Para a Questão da Habitação

Friedrich Engels

Transcrição autorizada
Hiper Link para Editora Avante

Segunda Secção
Como Resolve a Burguesia a Questão da Habitação


I
capa

Na secção acerca da solução proudhoniana para a questão da habitação mostrou-se quanto a pequena burguesia está directamente interessada nesta questão. Mas também a grande burguesia tem nela um interesse muito significativo, ainda que indirecto. As modernas ciências da natureza demonstraram que os chamados «bairros maus» onde os operários estão apinhados são os focos de todas as epidemias que de tempos a tempos afligem as nossas cidades. A cólera, o tifo e a febre tifóide, a varíola e outras doenças devastadoras espalham os seus germes no ar pestilento e na água contaminada destes bairros operários. Quase nunca de lá desaparecem, desenvolvendo-se, logo que as circunstâncias o permitem, em grandes epidemias e, ultrapassando então os seus focos, vão atingir também as partes da cidade mais arejadas e sadias habitadas pelos senhores capitalistas. A dominação dos capitalistas não pode permitir-se impunemente o prazer de gerar doenças epidémicas entre a classe operária; as suas consequências recaem também sobre eles próprios e o anjo exterminador desencadeia a sua fúria entre os capitalistas de forma tão brutal como entre os operários.

A partir do momento em que isto ficou comprovado cientificamente, os humanitários burgueses inflamaram-se numa nobre emulação a favor da saúde dos seus operários. Fundaram-se sociedades, escreveram-se livros, surgiram propostas, foram debatidas e decretadas leis para acabar com as fontes das epidemias, que sempre regressam. Foram investigadas as condições de habitação dos operários e feitas tentativas para remediar os males mais gritantes. Nomeadamente em Inglaterra, onde se situava a maioria das grandes cidades e onde, portanto, o fogo com mais violência pressionava os grandes burgueses, foi desenvolvida uma grande actividade. Foram nomeadas comissões governamentais para investigar as condições sanitárias das classes trabalhadoras; os seus relatórios, que, pela sua exactidão, carácter completo e imparcialidade, distinguindo-se honrosamente de todas as fontes continentais, serviram de base a novas leis mais ou menos incisivamente interventoras. Por mais imperfeitas que estas leis sejam, ultrapassam infinitamente tudo o que até agora aconteceu no continente neste sentido. E, apesar disso, a ordem capitalista da sociedade engendra sempre de novo os males de cuja cura se trata, com tal necessidade que mesmo em Inglaterra a cura mal avançou um único passo.

A Alemanha precisou, como habitualmente, de um período muito mais longo até que também aqui os focos de epidemias crónicas se desenvolvessem até àquele nível de agudeza que era necessário para sacudir a grande burguesia sonolenta. No entanto, devagar se vai ao longe, e assim surgiu também finalmente entre nós uma literatura burguesa sobre a saúde pública e a questão da habitação: um extracto aguado dos seus predecessores estrangeiros, nomeadamente ingleses, ao qual com frases sonantes e solenes se dá a aparência de uma concepção superior. A essa literatura pertence: Dr. Emil Sax, As Condições de Habitação das Classes Trabalhadoras e a Sua Reforma, Viena, 1869

Para expor o tratamento burguês da questão da habitação, escolho este livro apenas porque ele faz a tentativa de resumir o mais possível a literatura burguesa sobre o assunto. E que rica literatura, a que serve de «fonte» ao nosso autor! Dos relatórios parlamentares ingleses, as verdadeiras fontes principais, apenas três dos mais antigos são citados com indicação do título; o livro inteiro prova que o autor nunca olhou nem sequer para um deles; em contrapartida, é-nos apresentada toda uma série de escritos banalmente burgueses, bem-intencionadamente pequeno-burgueses [spiessburgerliche] e hipocritamente filantrópicos: Ducpétiaux, Roberts, Hole, Huber, as actas dos congressos ingleses de ciências sociais (ou, antes, de disparates sociais), a revista da Associação para o Bem-Estar das Classes Trabalhadoras da Prússia, o relatório oficial austríaco acerca da Exposição Universal de Paris, os relatórios oficiais bonapartistas sobre a mesma, o Notícias Ilustradas de Londres[N267], a Über Land und Meer[N268] e, finalmente, uma «autoridade reconhecida», um homem de «concepções penetrantes e práticas», de «convincente acuidade de fala», a saber: Julius Faucher! Nesta lista de fontes faltam apenas a Gartenlaube[N269], o Kladderadatsch[N182] e o Fuzileiro Kutschke[N270].

Para que não surja qualquer mal-entendido acerca do seu ponto de vista, o senhor Sax esclarece na página 22:

«Designamos por economia social a doutrina da economia nacional na sua aplicação às questões sociais ou, mais precisamente, o conjunto dos meios e vias que esta ciência nos oferece para, com base nas suas leis "de bronze" dentro do quadro da ordem da sociedade presentemente dominante, elevar as chamadas» (!) «classes não possuidoras ao nível das possuidoras.»

Não vamos entrar na representação confusa de que a «doutrina da economia nacional» ou economia política se ocupa, em geral, de questões diferentes das «sociais». Vamos direitos ao ponto principal. O Dr. Sax exige que as «leis de bronze» da economia burguesa, o «quadro da ordem da sociedade presentemente dominante», por outras palavras, o modo de produção capitalista, deve manter-se inalterado, e que contudo as «chamadas classes não possuidoras» devem ser elevadas «ao nível das possuidoras». Ora, um pressuposto inevitável do modo de produção capitalista é que não existe uma chamada classe não possuidora mas uma classe realmente não possuidora, que não tem precisamente nada que vender a não ser a sua força de trabalho e que, por isso, é também obrigada a vender essa força de trabalho aos capitalistas industriais. A tarefa da nova ciência inventada pelo senhor Sax, a economia social, consiste, portanto, em encontrar os meios e vias para, no interior de uma situação social fundada na oposição entre, por um lado, capitalistas, proprietários de todas as matérias-primas, instrumentos de produção e meios de vida e, por outro lado, operários assalariados não possuidores, que só têm de seu a sua força de trabalho e nada mais; no interior desta situação social, todos os operários assalariados possam ser transformados em capitalistas sem deixarem de ser operários assalariados. O senhor Sax julga ter resolvido esta questão. Talvez tenha a bondade de nos mostrar como se pode transformar em marechais-de-campo todos os soldados do exército francês, cada um dos quais traz, desde o tempo do velho Napoleão, na mochila o seu bastão de marechal, sem que deixem de ser soldados comuns. Ou como se consegue converter todos os 40 milhões de súbditos do Império Alemão em imperadores alemães.

A essência do socialismo burguês é querer manter a base de todos os males da sociedade actual e, ao mesmo tempo, abolir esses males. Os socialistas burgueses querem, conforme já diz o Manifesto Comunista, «remediar os males sociais para assegurar a existência da sociedade burguesa», querem «a burguesia sem o proletariado»(16*). Vimos que é exactamente assim que o senhor Sax coloca a questão. Encontra a sua solução na solução da questão da habitação. Ele é de opinião que

«pela melhoria das habitações das classes trabalhadoras poder-se-ia remediar com êxito a miséria física e espiritual atrás descrita e, desse modo — por meio de uma profunda melhoria das condições de habitação unicamente —, elevar a maior parte dessas ceasses do pântano da sua existência, que muitas vezes mal chega a ser humana, às puras alturas do bem-estar material e espiritual». (Página 14.)

Diga-se de passagem que é do interesse da burguesia encobrir a existência de um proletariado criado pelas relações de produção burguesas e condicionante da sua manutenção. Assim, o senhor Sax conta-nos, página 21, que por classes trabalhadoras se devem entender, além dos operários propriamente ditos, todas «as classes sociais desprovidas de meios», «gente modesta em geral, tal como artesãos, viúvas, pensionistas» (!), «funcionários subalternos, etc». O socialismo burguês estende a mão ao socialismo pequeno-burguês. Mas de onde vem a falta de habitações? Como surgiu ela? Como bom burguês, o senhor Sax não pode saber que ela é um produto necessário da forma burguesa de sociedade; que não pode existir sem falta de habitação uma sociedade em que a grande massa trabalhadora depende exclusivamente de um salário, ou seja, da soma de meios de vida necessária à sua existência e reprodução; na qual novos melhoramentos da maquinaria, etc, deixam continuamente sem trabalho massas de operários; na qual violentas oscilações industriais, que regularmente retornam, condicionam, por um lado, a existência de um numeroso exército de reserva de operários desocupados e, por outro lado, empurram temporariamente para a rua, sem trabalho, a grande massa dos operários; na qual os operários são maciçamente concentrados nas grandes cidades a um ritmo mais rápido que o do aparecimento de casas para si nas condições existentes, na qual, portanto, se têm sempre de encontrar inquilinos mesmo para os mais infames chiqueiros; na qual, finalmente, o proprietário da casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito mas também, em virtude da concorrência, de certo modo o dever de extrair da sua propriedade os preços de aluguer máximos, sem atender a nada. Numa sociedade assim, a falta de habitação não é nenhum acaso, é uma instituição necessária e, juntamente com as suas repercussões sobre a saúde, etc, só poderá ser eliminada quando toda a ordem social de que resulta for revolucionada pela base. O socialismo burguês, porém, não pode saber isto. Não ousa explicar a falta de habitação a partir das condições. Assim, não lhe resta qualquer outro meio senão explicá-la com frases morais a partir da maldade dos homens ou, por assim dizer, do pecado original.

«E aqui não podemos ignorar — e, consequentemente, não podemos negar» (audaz conclusão!) — «que a culpa... é, por um lado, dos próprios operários, daqueles que desejam casa, e, por outro lado, de resto muito maior, daqueles que assumem a responsabilidade de satisfazer essa necessidade ou que, embora disponham dos meios necessários, não a assumem, as classes sociais superiores, possuidoras. Da parte dos últimos, a culpa consiste no facto de não cuidarem por uma oferta suficiente de boas habitações.»

Tal como Proudhon nos remete da economia para a jurisdice, assim também o nosso socialista burguês nos remete aqui da economia para a moral. E nada é mais natural. Quem declara intocável o modo de produção capitalista, as «leis de bronze» da sociedade burguesa actual, e no entanto quer abolir as suas consequências desagradáveis mas necessárias, nada mais lhe resta do que fazer prédicas morais aos capitalistas, prédicas morais cujo efeito sentimental de pronto se evapora de novo por acção do interesse privado e, se necessário, da concorrência. Estas prédicas morais parecem-se exactamente com as que a galinha faz da borda do lago para os patinhos que ela chocou e que nele nadam divertidos. Os patinhos atiram-se para a água mesmo sem tábua e os capitalistas precipitam-se para o lucro apesar de este não ter sentimentos. «Em questões de dinheiro não há lugar para sentimentalidade», já dizia o velho Hansemann, que conhecia melhor isso que o senhor Sax.

«As boas habitações têm um preço tão alto que, para a maior parte dos operários, é de todo impossível fazer uso delas. O grande capital... contém-se receosamente quanto às habitações para as classes trabalhadoras... Assim, estas classes, com as suas necessidades de habitação, ficam, na sua maioria, sujeitas à especulação.»

Abominável especulação — o grande capital, naturalmente, nunca especula! Mas não é a má vontade e só a ignorância que impede o grande capital de especular em casas operárias:

«Os proprietários de casas não sabem de modo nenhum como é grande e importante o papel desempenhado por uma satisfação normal da necessidade de habitação, ... eles não sabem o que fazem às pessoas quando, como é de regra, tão irresponsavelmente lhes oferecem casas más e nocivas, e, finalmente, não sabem como com isso se prejudicam a si próprios.» (Página 27.)

Mas, para poder produzir a falta de habitação, a ignorância dos capitalistas necessita da ignorância dos operários. Depois de concordar que as «camadas inferiores» dos operários, «para não ficarem totalmente sem tecto, se vêem obrigadas» (!), «seja onde e como quer que seja, a procurar um lugar para pernoitar e, nesse aspecto, estão completamente sem defesa nem ajuda», o senhor Sax conta-nos:

«Pois é um facto conhecido de todos que muitos de entre eles» (os operários), «por leviandade, mas sobretudo por ignorância, privam o seu corpo — quase se poderia dizer que com virtuosismo — das condições de desenvolvimento natural e de existência sã, na medida em que não fazem a mínima ideia de uma higiene racional e, especialmente, da enorme importância que nisto cabe à habitação.» (Página 27.)

Mas aqui aparecem as orelhas de burro do burguês. Enquanto a «culpa» dos capitalistas se volatiliza na ignorância, a ignorância dos operários é precisamente o motivo da sua culpa. Escutemos:

«Acontece assim» (nomeadamente devido à ignorância) «que eles, desde que poupem alguma coisa no aluguer, vão para habitações sombrias, húmidas, insuficientes, em resumo, um verdadeiro escárnio de todas as exigências da higiene, ... que frequentemente várias famílias alugam em conjunto uma única casa e, mesmo, um único quarto — tudo para gastarem o menos possível com a habitação, enquanto dissipam o seu rendimento na bebida e em toda a espécie de prazeres fúteis, de um modo verdadeiramente pecaminoso.»

O dinheiro que os operários «desperdiçam em aguardente e tabaco» (página 28) e a «vida de taberna, com todas as suas lamentáveis consequências, que, como um peso de chumbo, afundam o operariado cada vez mais na lama» são, de facto, para o senhor Sax como um peso de chumbo no estômago. O que o senhor Sax ousa de novo não saber é que, nas condições dadas, a bebida é, entre os operários, um produto necessário da sua situação, tão necessário como o tifo, o crime, os parasitas, os oficiais de diligências e outras doenças sociais, tão necessário que se pode calcular antecipadamente o número médio das futuras vítimas da bebida. De resto, já o meu velho professor da escola primária dizia: «A gente ordinária vai para a taberna e a gente fina para o clube» e, como eu já estive nos dois sítios, posso testemunhar a correcção destas palavras.

Todo aquele palavreado acerca da «ignorância» de ambas as partes vai dar aos velhos discursos sobre a harmonia de interesses entre o capital e o trabalho. Se os capitalistas conhecessem o seu verdadeiro interesse, forneceriam aos operários boas habitações e em geral melhorá-las-iam; e se os operários entendessem o seu verdadeiro interesse, não fariam greves, não praticariam a social-democracia, não se meteriam em política, antes seguiriam obedientemente os seus superiores, os capitalistas. Infelizmente, ambas as partes consideram seus interesses coisas muito diferentes dos sermões do senhor Sax e dos seus numerosos predecessores. O evangelho da harmonia entre capital e trabalho já anda a ser pregado há cinquenta anos; a filantropia burguesa gastou muito dinheiro para provar essa harmonia através de instituições-modelo; e, como veremos à frente, estamos hoje exactamente no mesmo ponto que há cinquenta anos.

O nosso autor passa agora para a solução prática da questão. Quão pouco revolucionária era a proposta de Proudhon de fazer dos operários proprietários das suas habitações depreende-se desde logo do facto de o socialismo burguês já antes dele ter tentado e tentar ainda praticamente realizar esta proposta. O senhor Sax também declara que a questão da habitação só pode resolver-se completamente por meio da transmissão da propriedade da habitação para os operários (pp. 58 e 59). Mais ainda, com este pensamento ele cai num êxtase poético e arranca, num ímpeto de entusiasmo, para as palavras seguintes:

«Há algo de peculiar na ânsia de propriedade de terra que existe no homem, um impulso que nem mesmo a vida mercantil do presente, com o seu pulsar febril, conseguiu debilitar. É o sentimento inconsciente do significado da conquista económica representada pela propriedade de terra. Com ela, o homem obtém um apoio seguro, como que ficando solidamente enraizado no solo, e toda a economia» (!) «tem nela a sua base mais duradoura. No entanto, as bênçãos da propriedade de terra vão muito para além destas vantagens materiais. Quem é suficientemente feliz para possuí-la alcançou o grau supremo pensável de independência económica; «tem um território no qual pode pôr e dispor deforma soberana, é senhor de si próprio, tem um certo poder e uma reserva segura para os tempos de adversidade; cresce a sua autoconsciência e, com ela, a sua força moral. Daí o profundo significado da propriedade na presente questão... O operário, hoje exposto indefeso às contingências da conjuntura, na dependência constante do dador de trabalho(17*), libertar-se-ia, graças à propriedade, dessa precária situação, num certo grau; tornar-se-ia capitalista e estaria seguro contra os perigos do desemprego ou da incapacidade de trabalhar, em virtude do crédito real(18*) que para ele estaria sempre aberto. Seria desse modo elevado da classe não possuidora à classe dos possuidores.» (Página 63.)

O senhor Sax parece pressupor que o homem é essencialmente camponês, se não não atribuiria aos operários das nossas grandes cidades uma ânsia pela propriedade de terra que, de resto, ninguém descobriu neles. Para os nossos operários das grandes cidades, a primeira condição de vida é a liberdade de movimento, e a propriedade de terra só pode ser para eles uma prisão. Arranjai casas que lhes pertençam, prendei-os de novo à gleba — e quebrareis a sua resistência à diminuição dos salários por parte dos fabricantes. O operário isolado pode, ocasionalmente, ter oportunidade de vender a sua casinha, mas, no caso de uma greve séria ou de uma crise geral da indústria, todas as casas pertencentes aos operários afectados teriam de ser postas à venda no mercado, não encontrando, portanto, qualquer comprador, ou tendo de ser vendidas muito abaixo do preço de custo. E, se todas encontrassem comprador, então toda a grande reforma habitacional do senhor Sax se teria de novo desfeito em nada e ele poderia voltar de novo ao princípio. No entanto, os poetas vivem no mundo da imaginação e assim vive também o senhor Sax, que imagina que o proprietário de terra «alcançou o grau supremo pensável de independência económica», que tem «uma reserva segura», que «tornar-se-ia capitalista e estaria seguro contra os perigos do desemprego ou da incapacidade de trabalhar, em virtude do crédito real que para ele estaria sempre aberto», etc. O senhor Sax deveria observar bem os pequenos camponeses franceses ou os nossos pequenos camponeses renanos, as suas casas e campos estão sobrecarregados de hipotecas, as suas colheitas pertencem aos credores antes de serem apanhadas e no seu «território» não são eles mas sim os usurários, os advogados e os oficiais de diligências que põem e dispõem de forma soberana. Este é, de facto, o grau supremo pensável de independência económica — para os usurários! E, para que os operários possam colocar a sua casinha tão depressa quanto possível debaixo dessa soberania do usurário, o bem-intencionado senhor Sax indica-lhes, como precaução, o crédito real que está à sua disposição e que podem utilizar em caso de desemprego e de incapacidade para o trabalho, em vez de viverem à custa da assistência aos pobres.

De qualquer modo, o senhor Sax resolveu entretanto a questão colocada de início: o operário «torna-se capitalista» por aquisição de uma casinha própria.

Capital é comando sobre trabalho alheio não pago. Portanto, a casinha do operário só se torna capital quando ele a aluga a um terceiro e se apropria, sob a figura de aluguer, de uma parte do produto do trabalho desse terceiro. Precisamente pelo facto de ele próprio habitar a casa é que esta não pode transformar-se em capital, tal como uma saia deixa de ser capital no preciso momento em que a compro à modista e a visto. O operário que possui uma casinha no valor de mil táleres já não é, de facto, um proletário, mas é preciso ser-se senhor Sax para lhe chamar capitalista.

O traço capitalista [Kapitalistentum] do nosso operário tem, no entanto, ainda um outro lado. Suponhamos que numa dada zona industrial se tinha tornado regra cada operário possuir a sua própria casinha. Neste caso, a classe operária dessa região tem habitação gratuita; os gastos com a habitação já não entram no valor da sua força de trabalho. Toda a diminuição dos custos de produção da força de trabalho, isto é, todo o abaixamento duradouro dos preços das necessidades vitais do operário, equivale, porém, «com base nas leis de bronze da doutrina da economia nacional», a uma redução do valor da força de trabalho e, por esse motivo, acaba por ter como consequência uma queda correspondente no salário. O salário desceria, portanto, em média, tanto como a quantia poupada na média dos alugueres, isto é, o operário pagaria o aluguer da sua própria casa, não em dinheiro, como anteriormente, mas sim em trabalho não pago pelo fabricante para quem trabalha. Deste modo, as economias do operário investidas na casinha tornar-se-iam, de facto, em certa medida, em capital; porém, não em capital para ele mas sim para o capitalista que o emprega.

O senhor Sax não consegue, portanto, nem sequer no papel transformar o seu operário em capitalista.

Note-se de passagem que o que atrás foi dito se aplica a todas as chamadas reformas sociais que conduzem à poupança ou ao emba-retecimento dos meios de vida do operário. Ou elas se tornam gerais e então segue-se-lhes a correspondente diminuição salarial, ou não passam de experiências totalmente isoladas e então a sua mera existência como excepção isolada prova que a sua realização em grande escala é incompatível com o modo de produção capitalista existente. Suponhamos que numa região se conseguia, por meio da introdução geral de associações de consumo, tornar os meios de vida dos operários mais baratos 20 por cento; nesse caso, os salários dessa região teriam, a longo prazo, de baixar em cerca de 20 por cento, i. e., na mesma proporção em que os meios de vida em questão entram no orçamento dos operários. Se o operário gasta, p. ex., em média, três quartos do seu salário semanal nesses meios de vida, os salários acabarão por cair em 3/4 X 20 = 15 por cento. Em suma: logo que uma semelhante reforma de poupança se torna geral, o operário recebe um menor salário na mesma proporção em que as suas economias lhe permitem viver mais barato. Dai a cada operário um rendimento independente, poupado, de 52 táleres e o seu salário semanal acabará necessariamente por baixar um táler. Portanto, quanto mais poupa menos salário recebe. Ele não poupa, pois, no seu próprio interesse mas sim no do capitalista. Que mais é necessário para nele «estimular da forma mais poderosa a primeira virtude económica, o sentido da poupança»? (P. 64.)

De resto, o senhor Sax diz-nos também logo a seguir que os operários devem tornar-se proprietários de casas não tanto no seu próprio interesse mas no dos capitalistas:

«Não é só o estado operário [Arbeiterstand] mas também a sociedade no seu todo que tem o maior interesse em ver o maior número possível dos seus membros ligados» (!) «ao solo» (eu gostava de um dia ver o senhor Sax nesta postura) «... Todas as forças secretas que inflamam o vulcão chamado questão social e que arde debaixo dos nossos pés, o azedume do proletariado, o ódio... as perigosas confusões de ideias... necessariamente se dissiparão como a névoa diante do sol matinal quando... os próprios operários passarem, por essa via, para a classe dos possuidores.» (P. 65.)

Por outras palavras: o senhor Sax espera que, com uma mudança da sua posição proletária, que ocorreria necessariamente com a aquisição de casa, os operários percam também o seu carácter proletário e se tornem de novo servos obedientes, tal como os seus antepassados que eram igualmente proprietários de casas. Os proudhonianos deveriam ter isto em mente.

O senhor Sax crê ter resolvido a questão social da maneira seguinte:

«A repartição mais justa dos bens, o enigma da esfinge, cuja solução já muitos tentaram em vão encontrar, não estará agora diante de nós como facto tangível, não terá sido desse modo arrancada às regiões dos ideais e passado para o domínio da realidade? E, quando estiver realizada, não se terá desse modo alcançado um dos objectivos supremos que mesmo os socialistas de orientação mais extrema apresentam como ponto culminante das suas teorias?» (P. 66.)

É uma verdadeira felicidade termos conseguido chegar até este ponto. E que este grito de júbilo constitui nomeadamente o «ponto culminante» do livro de Sax, e a partir daqui começa-se de novo a descer suavemente, das «regiões dos ideais» para a chã realidade, e quando chegarmos abaixo, descobriremos que nada, mas absolutamente nada, se modificou durante a nossa ausência.

O nosso guia manda-nos dar o primeiro passo da descida ensinando-nos que há dois sistemas de habitações operárias: o sistema de cottage, em que cada família operária tem a sua própria casinha e, onde possível, uma hortazinha, como em Inglaterra, e o sistema de caserna, com grandes edifícios contendo muitas habitações operárias, como em Paris, Viena, etc. Entre os dois situar-se-ia o sistema corrente no Norte da Alemanha. E certo que o sistema de cottage seria o único correcto e o único em que o operário poderia adquirir a propriedade da sua casa; e que também o sistema de caserna teria grandes desvantagens para a saúde, a moralidade e a paz doméstica, mas, infelizmente, nas grandes cidades, o sistema de cottage estaria precisamente nos centros da falta de habitação, sendo impraticável por causa do encarecimento dos terrenos. Poderíamos dar-nos por felizes se aí, em vez de grandes casernas, se construíssem casas com 4 a 6 habitações ou se remediassem as principais insuficiências do sistema de caserna por meio de toda a espécie de artifícios de construção. (Pp. 71-92.)

Não é verdade que já descemos um bom bocado? A transformação dos operários em capitalistas, a solução da questão social, a casa própria pertencente a cada operário — tudo isto ficou lá em cima nas «regiões dos ideais»; nós já só temos de nos ocupar da introdução do sistema de cottage no campo e de organizar as casernas operárias nas cidades de forma tão suportável quando possível.

Portanto, a solução burguesa da questão da habitação, confessadamente, falhou — e falhou na oposição entre cidade e campo. E aqui chegamos ao cerne da questão. A questão da habitação só poderá resolver-se quando a sociedade estiver suficientemente revolucionada para empreender a superação da oposição entre cidade e campo levada ao extremo na sociedade capitalista actual. A sociedade capitalista, longe de poder superar esta oposição, tem, pelo contrário, de agudizá-la cada dia mais. Em contrapartida, já os primeiros socialistas utópicos modernos, Owen e Fourier, o compreenderam correctamente. Nos seus edifícios-modelo já não existe a oposição entre cidade e campo. Verifica-se, portanto, o contrário daquilo que afirma o senhor Sax: a solução da questão da habitação não soluciona simultaneamente a questão social mas só através da solução da questão social, i. e., da abolição do modo de produção capitalista, se torna simultaneamente possível a solução da questão da habitação. Querer resolver a questão da habitação e, ao mesmo tempo, manter as grandes cidades modernas é um contra-senso. As grandes cidades modernas só serão eliminadas, porém, com a abolição do modo de produção capitalista e, quando essa abolição estiver em marcha, tratar-se-á de coisas totalmente diferentes do que arranjar para cada operário uma casinha própria que lhe pertence.

Antes de mais, porém, cada revolução social terá de tomar as coisas tal como as encontra e de remediar os males mais gritantes com os meios existentes. E a esse respeito já vimos que afalta de habitação pode ser de pronto remediada pela expropriação de uma parte das habitações de luxo pertencentes às classes possuidoras e pelo acantonamento da restante pafte.

E nada muda na questão quando o senhor Sax, prosseguindo, volta a sair das grandes cidades e fala com todos os pormenores acerca das colónias de operários que deverão ser instaladas perto das grandes cidades ou quando descreve todas as belezas de tais colónias, com a sua «água canalizada, iluminação a gás, aquecimento central por água ou vapor, lavadouros, secadouros, balneários, etc.» comuns, com um «estabelecimento para tomar conta das crianças pequenas, escola, sala de oração» (!), «quarto de leitura, biblioteca... restaurante e cervejaria, sala de baile e de música com toda a distinção», com a força do vapor levada a todas as casas e podendo assim, «em certa medida, transferir de novo a produção das fábricas para a oficina doméstica». A colónia, como ele a descreve, foi retirada directamente pelo senhor Huber dos socialistas Owen e Fourier e totalmente aburguesada pelo despojamento de tudo o que tinha de socialista. É precisamente por isso que ela se torna completamente utópica. Nenhum capitalista tem interesse em construir tais colónias, que, além disso, também não existem em parte nenhuma do mundo, salvo em Guise, na França; e esta foi construída por um fourierista, não como especulação rendível mas como experiência socialista(19*). O senhor Sax teria igualmente podido citar, em favor dos seus projectos burgueses, a colónia comunista Harmony Hall[N272] fundada em Hampshire no início dos anos quarenta por Owen e que desapareceu há muito tempo.

Assim, todo este palavreado acerca da colonização não passa de uma desajeitada tentativa de subir de novo até às «regiões dos ideais», tentativa que de pronto é de novo deixada cair. Vamos então retomar a descida, em passo rápido. A solução mais simples é agora a de «que os dadores de trabalho, os donos das fábricas, ajudem os operários a arranjar as correspondentes habitações, seja construindo-as eles próprios seja estimulando e apoiando os operários a participarem na construção, pondo terrenos à sua disposição, avançando com capital, etc.» (P. 106.)

Deste modo estamos de novo fora das grandes cidades, onde de nada disto se pode sequer falar, e regressados ao campo. O senhor Sax demonstra agora que aqui é do interesse dos próprios fabricantes ajudar os seus operários a conseguir habitações suportáveis, por um lado como boa aplicação de capital, por outro porque daí resulta infalivelmente uma «elevação dos operários... que tem de trazer consigo um aumento da sua força de trabalho física e espiritual, o que naturalmente... não favorece menos... o dador de trabalho. Mas deste modo fica também dado o ponto de vista correcto para a participação dos últimos na questão da habitação: ela aparece como emanação da associação latente, da preocupação, escondida na maioria das vezes sob a capa de esforços humanitários, que os dadores de trabalho sentem pelo bem-estar físico e económico, espiritual e moral dos seus operários, preocupação que se compensa a si mesma pecuniariamente através dos seus êxitos, recrutamento e conservação de um operariado diligente, hábil, dócil, satisfeito e devotado.» (P. 108.)

A frase «associação latente»[N273], com a qual Huber tentou emprestar um « sentido mais elevado» aos seus disparates filantrópico-burgueses, nada altera à questão. Os grandes fabricantes rurais, sobretudo em Inglaterra, compreenderam há muito tempo, mesmo sem esta frase, que a construção de habitações operárias é não só uma necessidade, uma peça da própria fábrica, mas que também rende muito. Na Inglaterra surgiram deste modo aldeias inteiras, algumas das quais se desenvolveram mais tarde como cidades. Mas os operários, em vez de estarem agradecidos aos capitalistas filantropos, têm desde então posto significativas objecções a este «sistema de cottage». Não só porque têm de pagar pelas casas preços de monopólio, em virtude de os fabricantes não terem concorrentes, mas também porque ficam imediatamente sem tecto no caso de qualquer greve, pois o fabricante pode pô-los na rua quando quiser, tornando assim mais difícil qualquer resistência. Os pormenores podem ser lidos na minha obra Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra, pp. 224 e 228. Mas o senhor Sax acha que tais coisas «quase nem merecem resposta» (p. 111). Mas não quer ele assegurar a cada operário a propriedade da sua casinha? Certamente que sim, mas, como «os dadores de trabalho têm de estar na situação de sempre dispor da habitação, para terem espaço para o substituto quando despedem um operário» — bem, mas então, teria de «se prever para esses casos, mediante acordo, a revogabilidade da propriedade»] (P. 113.)(20*)

Desta vez descemos com inesperada rapidez. Primeiro diz-se: propriedade do operário da sua casinha; depois verificamos que isso é impossível nas cidades e só realizável no campo; agora é-nos explicado que também no campo esta propriedade deve ser «revogável mediante acordo»! Com esta nova espécie de propriedade para os operários descoberta pelo senhor Sax, com esta sua transformação em capitalistas «revogáveis mediante acordo», chegamos de novo, felizmente, a terra chã e temos de investigar aqui aquilo que os capitalistas e outros filantropos realmente fizeram com vista à solução da questão da habitação.

II

A acreditarmos no nosso Dr. Sax, da parte dos senhores capitalistas já foram feitas coisas muito significativas para remediar a falta de habitação e fornecida a prova de que a questão da habitação se pode resolver na base do modo de produção capitalista.

O senhor Sax cita-nos antes de mais... a França bonapartista! Como se sabe, Louis Bonaparte nomeou, no tempo da Exposição Universal de Paris, uma comissão, aparentemente para fazer um relatório acerca da situação das classes trabalhadoras de França mas na realidade para descrever essa situação como verdadeiramente paradisíaca, para maior glória do Império. E é no relatório dessa comissão, composta a partir dos instrumentos mais corruptos do bonapartismo, que se baseia o senhor Sax, especialmente em virtude de os resultados do seu trabalho serem «bastante completos para a França, segundo as próprias declarações do comité dele encarregado»! E quais são esses resultados? De 89 grandes industriais ou sociedades por acções que forneceram dados, 31 não construíram nenhumas habitações operárias; as habitações construídas albergam, segundo os cálculos do próprio Sax, no máximo 50 000—60 000 pessoas e as habitações compõem-se quase exclusivamente de apenas duas divisões para cada família!

É evidente que qualquer capitalista amarrado a uma determinada localidade rural pelas condições da sua indústria — força hidráulica, situação das minas de carvão, depósitos de minério de ferro e outras minas — tem de construir habitações para os seus operários, se não houver nenhumas. Mas para ver nisso uma prova da existência da «associação latente», «um testemunho revelador de um aumento de compreensão das coisas e do seu elevado alcance», um «começo muito promissor» (p. 115), é preciso ter um hábito fortemente desenvolvido de se enganar a si próprio. De resto, os industriais dos diferentes países também neste ponto se distinguem segundo o respectivo carácter nacional. Assim, p. ex., o senhor Sax conta-nos na p. 117:

«Na Inglaterra só nos tempos mais recentes se faz notar um aumento da actividade dos dadores de trabalho nesta direcção. Designadamente nas povoações do campo mais afastadas... A circunstância de os operários terem, pelo contrário, de percorrer frequentemente desde a localidade mais próxima um longo caminho até à fábrica e de, chegando a ela já esgotados, produzirem um trabalho insuficiente é a razão motriz que leva os dadores de trabalho à construção de habitações para a sua mão-de-obra. Entretanto aumenta também o número daqueles que, com uma apreensão mais profunda das condições, ligam também a reforma da habitação mais ou menos todos os outros elementos da associação latente, e é a eles que aquelas florescentes colónias têm a agradecer o seu aparecimento... No Reino Unido são bem conhecidos por esse motivo os nomes de um Ashton em Hyde, Ashworth em Turton, Grant em Bury, Greg em Bollington, Marshall em Leeds, Strutt em Belper, Salt em Saltaire, Ackroyd em Copley e outros.»

Santa ingenuidade e ainda mais santa ignorância! Só nos «tempos mais recentes» é que os fabricantes rurais ingleses construíram habitações operárias! Não, caro senhor Sax, os capitalistas ingleses são realmente grandes industriais, não só segundo a bolsa mas também segundo a cabeça. Muito antes de a Alemanha possuir uma indústria realmente grande, eles tinham compreendido que, no caso da produção fabril rural, o investimento em habitações operárias é uma parte necessária, directa e indirectamente muito rendível, do conjunto do capital investido. Muito antes de a luta entre Bismarck e os burgueses alemães ter dado aos operários alemães a liberdade de coalizão, já os fabricantes e proprietários de minas e fundições ingleses tinham aprendido pela prática a pressão que podem exercer sobre operários em greve se simultaneamente forem senhorios desses operários. «As florescentes colónias» de um Greg, de um Ashton, de um Ashworth pertencem tanto aos «tempos mais recentes» que já há mais de 40 anos eram trombeteadas pela burguesia como modelos, conforme eu próprio o descrevi há já 28 anos (Situação das Classes Trabalhadoras, páginas 228-230, nota). As de Marshall e Akroyd (é assim que se escreve o nome do homem) são mais ou menos da mesma idade, e a de Strutt é ainda muito mais velha, remontando nos seus começos ao século passado. E, como na Inglaterra a duração média de uma habitação operária está estimada em 40 anos, o senhor Sax pode contar ele próprio pelos dedos e ver o estado de decadência em que se encontram actualmente essas «florescentes colónias». Além disso, a maioria dessas colónias já não ficam no campo; a colossal expansão da indústria cercou a maioria delas de tal modo com fábricas e casas que elas ficam agora no meio de cidades cheias de lixo e de fumo de 20 000 a 30 000 e mais habitantes; o que não impede a ciência burguesa alemã, representada pelo senhor Sax, de repetir ainda hoje, com maior fidelidade, os velhos cânticos laudatórios ingleses de 1840, que já não são aplicáveis.

E logo então o velho Akroyd! Este bom homem era, sem dúvida, um filantropo de primeira água. Amava tanto os seus operários, e particularmente as suas operárias, que os seus concorrentes de Yorkshire, menos filantrópicos que ele, costumavam dizer dele: ele fazia funcionar a fábrica unicamente com os seus próprios filhos! O senhor Sax afirma que nessas florescentes colónias «os nascimentos ilegítimos se estão a tornar cada vez mais raros» (página 118). Sim, nascimentos ilegítimos fora do casamento, é que nos distritos fabris ingleses as raparigas bonitas casam muito jovens.

Na Inglaterra, a construção de habitações operárias mesmo ao lado de cada grande fábrica rural, e ao mesmo tempo com a fábrica, tem sido a regra desde há 60 anos e mais. Conforme já mencionámos, muitas dessas aldeias fabris tornaram-se o núcleo em volta do qual se juntou mais tarde toda uma cidade fabril, com todos os males que uma cidade fabril traz consigo. Portanto, essas colónias não resolveram a questão da habitação, antes foram elas que a criaram nas suas localidades.

Em contrapartida, nos países que, no campo da grande indústria, foram coxeando atrás da Inglaterra e que, propriamente, só a partir de 1848 conheceram o que era uma grande indústria, na França e particularmente na Alemanha, a situação é totalmente diversa. Aqui, só as siderurgias e fábricas colossais se decidiram, após longa hesitação, à construção de algumas habitações operárias — como, por exemplo, a fábrica de Schneider em Creusot e a de Krupp em Essen. A grande maioria dos industriais rurais obriga os seus operários a andar várias milhas ao calor, à neve e à chuva de manhã a caminho da fábrica e ao fim da tarde no regresso a casa. Isto acontece especialmente em zonas montanhosas — nos Vosgos franceses e alsacianos e junto ao Wupper, Sieg, Agger, Lenne e outros rios da Renânia e Vestefália. Nos Montes Metalíferos não será melhor. Entre os alemães, como entre os franceses, há a mesma pequenina sovinice.

O senhor Sax sabe muito bem que tanto o promissor começo como as florescentes colónias significam menos que nada. Ele procura agora, portanto, provar aos capitalistas que poderiam extrair belos rendimentos da construção de habitações operárias. Por outras palavras, procura indicar-lhes um novo caminho para defraudar os operários.

Em primeiro lugar, mostra-lhes o exemplo de uma série de sociedades londrinas de construção que, em parte de natureza filantrópica, em parte de natureza especulativa, atingiram um lucro líquido de 4 a 6% e mais. O senhor Sax já não precisa de nos provar que o capital investido em habitações operárias rende bem. A razão pela qual não se investe nisso mais capital é que há outro tipo de habitações, mais caras, que rendem ao proprietário ainda mais. O aviso do senhor Sax aos capitalistas reduz-se, portanto, mais uma vez, a um mero sermão de moral.

No que respeita, pois, àquelas sociedades londrinas de construção, cujos brilhantes êxitos o senhor Sax tão alto trombeteia, elas construíram, segundo os seus próprios números — e estes incluem toda e qualquer especulação verificada na construção —, alojamentos para, no total, 2 132 famílias e para 706 homens sós, ou seja, para menos de 15 000 pessoas! E são infantilidades destas que na Alemanha se ousa, com ar sério, apresentar como grandes êxitos, enquanto só na parte oriental de Londres um milhão de operários vivem nas mais miseráveis condições de habitação? Todos estes esforços filantrópicos são, de facto, tão deploravelmente nulos que nos relatórios parlamentares ingleses que tratam da situação dos operários nunca sequer se lhes faz referência.

E já não queremos falar aqui do ridículo desconhecimento acerca de Londres que se revela em todo esse capítulo. Apenas uma coisa. O senhor Sax acha que o asilo para homens sós no Soho desapareceu por nessa zona não se poder «contar com uma clientela numerosa». E que o senhor Sax imagina que todo o West End londrino é apenas uma cidade de luxo e não sabe que mesmo por trás das ruas mais elegantes ficam os mais sujos bairros operários, entre eles, por exemplo, o Soho. O asilo-modelo do Soho de que ele fala e que eu já conhecia há 23 anos era a princípio muito frequentado, mas fechou, porque ninguém conseguia aguentar lá dentro. E, no entanto, ainda era um dos melhores.

Mas a cidade operária de Mülhausen, na Alsácia, não será ela um êxito?

A cidade operária de Mülhausen é o grande cavalo de parada dos burgueses do continente, tal como as antigamente florescentes colónias de Ashton, Ashworth, Greg e consortes o eram para os ingleses. Infelizmente, ela não é um produto da associação «latente», mas sim da associação aberta entre o Segundo Império Francês e os capitalistas da Alsácia. Ela foi uma das experiências socialistas de Louis Bonaparte, para a qual o Estado adiantou 1/3 do capital. Em 14 anos (até 1867), ela construiu 800 pequenas casinhas segundo um sistema deficiente e impossível em Inglaterra, onde estas coisas se compreendem melhor, e, após 13 a 15 anos de pagamento de um elevado aluguer mensal, entrega-as aos operários como propriedade sua. Esta forma de aquisição de propriedade já há muito tempo introduzida, conforme veremos, nas sociedades cooperativas de construção inglesas, não precisou de ser descoberta pelos bonapar-tistas alsacianos. Os suplementos ao aluguer destinados à aquisição das casas são bastante elevados, em comparação com os ingleses; o operário depois de ter pago aos poucos, durante quinze anos, por exemplo, 4 500 francos, recebe uma casa que valia, quinze anos antes, 3 300 francos. Se o operário quiser mudar ou se atrasar mesmo que apenas um mês no pagamento do aluguer (caso em que pode ser posto fora), calcula-se-lhe um aluguer anual de 6 2/3 % do valor original da casa (p. ex., 17 francos mensais no caso de o valor da casa ser de 3 000 francos) e devolve-se-lhe o restante, mas sem um centavo de juros. Compreende-se que, nestas condições, a sociedade possa engordar, independentemente da «ajuda estatal»; compreende-se igualmente que as habitações fornecidas nestas circunstâncias, em virtude de ficarem já fora da cidade, sendo semi-rurais, são melhores do que as velhas habitações-caserna situadas na própria cidade.

Não diremos uma palavra sobre o par de deploráveis experiências feitas na Alemanha, cuja pobreza é reconhecida pelo próprio senhor Sax na página 157.

Que provam, afinal, todos estes exemplos? Simplesmente que a construção de habitações operárias, mesmo quando não são espezinhadas todas as leis da higiene, é rendível do ponto de vista capitalista. Isto, porém, nunca foi contestado, já todos o sabíamos há muito tempo. Todo o investimento de capital que satisfaça uma necessidade é rendível se explorado racionalmente. A questão é precisamente saber por que motivo, apesar disso, se mantém a falta de habitação, por que motivo, apesar disso, os capitalistas não providenciam habitações saudáveis suficientes para os operários. E, neste ponto, o senhor Sax limita-se também a fazer exortações ao capital, ficando a dever-nos a resposta. A verdadeira resposta a esta questão já a demos mais atrás.

O capital, está agora definitivamente constatado, não quer abolir a falta de habitação, mesmo que pudesse fazê-lo. Restam só dois outros expedientes: a mutualidade operária e a ajuda do Estado.

O senhor Sax, admirador entusiástico da mutualidade, é também capaz de nos contar os prodígios que esta operou no campo da questão da habitação. Infelizmente, tem de reconhecer logo de início que ela só pode realizar alguma coisa nos lugares onde o sistema de cottage ou já existe ou é realizável, isto é, de novo apenas no campo; nas grandes cidades, mesmo em Inglaterra, apenas o é em escala muito limitada. Por isso, diz o senhor Sax soluçando que

«a reforma por essa via» (a mutualidade) «só pode realizar-se fazendo um desvio e, portanto, sempre de forma imperfeita, nomeadamente na medida em que faz parte do princípio da posse própria uma força que reage sobre a qualidade da habitação».

Deveria também pôr-se isto em dúvida; de qualquer forma, o «princípio da posse própria» não reage de nenhuma maneira reformadora sobre a «qualidade» do estilo do nosso autor. Apesar de tudo, a mutualidade produziu em Inglaterra maravilhas tais

«que, graças a ela, tudo aquilo que aí se fez com vista à solução da questão da habitação é de longe ultrapassado. São estas as building societies(21*) inglesas», que o senhor Sax trata com especial pormenor porque, entre outras razões, «acerca da sua essência e acção estão, em geral, espalhadas ideias muito insuficientes ou erradas. As building societies inglesas não são de forma nenhuma... sociedades de construção ou cooperativas de construção, devendo antes... ser designadas em alemão talvez por "Hauserwerbvereine"(22*); são associações com o objectivo de, por meio de contribuições periódicas dos sócios, reunirem um fundo e com ele, segundo o seu montante, concederem aos sócios empréstimos para a compra de casa... Deste modo, a building society é, para uma parte dos seus sócios, uma caixa de poupanças e, para a outra parte, uma caixa de empréstimos. — As building societies são, portanto, instituições de crédito hipotecário adaptadas às necessidades dos operários e que utilizam principalmente... as poupanças dos operários... para permitir aos companheiros dos depositantes a compra ou construção de uma casa. Conforme seria de supor, esses empréstimos são feitos contra a hipoteca do imóvel correspondente, processando-se a sua amortização em pagamentos a prestações de prazos curtos as quais englobam juros e amortização... Os juros não são pagos aos depositantes, mas sempre creditados com juro composto... O levantamento dos depósitos, juntamente com os juros acumulados... pode ser feito a qualquer momento mediante aviso prévio de um mês.» (Páginas 170-172.) «Existem em Inglaterra mais de 2 000 dessas associações, ... o capital nelas acumulado eleva-se a cerca de 15 000 000 de libras esterlinas, e cerca de 100 000 famílias operárias chegaram já por esta via à posse do seu próprio lar; uma conquista social que seguramente não terá tão cedo outra que se lhe compare.» (Página 174.)

Infelizmente, também aqui há um «mas» em que se tropeça logo a seguir:

«No entanto, com isso não se alcança ainda, deforma nenhuma, uma solução completa da questão. Desde logo pela razão de que a aquisição de casa... só é possível aos operários com melhor situação... É frequente não serem suficientemente consideradas, sobretudo, as exigências sanitárias.» (Página 176.)

No continente «estas associações... apenas encontram um terreno limitado para se desenvolverem». Elas pressupõem o sistema de cottage, que aqui apenas existe no campo; mas no campo os operários ainda não estão suficientemente avançados para a mutualidade. Por outro lado, nas cidades, onde se poderiam formar verdadeiras cooperativas de construção, elas têm diante de si «consideráveis e sérias dificuldades de diverso tipo». (Página 179.) Elas apenas poderiam construir cottages, e isso é impossível nas grandes cidades. Em resumo, «não é a esta forma de mutualidade cooperativista» que pode «nas condições actuais — e também dificilmente no futuro próximo — caber, na verdade, o principal papel na solução da presente questão». É que estas cooperativas de construção encontram-se ainda «no estádio dos primeiros começos, não desenvolvidos». «Isto vale mesmo para a Inglaterra.» (Página 181.)

Ou seja, os capitalistas não querem e os operários não podem. E assim poderíamos encerrar aqui esta secção, se não fosse incondicionalmente necessário dar alguns esclarecimentos acerca das building societies inglesas, que os burgueses da couleur(23*) Schulze-Delitzsch apresentam constantemente como modelos aos nossos operários.

Estas building societies não são sociedades operárias nem o seu objectivo principal é proporcionar aos operários casas próprias. Veremos, pelo contrário, que isso só excepcionalmente acontece. As building societies são essencialmente de natureza especulativa, e as pequenas, que são as originais, não o são menos que as suas imitadoras grandes. Habitualmente, por iniciativa do dono de uma taberna, na qual se realizam então as reuniões semanais, um certo número de clientes habituais e alguns amigos, lojistas, vendedores, caixeiros-viajantes, artesãos e outra pequena burguesia — aqui e ali ainda um construtor de máquinas ou outros operários pertencentes à aristocracia da sua classe — juntam-se numa cooperativa de construção; o pretexto próximo é habitualmente o facto de o dono da taberna ter descoberto nas proximidades ou noutro local um terreno à venda por um preço relativamente baixo. A maioria dos sócios não está presa, pelas suas ocupações, a um local determinado; inclusivamente, muitos dos lojistas e artesãos apenas têm na cidade o seu sítio de negócio mas não a residência; quem quer que possa fazê-lo, prefere morar fora do que no meio da cidade fumarenta. Compra-se o terreno e constrói-se nele o número de cottages que for possível. O crédito dos mais abastados torna possível a compra e as contribuições semanais, juntamente com alguns pequenos empréstimos, cobrem as despesas semanais com a construção. Aqueles sócios que sonham [spekulieren] com casa própria recebem as cottages por sorteio à medida que estas vão ficando prontas, e o respectivo suplemento ao aluguer amortiza o preço da compra. As cottages que sobrarem são alugadas ou vendidas. Mas a sociedade construtora, se fizer bons negócios, acumula uma fortuna maior ou menor que fica a pertencer aos seus sócios enquanto estes pagarem as suas quotas e que é distribuída de tempos a tempos ou quando da dissolução da sociedade. Este é o currículo de nove de cada dez sociedades construtoras inglesas. As outras são sociedades maiores, formadas por vezes sob pretextos políticos ou filantrópicos, mas cujo objectivo principal acaba por ser sempre o de proporcionar às poupanças da pequena burguesia um investimento hipotecário mais elevado, com um bom juro e a perspectiva de dividendos mediante a especulação em propriedade fundiária.

O prospecto de uma das maiores, se não da maior dessas sociedades, indica o tipo de clientes com que elas especulam. A Birkbeck Building Society, Southampton Buildings, 29 e 30, Chancery Lane, London, cujas receitas, desde a sua fundação, atingem mais de 10 1/2 milhões de libras esterlinas (70 milhões de táleres), que investiu mais de 416 000 libras na banca e em títulos do Estado e que conta presentemente 21 441 sócios e depositantes, anuncia-se ao público da forma seguinte:

«A maioria das pessoas conhece o chamado sistema dos três anos dos fabricantes de pianos, segundo o qual qualquer pessoa que alugue um piano por três anos se torna proprietária do mesmo ao fim desse tempo. Antes da introdução deste sistema, as pessoas de rendimentos limitados tinham quase tanta dificuldade em adquirir um bom piano como em adquirir casa própria; pagava-se ano após ano o aluguer do piano e acabava por se gastar duas ou três vezes o dinheiro que o piano valia. Ora aquilo que se pode fazer com um piano pode fazer-se também com uma casa... Mas, como uma casa custa mais do que um piano... é necessário um período mais longo para amortizar o preço de compra através do aluguer. Por esse motivo, os directores fizeram acordos com os proprietários de casas em diversas partes de Londres e arredores através dos quais conseguem oferecer aos membros da Birkbeck Building Society e a outros uma grande selecção de casas nos mais diversos bairros da cidade. O sistema que os directores pretendem seguir é o seguinte: alugar as casas por 12 1/2 anos, período ao fim do qual, caso o aluguer seja pago regularmente, a casa se torna propriedade absoluta do inquilino, sem outro pagamento seja de que tipo for... O inquilino pode também acordar num prazo mais curto com aluguer mais elevado ou num prazo mais longo com aluguer mais baixo... As pessoas de rendimentos limitados, os empregados de comércio e armazém e outros podem de imediato tornar-se independentes de qualquer senhorio uma vez que se tornem sócios da Birkbeck Building Society.»

Isto fala com suficiente clareza. Nem uma palavra acerca dos operários mas apenas acerca das pessoas de rendimento limitado, empregados de comércio e armazém, etc; e, além disso, pressupõe-se que os candidatos já possuem, em regra um piano. De facto, não se trata aqui de operários mas sim de pequenos burgueses e de outros que querem e podem vir a sê-lo; pessoas cujo rendimento, mesmo que dentro de certos limites, aumenta em regra gradualmente, como o do empregado de comércio e outros de ramos semelhantes, ao passo que o do operário, mesmo que, na melhor das hipóteses, permaneça igual no montante, na realidade diminui em relação ao aumento da família e das suas necessidades crescentes. De facto, só poucos operários podem, excepcionalmente, fazer parte dessas sociedades. Por um lado, o seu rendimento é demasiado reduzido, por outro lado, de natureza demasiado incerta para lhe permitir assumir compromissos a um prazo de 12 1/2 anos. As poucas excepções às quais isto se não aplica são ou os operários mais bem pagos ou os capatazes(24*).

De resto, qualquer pessoa vê que os bonapartistas da cidade operária de Mülhausen não passam de pobres macacos de imitação dessas sociedades de construção pequeno-burguesas inglesas. Só que, apesar da ajuda do Estado que lhes é concedida, enganam os seus clientes muito mais do que as sociedades de construção. As suas condições são, no conjunto, menos liberais do que a média das que estão em vigor em Inglaterra e, enquanto na Inglaterra se calcula para cada pagamento o respectivo juro simples e composto e se fazem reembolsos com pré-aviso de um mês, os fabricantes de Mülhausen metem ao bolso tanto o juro simples como o composto e só reembolsam os montantes depositados em moedas sonantes de cinco francos. E ninguém se admirará mais com esta diferença do que o senhor Sax, que tem tudo isto escrito no seu livro, sem o saber.

Portanto, a mutualidade operária também não serve. Resta a ajuda do Estado. Que nos pode o senhor Sax oferecer a este respeito? Três coisas:

«Primeiro, o Estado tem de pensar, na sua legislação e administração, em eliminar ou em remediar de forma apropriada tudo aquilo que de algum modo tenha como consequência a manutenção da falta de habitação das classes trabalhadoras.» (Página 187.)

Ou seja: revisão da legislação da construção e liberalização da indústria da construção para que se construa mais barato. Mas na Inglaterra a legislação da construção está limitada a um mínimo, as indústrias da construção são livres como pássaros a voar e, no entanto, existe falta de habitações. Aliás, agora constrói-se tão barato em Inglaterra que as casas estremecem quando passa uma carroça e todos dias há algumas que desabam. Ainda ontem, 25 de Outubro de 1872, em Manchester, caíram seis de uma só vez, ferindo gravemente seis operários. Portanto, também não serve.

«Segundo, o poder de Estado tem de impedir que qualquer pessoa, no seu individualismo estreito, espalhe ou provoque o mal.»

Ou seja: inspecção das habitações operárias pelas autoridades da saúde pública e da construção, concessão às autoridades da faculdade de encerrarem habituações anti-higiénicas ou em mau estado, como tem acontecido em Inglaterra desde 1857. Mas de que forma é que isso aí tem acontecido? A primeira lei, de 1855 (Nuisances Removal Act(27*)), não passou, como o próprio senhor Sax reconhece, de «letra morta», tal como a segunda, de 1858 (Local Government Act(28*) (página 197). Em contrapartida, o senhor Sax pensa que a terceira, a Artisans' Dwellings Act(29*), que se aplica apenas a cidades com mais de 10 000 habitantes, «fornece certamente um testemunho favorável acerca da elevada compreensão do parlamento britânico pelas coisas sociais» (página 199), quando esta afirmação mais uma vez «fornece um testemunho favorável» da total ignorância do senhor Sax acerca das «coisas» inglesas. É evidente que, sobretudo «nas coisas sociais», a Inglaterra vai muito à frente do continente; é a pátria da grande indústria moderna, o modo de produção capitalista desenvolveu-se aí da forma mais livre e mais ampla, as suas consequências manifestam-se aí da forma mais clara e por isso provocam também primeiro uma reacção na legislação. A melhor prova disso é a legislação fabril. Mas se o senhor Sax crê que um decreto do parlamento só precisa de ter força de lei para ser imediatamente levado à prática, engana-se redondamente. E, de todos os decretos parlamentares (com excepção, quando muito, da Workshops' Act(30*)), isto aplica-se sobretudo precisamente à Local Government Act. A aplicação da lei foi cometida às autoridades municipais, que em Inglaterra são quase por toda a parte reconhecidos centros de corrupção de toda a espécie, nepotismo e jobbery(31*). Os agentes destas autoridades municipais, que devem os seus postos a toda a espécie de considerações de família, ou não eram capazes ou não tinham qualquer intenção de aplicar essas leis sociais, quando é precisamente em Inglaterra que os funcionários públicos encarregados da preparação e aplicação da legislação social mais se distinguem pelo estrito cumprimento do dever — embora actualmente em menor escala do que há vinte, trinta anos. Nos conselhos municipais, os proprietários de habitações insalubres ou em riscos de desmoronamento estão quase por toda a parte fortemente representados, directa ou indirectamente. A eleição dos conselhos municipais por pequenas circunscrições torna os eleitos dependentes dos mais mesquinhos interesses e influências locais; nenhum conselheiro municipal que queira ser reeleito pode ousar votar a favor da aplicação dessa lei no seu círculo eleitoral. Compreende-se, assim, a resistência com que esta lei foi recebida quase por toda a parte pelas autoridades locais e que, até hoje, só tenha sido aplicada aos casos mais escandalosos — e, mesmo nesses, na maioria das vezes apenas como consequência de se ter já declarado uma epidemia, como o ano passado em Manchester e Salford, com a epidemia de varíola. O apelo ao ministro do Interior só teve, até agora, efeito em casos desses, de acordo com o princípio de todos os governos liberais em Inglaterra que consiste em só propor leis de reformas sociais quando obrigados pela necessidade e de não aplicar de forma nenhuma as já existentes desde que isso seja possível. A lei em questão, tal como outras em Inglaterra, tem apenas o significado de, nas mãos de um governo dominado ou pressionado pelos operários, que finalmente a aplique de facto, vir a ser uma poderosa arma para abrir uma brecha na situação social presente.

«Terceiro», o poder de Estado deve, segundo o senhor Sax, «aplicar na mais ampla escala todas as medidas positivas que estejam à sua disposição para remediar a falta de habitação existente.»

Isto significa que deve construir casernas, «verdadeiros edifícios-modelo» para os seus «funcionários subalternos e servidores» (mas estes não são operários!) e «conceder... créditos às representações comunais, sociedades e também a particulares com o fim da melhoria das habitações para as classes trabalhadoras» (página 203), como acontece em Inglaterra de acordo com a Public Works Loan Act(33*) e como Louis Bonaparte fez em Paris e Mülhausen. Mas a Public Works Loan Act também só existe no papel, pois o governo apenas põe à disposição dos comissários um máximo de 50 000 libras esterlinas, isto é, meios para a construção de, no máximo, 400 cottages, ou seja, em 40 anos 16 000 cottages ou habitações para um máximo de 80 000 pessoas — uma gota no oceano! Mesmo que admitamos que, ao fim de 20 anos, os meios da Comissão duplicam devido aos reembolsos, isto é, que nos últimos 20 anos sejam construídas habitações para mais 40 000 pessoas, isso continua a ser uma gota no oceano. E, como as cottages só duram, em média, 40 anos, depois de 40 anos as 50 000 ou 100 000 libras líquidas têm de ser aplicadas na substituição das cottages mais velhas e em ruínas. O senhor Sax chama a isto, na página 203, aplicar o princípio na prática correctamente e «em escala ilimitada». E com esta confissão de que o Estado, mesmo em Inglaterra, «em escala ilimitada», nada fez, o senhor Sax conclui o seu livro lançando um último sermão a todos os interessados(34*).

E claro como a luz do dia que o Estado actual não pode nem quer remediar a praga da habitação. O Estado não passa do poder conjunto organizado das classes possuidoras, dos proprietários e capitalistas contra as classes exploradas, os camponeses e operários. Aquilo que os capitalistas (e aqui só deles se trata, pois nesta questão os proprietários fundiários aparecem igualmente, antes de mais, na sua qualidade de capitalistas), tomados individualmente, não querem, também o seu Estado não quer. Portanto, se é certo que os capitalistas, individualmente, deploram a falta de habitação, mas pouco se movem para remediar, mesmo que superficialmente, as suas consequências mais assustadoras, assim o capitalista conjunto, o Estado, não fará muito mais. Ele procurará, no máximo, que o nível corrente desse paliativo superficial seja aplicado por toda a parte de modo uniforme. E já vimos que é este o caso.

Mas, poderá objectar-se, na Alemanha os burgueses ainda não dominam, na Alemanha o Estado continua a ser um poder em certo grau independente e situado acima da sociedade, que, precisamente por isso, representa os interesses conjuntos da sociedade e não os de uma classe isolada. Um tal Estado pode, sem dúvida, fazer muitas coisas que um Estado burguês não pode; e dele podem igualmente esperar-se coisas muito diferentes no campo social.

Esta é a linguagem dos reaccionários. Mas, na realidade, também na Alemanha o Estado, tal como existe, é o produto necessário do substracto social de que surgiu. Na Prússia — e a Prússia hoje faz lei — existe, ao lado de uma nobreza latifundiária e ainda forte, uma burguesia relativamente jovem e, sobretudo, muito cobarde que continua sem conquistar nem a dominação política directa, como em França, nem a mais ou menos indirecta, como em Inglaterra. Mas, além destas duas classes, existe um proletariado intelectualmente muito desenvolvido, que cresce rapidamente e que se organiza de dia para dia cada vez mais. Portanto, encontramos aqui, além da condição fundamental da antiga monarquia absoluta — o equilíbrio entre a nobreza fundiária e a burguesia — a condição fundamental do bonapartismo moderno — o equilíbrio entre a burguesia e o proletariado. Porém, tanto na antiga monarquia absoluta como na moderna monarquia bonapartista, o verdadeiro poder governamental encontra-se nas mãos de uma casta particular de oficiais e funcionários que na Prússia se recruta em parte entre as suas próprias fileiras, em parte entre a pequena nobreza dos morgados, mais raramente entre a alta nobreza e em grau menor ainda entre a burguesia. A autonomia desta casta, que parece estar fora e, por assim dizer, acima da sociedade, dá ao Estado a aparência de autonomia em relação à sociedade.

A forma de Estado que se desenvolveu como consequência necessária na Prússia (e, seguindo o seu exemplo, na nova constituição imperial da Alemanha) a partir destas contraditórias situações sociais é o pseudoconstitucionalismo, forma que é tanto a forma actual de decomposição da antiga monarquia absoluta como a forma de existência da monarquia bonapartista. Na Prússia o pseudoconstitucionalismo apenas encobriu e mediou a lenta decomposição da monarquia absoluta. Porém, desde 1866 e, sobretudo, desde 1870, todos podem observar o revolucionamento da situação social e, desse modo, a decomposição do antigo Estado, que se processa a uma escala que cresce de forma gigantesca. O rápido desenvolvimento da indústria, e nomeadamente as fraudes na Bolsa, arrastaram todas as classes dominantes para o remoinho da especulação. A corrupção em grande e importada de França em 1870 desenvolve-se com rapidez inaudita. Strousberg e Péreire tiram o chapéu um ao outro. Ministros, generais, príncipes e condes fazem dinheiro em acções apesar dos mais astutos judeus da Bolsa, e o Estado reconhece a sua igualdade, baronizando em massa os judeus da Bolsa. A nobreza rural, há muito tempo dedicada à indústria, como fabricante de açúcar de beterraba e destiladora de aguardente, deixou para trás os velhos tempos da solidez e engrossa hoje com o seu nome as listas de directores de todas as sociedades por acções, sólidas e não sólidas. A burocracia despreza cada vez mais o desfalque de caixa como único meio de melhorar o vencimento; desinteressa-se do Estado e põe-se à caça de lugares muito mais rendosos na administração de empreendimentos industriais; aqueles que se mantêm ainda em funções seguem o exemplo dos chefes, especulando com acções ou «participando» em caminhos-de-ferro, etc. Justifica-se mesmo a suposição de que até os tenentes metem a mãozinha em muita especulação. Em suma, a decomposição de todos os elementos do velho Estado, a transição da monarquia absoluta para a monarquia bonapartista está em plena marcha, e com a próxima grande crise do comércio e da indústria desmoronar-se-ão não só a especulação presente mas também o velho Estado prussiano(35*).

E é este Estado, cujos elementos não burgueses diariamente se aburguesam mais, que deverá resolver «a questão social» ou sequer a questão da habitação? Pelo contrário. Em todas as questões económicas, o Estado prussiano cai cada vez mais nas mãos da burguesia; e se a legislação posterior a 1866 relativa ao campo económico não se adaptou ainda mais aos interesses da burguesia do que aquilo que já aconteceu de quem é a culpa? Principalmente da própria burguesia, que, em primeiro lugar, é cobarde de mais para defender energicamente as suas reivindicações, e que, em segundo lugar, se opõe a toda e qualquer concessão desde que simultaneamente essa concessão ponha novas armas na mão do proletariado ameaçador. E se o poder de Estado, i. e., Bismarck, tenta organizar um proletariado ao seu serviço, para desse modo pôr um freio à actividade política da burguesia, que é isso senão um recurso bonapartista necessário e bem conhecido, que a nada obriga, no que respeita aos operários, a não ser a algumas frases bem intencionadas e, no máximo, a um mínimo de ajuda do Estado a sociedades de construção à Louis Bonaparte?

A melhor prova daquilo que os operários têm a esperar do Estado prussiano está na utilização dos milhares de milhões franceses[N131], que deram à autonomia da máquina estatal prussiana, em relação à sociedade, um novo embora curto prazo de vida. Será que pelo menos um táler, entre esses milhões, foi usado para dar abrigo às famílias operárias berlinenses postas na rua? Pelo contrário. Quando chegou o Outono, o próprio Estado mandou demolir o par de miseráveis barracas que lhes tinham servido de refúgio de emergência durante o Verão. Os cinco milhares de milhões desaparecem com toda a ligeireza pelo caminho de tudo o resto, em fortificações, canhões e soldados; e, apesar do Wagner[N274] das burrices, apesar das conferências à Stieber com a Áustria[N275], os operários alemães nem sequer beneficiarão desses milhares de milhões aquilo que os franceses beneficiaram através de Louis Bonaparte com os milhões que este roubou à França.

III

Na realidade, a burguesia tem apenas um método para resolver à sua maneira a questão da habitação — isto é, resolvê-la de tal forma que a solução produza a questão sempre de novo. Este método chama-se «Haussmann».

Por «Haussmann» entendo não apenas a maneira especificamente bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas compridas, direitas e largas pelo meio dos apertados bairros operários e de guarnecê-las de ambos os lados com grandes edifícios de luxo, com o que se pretendia não só atingir a finalidade estratégica de dificultar a luta nas barricadas mas também formar um proletariado da construção civil especificamente bonapartista e dependente do governo e transformar a cidade numa pura cidade de luxo. Por «Haussmann» entendo também a prática generalizada de abrir brechas nos bairros operários, especialmente nos de localização central nas nossas grandes cidades, quer essa prática seja seguida por considerações de saúde pública e de embelezamento ou devido à procura de grandes áreas comerciais centralmente localizadas ou por necessidades do trânsito, tais como vias-férreas, ruas, etc. O resultado é em toda a parte o mesmo, por mais diverso que seja o pretexto: as vielas e becos mais escandalosos desaparecem ante grande autoglorificação da burguesia por esse êxito imediato mas... ressuscitam logo de novo em qualquer lugar e frequentemente na vizinhança imediata.

Na Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra fiz uma descrição de Manchester, tal como era em 1843 e 1844. Desde então, alguns dos piores bairros aí descritos foram atravessados, arejados e melhorados, outros totalmente eliminados devido às linhas de caminho-de-ferro que passam pelo meio da cidade, à abertura de novas ruas, à construção de grandes edifícios públicos e privados; no entanto, muitos desses bairros — apesar de a inspecção sanitária se ter tornado desde então mais rigorosa — encontram-se ainda na mesma situação ou mesmo pior, no que respeita ao estado da construção. Em contrapartida, porém, graças à enorme expansão da cidade, cuja população aumentou desde então em mais de metade, bairros que nessa altura eram ainda arejados e limpos, estão agora tão cheios de construções, tão sujos e tão superpovoados como antigamente as partes mais mal afamadas da cidade. Eis apenas um exemplo: no meu livro descrevi na página 80 e seguintes um grupo de casas situadas na parte baixa do vale do rio Medlock e que, conhecidas pelo nome de Pequena Irlanda (Little Ireland), formavam há anos a vergonha de Manchester. A Pequena Irlanda desapareceu há muito tempo; em seu lugar ergue-se hoje, assente em altos pilares, uma estação de caminho-de-ferro; a burguesia vangloriava-se da feliz e definitiva eliminação da Pequena Irlanda como um grande triunfo. Acontece que no Verão passado houve uma grande inundação, semelhante às inundações que crescem de ano para ano e que, por causas facilmente explicáveis, são provocadas nas nossas grandes cidades pelos rios represados. Verifica-se pois que a Pequena Irlanda não foi de modo nenhum eliminada, mas apenas transferida da parte sul da Oxford Road para a parte norte, e ainda continua a florescer. Ouçamos o Manchester Weekly Times, órgão da burguesia radical de Manchester, de 20 de Julho de 1872:

«Esperemos que a desgraça que atingiu no último sábado os habitantes do vale baixo do rio Medlock tenha uma boa consequência: a de voltar a atenção pública para o escárnio evidente de todas as leis da higiene que há tanto tempo aí tem vindo a ser tolerado diante do nariz dos funcionários municipais e da comissão municipal de saúde. Um duro artigo da nossa edição diária de ontem, apesar de ainda demasiado brando, revelou a vergonhosa situação de algumas habitações em caves da Charles Street e da Brook Street. A investigação minuciosa de um dos pátios citados nesse artigo permite-nos confirmar todos os dados nele apontados e declarar que as habitações das caves desse pátio já há muito deveriam ter sido fechadas: ou melhor, elas nunca deveriam ter sido toleradas como habitações humanas. O Squire's Court, na esquina da Charles Street com a Brook Street, é formado por sete ou oito casas de habitação sobre as quais o transeunte pode passar dia após dia, mesmo no ponto mais baixo da Brook Street, sob a ponte do caminho-de-ferro, sem suspeitar que por baixo de si há seres humanos a viver em cavernas. O pátio está escondido dos olhares do público e só é acessível àqueles que a miséria obriga a procurar abrigo no seu isolamento sepulcral. Mesmo quando as águas do Medlock, estancadas entre os açudes, não ultrapassam o seu nível habitual, o chão dessas casas fica apenas algumas polegadas acima do nível da água: qualquer aguaceiro mais forte é capaz de fazer aquela água nauseabunda e pútrida subir pelos esgotos e canalizações e infestar as habitações com os gases pestilentos que qualquer inundação deixa atrás de si... O Squire's Court fica a um nível ainda mais baixo que o das caves desabitadas das casas da Brook Street... vinte pés abaixo da rua, e a água pestilenta que no sábado subiu pelos esgotos chegou até aos tectos. Soubemos disto e esperávamos, portanto, encontrar o pátio desabitado ou ocupado apenas pelos funcionários do comité de saúde, para lavar e desinfectar as paredes malcheirosas. Em vez disso vimos um homem, na cave-habitação por baixo de uma barbearia... com uma pá a passar para uma carreta um monte de esterco que estava a um canto. O barbeiro, cuja cave já estava bastante bem varrida, fez-nos descer ainda mais abaixo até uma série de habitações acerca das quais disse que, se soubesse escrever, escreveria para a imprensa e exigiria o seu encerramento. Chegámos assim, finalmente, ao Squire's Court, onde encontrámos uma linda irlandesa, de aspecto saudável, a lavar a roupa. Ela e o marido, guarda-nocturno particular, viviam naquele pátio há seis anos e tinham uma família numerosa... Na casa, que acabavam de deixar, a inundação tinha chegado até ao tecto, as janelas estavam quebradas e os móveis eram um monte de ruínas. O inquilino — disse o homem — só caiando a casa de dois em dois meses é que conseguia manter o mau cheiro a um nível suportável... No pátio interior, aonde o nosso informador só agora chegava, encontrou três casas cuja parede posterior encostava à da casa acabada de descrever e das quais duas eram habitadas. O mau cheiro era de tal modo nauseabundo que até o homem mais saudável era obrigado a ficar enjoado ao fim de alguns minutos... Este repugnante buraco era habitado por uma família de sete pessoas, que, na noite de quinta-feira (dia da primeira inundação), tinham todas dormido em casa. Ou melhor, conforme a mulher rectificou, não tinham dormido, pois ela e o marido tinham passado a maior parte da noite a vomitar por causa do mau cheiro. No sábado, quando a água já lhes chegava ao peito, viram-se obrigados a carregar os filhos para o exterior. Ela era também de opinião que aquele buraco era mau de mais mesmo para os porcos, mas, como o aluguer era barato — um xelim e meio por semana —, tinha-o aceitado, pois o marido devido a doença, nos últimos tempos estava frequentemente sem ganhar. A impressão causada por este pátio e pelos que nele habitam como que metidos num túmulo prematuro é do mais extremo desespero. De resto, temos de dizer que, depois do que observámos, o Squire's Court é apenas uma imagem — talvez uma imagem exagerada — de muitos outros locais dessa área cuja existência o nosso comité de saúde não pode justificar. E, se se permitir que esses locais continuem a ser habitados, o comité arcará com uma grande responsabilidade e a vizinhança com o perigo de epidemias cuja gravidade não discutiremos mais aprofundadamente.»

Este é um exemplo marcante de como a burguesia resolve na prática a questão da habitação. Os focos de epidemias, as mais infames cavernas e buracos em que o modo de produção capitalista encerra noite após noite os nossos operários não são eliminados mas apenas... mudados de lugar! A mesma necessidade económica que os tinha provocado no primeiro sítio produ-los também no segundo. E, enquanto o modo de produção capitalista existir, será disparate pretender resolver isoladamente a questão da habitação ou qualquer outra questão social que diga respeito à sorte dos operários. A solução reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista, na apropriação pela classe operária de todos os meios de vida e de trabalho.


Notas de rodapé:

(16*) Ver a presente edição, t. 1, p. 131. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(17*) Arbeitgeber, no original alemão: designação mistificadora do capitalista nos países capitalistas de língua alemã. De facto "dador" de trabalho é o operário, embora a contragosto, nas horas de trabalho não pago, em que produz mais-valia para o capitalista. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(18*) Isto é: crédito com garantia de bens imobiliários. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(19*) E mesmo esta acabou por tornar-se num mero lar de exploração de operários. Veja-se o Socialiste[N271] de Paris, ano de 1886. (Nota de Engels à edição de 1887.) (retornar ao texto)

(20*) Também neste ponto os capitalistas ingleses há muito tempo que não só satisfizeram todos os mais profundos desejos do senhor Sax como até os ultrapassaram. Na segunda-feira, dia 14 de Outubro de 1872, em Morpeth, o tribunal encarregado do estabelecimento das listas de eleitores do Parlamento tinha de decidir acerca do requerimento de 2 000 mineiros para inclusão dos seus nomes na lista. Verificou-se que a maior parte dessas pessoas, segundo o regulamento da mina onde trabalhavam, deviam ser vistas não como inquilinos das casinhas que habitavam mas apenas como pessoas nelas toleradas e que podiam a qualquer momento ser postas na rua sem aviso prévio. (O dono das minas e o proprietário das casas eram naturalmente uma e a mesma pessoa.) O juiz decidiu que essas pessoas não eram inquilinos mas sim criados e, como tal, não tinham direito à inscrição. (Daily News[N206], 15 de Outubro de 1872.) (Nota de Engels.) (retornar ao texto)

(21*) Em inglês no texto: sociedades de construção. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(22*) Associações para a aquisição de casas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(23*) Em francês no texto: cor, tipo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(24*) Aqui ainda uma pequena contribuição sobre a exploração comercial, especialmente das associações de construção londrinas. Como se sabe, o solo de quase toda a cidade de Londres pertence a uma dúzia de aristocratas, sendo os mais importantes os duques de Westminster, de Bedford, de Portland, etc. Estes originalmente tinham alugado por 99 anos cada um dos terrenos de construção, passando, ao fim desse tempo, para a posse do mesmo com tudo o que nele estiver. Alugam então as casas por períodos mais curtos, como p.ex., 39 anos, na base do chamado repairing lease(25*) em virtude do qual o inquilino tem de pôr e manter a casa em bom estado. Logo que o contrato esteja estabelecido, dono do terreno envia o seu arquitecto e um funcionário (surveyor(26*)) dos serviços de inspecção da construção do distrito para inspeccionarem a casa e determinarem as reparações necessárias. Estas são, frequentemente, bastante extensas, chegando a exigir a renovação de toda a fachada, do telhado, etc. O inquilino deposita então o contrato de arrendamento, como garantia, numa sociedade de construções e recebe desta, como adiantamento, o dinheiro necessário para as obras a executar a expensas suas — atingindo por vezes 1 000 libras esterlinas e mais no caso de um aluguer anual de 130 a 150 libras. Estas sociedades de construção tornaram-se, pois, um elo importante num sistema que tem o objectivo de reconstruir e manter habitáveis sem esforço e à custa do público, as casas londrinas pertencentes aos grandes aristocratas fundiários. E pretende-se que isto seja uma solução da questão da habitação para os operários! (Nota de Engels à edição de 1887.) (retornar ao texto)

(25*) Em inglês no texto: arrendamento com reparação. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(26*) Em inglês no texto: inspector. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(27*) Em inglês no texto: Lei para a supressão do que é prejudicial (à saúde pública). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(28*) Em inglês no texto: Lei sobre a administração local. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(29*) Em inglês no texto: Lei sobre a habitação dos artesãos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(30*) Em inglês no texto: Lei sobre as oficinas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(31*) Jobbery é a utilização de um cargo público para vantagens privadas em favor do funcionário ou da sua família. Se, p. ex., o chefe da companhia estatal de telégrafos de um país se torna secretamente sócio de uma fábrica de papel, fornece a essa fábrica madeira proveniente dos seus bosques e depois lhe encomenda fornecimentos de papel para as estações de telégrafo, estamos então diante de um caso de job(32*) relativamente pequeno, mas muito bem preparado, na medida em que mostra uma compreensão perfeita dos princípios da jobbery; conforme, de resto, é evidente e seria de esperar em Bismarck. (Nota de Engels.) (retornar ao texto)

(32*) Em inglês no texto: negócio. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(33*) Em inglês no texto: Lei sobre os empréstimos para as obras públicas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(34*) Ultimamente, nos decretos do Parlamento inglês que concedem às autoridades da construção londrina o direito de expropriação com vista à abertura de novas ruas, tem-se, de certo modo, levado em consideração os operários que assim ficam sem tecto. Introduziu-se a determinação de que os novos edifícios a construir têm de ser próprios para albergar as classes da população que até então residiam nesse local. Constroem-se, assim, grandes casernas de cinco ou seis andares para alugar a operários nos terrenos de menor valor, satisfazendo-se a letra da lei. Resta saber como resultará esta iniciativa, totalmente insólita para os operários e igualmente estranha em relação às antigas condições de Londres. Porém, no melhor dos casos, nem um quarto dos operários realmente desalojados pelas novas construções será aí alojada. (Nota de Engels à edição de 1887.) (retornar ao texto)

(35*) Aquilo que ainda hoje, em 1886, mantém unidos o Estado prussiano e a sua base, a aliança entre a grande propriedade fundiária e o capital industrial, selada na protecção aduaneira, é apenas o medo do proletariado, que desde 1872 cresceu gigantescamente em número e em consciência de classe. (Nota de Engels à edição de 1887.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N131] Trata-se do tratado de paz preliminar entre a França e a Alemanha, subscrito em Versalhes em 26 de Fevereiro de 1871 por Thiers e J. Favre, por um lado, e por Bismarck, por outro lado. De acordo com as condições deste tratado, a França cedia à Alemanha a Alsácia e a Lorena Oriental e pagava uma indemnização de cinco mil milhões de francos. O tratado de paz definitivo foi assinado em Frankfurt am Main a 10 de Maio de 1871. (retornar ao texto)

[N182] Kladderadatsch: semanário satírico ilustrado, editado em Berlim desde 1848. (retornar ao texto)

[N206] The Daily News (Notícias Diárias): jornal liberal inglês, órgão da burguesia industrial; publicou-se com este título em Londres entre 1846 e 1930. (retornar ao texto)

[N267] Illustrated London News (Notícias Ilustradas de Londres): semanário inglês, publicado desde 1842. (retornar ao texto)

[N268] Über Land und Meer (Em Terra e no Mar): revista ilustrada semanal alemã; Publicou-se em Stuttgard de 1858 a 1923. (retornar ao texto)

[N269] Gartenlaube (Caramanchão): título de uma revista literária semanal alemã de orientação pequeno-burguesa; publicou-se de 1853 a 1903 em Leipzig e de 1903 a 1943 em Berlim. (retornar ao texto)

[N270] Fuzileiro August Kutschke: pseudónimo do poeta alemão Gotthelf Hoffmann, autor da canção nacionalista dos soldados no período da guerra franco-prussiana de 1870-1871. (retornar ao texto)

[N271] Le Socialiste (O Socialista): semanário francês; de 1885 a 1902 órgão do Partido Operário, de 1902 a 1905 órgão do Partido Socialista de França, a partir de 1905 órgão do Partido Socialista Francês; Engels colaborou no jornal. Ver os artigos sobre a colónia de Guise no jornal de 3 e de 24 de Julho de 1886. (retornar ao texto)

[N272] Harmony Hall: colónia comunista fundada pelos socialistas utópicos ingleses, encabeçados por Robert Owen, em fins de 1839; existiu até 1845. (retornar ao texto)

[N273] Ver V. A. Huber, Sociale Fragen. IV. Die Latente Association, Nordhausen 1866 (Questões Sociais. IV. A Associação Latente, Nordhausen, 1866). (retornar ao texto)

[N274] Engels tem em vista as afirmações de Wagner, numa série dos seus livros e discursos, no sentido de que a reanimação da conjuntura na Alemanha depois da guerra franco-prussiana e particularmente em resultado da indemnização de 5 000 milhões de francos melhoraria consideravelmente a situação das massas trabalhadoras. (retornar ao texto)

[N275] Trata-se das negociações dos imperadores alemão e austríaco e dos seus chanceleres em Gastein em Agosto de 1871 e em Salzburg em Setembro de 1871. Engels chama-lhes conferências «à Stieber» devido ao nome do chefe da polícia política prussiana, Stieber, sublinhando deste modo o seu carácter reaccionário e policial. (retornar ao texto)

Inclusão 05/02/2009