Organizar o Povo Para a Democracia

Luiz Carlos Prestes

15 de Julho de 1945


Origem: Discurso proferido no estádio do Pacaembú em São Paulo.
Fonte: Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 95-119.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Setembro 2008.
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Brasileiros!

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Trabalhadores!

Povo paulista!

Digníssimos senhores representantes das autoridades do Estado!

Prezadíssimo camarada e amigo Pablo Neruda!

Srs. representantes das diversas forças e partidos políticos!

Companheiros e companheiras do Partido Comunista!

Amigos e companheiros!

Poucas vezes, como neste instante, em que entro em contacto mais íntimo e direto com o povo trabalhador e generoso de São Paulo, senti tão grande a responsabilidade que pesa sobre meus ombros.

Recordo o comício memorável de São Januário e recapitulando o que fizemos nestas oito semanas, alegro-me com o caminho andado, mas sinto o peso de responsabilidades crescentes.

Compreendo e avalio a significação profunda desta festa: festa do povo para o povo; organizada e realizada pelo próprio povo. Vejo nela uma demonstração de confiança em mim e no meu Partido. E isto, a confiança do povo, significa, para nós, comunistas, novos deveres e responsabilidades cada vez maiores, que aceitamos conscientemente e sem vacilações.

Sim! O povo sabe em quem confiar. Porque ele, muito pelo contrário do que afirmam seus levianos detratores, não é cético nem indiferente. O povo, justamente porque sofre em sua própria carne as conseqüências terríveis de uma ordem social injusta, não pode ser conformista nem complacente — sabe fazer justiça. Não esquece jamais dos que sofreram com dignidade pela causa do povo. E porque não é abúlico nem álgido, o povo confia e aplaude. Aplaude os que têm coragem de lhe falar com franqueza e sinceridade.

Homens e mulheres de São Faulo!

O povo paulista — e especialmente os trabalhadores — que, durante o glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora, quando as forças democráticas e progressistas com o nosso Partido à frente se mobilizaram para deter a ascensão do fascismo em nossa terra, soube formar na vanguarda daquele glorioso movimento, mostra hoje compreender e aplicar a política de União Nacional, de defesa da ordem e da tranqüilidade internas, para a marcha segura do Brasil no caminho da democracia.

Povo laborioso e de índole pacífica, o povo paulista tem consciência da luta que vem mantendo através da sua história e, por isso, não se deixará arrastar pelos aventureiros e demagogos que, a serviço do fascismo e da quintacoluna, pregam a desordem, no momento em que ao povo interessa consolidar e ampliar cada vez mais as suas conquistas democráticas, dentro de um clima de paz e de tranqüilidade.

A festa que aqui realizamos é uma prova eloqüente e viva dessa capacidade de compreensão do povo paulista. Aqui seguramente não estão apenas comunistas. Aqui estão homens e mulheres de todas as tendências democráticas, de todas as crenças e ideologias, de todas as raças e classes.

Eu vos saúdo particularmente a vós, crentes de todas as fés, de todas as religiões. Católicos ou protestantes, espíritas e positivistas aqui presentes. Nosso Partido, que conta entre seus membros, pessoas de todos os credos e religiões, bem como céticos, agnósticos e ateus, não é nem pode ser contrário a nenhuma religião.

Não é a beleza desta festa uma demonstração da força de que é capaz o povo unido? Não nos indicará ela que caminho da União Nacional é aquele que nos conduzirá a encontrar soluções rápidas e eficientes para os graves problemas que temos diante de nós?

Sim! Por isso, neste momento, mais uma vez, reafirmamos nossa determinação inabalável, como comunistas e patriotas, de marchar com todos aqueles que desejem sinceramente o progresso e o bem-estar da nossa terra e nos opor por todos os meios aos que procuram dividir o povo, a fim de quebrar a sua força e assim mais facilmente colocá-lo ao sabor dos elementos mais reacionários e retrógrados nacionais ou gentes do capital colonizador.

Ao dirigir-me ao povo paulista, avalio bem, como comunista o papel que a São Paulo está destinado na vida democrática, no sentido da qual nossa Pátria dá os primeiros passos. Em São Paulo se encontra o mais numeroso proletariado do Brasil; em São Paulo se concentra a massa camponesa mais numerosa e também importantes forças políticas e econômicas da burguesia nacional.

Não foi, portanto, por acaso que a quintacoluna e a reação tentaram fazer de São Paulo o centro das suas atividades criminosas. Em São Paulo os espiões e sabotadores organizaram, aproveitando-se das restrições que um regime de opressão impunha ao povo, a sua máquina ainda não destruída, visando ontem impedir a nossa participação na luta ao lado das Nações Unidas e hoje lançar o país na aventura do golpes e no caos. Em São Paulo igualmente instalaram o seu quartel-general os trotsquistas, esses inimigos do povo que, aproveitando-se das dificuldades do momento e usando uma falsa fraseologia revolucionária, procuram se infiltrar no seio do proletariado tentando, principalmente, confundir a palavra segura, ordeira, clara e sincera do nosso Partido, o Partido Comunista, para conduzir o povo a ações desesperadas, demonstrando assim mais uma vez o seu caráter manifesto de agentes provocadores a serviço do fascismo. São estes aventureiros, que na sua maioria infiltrados ern nossa imprensa, lançam toda a sorte de calúnias, as mais vis e miseráveis, contra o movimento democrático em ascensão vitoriosa e em especial contra os comunistas.

Mas temos confiança na capacidade de luta do povo paulista. Nas suas honrosas tradições de amor à liberdade. No seu presente de trabalho pacífico e de vigilância patriótica.

De São Paulo, do seu proletariado heróico, partiram alguns dos primeiros exemplos do movimento organizado da classe trabalhadora. Depois, mais tarde, daqui também para resistência contra a ascensão do fascismo em nossa terra, através do mais decidido combate aos agentes nazi-integralistas, até mesmo em lutas de ruas.

E hoje a sua contribuição à gloriosa Força Expedicionária, tendo sido a maior dentre os Estados do Brasil é coroamento e a reafirmação de todo esse passado.

Aos melhores filhos do povo paulista que tombaram nessa luta cruenta contra o fascismo e em defesa da liberdade e da independência da Pátria, a nossa sentida homenagem.

Situação Mundial

Nova é a situação do mundo após a derrota do nazismo. Sobre a Europa ondula a bandeira da vitória dos povos e da paz entre as Nações, como teve ocasião de afirmar em maio último, o Generalíssimo Stalin, guia genial dos povos soviéticos e comandante supremo do Exército Vermelho que foi não só o construtor principal da vitória militar como também a grande força moral que pelo exemplo magnífico de sua atuação mais concorreu para a elevação do nível de combatividade dos povos de todo o Mundo. É incontestável que as vitórias Exército Vermelho entusiasmaram o nosso povo e trouxeram-lhe, a par de novas esperanças na vitória mundial da democracia, o estímulo necessário para participar da guerra contra o nazismo, apesar das duras limitações que lhe eram impostas por um governo ainda reacionário e do qual participava como infelizmente ainda participam, reacionários notórios velhos e conhecidos propagandistas e partidários do integralismo e do nazismo em nossa terra.

Agora, cabe a nós completar a vitória militar com a derrota definitiva em nossa terra dos restos ainda vivos do fascismo. Não podemos permitir que se tripudie sobre o sangue derramado pelos nossos soldados, marinheiros e avidores. À derrota militar torna-se imprescindível que se siga a derrota moral e política do fascismo, que marchemos sem vacilações ou retrocessos no caminho da democracia, visando sempre o progresso do Brasil e o bem-estar crescente de nosso povo.

Grandes e profundas foram as modificações havidas no cenário mundial nos últimos anos. Quão diferentes da política de capitulações sucessivas ao nazismo, política de estímulos à guerra que levou a Munique e finalmente ao ataque de Hitler aos povos soviéticos, a política de colaboração dos povos amantes da paz e da demecraoia, política de Teerã, que assegurou a unidade para a guerra contra o nazismo e abriu perspectiva da vitória e da colaboração para o após-guerra!

A ação conjunta das forças das Nações Unidas, assegurada desde a Conferência de Teerã, e vigorosamente posta em prática pelos golpes decisivos do Exército Vermelho, pela gigantesca operação militar que foi a invasão da Europa Continental pelos exércitos anglo-americanos, a par da heróica luta dos movimentos de resistência, determinaram a rápida vitória sobre a Alemanha nazista e a total capitulação dos restos despedaçados das divisões de Hitler.

A derrota militar do nazi-fascismo, reforça, sem dúvida, a favor da democracia a correlação de forças mundiais. A maior parte dos povos da Europa avança decididamente no caminho da democracia e cria seus verdadeiros governos, populares e nacionais. O movimento trabalhista mundial cresce e alcança novas posições, cada vez mais fortes. E a influência da União Soviética, como esteio máximo da democracia e fortaleza inexpugnável do mundo socialista, é cada vez mais evidente e decisiva.

Tudo isso vem fortalecer no mundo inteiro a luta pela democracia e, em parte, facilitar a luta contra os restos ainda vivos do fascismo, cujas raízes econômicas e sociais nem mesmo na Europa foram ainda completamente extirpadas.

Mas, por outro lado, essa própria luta pela consolidação da paz, pela completa e definitiva liquidação do fascismo, determina o reagrupamento das forças da reação, a união dos elementos pro-fascismo do capital financeiro muniquista e isolaciomsta, de parcelas não desprezíveis da burguesia, que tendo participado da guerra contra o nazismo, visava a reconstrução da Europa em bases reacionárias e em proveito dos trustes e cartéis a que sempre teve ligada. Eliminado seu rival — o imperialismo alemão — querem agora assegurar-se essa forças mais reacionárias e poderosas dos Estados Unidos e da Inglaterra do domínio político e econômico do mundo e, isto, tanto mais rápida e brutalmente, quanto mais se alarmam com as consequências democráticas da vitória conquistada.

É o que vem a reconhecer o presidente Truman em seu discurso de 26 de junho último ao encerra os trabalhos da Conferência de São Francisco:

«Hitler finou-se, porém a semente espalhada por sua mente desordenada tem raízes profundas em demasiadas mentes fanáticas. A vitória no campo de batalha era essencial, porém os povos do mundo devem estar resolvidos a abater o espírito do mal que convergiu sobre o mundo durante a última década. As forcas da reação e da tirania em todo o mundo procurarão impedir que as Nações Unidas continuem vivendo em harmonia. Mesmo no momento em que a maquinaria militar do Eixo era destruída na Europa, continuava procurando dividir-nos. Fracassaram, porém voltarão a tentá-lo. Dividir e conquistar era e continua sendo seu plano».

A luta pela paz exigirá, pois, novos e crescentes esforços, a liquidação política e moral do nazismo em todo o mundo, assim como o contra-ataque sistemático às forças da reação que se reagrupam para levar o mundo a novas guerras e, mais particularmente, à agressão por elas sempre desejada contra os povos soviéticos.

Para derrotar as forças da reação existem, no entanto as melhores condições em quase todo o mundo. A colaboração entre as três grandes democracias é tão possível nos dias de hoje quanto já o foi para a guerra e para a vitória. Para tanto existem ainda numerosas e fortes razões objetivas e materiais, mesmo porque só pela colaboração das três grandes nações será assegurada a paz no mundo, paz que reclamam todos os povos, muito especialmente os povos soviéticos e as grandes massas trabalhadoras da Inglaterra e dos Estados Unidos que agora mais do que nunca lutam por consolidar a amizade e a cooperação de suas pátrias com a grande pátria do socialismo.

E o próprio caráter democrático dos maiores países capitalistas, onde se concentra o grande capital financeiro, enfraquece a catadura reacionária e colonizadora do imperialismo abrindo para os povos dependentes novas perspectivas mais promissoras no caminho da luta pela emancipação nacioníal. Com a derrota militar do nazismo foram sem dúvida quebrados os dentes do imperialismo que já não pode agora tão facilmente apelar para os canhões em defesa de seus privilégios, e da ação extorsiva que quiser continuar a exercer nos países dependentes e coloniais contra a vontade dos povos oprimidos. O capital reacionário e colonizador foi em parte derrotado pelas Nações Unidas que, segundo os termos da Carta do Atlântico e das decisões posteriores de Teerã a São Francisco, se comprometeram a defender os povos da agressão e a não intervir em seus negócios internos. E nestas condições abrem-se agora para todos os povos, especialmente com a Carta da Paz que vem de ser assinada em São Francisco pelos representantes de 50 nações, amantes da paz e da democracia, novas perspectivas mais promissoras no caminho do progresso e da emancipação política e econômica.

Entramos, sem dúvida, numa nova época.

«Terminou o período de guerra e começou o período do desenvolvimento pacífico».

Grande e profunda foi igualmente a modificação havida no cenário político nacional nos últimos tempos. A guerra precipitou os acontecimentos e, pondo em forte tensão as grandes forças materiais e morais de nosso povo, determinou modificações rápidas e por vezes surpreendentes na orientação política do Governo, além do reagrupamento, ainda não de todo cristalizado, das diversas tendências e correntes políticas, em nossa terra. A melhor compreensão do verdadeiro sentido em que se desenvolve no momento a política nacional, assim como da posição que ocupam as diversas agrupações partidárias, exige um exame retrospectivo dos acontecimentos, um balanço histórico, mesmo rápido e sumário, capaz, no entanto, de bem assinalar o que há de novo na vida política da nação e como essa vida se desenvolve hoje em sentido bem diverso daquela que levava nos anos imediatamente anteriores ao início da guerra na Europa.

Marcha para a Fascistlzação

É sabido como naquela época, especialmente nos anos de 1935 a 1940, marchava nosso Governo, e com ele a grande maioria das classes dominantes, para o fascismo, para a ditadura contraria ao espírito e à letra da Constituição de 1934, para a fascistizaçao, enfim, do aparelho estatal e completa submissão de nosso povo aos interesses do imperialismo nazista e de seus sócios italiano e japonês. Isso acontecia na política interna de apoio e estímulo à organização integralista e de desrespeito cada vez mais acintoso aos preceitos democráticos da Constituição em vigor, especialmente no tocnate à liberdade de organização das grandes massas populares, pela ação policial violenta e arbitrária contra o movimento e a organização sindical, pelo mais descarado apoio aos crimes do integralismo, pelas dificuldades opostas à organização da A.N.L. que mal pôde ter um trimestre de vida legal. E a política externa do governo brasileiro mostrava igualmente sua tendência para o imperialismo nazista, através dos negócios com marcos compensados que, com grave prejuízo para os interesses nacionais, asseguravam a Hitler a constituição de seus estoques para a guerra, de algodão, café, óleos vegetais, etc.; política de abertura de nossos portos a uma suposta imigração japonesa, eufemismo que mal encobria a invasão militarmente organizada de nossa terra por dezenas e centenas de milhares de súditos do militarismo japonês, em flagrante desrespeito aos artigos constitucionais que limitavam a menos de 3.000 a entrada anual em nossa terra de imigrantes japoneses; política de apoio ao bandido Mussolini em sua brutal agressão ao povo abexim; política, enfim, de franca solidariedade com os militares reacionários que, com o traidor Franco à frente, assaltaram o grande povo espanhol, assassinaram-no aos milhões com as armas nazi-fascistas, para submetê-lo enfim à exploração do imperialismo de Hitler e Mussolini.

A Luta Contra o Fascismo

Naquela época soube o nosso Partido, apesar da vida clandestina a que estava forçado, enfrentar os acontecimentos e despertar o nosso povo para a luta contra a fascistização e o integralismo, mobilizá-lo em defesa da democracia tão ameaçada. Sabemos todos o que foi o surto magnífico do grande movimento popular aliancista, cuja vida legal foi de tão curta duração. Evidentemente grandes foram naquela época nossos erros e numerosas nossas debilidades. Não conseguimos, principalmente, romper com o sectarismo e dar à A.N.L. a amplitude de frente-única nacional antifascista, popular e democrática que devia ter. Não negamos os nossos erros, mas é de reconhecer e proclamar o quanto foi jusca nossa atividade ao lutar com firmeza, energia e coragem em defesa da democracia. Nosso erro naquela época não foi e de empunhar armas contra o fascismo, mas o de não estarmos orgânicamente à altura dos acontecimentos e de não sabermos ainda nos defender, e conosco ao nosso povo, das provocações fascistas. Caímos lutando, mas temos a glória de havermos lutado com sinceridade e patriotismo pelo progresso e a liberdade de nosso povo.

A Burguesia Apoiava o Fascismo

Que faziam então os políticos da burguesia, muitos deles em oposição formal ao governo da época? No Parlamento de que dispunham, salvo honrosas exceções, que se contam pelos dedos, nada diziam contra o fascismo e tudo cediam ao governo de reação, incapazes que eram de defender o espírito e a própria letra da Constituição. A burguesia, pela sua imprensa e pelos seus representantes no Parlamento, com medo do povo e em particular dos comunistas e o grande movimento popular, libertador e democrático, da A.N.L., tudo cedia ao governo reacionário, já então de mãos dadas ao naziintegralismo. Basta enumerar: Lei de Segurança, contra o espírito da Constituição; silêncio de aprovação ante o fechamento ilegal da A.N.L.; emendas inconstitucionais de Dezembro de 1935, origem do artigo 177 da Carta de 10 de Novembro de 1937; todos os estados de guerra em plena paz, reclamados pelo Governo; nenhuma atitude contra as torturas e assassínios policiais; concessão de um tribunal de exceção enxertado na Justiça Militar contra a letra da Constituição; e, finalmente, a aceitação como verdadeiro do imundo papel Cohen, que todos sabiam ser falso, para justificar o último estado de guerra, que levou à preparação e desfecho do golpe de estado de 10 de Novembro de 1937.

É claro que os políticos burgueses, com medo do povo, trataram de desmoralizar o Parlamento e a democracia, e tudo cediam ao Governo que tentava amarrar nosso povo ao carro, que no mundo parecia a eles então vitorioso, do imperialismo. Naturalmente, com o golpe de 10 de Novembro, acentuopu-se mais ainda em nossa terra a marcha para o fascismo, apesar da rápida desmoralização do integralismo que, após o movimento aliancista de novembro de 1935, passava a exercer simples papel de brigada de choque da polícia estúpida e assassina e que, posteriormente dissolvido, por inútil e prejudicial à demagogia da ditadura e à sua atitude de apôio à política democrática de bom vizinho de Roosevelt, fora levado ao golpe desesperado e assassino de Maio de 1938. Mas o mundo capitalista continuava marchando para o fascismo, e, com o início da guerra e as rápidas vitórias de Hitler na Europa, a fascistização de nossa terra e mais particularmente de nosso governo atinge seu auge em junho de 1940, quando da ocupação da França.

Luta pela Democracia

Motivos vários, econômicos e políticos, internos e externos, salvaram-nos, no entanto, do fascismo, da entrega de nosso povo ao imperialismo nazista e de sua submissão direta aos assassinos da Gestapo. Havia, sem dúvida, na política externa de nosso governo, um lado positivo, progressista e democrático — sua persistente adesão à política de solidariedade continental, à política rooseveltiana de boa-vizinhança. E graças a isso, já em 1941 cedia nosso governo ao povo norteamericano bases navais e aéreas no norte e nordeste do país — concessão evidente a um governo democrático para maior eficiência de sua luta contra o nazismo e que não podia deixar de ter, como de fato teve, repercussão na política geral do Governo, começando a inverter seu sentido e a negar na prática a tendência pró-nazismo de seus mais destacados componentes.

Mas foi incontestàvelmente o ódio de nosso povo ao fascismo, sua atitude persistente e constante em defesa da democracia, seu entranhado amor aos que sofriam nos cárceres da reação, a grande força que conseguiu afinal obrigar os governantes a fazer, pouco a pouco, voltar atrás em suas tendências mais contrárias às tradições democráticas de nosso povo.

E essa volta atrás seguiu o caminho que todos conhecemos. Solidariedade ao povo norte-americano, quando do ataque nipônico a Pearl Harbour; ruptura de relações diplomáticas com os governos do Eixo, em Janeiro de 1942; estado de beligerância reconhecido em Agosto do mesmo ano, após o ataque traiçoeiro e covarde à nossa navegação de cabotagem; e, finalmente, preparo e mobilização da Força Expedicionária que, em 1944, seguia para a Itália, onde iria participar ao lado de nossos aliados da grande luta pelo esmagamento militar, definitivo e completo, dos exércitos nazi-fascistas.

O ódio antifascista de nosso povo, tantas vezes manifesdo teve afinal na F.E.B. sua melhor, mais forte e gloriosa corporificação. Ao sangue britânico, soviético, americano, foi juntar-se também o sangue generoso de nosso povo e hoje, gracas ao heroísmo de nossos soldados e oficiais, entre as bandeiras vitoriosas, sobre o cadáver nazista ondula igualmente a bandeira de nossa Pátria. Foram estas, até o fim do ano último, as grandes vitórias de nosso povo no caminho da democracia, vitórias que sendo do povo o foram também e principalmente do proletariado e do seu partido de classe, o nosso Partido, o Partido Comunista do Brasil.

Sobrevive o Nosso Partido

Sim, companheiros, porque apesar das terríveis conseqüências que teve para o nosso Partido a derrota de 1935, apesar da brutalidade infame contra nós empregada pela polícia fascistizante de Filinto Muller e de seus asseclas nos Estados, apesar dos golpes sucessivos sofridos durante anos seguidos pela nossa organização, apesar da campanha sistemática de difamação e calúnias que contra nós foi movida, apesar de tudo quanto foi feito naqueles anos de reação visando o esmagamento de nosso Partido, ele sempre conseguiu sobreviver a todos os golpes e, vencendo dificuldades mil, jamais deixou de atuar junto ao povo, organizando-o na medida de suas forças, orientando-o e esclarecendo-o na luta contra o fascismo de maneira a impedir que se consumasse a entrega do país à Gestapo.

O que é incontestável no entanto, foi nossa decidida e ativa participação na luta pela derrota militar, política e moral do nazi-fascismo, e foi esse processo que, com a aproximação do fim da guerra na Europa, e com a agravação crescente da crise interna, entrou em rápido amadurecimento, criando em nossa terra as condições para a eclosão da democracia no País, a ruptura na prática de toda a legislação reacionária que vinha há tantos anos tolhendo as mais elementares liberdades civis.

Vitórias Democráticas de 1945

Depois de quase dez anos de censura à imprensa, cedia o governo aos anseios populares, e o direito de livre manifesto do pensamento, o de reunião e associação, o próprio direito de greve eram rapidamente reconquistados. E o governo, mal-grado sua composição em nada modificada, continua a ceder no caminho da democracia. Estabelece relações com os povos soviéticos, concede anistia aos presos políticos, convoca o povo para eleições e sanciona a lei eleitoral que assegura o sufrágio universal direto, secreto e obrigatório.

Se os homens que nos governam são ainda hoje quase os mesmos que levaram o país ao golpe de 1937 e à reação fascistizante dos anos seguintes, força é reconhecer que souberam ceder às novas circunstâncias e fazer em tempo volta atrás no caminho que trilhavam, cedendo enfim aos reiterados anseios do povo, que sempre soube manifestar seu ódio antifascista e lutar sem desfalecimento pela democracia.

E nestas condições é evidente que se abriram agora novas possibilidades para a organização do proletariado e das grandes massas trabalhadoras do campo e das cidades e melhores perspectivas para a rápida mobilização política e unificação das mais amplas camadas sociais, visando sempre a União Nacional indispensável à completa liquidação do fascismo em nossa terra, passo primeiro para a solução efetiva, sem maiores choques e atritos, dos graves problemas, econômicos e sociais da hora que atravessamos.

As vitórias alcançadas nestes últimos meses confirmam a justeza de nossa luta em defesa de uma saída pacífica e ordeira no caminho da democracia, do progresso e do bem-estar crescente do nosso povo.

A Inflação

É certo que o país atravessa um dos momentos mais graves da sua história. A miséria e a fome alcançam dia a dia camadas cada vez mais amplas de nosso povo, que, se já era vítima secular do primitivismo de nossa economia, da exploração do capital estrangeiro e dos senhores que monopolizam a propriedade da terra, sofre, agora mais do que nunca, com o encarecimento crescente do custo de todos os víveres e demais artigos indispensáveis à própria subsistência. O golpe de 10 de novembro de 1937 trouxe-nos a inflação, as emissões sem controle para cobrir "deficites" orçamentários resultantes das obras suntuárias e de fachada indispensáveis aos governos ditatoriais e «salvadores». Segundo o Sr. Eugênio Gudin, em publicação recente, os meios de pagamento (papel-moeda em circulação, mais os depósitos bancários à vista reduzidos dos respectivos encaixes) foram multiplicados por cinco nos dez anos últimos. Passaram de 8 a 40 bilhões de cruzeiros.

Não é esta a oportunidade de fazermos uma análise mais detalhada das causas originais da inflação e das medidas que julgamos indispensáveis para fazer cessar ou pelo menos, de início, refrear o ritmo crescente em que se processa. É necessário, sem dúvida, e urgente, lutar contra a inflação no sentido de encontrar uma saída imediata e prática para o círculo vicioso em que nos encontramos de aumentos de salários, seguidos de aumentos ainda maiores nos preços de todos os produtos e serviços, crescimento das despesas públicas, donde novas emissões e impostos, os maiores preços ainda, novos aumentos de salários e reinicio do ciclo em ritmo cada vez mais rápido e assustador.

A falta de gêneros para o normal abastecimento das cidades, o êxodo rural, a própria crise que atravessam os produtores de café e algodão, apesar da proteção com que sempre contaram, dizem das raízes profundas do desequilíbrio econômico a que chegamos. Os paliativos nada mais resolvem e talvez já não sirvam nem mesmo para ganhar tempo. É o que acontece com o Plano de Emergência agora em discussão. Enfrenta problemas superficialmente apreciados, e, como não podia deixar de ser, chega a remédios ilusórios, que virão agravar e precipitar a crise inflacionária de onde quer que se tire o bilhão de cruzeiros a ser distribuído entre os grandes fazendeiros para que prossigam, em nome da lavoura, sua principal atividade de comerciantes, usurários, açambarcadores de gêneros e especuladores na compra e venda de terras e palácios. Não é colocando dinheiro barato nas mãos dos fazendeiros ricos e protegidos que se faz cessar o êxodo rural, pois, como é sabido, são os camponeses mais pobres, colonos e arrendatários, os que produzem gêneros de primeira necessidade e não os fazendeiros donos da terra, que não se interessam por tais ninharias... Para abastecer as cidades os remédios são outros. O Plano de Emergência virá somente acelerar o processo da inflação e precipitar os acontecimentos, exigindo para sua solução que sejam entregues sem mais demoras à massa camponesa sem terra, gratuitamente, as terras utilizáveis junto aos grandes centros de consumo e ao longo das vias de comunicação já existentes.

Causas Profundas da Crise

Já está visto o que há de precário e fictício na tão proclamada prosperidade em que nos acharíamos. Nem o governo resultante do movimento de 1930, nem o «Estado Novo», conseguiram resolver as profundas contradições econômicas que impedem o desenvolvimento econômico do país e que resultam da própria estrutura tradicional de país semifeudal e semicolonial. As velhas oligarquias de grandes senhores da terra impediram, tanto sob a monarquia, como depois sob a República, o desenvolvimento agrícola-industrial do país, mas, nos últimos 15 anos, a partir da grande crise de 1929, a preocupação máxima dos governantes continuou a mesma — enganar a nação com paliativos e planos, fazer propaganda de uma prosperidade fictícia que só beneficiava a uma minoria de argentários nacionais e estrangeiros, tudo com a preocupação máxima de impedir o verdadeiro progresso nacional, mesmo à custa das mais duras e impiedosas medidas de repressão policial, quando assim se tornava indispensável para abater os incréus da propaganda oficial e os «rebeldes», que insistiam em lutar contra o atraso do país e o próprio aniquilamento físico cada vez mais evidente do nosso povo.

A crise econômica que atravessamos tem, pois, raízes muito mais profundas do que geralmente supõem os economistas e teóricos das classe dominantes; reflete, pela própria inflação, pelo mal-estar crescente, pela evidente ineficiência dos remédios apontados pelos charlatães salvadores de uma ordem social caduca, a contradição fundamental que urge resolver entre as forças de produção em crescimento, no mundo inteiro e uma infra-estrutura econômica secularmente atrasada, em que os restos feudais lutam por sobreviver em plena época da Revolução Socialista e da vitória do socialismo numa boa parte da terra. E, devido a isso, torna-se cada vez maior o nosso atraso, porque, se não regredimos, passa-se conosco o mesmo «atraso progressivo» a que se referia Lenin em 1913, quanto à Rússia tzarista, que se atrasava cada vez mais com o correr do tempo.

Sim, porque basta um exame mesmo superficial do que eram as condições de vida das grandes massas de nossa população, no fim do segundo reinado, em comparação com a situação atual, para nos convencermos de sua enorme agravação. Os observadores superficiais falam muito em progresso, mas que significa este aparente progresso para a grande maioria do nosso povo? Há evidente confusão, mesmo entre os bons patriotas e os mais bem intencionados dos homens, a respeito do que seja progresso. Este não pode consistir na criação de alguns centros civilizados, com serviços públicos mais ou menos organizados e geralmente nas mãos de empresas estrangeiras, no desenvolvimento forçado de uma indústria secundária, sem base, destinada ao enriquecimento de uma minoria de argentários sem escrúpulos, no estímulo à importação de artigos de luxo, etc, enquanto a miséria e a opressão da grande maioria da população do país crescem cada vez mais.

O Monopólio da Terra

Não; isso não é progresso. Não é, pelo menos, o progresso que almejamos, progresso que precisa ser, antes de tudo, a negação da pobreza e da miséria, da ignorância e do atraso era que ainda hoje vegetam milhões de brasileiros. Cerca de setenta por cento do nosso povo vive no campo, nas condições que todos conhecemos. São trinta milhões de brasileiros que, na sua grande maioria, não possuem nem ao menos o pedaço de terra em que trabalham, vivendo por favor nas terras do senhor, sujeitos a um regime patriarcal e semifeudal, a limitações e imposições de toda sorte, reduzidos à categoria de casta inferior e sem direitos. Mesmo em São Paulo é ridículo o número de propriedades e considerável o numero de camponeses sem terra: a cerca de 1 milhão de trabalhadores agrícolas correspondem no Estado 167.589 propriedades somente, o que significa que nunca menos de 890 mil sao os camponeses sem terra neste grande Estado. Mas, além disso, a própria distribuição daquelas propriedades mostra o predominio do latifúndio na economia agrária do Estado. E o latifúndio é a devastação da terra, a marcha para o Oeste, deixando atrás de si a erosão avassaladora. É o latifúndio a causa do êxodo rural para as cidades e os Estados vizinhos, e, com isso, a substituição crescente da lavoura pela pecuária em muitas regiões do Estado.

A pequena propriedade quase nada significa na economia rural do Estado. De outro lado, sitiantes e colonos proprietários vivem em geral na miséria, e não podem por vezes nem ao menos defender a posse da terra em que trabalham, sempre ameaçados, pela ação nefasta e cada vez mais cínica e brutal dos grileiros audaciosos e bem protegidos.

O que é incontestável é que o grande latifúndio, a grande propriedade, monopólio de uma minoria exploradora, constitui a causa máxima fundamental do atraso do país. São milhões de seres humanos que vivem afastados do mercado, fator nulo em nossa economia, porque, na verdade, nada vendem nem compram, mal plantam para comer, porque a metade, e às vezes mais, do que produzem pertence por direito feudal aos donos das terras, aos grandes fazendeiros que ainda hoje exercem predomínio no governo do país.

É irrisório, por isso, pensar em desenvolvimento da indústria nacional sem que inicie ao menos a solução dessa contradição fundamental entre o crescimento das forças produtivas e a miséria do mercado interno, impossibilitado de crescer em conseqüência das formas semifeudais da propriedade, da exploração e do trabalho. E é a indústria de São Paulo, por ser a maior do país e do Continente, a que mais precisa de um vasto mercado, indispensável, como é evidente, ao seu ulterior desenvolvimento.

Desenvolvimento da Economia Nacional

Mas o desenvolvimento harmônico da economia nacional exige ainda a revisão dos contratos lesivos aos interesses nacionais feitos em geral com os banqueiros estrangeiros representantes do que há de mais reacionário do capital monopolista e colonizador; exige a liberdade cada vez maior para o comércio interno com a redução ao mínimo dos impostos e barreiras interestaduais e municipais e quaisquer outras limitações à sua mais completa expansão; exige o reequipamento e melhoria das vias férreas e o mais rápido desenvolvimento de todas as vias de comunicação, terrestres, marítimas, fluviais e aéreas, exige, enfim, o emprego mais útil e justo da renda pública, que precisa ser destinada, antes e acima de tudo, aos serviços de educação e saúde popular, visando o combate sério e decisivo do analfabetismo, à ignorância, às doenças e endemias que dizimam o nosso povo.

Mas a solução de todos esses problemas exige a mais ampla e sólida União Nacional, a colaboração sincera e leal de todos os verdadeiros patriotas, independentemente de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos. E isto é praticamente possível porque os problemas que enfrentamos, dada a estrutura econômica de nosso país, são no essencial problemas da evolução democrático-burguesa, todos eles resolvidos nos países de normal desenvolvimento capitalista. Sua solução interessa sem dúvida ao proletariado, que, em países como o nosso, sofre muito menos da exploração capitalista do que da insuficiência do desenvolvimento econômico capitalista, mas interessa, igualmente, e muito mais ainda, à burguesia nacional progressista, que luta contra a concorrência de uma indústria estrangeira poderosa e moderna, nas condições de um mercado interno miserável que impede o surto industrial ou mesmo comercial considerável.

União Nacional

A União Nacional é necessária e indispensável ao progresso do pais. A União Nacional é, sem dúvida, possível nas condições atuais da nossa terra. É a grande aspiração das massas, trabalhadoras. E não são poucas nos últimos tempos as manifestações de homens de prestígio, dirigentes muitos deles das mais conhecidas e tradicionais associações patronais, reconhecendo a necessidade da União Nacional como único caminho acertado através do qual poderemos resolver os graves problemas da economia nacional, entre eles o fundamental do «pauperisrno», da elevação ponderável e rápida do standard de vida das grandes massas trabalhadoras. Mas a União Nacional é ainda difícil em nossa terra, a verdadeira união por que lutamos e consideramos necessária, união de todos os brasileiros progressistas e democratas, que compreendam a necessidade de liquidar os últimos restos do fascismo e da quinta-coluna em nossa terra e de romper com todos os obstáculos que ainda impedem a livre e rápida expansão do capitalismo no país. São esses resíduos de uma velha ordem social pré-capitalista, ainda não liquidados em nossa terra pela revolução democrático-burguesa, que fazem do Brasil até os dias de hoje, um país profundamente reacionário, onde, de fato, não será fácil criar uma força verdadeiramente democrática e antifascista capaz de dirigí-lo no caminho do progresso, da liberdade e da civilização. Mas, conhecidas as dificuldades a vencer, cabe-nos fazer esforços cada vez maiores no bom caminho e esclarecer de tal maneira o nosso povo que ocs campos de luta se definam cada vez melhor, obrigando a todos, homens e partidos políticos, a definir-se, a situar-se no campo democrático e progressista ou no da reação desmascarada. É o que já vai acontecendo, graças à atividade legal das últimas semanas e ao magnífico trabalho de esclarecimento que vem fazendo a nossa imprensa, ainda pobre e pouco desenvolvia mas já digna pela sua coragem e desassombro das gloriosas tradições de nosso Partido. O inimigo, como não podia deixar de ser, apresenta-se de dois lados: de um são os «esquerdistas» que, influenciados pela canalha trotdquista, acusam os comunistas de «getulismo», de submissão à «ditadura», de procurarem fazer coalizões sem princípios com as forças mais reacionárias; de outro, são os representantes das velhas oligarquia e agentes do capital estrangeiro mais reacionário, que acusam de «nova manobra comunista», visando acelerar o processo revolucionário, a unidade nacional por que lutamos. A uns e outros o que interessa é impedir a união nacional, é impedir a liquidação do fascismo e da quinta-coluna, é manter divisões artificiais entre as forças progressistas dos diversos setores sociais. O que essa gente visa, reacionários conhecidos e «esquerdistas» de todas as tendências, é barrar o processo de democratização do país, é lançar ainda uma vez brasileiros contra brasileiros, em benefício do fascismo e dos exploradores nacionais e estrangeiros, do nosso atraso e da miséria e ignorância de nosso povo.

Não fazemos cambalachos nem temos compromissos com ninguém, já o dissemos. Se apoiamos o Governo é porque marcha para a democracia e enquanto assim proceder. Nisso não há manobra oculta. Nosso apoio é franco, aberto e decidido, porque vemos os pregadores da desordem, dos golpes «salvadores», agentes mascarados, conscientes ou inconscientes, não importa, da provocação fascista.

Devemos reconhecer que são inúmeros ainda os patriotas e democratas sinceros sob a influência dos inimigos da unidade nacional e que muito ainda cabe fazer para esclarecer não só ao proletariado e às grandes massas rurais, como também à pequena burguesia, especialmente aos intelectuais, vítimas mais fáceis dos «esquerdistas» e trostsquistas, e a boa parte da burguesia progressista, naturalmente predisposta a acreditar na literatura terrorista dos escribas do fascismo, os jornalistas bem alimentados que não cessam de assustá-la com «as manobras comunistas», senão com o velho e já batido «perigo comunista».

Organizar o Povo

Nossa tarefa fundamental, porém, está em organizar o povo, as mais amplas camadas sociais de nossa população do campo e da cidade a fim de atraí-las à vida política, à luta por suas reivindicações imediatas, à melhor compreensão dos perigos que a ameaçam. Será essa a maneira mais prática de marcharmos para a democracia, de unirmos a todos os patriotas independentemente de diferenças sociais e ideológicas, de pontos de vista políticos e de crenças religiosas. Depois de tantos anos de reação e inatividade política, será essa a única maneira de reeducar o povo no caminho da democracia pela sua prática verdadeira e sincera, coisa das mais necessárias em nossa terra onde, a não ser o nosso Partido, permanentemente perseguido e reduzido até ontem à vida ilegal, jamais existiram, no Brasil, verdadeiros partidos democráticos, ligados ao povo e capazes de organizá-lo, partidos cujos dirigentes fossem escolhidos democraticamente e não impostos de cima pelos chefes e «coronéis» das oligarquias dominantes.

Os Comitês Democráticos Populares, que já se vão organizando por todo o país, serão como que as células iniciais do grande organismo democrático capaz de unir o nosso povo e de guiá-lo no caminho da democracia e do progresso. Os Comitês Populares falarão a voz do povo dirão de sua vontade, suas reivindicações imediatas e permitirão que se revelem os verdadeiros líderes populares, homens e mulheres, jovens e velhos, que falem a linguagem do povo e sejam de fato os melhores na defesa dos seus interesses e na luta pelos direitos do próprio povo. E por isso, nesses organismos será relativamente fácil o desmascaraniento dos agentes do fascismo, dos demagogos e desordeiros inimigos da união e da democracia.

Organizar o Proletariado

Na luta pela união nacional precisamos concentrar nossos esforços, antes e acima de tudo, na organização das grandes massas trabalhadoras das cidades e do campo. É a organização sindical do proletariado urbano e rural o instrumento por excelência capaz de fazer dos assalariados em geral cidadãos ativos, patriotas conscientes e democratas esclarecidos em condições de defender seus interesses de classe e de participar como cabe a todos os cidadãos, homens e mulheres, na vida política da nação. Como já disse o camarada Browder, é pelo nivel de desenvolvimento atingido pelas organizações operárias e pelo grau da sua participação na vida pública que se avalia da vitalidade de qualquer democracia. Não foi por acaso, portanto, que quase se finou em nossa terra o movimento sindical, apesar de toda a majestade arquitetônica de nosso atual Ministério do Trabalho. Sim, porque sem liberdade não é possível nenhuma organização sindical, nem nada valem todas as leis mais ou menos tutelares e patriarcais de um Estado — providência sob o domínio, como não pode deixar de ser no regime capitalista, da burguesia e dos grandes proprietários, para não falar dos agentes do capital estrangeiro sempre tão influentes nos países dependentes como o nosso. Lutar por isso pela liberdade sindical é o primeiro passo para lutar pela realização efetiva do que há de positivo na vasta legislação trabalhista dos últimos tempos, mas é também lutar pelo revigoramento da organização sindical, abrindo às grandes massas operárias, ainda desorganizadas e céticas, novas perspectivas — a esperança de que os sindicatos voltem realmente a ser seus e que neles possam livremente dizer o que pensam e livremente lutar peios seus interesses de classe, pela melhoria das condições de trabalho e do nivel de vida dos trabalhadores, o que significa, na verdade, lutar pela democracia e pelo progresso.

É através do movimento sindical que surgirão os verdadeiros líderes operários, os grandes chefes do proletariado paulista que os reacionários sempre procuraram evitar que aparecessem.

E, simultaneamente, todos os esforços devem ser feitos para unificar o movimento sindical de todo o país, porque só assim nacionalmente unida poderá a classe operária exercer o seu grande papel de força dirigente dos acontecimentos, efetivamente capaz de acelerar a marcha para a democracia e a liberdade. Imensa por isso é a tarefa do Movimento Unificador dos Trabalhadores na educação democrática do proletariado, no estímulo à organização sindical, na luta pela liberdade sindical, na ampliação em escala regional e nacional do apoio sempre necessário às lutas de cada setor de trabalho por suas reivindicações justas, levando tudo, pela própria prática da solidariedade operária, ao grande e definitivo organismo nacional da classe operária, à Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, organização máxima do proletariado, defensora de seus direitos, coluna vertebral do movimento de união nacional e através da qual se possa ligar o movimento trabalhista brasileiro com a classe operária do Continente e de todo o mundo.

Na luta pela sindicalização em massa não podemos esquecer os milhares de operários ainda privados do direito de organização, especialmente ferroviários e marítimos das empresas estatais e paraestatais, que merecem todo o nosso apoio, na certeza de que suas justas reivindicações serão em breve vencedoras, como resultado da própria marcha para a democracia no país e do vigor cada dia maior do grande Movimento Unificador dos Trabalhadores.

Organizações Camponesas

Particular atenção será preciso dar igualmente à organização sindical dos assalariados agrícolas e, simultaneanente, não poupar esforços na organização das grandes massas camponesas, colonos, moradores, agregados, meieiros, etc, que representam a grande maioria de nossa população rural e sertaneja. Através da luta pelas reivindicações mais sentidas será possível unir em organismos os mais diversos — clubes, associações ou ligas camponesas — as grandes massas de trabalhadores rurais, desde os sitiantes e pequenos proprietários, mais ou menos abastados, ou arrendatários capitalistas, mais ou menos independentes, até aquela maioria, a mais miserável, explorada e oprimida de toda a população do país, constituída pelos agregados, colonos, moradores, meieiros, posteiros, vaqueiros, peões de estância e trabalhadores do eito. Sabemos que não será fácil fazer chegar a essas grandes massas rurais, em geral analfabetas, a palavra esclarecedora do proletariado mais avançado e que é tarefa das mais árduas conseguir entrar nas grandes fazendas semi-feudais para despertar e organizar os servos da gleba, mas é essa a nossa obrigação, é essa a missão do proletariado, e, isto, não só de um ponto de vista patriótico e humanitário, mas igualmente no da defesa dos seus interesses mais imediatos, porque é abusando da miséria e ignorância das grandes massas camponesas, que tão impiedosamente exploram, que nos momentos de crise e de luta descarada por seus privilégios conseguem as classes dominantes os soldados e policiais que atiram contra o proletariado mais esclarecido, democrata e progressista.

Organização dos Jovens

E da grande massa camponesa passamos naturalmente à juventude, constituída ela própria na sua grande maioria em nossa terra, de camponeses, os mais brutalmente explorados e oprimidos, ao mesmo tempo que são os jovens camponeses, de todos os nossos jovens, os que são criados na mais negra miséria e ignorância, sem nenhuma perspectiva de melhores dias. Mas mesmo no seu conjunto é bem triste na verdade a situação da nossa juventude, miserável, doente e ignorante, incapaz fisicamente, em proporção nunca inferior a 60 por cento, para o serviço militar, de poder participar na defesa de nossa Pátria. Desejamos realmente influir na vida política da nação e encaminhar nossa Pátria pelo caminho do progresso e da democracia, mas para isso, precisamos dar uma especial atenção à juventude trabalhadora e estudantil. O nosso Partido é de fato o defensor mais conseqüente de suas reivindicações; procurará orientá-la e ajudá-la em todas as suas lutas.

Perspectivas Politicas

Lutamos e lutaremos pela União Nacional, pela orgãnização do povo em amplos Comités Democráticos Populares seguros de que só assim progrediremos no caminho da democracia e conseguiremos acabar com os restos ainda ameaçadores do fascismo e da quinta-coluna em nossa terra. O governo vem há muito cedendo no sentido da democracia e marcha por isso em sentido inverso daquele por que levava o país nos anos anteriores à grande guerra pela independência e libertação dos povos. Se naquela época soubemos empunhar armas em defesa da democracia, agora também a defenderemos apoiando o governo em defesa da ordem e desmascarando sem vacilações os agentes da desordem, todos aqueles que pregam os golpes "salvadores" ou a guerra civil, falando em democracia, mas que não passam na verdade de instrumentos da provocação fascista. Como democratas sinceros o que desejamos é chegar através da união nacional à verdadeira democracia, antes e acima de tudo a uma Assembléia Constituinte, em que os verdadeiros representantes do povo, apoiados pelo povo organizado, possam livremente discutir a Carta Constitucional que reclama a nação.

Mas a ordem e a tranqüilidade de que necessitamos para chegar efetivamente a eleições livres e honestas não depende só de nós, da política dos comunistas e da atividade patriótica dos Comitês Populares. Depende igualmente da atitude das demais correntes políticas e muito especialmente da atividade governamental, da rapidez, coragem e audácia com que souber marchar o governo para a frente no caminho da democracia. Mas para tanto, torna-se cada dia mais urgente afastar do govêmo reacionários e fascistas notórios, chamar ao poder homens de real prestígio popular, que compreendam o povo e saibam e possam falar com o povo. Problemas imediatos como o da inflação estão a exigir solução que só um governo de confiança nacional, um govêmo prestigiado, forte do apoio popular mais amplo, lhe poderá dar. Mas é necessário também um govêmo de ampla base social para remover sem maior demora os restos caducos de uma legislação reacionária que ainda envenena o ambiente e serve de pretexto à agitação fascista; um govêmo capaz de tomar medidas mais práticas contra a quinta-coluna e a reorganização integralista, um govêmo que por sua própria composição inspire confiança e não possa deixar dúvidas quanto à realização de eleições livres e honestas na data já marcada; um govêmo, enfim, que inspire confiança e não deixe dúvidas quanto à sinceridade com que prosseguirá, sem retrocessos, no caminho da democracia.

No momento atual ainda mobilizamos nosso Partido para a grande batalha eleitoral que se avizinha. Lutamos e lutaremos pela União Nacional e estaremos por isso dispostos a marchar com todos os democratas e anti-fascistas que aceitem um programa mínimo capaz de assegurar o progresso do Brasil e o bem estar de nosso povo.

Infelizmente, as velhas e péssimas tradições de uma politicagem sem princípios, em que os interesses e as paixões pessoais predominam sobre os grandes e superiores interesses do povo e da democracia, juntamente com os preceitos reacionários da Carta de 1937 e do Ato Adicional n. 9, colocaram em péssimas bases o atual problema eleitoral, em especial o da eleição presidencial.

Nas duas agremiações políticas ainda em processo de organização por traz dos nomes dos dois generais candidatos há sem dúvida forças sociais e políticas das mais variadas tendências, não sendo por isso difícil prever que com o correr do tempo se processem modificações nas duas agremiações, marchando os mais reacionários para um lado e vindo as forças da democracia para o centro de atração cada dia mais forte constituído pelo nosso Partido e os Comitês Populares em formação.

De nossa parte prosseguiremos sem vacilações na organização do proletariado e do povo e tudo faremos para unificar as mais amplas camadas sociais, visando, antes e acima de tudo, levar ao Parlamento a que se refere o Ato Adicional n. 9, ou à Assembléia Constituinte que preferimos, o maior numero possível de genuínos representantes do povo, capazes de defender a democracia, de trabalhar eficientemente pela legislação progressista que reclama a Nação e de fazer da tribuna parlamentar uma trincheira anti-fascista de onde sejam desmascarados definitivamente os inimigos do povo e acusados sem peias os traidores da Pátria.

E é por isso que, mesmo sem haver ainda tomado posição na questão das eleições presidenciais, que no pé em que se enconíra, como já se tornou bem claro para todos, não interessa ainda ao proletariado nem à grande massa popular, no seio da qual nós, comunistas, vivemos e atuamos; na das eleições parlamentares estamos prontos para, em cada Estado, unir nossas forças às das correntes políticas sinceramente democráticas e progressistas e a marchar juntos com todos os chefes políticos anti-fascistas e de prestígio popular, independentemente da posição que assumam ou já tenham tomado no terreno das eleições presidenciais.

Organizemos, pois, o nosso povo, especialmente as grandes massas trabalhadoras das cidades e do campo e, fazendo uso das grandes armas da democracia — livre discussão, livre associação política e sufrágio universal — marchemos com confiança e audácia para a frente, sempre prontos a esclarecer e educar politicamente o povo, a desmascarar e derrotar definitivamente seus inimigos trotskistas, fascistas e quinta-colunistas, sem esquecer jamais a afirmação do grande Stalin de que em política, para não nos equivocarmos, devemos olhar para diante e não para trás, não para o passado, mas para o porvir, o futuro que nos cabe construir com os materiais de que dispomos, com as forças que efetivamente possuímos e na base da realidade econômica, social e política de nossa terra e do mundo. É o que nós, comunistas, havemos de fazer. Havemos de fazer com o apoio do povo e, mais particularmente, com o do proletariado de São Paulo.

Salve! Povo de São Paulo!

Viva o Brasil livre, unido, democrata e progressista!


Inclusão 14/09/2008
Última alteração 12/06/2013