A Bancada Comunista na Constituinte
(Discurso pronunciado na Sessão Solene de Instalação da Assembléia Constituinte de 1946)

Luiz Carlos Prestes

5 de Fevereiro de 1946


Primeira Edição: Anais da Assembléia Constituinte, vol. I, 5-2-46, pp. 37-42.
Fonte: Luiz Carlos Prestes, Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 251-259.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, junho 2006.
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SR. LUIZ CARLOS PRESTES - Peço a palavra pela ordem.

SR. PRESIDENTE - Solicito a atenção da Assembléia para o fato de estar adiantada a hora, devendo ainda hoje ser convocada nova sessão.

Tem a palavra o nobre constituinte.

SR. LUIZ CARLOS PRESTES - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma saudação especial da bancada comunista ao ilustre Presidente desta Casa, Sr. Doutor Melo Viana.

Somos insuspeitos para formular esta saudação. Não votamos no nome de S. Exa. para a Presidência desta Casa. Estamos prontos, como constituintes, a colaborar com a Mesa na boa ordem dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, certos de que o Dr. Melo Viana, representante do povo mineiro, saberá, no exercício de sua alta função, mostrar o mesmo espírito liberal e democrático que impera na terra de Tiradentes.

Sr. Presidente, permita-me estranhemos ainda, em nossa insistente luta pela soberania da Assembléia Constituinte, a maneira por que foi convocada esta Sessão de Instalação.

Lutamos e lutaremos, persistente e intransigentemente, pela soberania da Assembléia Constituinte, desta que hoje foi convocada, não pela vontade dos constituintes, mas pela vontade, festiva talvez, do Itamarati.

Sr. Presidente, ilustres representantes da Nação, o Partido Comunista do Brasil, em nome do qual, ou em nome de cuja bancada nesta Casa tenho a satisfação de vos dirigir a palavra, precisa dizer alguma coisa sobre sua atitude nesta Assembléia Constituinte, e quer fazê-lo em face das delegações estrangeiras, que honraram o nosso povo com a sua presença, quando da passagem do Governo e da instalação em nossa Pátria de uma nova democracia.

O Partido Comunista do Brasil, durante anos, foi caluniado, seus membros foram difamados e sofreram física e moralmente! Somente há poucos meses, dez no máximo, dispõem os comunistas em nosso país de liberdade de imprensa, de direito de reunião e de associação política, inclusive para seu partido. E foram esses dez meses que nos permitiram dizer alguma coisa e provar quanto eram falsas as calúnias e as infâmias contra nós assacadas.

No mundo inteiro, entretanto, os comunistas mostraram, durante um período negro, durante a tremenda catástrofe que abalou o universo, que eram eles patriotas dos melhores, na luta contra o fascismo e em prol das independências de suas pátrias. Foram eles, os franceses, os italianos, os iugoslavos, os poloneses, que mais se sacrificaram na peleja pela liberdade de seus povos, porque comunista não foi Pétain, esse escravo e agente do nazismo, algoz do povo francês, mas os homens da resistência esse Gabriel Peri que morreu fuzilado pelos bandidos fascistas, cantando a Marselhesa.

Esta é a atitude dos comunistas no mundo inteiro, e na nossa terra também já mostraram eles do que são capazes, na luta pela independência nacional. Evidenciaram que são os verdadeiros e maiores patriotas. Em 1942, quando o partido ainda se achava perseguido, com seus líderes presos, muitos sofrendo os vexames e as torturas de uma política de assassinos, os comunistas foram os primeiros a levantar a bandeira da união nacional em torno do governo. Esqueceram ressentimentos pessoais, sofrimentos e sangue de sua própria carne, afastando todas as paixões subalternas para lutar pela união nacional em torno do Governo do Sr. Getúlio Vargas que, ainda, naquela época, perseguia o Partido Comunista, que continuava ilegal.

Por quê? Porque os comunistas colocam o interesse do povo, o interesse da democracia, o progresso e o bem-estar da pátria muito acima de seus sofrimentos pessoais, de suas paixões ou de seus próprios interesses.

Lutamos pela união nacional, e foi com o apoio dos comunistas que os governantes de então — os mesmos que anteriormente tudo haviam feito para entregar a nossa pátria ao fascismo — mudaram de rumo, romperam relações, em seguida, com o Eixo, em 1944, declararam-lhe a guerra, embora contra a vontade de muitos homens do poder, preparando a nossa gloriosa Força Expedicionária, que seguiu para a Itália.

Sr. Presidente, neste momento, rendo um preito de gratidão a todos aqueles que deram suas jovens vidas em solo italiano, que lutaram em defesa da independência da nossa pátria.

Meus senhores, esta é a posição dos comunistas, contra todas as calúnias e infâmias. Aí estão os fatos, para provar que os comunistas, quando se trata da defesa da pátria e da democracia, sabem colocar-se ao lado daqueles mesmos que os torturaram, daqueles mesmos que não querem reconhecer ao partido do proletariado vida legal e a possibilidade de utilizar as grandes armas da democracia.

Senhores, estamos frente a um novo governo em nossa terra. Os comunistas, em face desse governo, mantêm a mesma posição já assumida diante dos dois governos anteriores — o do Sr. Getúlio Vargas e do Sr. José Linhares. Os comunistas sabem que no mundo atual o necessário é a ordem e a tranqüilidade; porque só assim poderemos, em nossa pátria e no mundo inteiro, lutar pelo prolongamento durante o numero de anos possível senão para sempre da paz universal.

Os povos sofreram muito com a última calamidade, os povos querem paz e os comunistas lutam pela paz em nossa pátria e no mundo inteiro. Ninguém, mais do que os comunistas, pugnou pela ordem e tranqüilidade durante os meses de maior agitação política que antecederam as eleições de 2 de dezembro. Não eram comunistas os que gritavam por golpes armados e pela substituição violenta de homens no poder. Não! Os comunistas porfiavam por uma solução pacífica, por uma marcha pacífica para a democracia.

O Sr. Getúlio Vargas começou, no início de 1945, a ceder ao povo, no caminho da democracia, reconhecendo-lhe aqueles direitos sagrados que até então lhe haviam sido negados — principalmente a partir de 10 de novembro de 1937 —, situação essa que, para nós comunistas, já vinha de muitos anos, de 1935, quando, com o movimento antifascista da Aliança Nacional Libertadora, contra o espírito e a letra da Constituição de 1934, foi nosso partido arbitrariamente fechado.

Senhores, o Partido Comunista, cujos membros podiam ter os maiores ressentimentos contra os governantes de então, soube esmagar esses ressentimentos para apoiar o Sr. Getúlio Vargas nos seus atos realmente democráticos.

É, Senhores, que nós, comunistas, não fazemos política nos dirigindo aos homens; não olhamos, mesmo, nem o passado dos homens, pois o que nos interessa são seus atos no dia de hoje e isso é fundamental. E por isso estamos prontos a apoiar o governo do General Dutra, a mobilizar todas as nossas massas, que já aceitam nossa direção, para apoiar seus atos honesta e sinceramente democráticos.

Nenhum partido de oposição já o disse de maneira tão categórica, tão firme, quanto nós comunistas já afirmamos e já muitas vezes o publicamos no informe político apresentado. Na reunião plenária do nosso Comitê Nacional em janeiro deste ano declaramos: "Frente ao futuro governo nossa orientação política deve ser a mesma já por nós assumida durante todo este ano, de apoio franco e decidido aos seus atos democráticos e de luta intransigente se bem que pacífica, ordeira e dentro dos recursos legais contra qualquer retrocesso reacionário."

É essa a posição dos comunistas, Senhores. É essa a posição do meu partido. Estamos prontos a apoiar todos os atos do governo. Somos insuspeitos porque combatemos a candidatura do General Dutra. Não votamos em seu nome; procuramos mostrar ao nosso povo o perigo dessa eleição. Sabemos quanto o General Dutra se comprometeu com o golpe de 10 de novembro e com o Estado Novo, mas vemos o General Dutra como um brasileiro em cujo coração deve existir patriotismo e, que se quiser governar o nosso povo, deve compreender a necessidade do apoio desse povo e, naturalmente, da parte mais esclarecida do povo e da parte do proletariado já incluída nas fileiras do Partido Comunista. Nós não lhe regatearemos aplausos, não regatearemos apoio a esse governo para resolver, realmente, os graves problemas desta hora.

Senhores, vivemos um dos momentos mais sérios da vida de nossa pátria. A crise econômica é, sem dúvida, das mais graves; a carestia da vida acentua-se de maneira catastrófica. Nós, comunistas, sabemos que estes problemas não podem ser resolvidos nem por um homem providencial, nem por um partido político isoladamente, nem por uma classe social; exigem a colaboração de todo o nosso povo e de quantos amam sinceramente nossa pátria, independentemente de classes sociais e ideologias políticas ou de crenças religiosas. Que todos os brasileiros se unam, que todos os brasileiros estejam ao lado do governo nas medidas práticas, eficientes e imediatas para enfrentar os sérios e graves problemas econômicos que significam o aniquilamento físico do nosso povo.

Concidadãos, a fome do nosso povo é evidente; sentimos que ele está na miséria e seus problemas precisam ser resolvidos! Fome e carestia são conseqüências da inflação que se vem fazendo por meio de larga evolução iniciada, segundo nossa opinião, com o golpe de 10 de novembro, porque, com ele, dissolvido o Parlamento, coube ao Executivo o poder amplo de emitir.

Sabemos que num Parlamento, mesmo reacionário, um só homem digno pode muito fazer da tribuna na defesa dos interesses do povo; num Parlamento, mesmo reacionário, um só homem, patriota esclarecido, pode, pela sua palavra e pela sua energia, evitar, muitas vezes, os atos errados e criminosos do Executivo. Dissolvido o Parlamento, ficaram abertas todas as comportas da inflação. As ditaduras, para governar, sabem que muito mais que a força das polícias e das armas precisam de demagogia, de obras de fachada. E como tudo isto custa dinheiro, Senhores, o dinheiro foi obtido à custa das emissões sem lastro, das emissões de papel-moeda.

A situação de hoje é desnecessária, no momento, acentuá-la. Indispensável é que o governo enfrente, com coragem, com energia, com decisão, o problema da inflação.

Lutamos por ordem, por tranqüilidade. Nenhum partido político tem feito tanto nesse sentido. Mas, senhores, lutar por ordem e por tranqüilidade para nós não significa passividade, não importa ficar de braços cruzados, significa lutar, realmente, contra a desordem, lutar pela paz no mundo, lutar pela democracia, lutar pelo progresso de nossa pátria, lutar contra a inflação. Por mais contraditório que pareça a observadores superficiais, é lutar contra este caldo de cultura que é a miséria; é lutar contra o ambiente de descontentamento que serve de combustível para os desordeiros, para todos aqueles que querem levar o país à guerra civil.

Lutar pela tranqüilidade é, portanto, também lutar contra a miséria do povo, é igualmente lutar pela elevação do nível de vida do nosso povo.

Infelizmente, elementos reacionários, indivíduos que, ocupando postos de responsabilidade, ainda desejam maior desordem, negam-se a tomar medidas para a elevação rápida desse nível. Lutar pela elevação do nível de vida é colocar dinheiro nas mãos do povo, é facilitar e estimular a produção.

Como estimular a produção nacional, se o povo nem tem dinheiro para comprar? A industrialização do país ficará no papel, será utopia, enquanto o povo não tiver capacidade de consumo muitas vezes mais alta do que a atual. Portanto, Senhores, se apoiamos aqueles movimentos do proletariado exigindo maiores salários, melhores níveis de vida, estamos, na realidade, lutando pela ordem, pela tranqüilidade e pela eliminação do combustível para a guerra civil, que é a fome, a miséria das grandes massas.

Senhores, o fascismo foi militarmente derrotado na Europa, e, em seguida, na Ásia. Mas a derrota do fascismo na Europa e na Ásia não nos enganará. O fascismo ainda vive. Focos fascistas existem ainda espalhados pelo mundo. Aqui mesmo, em nossa terra, estamos longe de sua liquidação completa, moral e politicamente, e da eliminação das bases econômicas do fascismo.

Nós, comunistas, lutamos pela paz, lutamos pela ordem, mas lutamos, também, contra os focos fascistas e, por isso, solicitamos de nosso governo uma atitude firme, conseqüente, contra eles, principalmente contra as ditaduras fascistas de Salazar e Franco que precisam ser eliminadas do mundo. A rutura de relações com esses governos é reclamada pelos comunistas, em nome do proletariado e de grande parte de nosso povo.

Batemo-nos, também, Senhores, pela paz do continente e contra os focos antidemocráticos, principalmente contra os governos reacionários de Morinigo e Trujillo, respectivamente, do Paraguai e da República Dominicana, e pedimos ao nosso governo que, por intermédio de sua representação diplomática, exija a liquidação rápida desta mancha para os democratas americanos que são os campos de concentração, onde o povo paraguaio ainda é torturado e assassinado!

Devemos, ainda, lamentar a pouca clareza das últimas declarações do nosso Chanceler. Sua Excelência precisa, cada vez mais, falar para o povo, a fim de ser por ele compreendido. O povo reclama e quer saber qual a atitude do governo brasileiro frente aos grandes negócios do mundo, frente aos problemas mundiais e, evidentemente, em respeito à atitude do governo brasileiro, frente às nações irmãs. No discurso de S. Exª, reclamamos maior clareza, como, também, reclamamos a continuação da política tradicional do Itamarati, de fraternidade com todas as nações do continente; que, realmente, existam boas relações e que a Conferência Pan-Americana, a reunir-se no Rio de Janeiro, conte com delegações de todos os governos do continente.

É o que reclamamos do governo, pedindo, também, seja o povo inteirado da atitude do nosso delegado no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Queremos saber se o Itamarati já tomou as necessárias medidas para que essa atitude seja efetivamente democrática, progressista, atitudede contrária à intervenção nos negócios de cada povo, principalmente neste continente, que tanto tem sofrido com a intervenção imperialista. Torna-se indispensável que os povos resolvam por si os seus negócios. Se hoje atingirmos novo nível na democracia de nossa pátria, é porque isso foi conquistado, exclusivamente, pelo esforço do nosso povo. Cabe ao povo argentino lutar pela democracia em sua terra, livre das intervenções estrangeiras.

Essa a nossa opinião: que o delegado do Brasil no Conselho de Segurança Mundial também assuma uma atitude firme, exigindo a retirada imediata das tropas britânicas da Grécia e da Indonésia, para o bem do mundo inteiro.

Sr. Presidente, é expondo assim, com franqueza, nossos pontos de vista, falando de modo claro e compreensível para todo o povo, que pretendemos cumprir, nesta Casa, nosso dever.

Os comunistas jamais farão uso desta tribuna para insultos ou ataques pessoais. Estenderemos, fraternalmente, as mãos a todos os partidos políticos e sempre estaremos prontos a apoiar todas as medidas úteis ao povo, à democracia, ao progresso de nossa pátria, partam elas de quem partirem. E que ninguém veja nesta defesa intransigente de princípios de nossos pontos de vista qualquer preocupação de ataque pessoal, porque essa jamais será a nossa atitude.

Sr. Bastos Tavares — V. Exª está respondendo aos seus adeptos das galerias, naturalmente.

SR. LUIZ CARLOS PRESTES - O Partido Comunista é ainda partido minoritário e, como minoritário, não pretende, de forma alguma, dirigir todo o povo brasileiro. Nas galerias desta Casa, no dia de ontem, não estavam exclusivamente comunistas. Os comunistas são cidadãos que podem permanecer nas galerias. Não cabe, porém, ao Partido Comunista procurar conter o povo. Nas galerias produziram-se manifestações populares, não manifestações comunistas; foi a voz do povo que falou, e essa voz foi de aplausos para os representantes comunistas. Se foi de aplausos para democratas conhecidos como o Sr. Otávio Mangabeira, o Sr. Hermes Lima e outros representantes da UDN, se, Senhores, foi de reprovação para atitudes de outras pessoas, justas ou injustas, foi a voz do povo. O partido Comunista não pretende, em absoluto, o monopólio da opinião pública. Nesta Casa somos um partido minoritário e, se esse partido pudesse dirigir todo o povo, evidentemente a composição desta assembléia não seria da natureza que ora apresenta.

Lemos, na imprensa de hoje, o quanto destila ódio...

Sr. Eurico de Souza Leão - V. Exa agiria como se age na Rússia, como a Rússia age, ditatorialmente.

SR. LUIZ CARLOS PRESTES - A Rússia é a maior democracia do mundo. A Rússia é a democracia do proletariado, mas não estamos tratando da democracia russa e sim da nossa terra; eu perguntaria ao nobre constituinte que me aparteia, querendo levantar calúnias muito conhecidas sobre o povo soviético — esse heróico povo que, com seu glorioso exército vermelho, foi a arma principal na liquidação do fascismo no mundo...

Sr. Eurico de Souza Leão — V. Exª esquece o papel dos soldados americanos e dos demais países aliados, que, de fato, liquidaram o poder nazista.

SR. LUIZ CARLOS PRESTES - ... perguntaria se S. Exa é democrata e se, realmente, quer a democracia em nossa terra. Estamos tratando de democracia em nossa pátria; nós, comunistas, que lutamos pela democracia em nossa terra e disso já demos provas, continuaremos nessa luta.

SR. PRESIDENTE - Estando na hora de terminar a sessão, advirto ao nobre Deputado que findou o seu tempo.

SR. LUIZ CARLOS PRESTES - Vou terminar. Bem sabemos quais as responsabilidades que pesam sobre nossos ombros e vai depender da serenidade do verdadeiro sentimento democrático e patriótico de todos nós o cumprimento do nosso dever.


Inclusão 29/06/2006