Sobre a Questão Agrária

J. V. Stálin

29 de Março de 1906


Primeira Edição: Jornal "Elva" (O Relâmpago), n.º 14, 29 de março de 1906.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 1º vol. – traduzida da edição italiana  da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução:........
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, abril 2006.
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Recordais certamente o último artigo sobre a "municipalização" (vide Elva(1*), n.º 12). Não desejamos entrar no mérito de todas as questões abordadas pelo autor: não é nem interessante nem necessário. Queremos somente abordar duas questões principais: está a municipalização em contradição com a destruição dos restos feudais e é reacionária a repartição das terras? Nosso companheiro coloca a questão nestes termos. Evidentemente a municipalização, a repartição das terras e questões semelhantes, parecem-lhe questões de princípio, ao passo que o Partido coloca a questão agrária em um terreno completamente diverso.

É fato que a social-democracia não considera questão de princípio nem a nacionalização, nem a municipalização, nem a repartição das terras, nem do ponto de vista de princípio faz objeção a nenhuma destas soluções. Lede o Manifesto de Marx, a Questão Agrária de Kautsky, as Atas do segundo congresso, a Questão Agrária na Rússia, do mesmo Kautsky, e vereis que é exatamente assim. O Partido considera todos estes problemas do ponto de vista da prática e coloca a questão agrária no terreno prático: que realiza mais completamente o nosso princípio — a municipalização, a nacionalização ou a repartição das terras?

Eis sobre que terreno é colocada a questão pelo Partido. É claro que o princípio do programa agrário: destruição dos restos do feudalismo e livre desenvolvimento da luta de classes, permanece imutável; mudaram apenas os meios de realização deste princípio.

O autor deveria ter colocado justamente assim a questão: que é melhor para a destruição dos restos do feudalismo e para o desenvolvimento da luta de classes — a municipalização ou a repartição das terras? Ele, ao contrário, desliza de maneira de todo inesperada para o campo dos princípios; apresenta questões práticas como questões de princípio e pergunta-nos: a chamada municipalização "está em contradição com a destruição dos restos feudais e com o desenvolvimento do capitalismo?". Nem a nacionalização, nem a repartição das terras estão em contradição com a destruição dos restos feudais e com o desenvolvimento do capitalismo, mas isto não significa que não haja diferença entre elas, que o defensor da municipalização deva ser ao mesmo tempo defensor da nacionalização e da repartição das terras! É evidente que entre uma e outra solução existe uma certa diferença prática. A questão está exatamente nisso, e também por este motivo o Partido colocou a questão no terreno prático. O autor, ao contrário, como já notamos acima, transferiu a questão para um terreno completamente diferente, confundiu um com os outros o princípio e os meios de sua realização, e assim girou involuntariamente ao redor da questão apresentada pelo Partido.

Mais adiante o autor nos assegura que a repartição das terras é reacionária; isto é, faz-nos assim a mesma censura que nós ouvimos mais de uma vez dos social-revolucionários. Quando os metafísicos social-revolucionários nos dizem que a repartição das terras, do ponto de vista do marxismo, é reacionária, esta censura realmente não nos espanta, porque sabemos muito bem que eles não consideram a questão do ponto de vista da dialética, que eles não querem compreender que cada coisa tem seu próprio tempo e lugar e que o que amanhã se torna reacionário, hoje pode ser revolucionário. Mas quando materialistas dialéticos dirigem-nos a mesma censura, não podemos deixar de interrogar: então, em que se distinguem uns dos outros os dialéticos e os metafísicos? A repartição das terras, compreende-se, seria reacionária se fosse dirigida contra o desenvolvimento do capitalismo, mas se é dirigida contra os restos do feudalismo, então é óbvio que a repartição das terras é um meio revolucionário que a social-democracia deve apoiar. Contra que objetivo é dirigida hoje a repartição das terras: contra o capitalismo ou contra os restos do feudalismo? Não vos pode restar dúvida de que é dirigida contra os restos do feudalismo. Consequentemente o problema se resolve por si.

Certamente, depois que o capitalismo estiver bastante reforçado no campo, então a repartição das terras tornar-se-á uma medida reacionária, porque será dirigida contra o desenvolvimento do capitalismo, mas então a social-democracia também não a apoiará. Atualmente a social-democracia defende com ardor a reivindicação da república democrática, como medida revolucionária, mas depois, quando a questão da ditadura do proletariado se apresentar praticamente, a república democrática já será reacionária e a social-democracia esforçar-se-á para derrubá-la. O mesmo deve dizer-se sobre a repartição das terras. A repartição das terras e a economia pequeno-burguesa em geral são revolucionárias quando se dirige a luta contra os restos do feudalismo, mas a mesma repartição das terras é reacionária quando é dirigida contra o desenvolvimento do capitalismo. Este é o ponto de vista dialético sobre a evolução social. De modo idêntico Carlos Marx considera dialeticamente a economia agrícola pequeno-burguesa quando no terceiro volume do O Capital a chama de progressista em confronto com a economia, feudal.

Deixando tudo isto de lado, eis, entre outras coisas, o que diz Carlos Kautsky sobre a repartição:

"A repartição da reserva fundiária, isto é, da grande propriedade territorial, a repartição que os camponeses russos reivindicam e que já começam a realizar na prática ... não é somente inevitável e necessária, mas também útil no mais alto grau. E a social-democracia tem todas as razões para favorecer esse processo" (vide A Questão Agrária na Rússia, pág. 11).

Para resolver a questão tem enorme importância apresentá-la de maneira justa. Toda questão deve ser formulada dialeticamente; isto é, não devemos esquecer jamais que tudo muda, que cada coisa tem seu tempo e lugar e que, em consequência, devemos apresentar as questões também de acordo com as condições concretas. Esta é a primeira condição para resolver a questão agrária. Em segundo lugar, não devemos também esquecer que os social-democratas da Rússia colocam hoje a questão agrária no terreno prático, e quem desejar resolver esta questão deve precisamente situar-se neste terreno. Esta é a segunda condição para a solução da questão agrária. O nosso companheiro não tomou em consideração nem ao menos uma destas condições.

Bem, responderá o companheiro, suponhamos que a repartição das terras seja revolucionária. É evidente que nós nos esforçaremos para apoiar este movimento revolucionário, mas isto não significa em absoluto que devamos introduzir em nosso programa as reivindicações deste movimento; para tais reivindicações não há lugar no programa, etc. Evidentemente o autor confunde o programa mínimo e o programa máximo. Ele sabe que no programa socialista (isto é, no programa máximo) devem existir somente as reivindicações proletárias, mas esquece que o programa democrático (isto é, o programa mínimo), e com maior razão o programa agrário, não é socialista, e, consequentemente, neste figurarão sem reservas as reivindicações democrático-burguesas, que apoiamos. A liberdade política é uma reivindicação burguesa, e não obstante ocupa o lugar de honra em nosso programa mínimo. Mas por que ir tão longe? Examinai o segundo artigo do programa agrário e lede: o Partido exige "... a supressão de todas as leis que limitam o direito de o camponês dispor da sua terra"; lede tudo isso e respondei: que há de socialista neste artigo? Nada, direis, porque este artigo pede a liberdade da propriedade burguesa e não a sua destruição. Apesar disso este artigo figura em nosso programa mínimo. Portanto, de que se trata? Somente do fato de que programa máximo e programa mínimo baseiam-se em dois conceitos distintos, que não devem ser confundidos. É verdade que os anarquistas não ficarão satisfeitos, mas que fazer? Nós não somos anarquistas!...

No que se refere à aspiração dos camponeses à repartição das terras, já dissemos que sua importância é medida pela tendência do desenvolvimento econômico, e uma vez que a aspiração dos camponeses "surge diretamente" desta tendência, o nosso Partido deve apoiá-la e não a ela se opor.

Assinado: I. Besochvili.


Notas:

(1*) Elva (O Relâmpago), diário georgiano, órgão do Comitê Unificado de Tíflis do P.O.S.D.R. Iniciou as publicações, após a supressão do Gantiadi, em 12 de março de 1906. O último número saiu a 15 de abril de 1906. Para os bolcheviques, os artigos de fundo eram escritos por Stálin. Ao todo, foram publicados 27 números. (retornar ao texto)

 

Inclusão 28/04/2006