Circular sobre a expulsão de F. M. Rodrigues

NB

Julho de 1964


Observação: in, IANTT, TCL, 4.º JC, pp.166/66.

Fonte: Francisco Martins Rodrigues: Documentos e papéis da clandestinidade e da prisão. Seleção de João Madeira. Editora Ela por Ela e Abrente. Lisboa, março de 2015. Págs: 257-258.

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de reprodução:© Editora Ela por Ela. Transcrição gentilmente autorizada por Ana Barradas (Ela por Ela).


Capa do livro

Estou de acordo com a expulsão. Fundamentalmente pelo remate q. deu às suas divergências com a linha política do P[artido](1) (abandono das tarefas, colocar-se fora do, control[o] do P[artido], actividades cisionistas), se colocou à sua margem e a decisão do CC não podia ser outra, depois dos esforços feitos p[ara] q[ue] reconsiderássemos a sua atitude.

Penso que os termos da Circular, misturando o principal com o secundário, o objectivo com o subjectivo, não facilita a compreensão da justeza da decisão do P[artido] (tanto mais quanto existe em muitos militantes falta de confiança na linha política do P[artido] expresse-se ela de forma consciente ou inconsciente. Ou de forma velada e confusa).

Penso que face aos termos da Circular, qualquer militante tem o direito de perguntar como é que um elemento com tantas debilidades chegou e estava no CC e na sua C. Executiva. E eu ponho claramente a questão: como é que um elemento ideologicamente vacilante («crises no seu espírito revolucionário»), e tendo profunda ignorância da situação económica e política portuguesa, chega ao CC e à sua CE e aí se mantém?

Sucede ainda o seguinte: F. M. Rodrigues foi funcionalizado em 1954 ou 55. Em 1956, salvo erro e poucos meses antes da sua última prisão, q[ue] me parece ter sido em Jan./Fev. de 57, foi destacado para o sector operário de Lisboa, ficando ligado ao C[omité] L[ocal], mas não fazendo parte dele. Isto porque, segundo opinião q[ue] então ouvi ao camarada «Carlos», ele tinha revelado muitas dificuldades nas tarefas de q[ue] tinha sido incumbido até aí. A sua prisão dá-se pouco depois sem q[ue] o quadro tenha tido possibilidade de melhorar e vencer as tais «muitas dificuldades». Está preso uns anos e ao reconquistar a liberdade em 1960 pouco depois de ter sido engrenado no CL de Lisboa, foi cooptado p[ra][ suplente do CC - isto numa altura em que se tinha recuperado vários membros do CC, e as dificuldades neste aspecto não podia ser comparáveis às q. o P. vinha de atravessar.

Ora, se até à sua cooptação pa suplente do CC a trajectória do quadro foi a que nos relata o CC, se as manifestações q. existiam no último período da sua actividade, antes da última prisão, a respeito das suas possibilidades, das suas dificuldades, eram objectivas, eu não compreendo porque é que ele foi cooptado pa suplente do CC em 1960 - quando ainda não tinha podido na actividade prática ultrapassar as dificuldades q. segundo um membro do CC tinha revelado - e especialmente eu não compreendo q. o CC nos diga agora o q. nos diz a propósito de FM Rodrigues sem assumir uma atitude autocrítica por ter levado até ao CC e seu CE um quadro com as debilidades q. o CC nos informa q. ele tinha.

Atente-se ainda no seguinte: se FM Rodrigues não desse o remate q. deu às suas divergências com a linha política do P., se as continuasse a manifestar dentro dos princípios do centralismo democrático, ele nem sequer era afastado do CC, como não foi depois da reunião do CC de Agosto. Quer dizer, apesar de um quadro mostrar a certa altura q. as suas ideias estão «divorciadas do marxismo-leninismo e q. tem «...uma profunda ignorância da situação económica e política portuguesa e das experiências...», ele é mantido no mais alto organismo de direcção do P.! Que significa isto, camaradas, que contradições encerra tudo isto? Não será tudo isto de molde a dificultar a compreensão por parte dos militantes, da justeza da decisão do P. ao expulsar FM Rodrigues? A expressão final q. ele deu às suas divergências c/ a linha política do P. teve um carácter e uma gravidade tais, choca-se de tal modo com os princípios orgânicos do P. q. nada mais seria necessário pa justificar a sua expulsão do P. e neste aspecto eu considero profundamente errada a posição de... quando diz q. o desfecho q. FMR deu às suas divergências [foi] inevitável e «lógico», pois considero q. ele tinha possibilidade de tomar uma atitude q. não o colocava à margem do P., e q. era colocar francamente ao CC. q. não estava em condições de cumprir c/ os princípios do centralismo democrático no referente à obrigação de na sua actividade defender e bater-se pela linha política do P. E neste caso, n/ considerando o que agora nos diz o P. a seu respeito, n/ seria sequer de o afastar do quadro de funcionários, pois poderia, por exemplo, ser útil na realização duma tarefa técnica, e isto permitiria q. o P. continuasse a desenvolver esforços pa o ganhar p a sua linha.

Penso que se queremos explicar casos destes temos q. fazê-lo fundamentalmente no terreno político, ligando-o à complexa situação que se vive; se queremos combater, como é necessário, as ideias erradas de FMR, temos que fazê-lo no terreno ideológico e político.

NB