seus agentes a tarefa de promover um Congresso Sindical em Lima, e ordenando aos governos satélites do Chile e do Brasil a repressão contra o comunismo, a cassação de mandatos dos parlamentares e outras medidas reacionárias.

* * *

Que resulta, todavia, do confronto entre o que se passa nos dois campos? Enquanto no campo democrático as nações da nova democracia se reforçam e avançam, no campo anti-democrático aumenta o ódio contra o imperialismo ianque, as massas se levantam defendendo suas reivindicações e a soberania de seus países, o Panamá rejeita um acordo para cessão de bases aos Estados Unidos, o conteúdo imperialista do Congresso de Lima é desmascarado, Truman e seus sequazes estão às voltas com a inflação em sua própria casa.

Devemos concluir em face dessa análise que, em conseqüência da resistência dos povos e de suas lutas, dirigidas fundamentalmente pelos comunistas, a correlação de forças se mantém em escala mundial a favor da democracia.

Isso indica que, no plano geral, o imperialismo ianque não tem levado a melhor, mas não quer dizer que em muitos dos países sob o seu domínio não tenha obtido êxitos, mesmo que venha encontrando resistência.

O caso do Brasil é típico. Situado no campo antidemocrático e imperialista, não pôde fugir às muletas do imperialismo ianque. A maior contribuição que poderíamos dar à causa da paz e da liberdade dos povos, era arrancar nossa Pátria das garras do imperialismo, afastá-la do campo antidemocrático. Todavia, o que se vem dando no Brasil é que, EM VEZ DE AVANÇAR A DEMOCRACIA, AVANÇA A REAÇÃO. A correlação de forças no Brasil é, pois, brutalmente a favor da reação, do latifúndio e do imperialismo.

Não fosse assim e não teríamos a sucessão ininterrupta de violentas medidas antidemocráticas, desde que foi fechada a Confederação dos Trabalhadores do Brasil, fechados o Partido Comunista e a União da Juventude Comunista, rompidas as relações com a URSS, empastelados e atacados a tiros "O Momento", a "Tribuna Popular", o "Hoje" — três dos mais combativos órgãos da imprensa popular — além de inúmeros outros jornais das próprias classes dominantes. Ressuscitou-se a lei de segurança do Estado Novo, prendem-se e condenam-se jornalistas com essa lei caduca dos tempos do fascismo, reprimem-se a bala os comícios, decretam-se intervenções nos sindicatos, que são controlados pela polícia. Por último, cassam-se os mandatos dos parlamentares comunistas e são por este meio expulsos das assembléias legislativas do país 78 representantes do povo.

A par dessas violências, cometidas contra o que dispõe a própria Constituição, crescem a miséria e o sofrimento das massas, o esfomeamento écada vez maior, sobem os preços dos gêneros de primeira necessidade, os salários são irrisórios, e o governo — desmoralizado com as negociatas dum ministério preso às gavetas dos banqueiros de Wall Street — abre as portas do Brasil aos tubarões do imperialismo norte-americano.

Mas a pergunta que se impõe é a seguinte: por que avança a reação no Brasil? Teríamos porventura nos apercebido a tempo de que cessara a antiga cooperação entre as Três Grandes, aquela que conduzira à vitória sobre o nazi-fascismo? Compreendêramos no justo momento a divisão que se fazia no mundo entre os dois campos — o da democracia e o da reação? Será que já aprofundamos suficientemente a análise de Zhdanov no seu informe à Conferência dos nove Partidos, que marcou no cenário mundial a viragem para a resistência ao imperialismo americano, mercê da consciência da divisão do mundo em dois campos?

É fora de dúvida, entretanto, que o avanço da reação no Brasil nos chama a um sério balanço em nossas atividades.

É verdade que, se o Partido Comunista não tivesse encarnado bem a resistência contra o imperialismo ianque e o governo de traição nacional de Dutra, não teriam vindo ordens de Truman para fechar o Partido e cassar os mandatos dos comunistas. Mas também não é menos verdade que nessa altura o movimento de massas deveria ser tal que todas essas medidas reacionárias fossem barradas.

Não organizamos o movimento de massas; nosso movimento sindical é muito débil. E nisso residem os causas dos golpes que a reação tem aplicado contra a democracia entre nós.

Preconizamos uma política de resistência de massas ao imperialismo americano e ao governo de Dutra e iniciamos uma política de oposição ativa, com bases nas lutas pelas reivindicações de massas. Contudo, desde o fechamento do Partido em maio já nossa orientação deveria ter sido mais aprofundada. O fato é que a democracia no Brasil — como, aliás, o próprio Prestes já o afirmara tantas vezes — não passava de uma democracia formal. A própria Constituição de 46 não podaria assegurá-la. E isso por um motivo: o monopólio da terra não foi liquidado, nem sequer foi abalado. Como esperar o respeito à Constituição, a prática da democracia, se a estrutura econômica do país permanece inalterável?

O fundamental é, pois, a luta contra o monopólio da terra, contra o latifúndio, consequentemente contra o imperialismo, que não quer ver realizada a liquidação desse monopólio — base da reação e do fascismo.

Tão grande, porém, é o poderio dos senhores de terra, sustentados pelos banqueiros de Nova Iorque, que nem mesmo a Carta de 46, ainda que no papel, registrou a menor referência sequer ao abalo da grande propriedade territorial.

O governo ditatorial de Dutra sente-se, por conseguinte, à vontade para, sob uma aparência legal, fazer o que bem quiser e entender contra os interesses das massas, mesmo quando o texto da Constituição não deixa dúvidas quanto à garantia de certos direitos.

Nada se pode esperar desse governo de lacaios do imperialismo norte-americano, governo que é responsável pelo esfomeamento de nosso povo e pela penetração dos imperialistas ianques no Estado Maior do Exército, no Ministério do Trabalho, da Agricultura, e na polícia.

O caminho não pode ser outro a não ser o da resistência ao imperialismo norte-americano e do ataque ao latifúndio.

O que cumpre fazer é exatamente chegar à solução dos problemas imediatos da revolução democrático-burguesa, entre os quais se incluem a entrega de terras aos camponeses, o controle do comércio externo, a criação do mercado interno. Para isso é necessário concentrar desde já — e sem nenhum receio — todos os esforços NA LUTA PELAS REIVINDICAÇÕES IMEDIATAS.

A consciência democrática das massas cresceu. Elas viram a lição do parlamento. As ilusões parlamentaristas e reformistas podem e devem ser liquidadas rapidamente, É claro que não o conseguiremos sem a organização das lutas das massas pelas suas reivindicações, utilizando com desassombro todas as formas de lutas, desde as ações de massas contra a carestia da vida, até as greves — a arma por excelência do proletariado.

Somos os dirigentes das grandes massas. Nossa política e de oposição a esse governo incapaz, é de resistência ao imperialismo ianque.

Lutar pelo aumento de salários, pelas reivindicações dos camponeses (salários, férias, contratos, arrendamentos) é o melhor meio de chegarmos à solução dos problemas da revolução democrático-burguesa e ao asseguramento de nossa independência e soberania, sacrificadas pele traição de Dutra e seu governo aos apetites dos lobos de Wall Street.

No processo dessas lutas, compete-nos alcançar uma frente democrática suficientemente ampla, forte do apoio de amplas organizações de massa, e que possa, assim, levar-nos à verdadeira democracia, à democracia em que as grandes massas têm os seus direitos assegurados e a independência do país garantido através da força organizada do proletariado, dos camponeses e das massas oprimidas.

O atual governo de traidores e serviçais do imperialismo americano e a "democracia" que aí está não poderão servir ao nosso povo, cansado de sofrimento.

Democracia, só a VERDADEIRA DEMOCRACIA, que não se conseguirá sem a liquidação do monopólio da terra, sem a derrota do imperialismo ianque e sem a substituição do atual governo de traição nacional por um governo democrático, progressista e popular.


O Monopólio da Terra e o Poder Político

"Devemos ter olhos para ver e sinceridade para confessar as conseqüências do monopólio da terra que assegura o predomínio político de uma minoria. Essa é a realidade nacional e é a realidade desde o Império em que predominavam os senhores deescravos e, depois, durante toda a República em que a classe dominante tem sido e é precisamente a dos grandes proprietários da terra."

Prestes

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Inclusão ??/05/2007