Miséria da Filosofia
Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon

Karl Marx


Capítulo II — A Metafísica da Economia Política
§ I — O Método

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Eis-nos em plena Alemanha! Teremos agora de falar metafísica, sem deixar de falar, ao mesmo tempo, economia política. E, nisto também, não fazemos senão seguir as "contradições" do sr. Proudhon. Ainda há pouco ele nos forçava a falar inglês, de nos tornar nós mesmos sofrivelmente ingleses. Agora a cena muda. O sr. Proudhon nos transporta para a nossa cara pátria e nos obriga a readquirir, sem consultar-nos a vontade, a nossa qualidade de alemão.

Se o inglês transforma os homens em chapéus, o alemão transforma os chapéus em ideias. O inglês é Ricardo, rico banqueiro e distinto economista; o alemão é Hegel, simples professor de filosofia na Universidade de Berlim.

Luís XV, último rei absoluto, e que representava a decadência da realeza francesa, tinha ligado à sua pessoa um médico que era o primeiro economista da França. Este médico, este economista representava o triunfo iminente e seguro da burguesia francesa. O doutor Quesnay fez da economia política uma ciência; ele a resumiu no seu famoso Tableau économique. Além dos mil e um comentários que apareceram sobre esse "quadro", possuímos um do próprio doutor. É a "análise do quadro econômico", seguida de "sete observações importantes."

O sr. Proudhon é um outro doutor Quesnay. É o Quesnay da metafísica da economia política.

Ora, a metafísica, a filosofia inteira se resume, segundo Hegel, no método. É preciso, pois, que procuremos esclarecer o método do sr. Proudhon, que é pelo menos tão tenebroso quanto o "Tableau économique". É por isso que apresentamos sete observações, mais ou menos importantes. Se o doutor Proudhon não ficar satisfeito com nossas observações, ele que se torne em abade Baudeau e dê, ele próprio, a "explicação do método econômico-metafísico".

Primeira observação

"Nós não fazemos uma história segundo a ordem do tempo, mas segundo a sucessão das ideias. As fases ou categorias econômicas são, na sua manifestação, às vezes contemporâneas às vezes intervertidas... As teorias econômicas não têm menos, por isso, a sua sucessão lógica e sua série no entendimento: é esta ordem que nós nos gabamos de haver descoberto" (Proudhon, t. I, pág. 146).

Decididamente, o sr. Proudhon quis meter medo aos franceses, atirando-lhes à face frases quase-hegelianas. Temos, assim, de lidar com dois homens: em primeiro lugar com o sr. Proudhon, e depois com Hegel. Em que se distingue o sr. Proudhon dos outros economistas? E Hegel, que papel desempenha na economia política do sr. Proudhon?

Os economistas exprimem as relações da produção burguesa, a divisão do trabalho, o crédito, a moeda, etc., como categorias fixas, imutáveis, eternas. O sr. Proudhon, que tem diante de si estas categorias já formadas, quer nos explicar o ato de formação, a geração destas categorias, princípios, leis, ideias, pensamentos.

Os economistas nos explicam como se produz nestas relações dadas, mas o que eles não nos explicam é como estas relações se produzem, isto é, o movimento histórico que as faz nascer. O sr. Proudhon, tendo tomado estas relações como princípios, categorias, pensamentos abstratos, não tem senão, que pôr em ordem estes pensamentos, que se encontram dispostos alfabeticamente no fim de qualquer tratado de economia política. Os materiais dos economistas são constituídos pela vida ativa e atuante dos homens, os do sr. Proudhon, pelos dogmas dos economistas. Mas desde que não se visa o movimento histórico das relações da produção, das quais as categorias não são senão a expressão teórica, desde que não se quer ver mais nestas categorias senão ideias, pensamentos espontâneos, independentes das relações reais, somos sem dúvida forçados a indicar como origem destes pensamentos o movimento da razão pura. Como a razão pura, eterna, impessoal faz nascer estes pensamentos? Como procede para os produzir?

Se tivéssemos a intrepidez do sr. Proudhon em matéria de hegelianismo, diríamos: ela se distingue nela mesma dela mesma. Que significa isto? A razão impessoal não tendo fora dela terreno sobre o qual possa se pôr, nem objeto a que se possa opor, nem sujeito com que se possa compor, ela se vê forçada a dar uma cambalhota, pondo-se, opondo-se e compondo-se — posição, oposição, composição. Recorrendo ao grego, temos a tese, a antítese e a síntese. Quanto aos que não conhecem a linguagem hegeliana, nós lhes apresentamos a fórmula sacramental: afirmação, negação e negação da negação. Eis o que tudo isto significa. Não se trata certamente do hebraico, e que isso não desagrade ao sr. Proudhon; mas é a linguagem desta razão tão pura, separada do indivíduo. Em vez do indivíduo comum, com sua maneira comum de falar e de pensar, não temos outra coisa senão esta maneira comum toda pura menos o indivíduo.

Devemos nos espantar de que todas as coisas, em última abstração, pois há abstração e não análise, se apresentem no estado de categoria lógica? Devemos nos espantar de que, deixando cair pouco a pouco tudo o que constitui o "individualismo" de uma casa, fazendo abstração dos materiais de que ela se compõe e da forma que a distingue, chegássemos a não ter mais que um corpo — pois fazendo abstração dos limites deste corpo não teríamos logo senão um espaço — de que, enfim, fazendo abstração das dimensões deste espaço, acabaríamos por não ver mais senão a quantidade em toda a sua pureza, a categoria lógica? À força de abstrair assim de todo sujeito todos os pretensos acidentes, animados ou inanimados, homens ou coisas, temos razão de dizer que em última abstração chegamos a ter como substância as categorias lógicas. Assim os metafísicos que, fazendo estas abstrações, imaginam fazer análise, e que, à medida que se afastam cada vez mais dos objetos, imaginam se aproximar deles a ponto de penetrá-los, têm, por sua vez, razão de dizer que as coisas aqui da terra são bordados, cuja talagarça é formada pelas categorias lógicas. Eis o que distingue o filósofo do cristão. O cristão não tem senão uma encarnação do Logos, a despeito da lógica; o filósofo não acaba nunca com as encarnações. Que tudo o que existe, que tudo o que vive sobre a terra e sob a água, possa, à força de abstração, ser reduzido a uma categoria lógica; e que, deste modo, todo o mundo real possa submergir no mundo das abstrações, no mundo das categorias lógicas — quem se espantará com isso?

Tudo o que existe, tudo o que vive sobre a terra e sob a água, não existe, não vive senão por um movimento qualquer. Assim, o movimento da história produz as relações sociais, o movimento industrial nos dá os produtos industriais, etc.

Do mesmo modo como à força de abstração transformamos todas as coisas em categorias lógicas, do mesmo modo não temos senão de fazer abstração de qualquer caráter distintivo dos diferentes movimentos, para chegarmos ao movimento em estado abstrato, ao movimento puramente formal, à fórmula puramente lógica do movimento. Se encontramos nas categorias lógicas a substância de todas as coisas, imaginamos encontrar na fórmula lógica do movimento o método absoluto, que não somente explica todas as coisas, mas que implica ainda o movimento da coisa.

É este método absoluto de que Hegel fala nestes termos:

"O método é a força absoluta, única, suprema, infinita, à qual nenhum objeto poderia resistir; é a tendência da razão em se reconhecer ela própria em todas as coisas" (Lógica, t.III).

Toda coisa sendo reduzida a uma categoria lógica, e todo movimento, todo ato de produção ao método, segue-se naturalmente que todo conjunto de produtos e de produção, de objetos e de movimento, se reduz a uma metafísica aplicada. O que Hegel fez em relação à religião, ao direito, etc., o sr. Proudhon procura fazer em relação à economia política.

Que é, pois, assim este método absoluto? A abstração do movimento. Que é a abstração do movimento? O movimento no estado abstrato. Que é o movimento no estado abstrato? A fórmula puramente lógica do movimento ou o movimento da razão pura. Em que consiste o movimento da razão pura? Em se pôr, em se opor, em se compor, em se formular como tese, antítese, síntese, ou então em se afirmar, em se negar, em negar sua negação.

Como faz a razão para se afirmar, para se apresentar como categoria determinada? É a tarefa da própria razão e de seus apologistas.

Mas, uma vez que conseguiu a se afirmar como tese, esta tese, este pensamento, oposto a ele mesmo, se desdobra em dois pensamentos contraditórios, o positivo e o negativo, o sim e o não. A luta destes dois elementos antagonistas, encerrados na antítese, constitui o movimento dialético. O sim tornando-se não, o não tornando-se sim, o sim tornando-se ao mesmo tempo sim e não, o não tornando-se ao mesmo tempo não e sim, os contrários se equilibram, se neutralizam, se paralisam. A fusão destes dois pensamentos contraditórios constitui um pensamento novo, que é a sua síntese. Este pensamento novo se desenvolve ainda em dois pensamentos contraditórios, que se fundem por sua vez numa nova síntese. Nesse trabalho de reprodução nasce um grupo de pensamentos. Este grupo de pensamentos segue o mesmo movimento dialético de uma categoria simples, e tem por antítese um grupo contraditório. Destes dois grupos de pensamentos nasce um novo grupo de pensamentos que é a sua síntese.

Do mesmo modo como do movimento dialético das categorias simples nasce o grupo, do movimento dialético dos grupos nasce a série, e do movimento dialético das séries nasce todo o sistema.

Aplicai este método às categorias da economia política, e tereis a lógica e a metafísica da economia política, ou, em outros termos, tereis as categorias econômicas conhecidas de toda gente, traduzidas numa linguagem pouco conhecida, que lhes dá o ar de terem acabado de desabrochar numa cabeça de razão pura; de tal modo estas categorias parecem se engendrar uma das outras, se encadear e se enredar umas nas outras tão somente pelo trabalho do movimento dialético. Que o leitor não se espante com esta metafísica com toda a sua andaimaria de categorias, grupos, séries e sistemas. O sr. Proudhon, apesar dos grandes esforços que fez para escalar a altura do sistema das contradições, jamais conseguiu elevar-se acima dos dois primeiros degraus da tese e da antítese simples, e ainda não os alcançou senão duas vezes, e, numa dessas duas vezes, caiu de costas.

Não expusemos até agora senão a dialética de Hegel. Veremos mais tarde como o sr. Proudhon conseguiu reduzi-la às mais mesquinhas proporções. Para Hegel, tudo o que se passou e o que ainda se passa é justamente o que se passa em seu próprio raciocínio. Assim, a filosofia da história não é mais do que a história da filosofia, de sua própria filosofia. Não há mais "história segundo a ordem do tempo", mas apenas "a sucessão das ideias no entendimento". Ele acredita construir o mundo pelo movimento do pensamento, quando não faz mais do que reconstruir sistematicamente e ordenar de acordo com o método absoluto os pensamentos que estão na cabeça de toda gente.

Segunda observação

As categorias econômicas não são senão as expressões teóricas, as abstrações das relações sociais da produção. O sr. Proudhon, como verdadeiro filósofo, tornando as coisas pelo avesso, não vê nas relações reais senão as encarnações destes princípios, destas categorias, que dormitavam, diz-nos ainda o sr. Proudhon filósofo, no seio "da razão impessoal da humanidade".

O sr. Proudhon economista compreendeu muito bem que os homens fabricam os tecidos de lã, os tecidos de algodão e os de seda, em relações determinadas de produção. Mas o que ele não compreendeu é que estas relações sociais determinadas são também produzidas pelos homens, do mesmo modo como os tecidos de algodão, de linho, etc. As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção, e mudando o modo de produção, a maneira de ganhar a vida, eles mudam todas as suas relações sociais. O moinho de mão dar-vos-á a sociedade com o suserano; o moinho a vapor, a sociedade com o capitalista industrial.

Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade material, produzem também os princípios, as ideias, as categorias, de acordo com suas relações sociais.

Assim, estas ideias, estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. São produtos históricos e transitórios.

Há um movimento contínuo de aumento das forças produtivas, de destruição nas relações sociais, de formação nas ideias; de imutável não existe senão a abstração do movimento — mors immortalis.

Terceira observação

As relações de produção de toda sociedade formam um todo. O sr. Proudhon considera as relações econômicas como outras tantas fases sociais, engendrando uma a outra, resultando uma da outra como a antítese da tese, e realizando na sua sucessão lógica a razão impessoal da humanidade.

O único inconveniente que existe neste método é que, abordando o exame de uma única destas fases, o sr. Proudhon não possa explicá-la sem recorrer a todas as outras relações da sociedade, relações que, contudo, ele ainda não fez engendrar pelo seu movimento dialético. Quando, em seguida, o sr. Proudhon, por meio da razão pura, passa à criação das outras fases, ele procede como se tratasse de crianças recém-nascidas, esquecendo-se de que são da mesma idade que a primeira.

Assim, para chegar à constituição do valor, que para ele é a base de todas as evoluções econômicas, não podia dispensar a divisão do trabalho, a concorrência, etc. Contudo, na série, no entendimento do sr. Proudhon, na sucessão lógica, estas relações ainda não existiam.

Quando se constrói com as categorias da economia política o edifício de um sistema ideológico, os membros do sistema social são deslocados. Os diferentes membros da sociedade são transformados em outras tantas sociedades à parte, que chegam umas depois das outras. Como, com efeito, poderia a fórmula lógica do movimento, da sucessão, do tempo, explicar sozinha o corpo da sociedade, no qual todas as relações coexistem simultaneamente e se sustentam umas às outras?

Quarta observação

Vejamos agora quais as modificações que o sr. Proudhon introduz na dialética de Hegel ao aplicá-la à economia política.

Para o sr. Proudhon, toda categoria econômica tem dois lados, um bom e outro mau. Ele considera as categorias como o pequeno-burguês considera os grandes homens da história: Napoleão é um grande homem, ele fez muita cousa boa, mas também fez muita cousa má.

O lado bom e o lado mau, a vantagem e a desvantagem, considerados em conjunto, formam para o sr. Proudhon a contradição em cada categoria econômica.

Problema a resolver: conservar o lado bom, eliminando o mau.

A escravidão é uma categoria econômica como qualquer outra. Logo, ela tem também seus dois lados. Deixemos o lado mau e falemos do lado bom da escravidão: que fique bem entendido que se trata apenas da escravidão direta, da escravidão dos negros no Suriname, no Brasil, nas regiões meridionais da América do Norte.

A escravidão direta é o "pivot" da indústria burguesa, do mesmo modo como as máquinas, o crédito, etc. Sem a escravidão, não teríamos a indústria moderna. Foi a escravidão que deu às colônias o seu valor, foram as colônias que criaram o comércio mundial, é o comércio mundial que é a condição da grande indústria. Assim, a escravidão é uma categoria econômica da maior importância.

Sem a escravidão, a América do Norte, país dos mais progressistas, transformar-se-ia num país patriarcal. Tirai a América do Norte do mapa do mundo, e tereis a anarquia, a decadência completa do comércio e da civilização modernos. Fazei desaparecer a escravidão, e tereis anulado a América do mapa dos povos.

E também a escravidão, porque é uma categoria econômica, sempre esteve nas instituições dos povos. Os povos modernos conseguiram apenas disfarçar a escravidão em seu próprio país, tendo-a imposto sem disfarce ao novo mundo.

Como fará o sr. Proudhon para salvar a escravidão? Ele apresentará o problema , conservar o lado bom desta categoria econômica, e eliminar o mau.

Hegel não tem problemas a colocar. Não tem senão a dialética. O sr. Proudhon da dialética de Hegel tem apenas a linguagem. O movimento dialético, para ele, é a distinção dogmática do bom e do mau.

Tomemos, por um momento, o próprio sr. Proudhon como categoria. Examinemos seu lado bom e seu lado mau, suas vantagens e suas desvantagens.

Se ele tem sobre Hegel a vantagem de colocar problemas, os quais trata de resolver para o maior bem da humanidade, tem o inconveniente de ser atacado de esterilidade quando se trata de engendrar pelo trabalho de elaboração dialética uma categoria nova. O que constitui o movimento dialético é a coexistência dos dois lados contraditórios, a sua luta e a sua fusão numa categoria nova. Basta colocar o problema de eliminar o lado mau para se pôr termo ao movimento dialético. Não é a categoria que se põe e se opõe a ela mesma por sua natureza contraditória, é o sr. Proudhon que se emociona, se debate e se agita entre os dois lados da categoria.

Surpreendido assim num impasse, de onde é difícil de sair pelos meios legais, o sr. Proudhon dá um verdadeiro salto que o transporta de uma só vez a uma categoria nova. É então que se desvenda diante de seus olhos espantados a série no entendimento.

Ele toma a primeira categoria que aparece, e atribui-lhe arbitrariamente a qualidade de remediar os inconvenientes da categoria que se trata de depurar. Assim, os impostos corrigem, a dar-se crédito ao sr. Proudhon, os inconvenientes do monopólio; a balança do comércio, os inconvenientes dos impostos; a propriedade territorial, os inconvenientes do crédito.

Tomando assim sucessivamente as categorias econômicas uma a uma, e fazendo desta o antídoto daquela, o sr. Proudhon chega a fazer, com esta mistura de contradições e de antídotos para as contradições, dois volumes de contradições, que intitulou com propriedade: Le système des contradictions économiques.

Quinta observação

"Na razão absoluta todas estas ideias... são igualmente simples e gerais... Com efeito, não chegamos à ciência senão por uma espécie de superposição de nossas ideias. Mas a verdade em si é independente de suas figuras dialéticas e livre das combinações de nosso espírito" (Proudhon, t. II, pág. 97).

Eis como, de repente, por uma espécie de reviramento de que conhecemos agora o segredo, a metafísica da economia política tornou-se uma ilusão! Jamais o sr. Proudhon acertou tanto. Certamente, desde que o processo do movimento dialético se reduz ao simples processo de opor o bom ao mau, de colocar problemas tendendo a eliminar o mau e de apresentar uma categoria como antídoto para outra, as categorias não têm mais espontaneidade; a ideia "não funciona mais"; ela não tem mais vida em si mesma. Ela não se apresenta nem se decompõe mais em categorias. A sucessão das categorias tornou-se uma espécie de superposição. A dialética não é mais o movimento da razão absoluta. Não há mais dialética, há quando muito moral inteiramente pura.

Quando o sr. Proudhon falava da série no entendimento, da sucessão lógica das categorias, declarava positivamente que não queria apresentar a história segundo a ordem do tempo, ou seja, segundo o sr. Proudhon, a sucessão histórica na qual as categorias se manifestaram. Tudo se passava então para ele no éter puro da razão. Tudo devia decorrer deste éter por meio da dialética. Agora que se trata de pôr em prática esta dialética, a razão deixa de assisti-lo. A dialética do sr. Proudhon não corresponde à dialética de Hegel, e eis que o sr. Proudhon é levado a dizer que a ordem na qual apresenta as categorias econômicas não é mais a ordem na qual elas engendram umas as outras. As evoluções econômicas não são mais as evoluções da própria razão.

Que é, então, que o sr. Proudhon nos apresenta? A história real, ou seja, segundo o entendimento do sr. Proudhon, a sucessão segundo a qual as categorias se manifestaram na ordem dos tempos? Não. A história tal como se passa na própria ideia? Muito menos ainda. Desse modo, nem a história profana das categorias, nem sua história sagrada! Que história nos dá ele enfim? A história de suas contradições. Vejamos como elas marcham e como arrastam o sr. Proudhon.

Antes de abordar este exame, que dá lugar à sexta observação importante, temos ainda outro reparo de importância a fazer.

Admitamos com o sr. Proudhon que a história real, a história segundo a ordem dos tempos, é a sucessão histórica na qual as ideias, as categorias, os princípios se manifestaram.

Cada princípio teve seu século para se manifestar: o princípio de autoridade, por exemplo, teve o século XI, assim como o princípio de individualismo teve o século XVIII. De consequência em consequência, era o século que pertencia ao princípio, e não o princípio que pertencia ao século. Em outros termos, era o princípio que fazia a história, não era a história que fazia o princípio. Quando, em seguida, para salvar tanto os princípios quanto a história, se pergunta porque tal princípio se manifestou no século XI ou no século XVIII, de preferência a qualquer outro século, somos necessariamente levados a examinar de modo minucioso como eram os homens do século XI, como eram os homens do século XVIII, quais eram suas necessidades respectivas, suas forças produtivas, seu modo de produção, as matérias-primas de sua produção, enfim, quais eram as relações de homem a homem que resultavam de todas estas condições de existência. Aprofundar todas estas questões, não é fazer a história real, profana dos homens em cada século, apresentar estes homens ao mesmo tempo como autores e atores de seu próprio drama? Mas ao apresentardes os homens como atores e autores de sua própria história, tereis chegado, por um desvio, ao verdadeiro ponto de partida, pois que abandonastes os princípios eternos de que a princípio faláveis.

O sr. Proudhon não chegou a avançar muito no atalho que o ideólogo toma para alcançar a grande estrada da história.

Sexta observação

Tomemos com o sr. Proudhon o atalho a que aludimos.

Admitamos que as relações econômicas, consideradas como leis imutáveis, princípios eternos, categorias ideais, sejam anteriores aos homens ativos e atuantes; admitamos ainda que estas leis, estes princípios, estas categorias tivessem, desde a origem dos tempos, dormitado "na razão impessoal da humanidade". Já vimos que com todas estas eternidades imutáveis e imóveis não há mais história há quando muito história na ideia, ou seja a história que se reflete no movimento dialético da razão pura. O sr. Proudhon, dizendo que no movimento dialético as ideias não se diferenciam mais, anulou tanto a sombra do movimento como o movimento das sombras, por meio dos quais se poderia, ainda criar, quando muito, um simulacro de história. Em vez disso, ele imputa à história sua própria impotência, culpa tudo, até a língua francesa.

"Não é exato dizer, afirma o sr. Proudhon filósofo, que algo ocorre, algo se produz: na civilização como no universo, tudo existe, tudo age, em todos os tempos. O mesmo se passa com toda a economia social " (Tomo II, pág. 102).

Tal é a força produtora das contradições que funcionam e que fazem funcionar o sr. Proudhon que, querendo assim explicar a história, é obrigado a negá-la; querendo assim explicar o aparecimento sucessivo das relações sociais, nega que algo possa ocorrer; e querendo explicar a produção com todas suas fases, contesta que algo se possa produzir.

Assim, para o sr. Proudhon não há mais história, não há mais sucessão de ideias, e contudo seu livro subsiste sempre;: e este livro é precisamente, segundo a sua própria expressão, a história segundo a sucessão das ideias. Como encontrar uma fórmula, pois o sr. Proudhon é o homem das fórmulas, que o auxilie a transpor, de umsalto, todas as suas contradições?

Para isso ele inventou uma razão nova, que não é nem a razão absoluta, pura e virgem, nem a razão comum dos homens ativos e atuantes nos diferentes séculos, mas que é uma razão inteiramente à parte, a razão da sociedade pessoa, da humanidade como sujeito que, através da pena do sr. Proudhon, aparece também, às vezes, como gênio social, razão geral e, por último, como razão humana. Esta razão, ataviada de tantos nomes, faz-se contudo reconhecer a cada instante como a razão individual do sr. Proudhon, com o seu lado bom e o seu lado mau, seus antídotos e seus problemas.

"A razão não cria a verdade" — oculta nas profundezas da razão absoluta, eterna. Ela não pode senão desvendá-la. Mas as verdades que desvendou até o presente são incompletas, insuficientes e portanto contraditórias. Logo, as categorias econômicas, sendo elas mesmas verdades descobertas, reveladas pela razão humana, pelo gênio social, são igualmente incompletas e encerram o germe da contradição. Antes do sr. Proudhon, o gênio social não vira senão os elementos antagônicos, e não a fórmula sintética, ambos ocultos simultaneamente na razão absoluta. As relações econômicas, não fazendo senão realizar sobre a terra estas verdades insuficientes, estas categorias incompletas, estas noções contraditórias são, pois, contraditórias em si mesma, e apresentam os dois lados, um dos quais é bom, e o outro mau.

Encontrar a verdade completa, a noção em toda a sua plenitude, a fórmula sintética, que anule a economia, eis o problema do gênio social. Eis ainda porque, na ilusão do sr. Proudhon, o mesmo gênio social foi levado de uma categoria a outra, sem ter ainda conseguido, com toda a bateria de suas categorias, tirar de Deus, da razão humana, uma fórmula sintética.

"Em primeiro lugar, a sociedade (o gênio social), coloca um primeiro fato, emite uma hipótese... Verdadeira antinomia, cujos resultados antagônicos se desenrolam na economia social da mesma maneira como as consequências teriam podido ser deduzidas no espírito; de modo que o movimento industrial, seguindo em tudo a dedução das ideias, divide-se numa dupla corrente, uma de efeitos úteis, outra de resultados subversivos para constituir harmonicamente este princípio de dupla face e resolver esta antinomia, a sociedade fez surgir uma segunda, a qual será logo seguida por uma terceira, e tal será a marcha do gênio social, até que, tendo esgotado todas as suas contradições — suponho, mas isto não está provado, que a contradição na humanidade tenha um termo — ele volte de um salto a todas as suas posições anteriores e numa única fórmula resolva todos os seus problemas" (Tomo I, pág. 35).

Do mesmo modo como anteriormente a antítese se transformou em antídoto, a tese torna-se agora hipótese. Esta mudança de termos nada mais encerra que nos possa espantar, da parte do sr. Proudhon. A razão humana, que é nada menos que pura, não tendo uma visão completa das cousas, encontra a cada passo novos problemas a resolver. Cada nova tese que descobre na razão absoluta e que é a negação da primeira tese, torna-se para ela uma síntese, que aceita muito ingenuamente como a solução do problema em questão. É assim que esta razão se debate em contradições sempre novas, até que, não encontrando mais contradições, ela percebe que todas suas teses e sínteses não são senão hipóteses contraditórias. Na sua perplexidade, "a razão humana, o gênio social, volta de um salto a todas as suas posições anteriores e, numa só fórmula, resolve todos os seus problemas." Esta fórmula única, digamo-lo de passagem, constitui a verdadeira descoberta do sr. Proudhon. É o valor constituído.

Não se fazem hipóteses senão quando se tem em vista um fim qualquer. O fim que se propunha em primeiro lugar o gênio social que fala pela boca do sr. Proudhon era eliminar o que há de mau em cada categoria econômica, para não ficar senão o que nela existe de bom. Para ele o bom, o bem supremo, o verdadeiro fim prático, é a igualdade. E porque o gênio social se propunha a igualdade de preferência à desigualdade, à fraternidade, ao catolicismo, ou a qualquer outro princípio? Porque a "humanidade não realizou sucessivamente tantas hipóteses particulares senão tendo em vista uma hipótese superior", que é precisamente a igualdade. Em outras palavras: porque a igualdade é o ideal do sr. Proudhon. Ele imagina que a divisão do trabalho, o crédito e a fábrica, que todas as relações econômicas não foram inventadas senão em benefício da igualdade, e, não obstante tudo isso sempre acabou voltando-se contra ela. Do fato de a história e de a ficção do sr. Proudhon se contradizerem a cada passo, este último conclui que há contradição. Se há contradição, esta existe apenas entre sua ideia fixa e o movimento real.

Doravante o lado bom de uma relação econômica é aquele que afirma a igualdade; o lado mau é aquele que a nega e afirma a desigualdade. Toda nova categoria é uma hipótese do gênio social para eliminar a desigualdade engendrada pela hipótese precedente. Em resumo, a igualdade é a intenção primitiva, a tendência mística, o fim providencial que o gênio social tem constantemente diante dos olhos, ao andar em volta do círculo das contradições econômicas. Também é a Providência a locomotiva que faz andar toda bagagem econômica do sr. Proudhon melhor do que sua razão pura e evaporada. Ele consagrou à Providência um capítulo inteira, que se segue ao dos impostos.

Providência, fim providencial, eis as grandes palavras hoje utilizadas para explicar a marcha da história. De fato estas palavras não explicam nada. Trata-se quando muito de uma forma declamatória, de uma maneira como qualquer outra de parafrasear os fatos.

O que há de fato é que na Escócia as propriedades territoriais alcançaram um valor novo com o desenvolvimento da indústria inglesa. Esta indústria abriu novos escoadouros à lã. Para produzir lã em grande escala era preciso transformar os campos de lavoura em pastagens. Para efetuar esta transformação era preciso concentrar as propriedades. Para concentrar as propriedades, era preciso abolir os pequenos domínios feudais, expulsar milhares de rendeiros do lugar onde haviam nascido, e colocar em seu lugar uns poucos pastores guardando milhões de carneiros. Assim, por transformações sucessivas, a propriedade fundiária teve como resultado na Escócia a expulsão dos homens pelos carneiros. Dizei agora que o fim providencial da instituição da propriedade fundiária na Escócia tinha sido o de fazer expulsar os homens pelos carneiros, e tereis feito história providencial.

Certamente, a tendência à igualdade pertence ao nosso século. Dizer agora que todos os séculos anteriores, com necessidades, meios de produção, etc., inteiramente diferentes, trabalhavam providencialmente para a realização da igualdade, é, antes de tudo, colocar os meios e os homens de nosso século no lugar dos homens e meios dos séculos anteriores, e desconhecer o movimento histórico através do qual as gerações sucessivas transformavam os resultados adquiridos pelas gerações que as precediam. Os economistas sabem muito bem que a mesma cousa que era num caso a matéria trabalhada não é em outro senão a matéria-prima da nova produção.

Suponhamos, como faz o sr. Proudhon, que o gênio social tenha produzido, ou antes improvisado, os senhores feudais com o fim providencial de transformar os colonos em trabalhadores responsáveis e igualitários: e teríamos feito uma substituição de fins e de pessoas inteiramente digna desta Providência que na Escócia instituía a propriedade territorial, para se proporcionar o prazer perverso de fazer expulsar os homens pelos carneiros.

Entretanto, como o sr. Proudhon demonstra um interesse tão terno pela Providência, nós lhe lembramos a Histoire de l’Économie Politique de M. de Villeneuve-Bargemont que, também ele, corre atrás de um fim providencial. Este fim, não é mais a igualdade, é o catolicismo.

Sétima e última observação

Os economistas têm uma maneira singular de proceder. Não existe para eles senão duas espécies de instituições, as da arte e as da natureza. As instituições da feudalidade são as instituições artificiais, as da burguesia são as instituições naturais. Eles se parecem nisto com os teólogos que, eles também, estabelecem duas espécies de religião. Toda religião que não é a sua é uma invenção dos homens, enquanto que a sua própria religião é uma emanação de Deus. Dizendo que as relações atuais — as relações da produção burguesa — são naturais, os economistas dão a entender que se trata de relações nas quais se cria a riqueza e se desenvolvem as forças produtivas de acordo com as leis da natureza. Logo, estas relações são elas mesmas leis naturais independentes da influência do tempo. São leis eternas que devem reger sempre a sociedade. Assim, já existiu história, mas não existe mais. Existiu história, pois que existiram instituições de feudalidade, e que nestas instituições de feudalidade se encontram relações de produção inteiramente diferentes daquelas da sociedade burguesa, que os economistas querem fazer passar por naturais e portanto eternas.

A feudalidade também tinha o seu proletariado — a servidão, que encerrava todos os germes da burguesia. A produção feudal tinha também dois elementos antagônicos, que se designam igualmente pelo nome de lado bom e lado mau da feudalidade, sem se considerar que é sempre o lado mau que acaba levando vantagem sobre o bom. É o lado mau que produz o movimento que faz a história, constituindo a luta. Se, na época do reinado da feudalidade, os economistas, entusiasmados com as virtudes cavalheirescas, com a boa harmonia entre os direitos e os deveres, com a vida patriarcal das cidades, com o estado de prosperidade da indústria doméstica nos campos, com o desenvolvimento da indústria organizada por corporações, mestrados e juízos de ofício, enfim, com tudo o que constitui o lado bonito da feudalidade, se tivessem proposto o problema de eliminar tudo o que obscurece este quadro — servidão, privilégios, anarquia — que teria acontecido? Teriam sido destruídos todos os elementos que constituem a luta, e sufocado em seu germe o desenvolvimento da burguesia. Teria sido colocado o problema absurdo de eliminar a história.

Quando a burguesia venceu, não se cuidou mais nem do lado bom nem do lado mau da feudalidade. As forças produtivas que haviam sido desenvolvidas por ela, lhe foram incorporadas. Todas as antigas formas econômicas, as relações civis que lhes correspondiam, o estado político que era a expressão oficial da antiga sociedade civil, foram rompidos.

Assim, para bem julgar a produção feudal, é preciso considerá-la como um modo de produção fundado sobre o antagonismo. É preciso mostrar como a riqueza se produzia dentro deste antagonismo, como as forças produtivas se desenvolviam, ao mesmo tempo que o antagonismo das classes, como uma das classes o lado mau — o inconveniente da sociedade — ia sempre crescendo, até que as condições materiais de sua emancipação tivessem chegado ao ponto de maturidade. Não será bastante dizer que o modo de produção, as relações nas quais as forças produtivas se desenvolvem nada têm de leis eternas, mas que correspondem a um desenvolvimento determinado dos homens e de suas forças produtivas, e que uma mudança sobrevinda nas forças produtivas dos homens determina necessariamente uma mudança nas suas relações de produção? Como o que importa antes de tudo é não serem os homens privados dos frutos da civilização, das forças produtivas adquiridas, torna-se necessário romper as formas tradicionais nas quais elas foram produzidas. A partir desse momento, a classe revolucionária torna-se conservadora.

A burguesia começa com um proletariado que é ele próprio um resto do proletariado dos tempos feudais. No curso de seu desenvolvimento histórico, a burguesia desenvolve necessariamente seu caráter antagônico, que em seu início se apresenta mais ou menos disfarçado, não existindo senão em estado latente. À medida que a burguesia se desenvolve, desenvolve-se no seu seio um novo proletariado, um proletariado moderno: desenvolve-se uma luta entre a classe proletária e a classe burguesa, luta que, antes de ser sentida pelos dois lados, percebida, apreciada, compreendida, confessada e proclamada em voz alta, não se manifesta a princípio senão por conflitos parciais e momentâneos, por fatos subversivos. De outro lado, se todos os membros da burguesia moderna têm o mesmo interesse enquanto formam uma classe colocada diante de outra classe, eles têm interesses opostos, antagônicos, enquanto colocados uns diante dos outros. Esta oposição de interesses decorre das condições econômicas de sua vida burguesa. Torna-se assim cada dia mais claro que as relações de produção nas quais se move a burguesia não têm um caráter uno, um caráter simples, mas um caráter de duplicidade; que, nas mesmas relações nas quais se produz a riqueza, a miséria também se produz; que, nas mesmas relações nas quais há desenvolvimento das forças produtivas, há uma força produtora de repressão; que estas relações não produzem a riqueza burguesa, ou seja a riqueza da classe burguesa, senão destruindo continuamente a riqueza dos membros integrantes desta classe e produzindo um proletariado sempre crescente.

Quanto mais claro se torna este caráter antagônico, mais os economistas, os representantes científicos da produção burguesa se atrapalham com sua própria teoria; e diferentes escolas se formam.

Temos os economistas fatalistas, que na sua teoria se mostram tão indiferentes ante o que chamam os inconvenientes da produção burguesa, quanto o são os próprios burgueses na prática ante os sofrimentos dos proletários que os ajudam a adquirir as riquezas. Nesta escola fatalista há clássicos e românticos. Os clássicos, como Adam Smith e Ricardo, representam uma burguesia que, lutando ainda com os restos da sociedade feudal, trabalha apenas para depurar as relações econômicas das manchas feudais, para aumentar as forças produtivas e para dar à indústria e ao comércio um novo surto. O proletariado participando desta luta, absorvido neste trabalho febril, tem apenas sofrimentos passageiros, acidentais, e ele mesmo os considera como tais. Os economistas como Adam Smith e Ricardo, que são os historiadores desta época, não têm outra missão senão demonstrar como a riqueza é adquirida nas relações da produção burguesa, formular estas relações em categorias, em leis, e demonstrar o quanto estas leis, estas categorias são, para a produção das riquezas, superiores às leis e às categorias da sociedade feudal. A miséria não é a seus olhos senão a dor que acompanha todo nascimento, na natureza do mesmo modo como na indústria.

Os românticos pertencem à nossa época, na qual a burguesia está em oposição direta ao proletariado, na qual a miséria se engendra numa abundância tão grande quanto a riqueza. Os economistas apresentam-se então com ares de fatalistas enfastiados que, do alto de sua posição, atiram um soberbo olhar de desdém sobre os homens locomotivas que fabricam as riquezas. Copiam todos os desenvolvimentos conseguidos pelos seus predecessores, e à indiferença que nestes era ingenuidade torna-se neles coquetismo.

Segue-se a escola humanitária, que se preocupa com o lado mau das relações e a produção atual. Essa escola procura, por desencargo de consciência, paliar por pouco que seja os contrastes reais; deplora sinceramente o infortúnio do proletariado, a concorrência desenfreada dos burgueses entre eles mesmos; aconselha os operários a serem sóbrios, a trabalharem conscienciosamente e a fazerem poucos filhos; recomenda aos burgueses se entregarem à produção com um ardor refletido. Toda a teoria desta escola repousa sobre distinções intermináveis entre a teoria e a prática, entre os princípios e os resultados, entre a ideia e a aplicação, entre o conteúdo e a forma, entre a essência e a realidade, entre o direito e o fato, entre o lado bom e o lado mau.

A escola filantrópica é a escola humanitária aperfeiçoada. Ela nega a necessidade do antagonismo; quer transformar todos os homens em burgueses; quer realizar a teoria na medida em que esta se distingue da prática e não encerra antagonismo. Não é preciso dizer que, na teoria, é fácil fazer abstração das contradições que se encontram a cada instante na realidade. Esta teoria tornar-se-ia então a realidade idealizada. Os filantropos querem, pois, conservar as categorias que exprimem as relações burguesas, sem o antagonismo que as constitui e que não pode ser separado delas. Eles imaginam combater seriamente a prática burguesa, e são mais burgueses que os outros.

Do mesmo modo como os economistas são os representantes científicos da classe burguesa, os socialistas e os comunistas são os teóricos da classe proletária. Enquanto o proletariado não se torna bastante desenvolvido para se constituir em classe, enquanto por consequência a própria luta do proletariado com a burguesia não tem ainda um caráter político e as forças produtivas não são ainda bastante desenvolvidas no seio da própria burguesia, para deixarem entrever as condições materiais necessárias à libertação do proletariado e à formação de uma sociedade nova, estes teóricos não são senão utopistas que, para obviar as necessidades das classes oprimidas, improvisam sistemas e põem-se à procura de uma ciência regeneradora. Mas, à medida que a história marcha e que com ela a luta do proletariado se desenha mais nitidamente, eles não têm mais necessidade de procurar a ciência no seu espírito, não têm senão de se inteirar daquilo que se passa diante de seus olhos e de se tornar o órgão disso. Enquanto procuram a ciência e apenas fazem sistemas, enquanto estão no começo da luta, não veem na miséria senão a miséria, sem ver nela o lado revolucionário, subversivo, que derrubará a velha sociedade. Desde este momento, a ciência produzida pelo movimento histórico, e nele se associando com pleno conhecimento de causa, cessa de ser doutrinária, e se torna revolucionária.

Voltemos ao sr. Proudhon.

Cada relação econômica tem um lado bom e um lado mau: é o único ponto em que o sr. Proudhon não se desmente. O lado bom, ele o vê exposto pelos economistas; o lado mau, ele o vê denunciado pelos socialistas. Toma emprestado aos economistas a necessidade das relações eternas; toma emprestado aos socialistas a ilusão de não ver na miséria senão a miséria. Está de acordo com uns e outros querendo se conformar com a autoridade da ciência. A ciência, para ele, reduz-se às diminutas proporções de uma fórmula científica. É assim que o sr. Proudhon se gaba de ter feito a crítica da economia política e do comunismo: ele está abaixo de uma e de outra. Abaixo dos economistas, porque como filósofo, que tem à mão uma fórmula mágica, acreditou poder dispensar-se de entrar em pormenores puramente econômicos; abaixo dos socialistas, porque não tem nem coragem bastante nem luzes bastantes para se elevar, não fosse ainda que especulativamente, acima do horizonte burguês.

Ele pretende ser a síntese, e é um erro composto.

Ele quer planar como homem de ciência acima dos burgueses e dos proletários; e não é senão o pequeno-burguês, oscilando constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo.


Inclusão 19/03/2013