Crítica às Teses do Comitê Central

Carlos Marighella

Junho de 1967


Fonte: Escritos de Carlos Marighella. Editorial Livramento, 1979, Pág: 99-111.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


O Comitê Central abriu os debates, embora tardiamente, e lançou suas "Teses" com o objetivo de conclamar todo o Partido para a elaboração da linha política exigida pelas condições atuais.

Porém as "Teses" não estão à altura necessária, não satisfazem, não dão um passo adiante em busca do caminho da revolução brasileira.

Qualquer pessoa que tome conhecimento do capítulo 1.° das "Teses" fica com a impressão de que nosso Partido tinha de ser o Partido da moderação, da prudência, da cautela, para não ferir os interesses da burguesia, para não ir além do permitido pelas classes dominantes, para não ferir a hierarquia e a disciplina militar, para não causar divergências na frente única, para não seguir uma tática ofensiva. Os culpados de tudo seriam

"... os esquerdistas da Frente Única, que queriam a ofensiva, que se precipitaram e caíram no sectarismo".

O Partido teve culpa, segundo as Teses,

"... mas teve culpa porque permitiu esse esquerdismo, quando não havia condições para outra coisa senão apoiar a luta pelas reformas, de maneira que os golpistas e os imperialistas norte-americanos não viessem utilizar nossa luta para acabar com tudo como o fizeram."

O erro do Partido foi

"não permanecer dentro dos limites do possível, e não declarar isto publicamente, não atuar de acordo com esta concepção. Se tivéssemos ficado dentro dos limites do possível e de nossas forças, ainda muito reduzidas, teríamos chamado a atenção sobre a impropriedade e negativismo do continuísmo de João Goulart. Provavelmente as eleições teriam se realizado nos prazos normais. Jango seria substituído por outro Presidente — talvez um nacionalista —, não teria havido o golpe e prosseguiria o processo democrático...".

Evidentemente, uma posição como esta retrata um Partido acomodado, conservador, que não luta para transformar as coisas. Parece mais um Partido governista, um partido igual aos demais partidos das classes dominantes. Em vez de um Partido que adota a revolução política como meio de transformação social, de um Partido que tem como maior aspiração levar as massas à conquista do poder estatal. Tais posições refletem um Partido que busca limitar a transformação social às medidas que possam ser concedidas pelas classes dominantes, um Partido que ambiciona chegar à transformação social de forma paulatina, fragmentária, como se o imperialismo e as classes dominantes estivessem dispostas a consenti-lo.

Apesar de parecer um relato objetivo dos fatos anteriores ao golpe de 1964, o primeiro capítulo das "Teses" é uma interpretação da situação feita segundo uma concepção não marxista-leninista.

O Problema da Burguesia

As "Teses" enfocam de maneira errada o problema da burguesia por falta de um estudo científico do assunto.

Enquanto isso, já existem investigações sobre os grandes grupos econômicos no Brasil e, por conseguinte, já há estudos sobre a burguesia. Um deles foi feito no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Rio de Janeiro (que não pode ser considerado comunista). Aqui nos referiremos a este estudo, esclarecendo que os dados numéricos citados correspondem sempre, neste particular, ao ano de 1962.

As investigações realizadas no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro revelam que os grandes grupos econômicos de nosso país estão constituídos por 55 gigantescos conglomerados de empresas, cada um com um capital superior a 4 bilhões de cruzeiros antigos. Entre estes grupos se encontram: Light, Pignatari, Ermírio de Morais, Anderson Clayton, Matarazzo, AMFORP, Belgo-Mineira, Villares, Krupp, Manesmann, Capuava, Volkswagen, Ford, General Motors, Mercedes-Benz, Klabin-Lafer, Vidro-Plano, Guinle-Paula Machado, Simonsen, Moreira Sales, Almeida Prado, Lundgren, Severino Pereira da Silva, Gastão Vidigal, Quartin Barbosa, Ometo-Dedini e outros.

Estes grupos de capitalistas controlam os setores estratégicos da economia brasileira, têm em suas mãos a parte substancial da produção e circulação de bens do país. Seu poder econômico-financeiro é o maior. São detentores do setor de exportação e importação (Almeida Prado, Simonsen, Anderson Clayton, Bung & Born, Swift-Armour). Controlam o setor privado bancário, no qual dispõem de Bancos (Moreira Sales, Quartin Barbosa, Mesbla, Guinle-Paula Machado, Gastão Vidigal, Capuava). Monopolizam a distribuição de petróleo e derivados (Esso, Shell). Dominam o setor de investimentos (Light, Volkswagen, Guinle, Monteiro Aranha).

Comandam o setor da indústria básica e da mecânica pesada (Ermírio de Morais, Vidro-Plano, Mourão Guimarães, Alcan, Manesmann, Villares, Pignatari, Schneider, General Electric, Pirelli, Novo Mundo, Volkswagen, Monteiro Aranha, Klabin-Lafer). O setor têxtil e o ramo de hotéis se combinam no grupo Bezerra de Mello. Ometo-Dedini articula a agroindústria do açúcar com um conjunto de mecânica pesada, fabricando equipamentos para usinas.

Os grandes grupos de capitalistas se dividem em estrangeiros e nacionais, numa proporção de 52% estrangeiros, predominando os norte-americanos, e 43% nacionais. Os grupos que possuem o maior capital, acima de 10 bilhões e 30 bilhões de cruzeiros antigos cada um, são estrangeiros em sua maioria.

Os grupos estrangeiros (especialmente norte-americanos) e os nacionais estão geralmente entrelaçados. As ligações de grupos estrangeiros e nacionais se verificam, por exemplo, com Matarazzo e Goodrich Chemical, Bezerra de Melo e Henry Rogers & Co., Gastão Vidigal e Phillips S.A., e assim sucessivamente. Em geral grandes capitalistas brasileiros aparecem como diretores de firmas internacionais poderosas.

Os grupos econômicos da burguesia brasileira, com capitais entre 1 e 4 bilhões de cruzeiros antigos cada um, somam 221 firmas.

As atividades principais desses grupos estão voltadas para a produção de bens industriais, como têxteis, alimentos, papéis, produtos farmacêuticos, artigos de mobiliário, eletro-domésticos, tintas, vernizes, artefatos para veículos, materiais de construção, etc. Entre esses grupos se encontram Pareto, Arno, Cimento Itaú, Indústria Romi, Feffer, Paulo Ferraz, Ultragás, Trol, Adler, Brinquedos Estrela, Grupo Abdalla, Prado, Scarpa, Spina, Massari, Lorenzetti, Keute-nedjian, Diaz Martins, Gasparian, Probel e muitos outros.

Pelo menos 46% desses grupos econômicos aparecem associados a empresas estrangeiras à base de 30%, 25%, ou "fifty-fifty", mais freqüentemente. Há nesses grupos uma tendência nítida para a associação com o capital estrangeiro.

Todos os grandes grupos econômicos no Brasil, de capital próprio acima de 4 milhões de cruzeiros antigos ou entre 4 e 1 bilhão de cruzeiros antigos, estão organizados de acordo com o sistema de empresas com matrizes no estrangeiro, ou o sistema "holdings", isto é, sistema de empresas entrelaçadas que desenvolvem atividades principais ou secundárias.

O Grupo Dominante da Burguesia

Em síntese, o grosso da burguesia é o que está retratado mais acima e corresponde, na realidade, à alta burguesia, ligada ao imperialismo e também ao latifúndio. Sabe-se hoje, por exemplo, que boa parte das grandes propriedades rurais está em mãos dos grandes capitalistas, como se pode verificar em São Paulo, pelo seguinte quadro que, pelo menos, cita alguns casos:

Grandes Grupos
Econômicos Industriais
Grandes Propriedades
nas Regiões Agrícolas
Ermírio de Morais Mairinque
Matarazzo Guarulhos
Antunes Salesópolis e Taubaté
Aços Anhanguera Salesópolis
Dedini Piracicaba e Catanduva

É a elite da burguesia brasileira, ou seja, a alta burguesia, que determina a posição de classe da burguesia, pois, como ensina o marxismo:

"a posição de uma classe é determinada pela posição do grupo dominante dessa classe".

Ligada ao imperialismo e ao latifúndio, a burguesia brasileira representada pelo grupo dominante dessa classe — a alta burguesia — teme o proletariado e segue no fundamental o caminho das concessões ao imperialismo e ao latifúndio e não o das concessões ao proletariado.

O outro setor da burguesia brasileira — totalmente distinto da alta burguesia — é representado sobretudo pela média e pequena burguesia industrial. Este setor não exerce atividades econômicas por meio de "holdings" e não tem influência política no governo. É um setor oprimido pelo imperialismo. Vive das migalhas da alta burguesia, cujos grupos econômicos retratamos anteriormente.

As "Teses" denominam erradamente burguesia nacional a um setor da alta burguesia, apresentado como não tendo ligações com os monopólios estrangeiros. A verdade, entretanto, é que toda a alta burguesia está ligada ao capital estrangeiro e ao latifúndio, e nada tem a ver com a burguesia nacional, denominação que, se fosse aceita, somente poderia ser aplicada à média e pequena burguesia.

Em conseqüência do enfoque errado do problema da burguesia e de sua estrutura, as "Teses" 13, 35 e 51 cometem os maiores absurdos em nome da burguesia nacional. E o pior é que, confundindo a burguesia nacional (média e pequena burguesia) com a grande burguesia, as "Teses" ficam subordinadas a esta última.

O Poder Estatal da Revolução

Partindo de premissas erradas sobre a burguesia, as "Teses" estabelecem que o poder estatal da revolução deverá ser constituído pelas classes e estratos que participem da luta contra o imperialismo e o latifúndio, e terá caráter pluripartidário, a fim de permitir que os diversos setores do bloco de classes revolucionário se manifestem livremente (Tese 37).

Em seguida, a Tese 38 formula o programa que deve ser cumprido pelo novo poder, de caráter pluripartidário. O programa prescrito exige a libertação completa do domínio imperialista, a eliminação do latifúndio e das sobrevivências feudais, a reforma agrária radical e assim sucessivamente.

É impossível, porém, para um poder estatal revolucionário do qual faz parte a burguesia, em regime pluripartidário, realizar os objetivos assinalados, inclusive a reforma agrária radical. Isto somente se daria com a burguesia brasileira se ela estivesse desvinculada dos monopólios imperialistas e do latifúndio.

Acrescente-se o fato de que o programa chega até a prever a distribuição dos frutos do desenvolvimento em benefício principal das massas trabalhadoras da cidade e do campo, o que somente é possível com a eliminação da contradição entre a propriedade privada dos bens de produção e consumo e o caráter social da produção, ou seja, a liquidação do capitalismo. Estaríamos diante de uma situação em que o capitalismo seria liquidado por um poder estatal do qual participasse a burguesia.

As "Teses" entram em contradição consigo mesmas, porque, ou o programa é demasiado avançado e esquerdista, e de sua execução não pode participar a burguesia, como membro de um poder estatal pluripartidário, ou então, o que adota é uma posição de ilusão de classe, esperando o consentimento da burguesia para medidas opostas a seus interesses.

Tais incongruências ocorrem nas "Teses" porque se quer aceitar a crença de que a burguesia é a força capaz de servir de líder à revolução brasileira.

Ilusões de Classe

As ilusões em relação à burguesia constituem o fio condutor das "Teses", e é isto que se revela nitidamente no capítulo V sobre a tática atual.

Em nenhum ponto desse capítulo se chama a atenção para a oposição popular à ditadura. Ao contrário, destaca-se que setores burgueses prejudicados pela política econômico-financeira se opõem à ditadura. "Sua oposição à ditadura — afirma a Tese 51 — apesar de ser vacilante e tendente ao compromisso, é de importante significação para o fortalecimento da frente democrática".

Em vez de uma oposição pelas bases, partindo de baixo, da força das massas nas empresas, nos bairros, nas escolas, no campo, recomenda-se, na Tese 53, empenhar-se tenaz e perseverantemente em unificar a ação de todas as forças e personalidades políticas que resistam à ditadura. Essa preocupação com as personalidades políticas, pertencentes geralmente à burguesia, preocupação que leva a abdicar de qualquer direito de crítica, é o que levou tantos militantes a ilusões amargas sobre líderes burgueses como Jânio, Adhemar, Juscelino, Amaury Kruel, Carlos Lacerda e tantos outros.

A Tese 54 dá relevo à oposição de personalidades e de setores dos partidos extintos, assim como à oposição parlamentar e, principalmente, do MDB, e acrescenta:

"Ainda débil e tímida, essa oposição, que se expressa principalmente no Movimento Democrático Brasileiro, constitui fator positivo para a mobilização das forças populares".

A vida já se encarregou de destruir essa ilusão. O MDB acomodou-se à ditadura de Castelo Branco e agora volta-se para Costa e Silva. Em seguida, pede o apoio a manifestações em defesa das liberdades, propondo-se aumentar a oposição burguesa.

Ainda dentro do mesmo plano das ilusões de classe, surge o problema das Forças Armadas, apresentadas em nossas atividades práticas como forças democráticas. Continua-se acreditando que "setores das Forças Armadas virão a participar, com o povo, da luta do movimento de massas", subestimando-se assim a importância do trabalho no seio das Forças Armadas, trabalho de vanguarda que deve ser realizado ali com o objetivo concreto de atrair para o lado do povo os elementos militares revolucionários.

Sobre o Caminho da Revolução e as Formas de Luta

As "Teses" temem tomar posição quanto ao caminho da revolução. Não se definem pela via armada, nem pela pacífica. No passado se absolutizou o caminho pacífico. As "Teses" atuais fogem ao problema. A redação reticente e indecisa das "Teses" mostra que se esperam mudanças na situação por meios graduais e pacíficos, com base nas contradições internas e na reação da burguesia contra o atual estado de coisas.

As "Teses" insinuam o caminho eleitoral como saída, afirmando que através de eleições é possível infligir derrotas que debilitem a ditadura, apressando desta forma sua derrubada (Tese 59). Não se levou em conta a situação criada depois do golpe e se raciocina como se estivéssemos sob o governo de Goulart, quando, apesar das limitações flagrantes feitas à democracia, ainda era possível eleger candidatos chamados nacionalistas. Sob a ditadura, as eleições passaram a ser uma farsa total e, na verdade, constituem uma cobertura do governo despótico, que fez das eleições e do Congresso instrumentos seus. As "Teses" se limitam a falar de formas de luta, o que é diferente de falar do caminho da revolução. As formas de luta podem ser pacíficas ou não, e isto constitui apenas uma questão tática. Formas de luta, violentas ou não, podem coexistir.

O que está exposto na Tese 58 sobre a coexistência de formas de luta elementares e legais, em certas regiões, com formas de luta mais elevadas como a luta armada, em outras regiões, é algo que ocorre até no Vietnã, onde, no entanto, o caminho geral seguido é o da luta armada. O que é preciso definir sempre é o caminho geral, coisa que no documento do Comitê Central permanece em branco.

As "Teses" tergiversam o caminho da revolução quando afirmam que o governo ditatorial, com o apoio do imperialismo norte-americano, poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou da guerra civil (Tese 60).

É curioso que a ditadura e o imperialismo norte-americano já tenham empregado a violência contra o povo, que o neofascismo já tenha sido implantado no Brasil, e que só agora as "Teses" afirmem que o governo ditatorial, com o apoio do imperialismo, virá um dia a nos impor a luta armada.

A fim de evitar o pronunciamento sobre o caminho armado da revolução, as "Teses" evitam cuidadosamente falar de derrubar, pôr fim à ditadura, preferindo, em substituição a estas expressões, a palavra derrota, usada nas Teses 60 e 61.

Mas o fundamental é consignar a necessidade de preparar o Partido e as massas para a luta armada como saída revolucionária, como perspectiva básica para derrubar a ditadura ou enfrentar a agressão armada do imperialismo.

Esta luta se prepara pacientemente — com tal objetivo se abarcam todas as forças dispostas a derrubar a ditadura — utilizando a violência das massas através das armas. Trata-se da luta armada, indicada como caminho da revolução, caminho diferente da saída pacífica, esta sim irrealizável e ilusória.

A Questão do Governo e das Crises do Governo

Afirma-se, na Tese 61, que o governo das forças antiditatoriais, que surgirá com a derrota da ditadura, poderá ser mais ou menos avançado.

Estamos em face de uma tese espontaneísta, alheia portanto ao marxismo-leninismo.

Os comunistas sempre apresentam às massas, com clareza, o tipo de governo pelo qual lutam. As "Teses" renunciam à aplicação de tal princípio, porque admitem a liderança da burguesia, e que ela substitua o governo ditatorial. Somente então, segundo as mencionadas teses, será possível verificar o maior ou menor grau de avanço do novo governo e as condições para uma adesão, e prosseguir a luta.

Com esta teoria, é impossível para o Partido exercer qualquer liderança, e terá que continuar a reboque da burguesia.

Esta idéia espontaneísta é desenvolvida nas Teses 62 e 63, nas quais se dá um grande peso às contradições internas do bloco que participou do golpe de abril como fator de debilitamento da ditadura, de novos golpes e crises de governo. Afirma-se que a impopularidade e o isolamento da ditadura podem conduzir setores das classes dominantes a substituírem o governo reacionário, excluindo a participação dos trabalhadores e do povo.

Não podemos negar a possibilidade de um golpe dentro do golpe. Porém o que não podemos fazer é ficar à espera de que isto ocorra.

Uma coisa é tomar uma posição concreta face a uma realidade concreta. Outra muito diferente é ver numa hipótese abstrata um caminho para livrar-nos da ditadura, como o fazem as "Teses".

A situação atual já é demasiadamente reacionária para que se possa pensar em impedir outra solução reacionária, proveniente de um novo golpe. Também é ilusório pensar na reconquista das liberdades pela ação das massas, no momento em que setores das classes dominantes se dispuserem a substituir o governo da ditadura.

Esta maneira duvidosa de enfrentar a realidade somente pode levar os comunistas e as massas à passividade.

As "Teses" idealizam essas hipóteses variadas para evitar falar da perspectiva da insurreição popular e da guerra civil, para esquivar-se a uma definição com respeito ao caminho da revolução brasileira.

Tais concepções somente podem levar as massas a não se preparar, e ficar sem nenhuma perspectiva de resolver a situação brasileira através de seus próprios esforços, a serem surpreendidas por um golpe, terminando esmagadas, sem liderança e sem organização. A tática apresentada pelas "Teses" baseia-se, finalmente, numa saída sob a liderança da burguesia. Os que desejam ver o Brasil livre da ditadura e do imperialismo não podem confiar em tal tática.

Sobre a Autocrítica

A Tese 64 incide num erro teórico, ao admitir a existência de uma linha política, acertada ou não, independente da concepção da revolução. Pois não há linha política abstrata. Toda linha política obedece a uma determinada concepção ideológica. Cai-se neste equívoco, porque não se quer confessar que há erros na linha política do V Congresso, e se pretende ocultar a falta de condições ideológicas da direção para conduzir a revolução e o Partido.

Na verdade, o que existe em nosso Partido, principalmente a partir do governo de Kubitschek, é uma incrível influência da ideologia burguesa.

A Tese 66 acredita que foi algo extremado pedir o confisco dos estoques de mercadorias, a nacionalização de moinhos e frigoríficos. Mas, naquela situação, com que palavras-de-ordem seríamos capazes de mobilizar as massas? Pedindo calma e moderação face aos aumentos?

A Tese 66 também mostra que pedimos medidas contrárias à burguesia rural e ao campesinato médio, exigindo que 75% dos créditos agropecuários fossem concedidos às propriedades de área inferior a 100 hectares.

As propriedades de área inferior a 100 hectares representam cerca de 89% do total dos estabelecimentos agrícolas e quase 60% da área agrícola. Era mais que justo reivindicar 75% do crédito para a maioria das propriedades, e para a maioria das áreas agrícolas. As "Teses" querem descobrir esquerdismo onde não o há, e isto tão somente porque pretendem justificar, a qualquer preço, erros cometidos por ilusão de classe.

A Tese 67 afirma que, devido ao agravamento da luta política, da repressão policial e das limitações legais, o perigo agora é o sectarismo e o esquerdismo.

Com essa concepção, em vez de estimular o espírito combativo do Partido, o que buscam as "Teses" é dar-lhe um banho de água fria.

E assim continuaremos cautelosos, acomodados, à espera das condições legais e do debilitamento da ditadura.

Fazendo autocrítica por erros de esquerdismo, as "Teses" fogem ao combate contra a influência ideológica da burguesia e à luta contra as ilusões de classe.

Sobre a Situação Internacional

O capítulo das "Teses" dedicado à situação internacional limita-se apenas a constatações. Ali se assinalam fenômenos da crise geral do capitalismo, e a agressão ao Vietnã e São Domingos (Tese 23). Chama a atenção para a agressividade crescente do imperialismo (Tese 24). Mostra-se que a situação internacional se desenvolve favoravelmente, que a política de coexistência pacífica e não intervenção conquista a consciência de amplas massas, que se intensifica a ação contra o imperialismo, a despeito das divergências com a China (Tese 25). A Tese 26 mostra que a tarefa primordial é defender a paz. A Tese 27 indica o aumento da intervenção norte-americana na América Latina, o estímulo aos golpes de estado, a transformação das Forças Armadas latino-americanas em ponto de apoio à repressão dos Estados Unidos aos povos. A Tese 28 particulariza o propósito norte-americano de esmagar Cuba. A Tese 29 ressalta o crescimento das lutas emancipadoras, a importância da Conferência de Solidariedade Intercontinental, e que o imperialismo norte-americano é o inimigo principal dos povos da América Latina.

Fazer tais constatações não é, porém, bastante. Nem é tudo. Exatamente o mais importante é o que está focalizado neste capítulo. E é a questão de saber como enfrentar os problemas da situação internacional, como organizar a luta para impedir que os Estados Unidos prossigam a brutal guerra contra o Vietnã, dispondo de absoluta tranqüilidade na retaguarda latino-americana, onde o Brasil constitui o principal ponto de apoio do imperialismo ianque. A conclusão que se impõe é que devemos lutar pela UNIDADE DAS FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS LATINO-AMERICANAS NA AÇÃO CONTRA O IMPERIALISMO DOS ESTADOS UNIDOS, na luta pela derrubada das ditaduras serviçais ao governo norte-americano, como é o caso do Brasil.

A agressividade do imperialismo ianque pode levá-lo à ocupação armada de nosso país; será necessário prever a luta armada contra o agressor, em qualquer conjuntura da situação internacional.

Sugestões a serem apresentadas

Em virtude da impraticabilidade das "Teses", cabe fazer algumas sugestões, buscando contribuir para a elaboração de uma linha política mais de acordo com a realidade brasileira.

Entre essas sugestões à mais alta instância partidária, surge a questão do trabalho entre os camponeses. Na prática, é o problema do aliado fundamental do proletariado.

A burguesia não pode continuar sendo considerada, como até o momento, o aliado fundamental do proletariado.

Sempre que isto ocorra, a revolução marcará passo e o movimento de massas não mudará de qualidade, não se desenvolverá até o ponto de ameaçar o poder das classes dominantes e conquistá-lo.

Em 1960, no V Congresso, já havia sido adotada uma resolução sobre a elaboração do Programa Agrário, que não foi cumprida.

A subestimação do Programa Agrário revela que o Comitê Central continua apegado à idéia de que a liderança da revolução brasileira cabe à burguesia.

Cremos que a resolução de adotar um Programa Agrário e a decisão de transformar o trabalho entre os camponeses numa tarefa de todo o Partido, nacionalmente, contribuirão de modo profundo para modificar o curso dos acontecimentos no Brasil.

Estamos em face de um problema vital — o problema do campesinato na revolução brasileira — e diante deste problema não podemos cruzar os braços.

Outra sugestão importante refere-se à união das forças populares como objetivo tático atual.

A atual ditadura não representa os interesses do povo brasileiro.

No plano exterior, todos os seus atos tendem a colocar nosso país na órbita norte-americana. Chega até a prometer ajuda à política colonialista de Portugal.

No plano interno, sua política econômico-financeira, ao mesmo tempo que propicia o controle de grande parte das empresas brasileiras, públicas e privadas, pelos grupos norte-americanos, assegura também, a um número reduzido de grandes capitalistas, a possibilidade de obter enormes lucros.

Através da Constituição fascista, da Lei de Segurança, da Lei de Imprensa e de outras medidas que institucionalizam a ditadura, os ocupantes do poder procuram impedir todas as formas de pronunciamento popular.

Embora tais medidas possam parecer suficientes para garantir a tranqüilidade dos grupos que nos dominam, outras hipóteses estão igualmente previstas. Medidas semelhantes não foram bastantes para impedir protestos populares em outros países, e as previsões dos norte-americanos não excluem a possibilidade de que o mesmo ocorra em nosso país, dado o crescente descontentamento popular. Por conseguinte, convém ao imperialismo que se crie uma força de reserva, destinada a substituir os atuais agentes quando faltarem as condições para sua permanência. Promovendo a substituição de dirigentes desgastados pelo uso do poder por outros que se apresentem como mais liberais, novas ilusões poderiam ser criadas, com base em concepções que não girem em torno das questões básicas. Foi o que aconteceu em São Domingos, e no Equador. Neste caso, a promessa de instalação de um governo que assegurasse algumas liberdades seria uma forma de desviar nossa atenção da luta pela independência nacional.

As forças populares terão assim de iniciar sua própria luta, sob uma bandeira que seja sua e que permita o estabelecimento da unidade de todas as tendências que lutam pela independência nacional. Através dessa unidade terão condições para convocar e mobilizar as camadas sociais interessadas na incorporação de todo o povo à vida política, econômica e social da nação.

Embora existam dificuldades para a união das forças populares, elas não podem ter o mesmo caráter das divergências que nos separam das correntes políticas ligadas ao imperialismo. Sem ignorar as disputas que existam dentro do atual regime, aproveitando-as na medida em que possam servir à nossa luta, devemos manter uma posição de independência que permita levar o combate contra a ditadura até suas últimas conseqüências. Nosso objetivo não é somente alcançar algumas liberdades formais, com a atenuação ou eliminação de uma ditadura por pressões políticas ou armadas, que podem inclusive favorecer os interesses do imperialismo. Nosso objetivo é de maior alcance: substituir tal governo ditatorial por um governo que assegure a independência do país. E isto não será possível pela via pacífica, mas sim pela via armada e com a unidade das forças populares.

Dentro do mesmo critério construtivo, de tratar de oferecer sugestões e elementos de juízo para a elaboração da nova linha política, tarefa que cabe à mais alta instância do Partido, destacamos algumas questões teóricas.

Uma delas é assinalar a natureza da concentração capitalista e a tendência objetiva para a associação que, na prática, corresponde à fusão do capital bancário, industrial e agrário, nas condições, por exemplo, de um país como o Brasil, dominado pelo capital monopolista estrangeiro. Caberia esclarecer, ao final dos debates, face à moderna evolução do capital e ao agravamento da crise geral do capitalismo, se já não está ultrapassado o ciclo liberal das revoluções burguesas, de caráter progressista.

Neste caso, caberia determinar se a burguesia no poder — ou em vias de conquistá-lo — pode exercer qualquer liderança na revolução, já que prefere a aliança com o imperialismo. E até mesmo se a burguesia aceita a participação do proletariado na luta democrática, ou se a tendência da burguesia não é suprimir a chamada democracia representativa e assim afastar a possibilidade de expansão do movimento de massas encabeçado pelo proletariado.

Nas sugestões sobre a etapa final dos debates, cremos necessário que sejam delineadas as medidas propostas pelos comunistas com vistas à nacionalização das empresas imperialistas existentes no país. Este é um ponto de importância capital, que dará clareza à luta anti-imperialista e facilitará a atração de aliados para o movimento de libertação do nosso povo.

É também de suma importância que, na mais alta instância do Partido, seja definido o caminho da revolução brasileira, esclarecida a questão da luta pela hegemonia no processo revolucionário, assim como as características que o Partido deve ter para fazer face às tarefas impostas pela realidade histórica do país. Isto exige a adoção de estatutos conseqüentes com a estrutura e a atividade de um Partido revolucionário que aspira ao poder, e coloca na ordem do dia a unidade do Partido em torno dos princípios marxistas-leninistas.


Inclusão 26/08/2011