Carta a Ramalho (Osvaldo Costa)

S.N. do PCB

31 de Janeiro de 1936


Fonte: Fundação Maurício Grabois. Documento 51 de 31 de Janeiro de 1936 Carta do S.N. do PCB a Ramalho (Osvaldo Costa). TSN. Auto de apreensão à rua Paulo de Frontin.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Rio, 31 de janeiro de 1936

Prezado camarada Ram.

Recebemos sua carta de 29 do corrente. Um bilhete nosso marcando ponto com M. não deve ter sido recebido por V., pois que não fostes ao ponto marcado. É urgente esse encontro e não devemos mais ficar desligados, pois que o Tambaú sabe como ligar-se conosco através do gravador e nós não temos nenhuma referência capaz de nos ligar com VV. Soubemos ontem da prisão de Matoso, consta que na sede de A Manhã, pedimos confirmação; avisamos a você que recebemos denúncia de que o chefe as oficinas da A.M. está imprimindo material subversivo lá dentro. Não queremos acreditar nisso, mas transmitimos para que sindiques e tomes providências muito enérgicas caso isso se esteja dando com qualquer operário de lá. Isso são coisas gerais. No fim da carta segue novo ponto, onde te encontrarás com um de nós.

Sua carta foi lida ao Secretariado. Comunicamos a V. que o trabalho de direção está completamente reorganizado, desde o dia em que tivemos a certeza da queda de Tav. Não há nenhum perigo de caírmos em provocação encampada sob as palavras de "democracia interna" ou qualquer outra forma de liberalismo podre. O BP já havia autorizado uma reorganização do SN caso a reação a tornasse necessária, bem como o funcionamento de um BP de 5. Pedimos a VV mandar dizer quem são os elementos que levantaram a proposta de eleição "democrática" do secretariado interino, para que se tomem providências com eles pela Região do Rio.

Quanto a perseguição a ti, achamos natural que te preocupe, que aches ruim e até que te impeça de raciocinar com a costumeira frieza e objetividade. Dizemos isso porque se depreende perfeitamente de tua carta que achas essa perseguição motivada pela queda do Tav., onde deve ter sido encontrado teu endereço. Isto é justamente o que a polícia quer que V. e todo o partido pense, para desmoralizar nosso companheiro e a direção do Partido. V. mesmo conhece suficientemente o Tav. para repelir com toda a anergia semelhante sugestão. Tav. é incapaz de andar com endereços em papezinhos pelo bolso ou pelas mesas de trabalho. Da mesma marca são as balelas espalhadas pelos jornais sobre o encontro do arquivo do P. no apartamento de Miranda. Além de cópias de manifestos chegados recentemente e de que precisou para responder a duas regiões do Norte, nada mais lá havia. Sabes perfeitamente que não temos arquivos do P. em casa. Juntamos uma circular e volantes feitos sobre as prisões de Miranda e Harry Berger, desmascarando as provocações da polícia que agora, de posse das máquinas de escrever de Prestes, Harry Berger e Miranda, já começou a forjar documentos, como as cartas que publicaram A Nota e A Batalha como sendo de Prestes. Todas as notícias vi-sam desprestigiar a direção do Partido e lançar confusões. Nossa tarefa e a de todos os membros do Partido, especialmente os mais ligados ao trabalho de direção, é levar uma campanha tenaz contra os boatos e as mentiras espalhadas pelos nauseabundos e mostrar a improcedência das afirmações feitas. Com Harry Berger, de fato, encontrava-se uma parte do arquivo de Prestes, mas V. pode acreditar que esse camarada tivesse listas de nomes e tudo aquilo que diz a polícia? Evidentemente, tal suposição é absurda.

Não acreditas possível que marcando pontos no centro, como estavas fazendo, já tivesse sido possível à polícia seguir-te e localizar tua casa, esperando de alcatéia para ver se pegava mais pistas e dando lá a cana depois de pegar o Tav., justamente para lançar confusão? Precisamos trabalhar com todo cuidado na apuração dessas questões e nunca devemos aceitar sem um exame profundo as hipóteses que se apresentam como mais plausíveis à primeira vista.

No capítulo "Como caiu Tavares" fazes uma afirmação de que temos dormido "tanto" na luta contra a provocação e bem assim para liquidar as ilusões democráticas. Desejamos conhecer os fatos que te levam a esse juízo e bem assim saber quais são os companheiros de responsabilidade que são conhecidos "de todo mundo" e que andam em casa "de gente de toda espécie", para que o saquemos imediatamente de qualquer trabalho responsável. A sua afirmação de que "damos a cara a toda hora e à toda gente" carece de qualquer fundamento conhecido por nós e como sabemos que você não ia soltar um balão numa questão dessas, queremos saber que fatos você pode citar e que o levam a formar esse juízo pejorativo a nosso respeito.

Já estamos de posse de uma série de fatos sobre a prisão de Tav., necessitamos saber de outros pormenores e só depois disso vamos dizer ao Partido o que de fato houve. Não queremos levantar hipóteses e dar palpites sobre um fato tão sério. Cremos que o Partido confiará que sua direção está lutando para obter todos os fatos e que não haverá desagregação em nossas fileiras por causa disso. Não há dúvida de que os famosos membros da oposição revolucionária classista dos Besouchets e Gikovates continuará sua cantilena contra a direção do P., a levantar suspeitas, etc, etc. O regosijo com que receberam a prisão de nosso Tavares e as notas maldosas fornecidas aos diários do nauseabundo demonstram claramente de que são capazes esses agentes ideológicos do inimigo.

Quanto aos prejuízos que nos causa uma prisão como a de Tava. estou de pleno acordo com V. e bem assim sobre todas as medidas necessárias para resguardar a direção, para diminuir os riscos e para diminuir ao mínimo o alvo para a reação. Junto à presente uma circular sobre diretivas mandada a todo o Partido e uma mais recente e mais restrita que peço queimares logo depois de ler. Esta mais recente tem quase dois meses. O fato que citas sobre Maria Wer. nos é desconhecido, pedimos citar a fonte e razões que levam a acreditar na veracidade do mesmo; quanto ao parente de camaradas visados pela reação que continua a receber, também desconhecemos e pedimos informe urgente para que possa ser tomada a providência que se impõe. Acreditamos que se refere, com relação a Maria W., o material feminino legal, que talvez recebesse para a União Feminina, mas nem disso sabemos ao certo.

Quanto aos poderes extraordinários que você propõe, achamos completamente desnecessários, pois não existe crise nem na direção do P. nem na base do P. e apesar da enorme falta que nos faz o nosso camarada Tav., a continuação de saída de material, da vida orgânica e política do Partido demonstram que o nosso PCB luta galhardamente para romper o cerco da reação, se bem que com muitas debilidades, cuja autocrítica deve ser feita por todos nós com a máxima energia, que aceitamos em boa parte as que nos fazes e que são justas, ao mesmo tempo que dizemos francamente das que discordamos e que achamos exageradas. Não há intocáveis, isso ficou bem claro no BP; mas ficou também igualmente claro que esta é a direção do Partido, reconhecida pelo mesmo como capaz de enfrentar a reação com o heroismo de que nos dá exemplo o nosso camarada Miranda e H. Berger, diante das torturas tremendas a que estão submetidos e dos quais devemos mobilizar a massa para livrá-los e a todos os militantes antiimperialistas e antifascistas presos.

B. de Impresna. Estávamos insistindo por diversos lados, até pelo mineiro, para pegar ligação contigo, com vistas a combinar esses trabalhos. Ótimas propostas. Resolvemos uma ligação semanal contigo pelo enc. de agit. nacional e estabelecimento de ligação por estafeta mais duas vezes por semana para que possamos transmitir rapidamente as questões e assegurar a unidade indispensável na transmissão da linha política do P. à massa. Vamos organizar uma reunião do BP, logo que for possível e te chamaremos. Está resolvida uma ligação imediata com o M. e através dele ficará organizada sua ligação com o enc. de agit. Esperamos o mais de pressa possível o artigo para a Revista Proletária que te ficou distribuído na reunião do BP, sobre a oposição "revolucionária classista".

Situação política. Muito interessaram as informações. Estamos de acordo que V. fique ligado a esse trabalho, como vinhas fazendo com o O.M. Sobre a apreciação que fazes da posição a tomar com relação à revisão da Constituição e a luta entre os dois grupos, pensamos mais justo nesse momento é defender a Constituição tripudiada por Getúlio de todo jeito, ampliar a frente popular sobre a base da defesa da democracia e luta contra o fascismo e a fascistização aberta do governo. Porém ainda não aprofundamos a discussão sobre esse problema e logo que o fizermos transmitiremos a V.

Sobre a tarefa nº 1. Cientes e bravo! Posso também assegurar a V. que as indiscrições a que aludes em tua carta não partem de cá. Aqui no SN essas coisas morrem. Porém, já soube por outras fontes que se fala abertamente, entre elementos simpatizantes intelectuais cujos nomes mandei pedir, sobre esse assunto. É preciso fazer ver aos companheiros utilizados nesse trabalho que o segredo é indispensável e lutar constantemente contra as ilusões democráticas que ainda fervilham por aí no meio dos intelectuais.

No mais breve esperamos uma ligação mais eficiente e também temos uma tarefa de grande importância para V., que esperamos em breve poder transmitir, através de M.

Saudações proletárias
Do S.N. do P.C.B.


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Inclusão 20/11/2015