VII Congresso Extraordinário
(Intervenções, Saudações, Documentos)

Partido Comunista Português


INTERVENÇÕES EM NOME DO COMITÉ CENTRAL DO P.C.P.
A REACÇÃO NÃO PASSOU NEM PASSARA

JOAQUIM GOMES
(Membro do Comité Central do P.C.P.)


capa

Camaradas:

A vitória contra a reacção alcançada nos últimos dias do passado mês é dos acontecimentos mais significativos depois da histórica vitória do 25 de Abril. A crise de fins de Setembro insere-se numa crise mais profunda. Ela faz parte da ofensiva da reacção contra o processo de democratização do Pais.

A primeira investida contra as conquistas de 25 de Abril foi desencadeada no fim de Maio contra o M.F.A. O ultimato do então Presidente da República, exigindo que o Movimento se dissolvesse e lhe fossem dados plenos poderes, visava, efectivamente, pôr termo ao processo de democratização do Pais. Esta investida reaccionária conduzida directamente pelo general Spínola terminou uma derrota para a reacção e em vitória para o M.F.A. e o movimento popular de massas.

Face a esta derrota, a reacção, longe de aceitar o processo de democratização que em cada dia se revela mais inequivocamente irreversível, começou a organizar novo ataque que veio a ser desencadeado em meados de Julho. Desta vez não foi o Presidente da República que directamente o encabeçou. Esse papel coube ao presidente do Conselho, Prof. Palma Carlos. A coberto de uma pretensa defesa da democracia, investia-se, de facto, contra o M.F.A. e o seu Programa. Com o maior desplante pretendia-se organizar uma fantochada de referendo, no qual se fizesse uma pseudo-eleição do Presidente da República e, ao mesmo tempo, o desligasse dos compromissos com o M.F.A.

O adiamento das eleições para fins de 1976 e o pedido de mais vastos poderes para o Presidente do Conselho faziam parte da conjura contra o processo democrático. Se as exigências do primeiro-ministro fossem aceites, ameaçava-se a curto prazo a própria existência do Movimento das Forças Armadas e abria-se o caminho a um regime antidemocrático. Isto se assinalava na altura num documento da Comissão Política do Comité Central.

Os objectivos desta ofensiva eram exactamente os mesmos do fim de Maio. Só que os cenários e os figurantes tinham sido mudados. Esta manobra saldou-se também por uma séria derrota para os seus promotores directos e indirectos e uma significativa vitória para o M.F.A. e o movimento popular.

Porém, em nenhuma das conspirações anteriores a reacção se comprometeu tão profundamente como no fim de Setembro. Nela se empregaram poderosos meios financeiros e humanos. Em nenhuma outra ocasião os reaccionários mostraram tão claramente o seu jogo. Arregimentando e burlando, à boa maneira fascista, populações mal esclarecidas, pretendiam através delas justificar o golpe cujo cenário principal seria a manifestação de Belém.

A montagem da intentona engendrada em volta de uma suposta maioria silenciosa, que afinal não passava de uma minoria sediciosa, terminou em estrondosa derrota. Contudo, as derrotas sucessivas da reacção não podem, não devem, conduzir a optimismos que enfraqueçam a vigilância.

O M.F.A. e o movimento popular têm de investigar a fundo até onde se prolongam as raízes da conspiração. É preciso saber quem pagou e distribuiu os bilhetes para a tourada do Campo Pequeno e quem organizou aí a provocação ao primeiro-ministro. Quem alugou e quem pagava mais de um milhar de camionetas que deviam ter marchado sobre Lisboa. Quem pagou e distribuiu as centenas de milhares de cartazes, manifestos e tarjetas, a convocar para a manifestação de Belém. E acima de tudo é preciso apurar de onde vieram as armas que os fascistas preparavam para utilizar contra o povo.

É preciso sanear o aparelho militar e de fronteiras que têm responsabilidade no tráfico de armas. O julgamento dos que conscientemente se envolveram na conspiração é uma exigência do povo português.

Não se deseja que no País se crie qualquer espírito de retaliação, mas é preciso defender as conquistas democráticas do 25 de Abril, pois o que está em causa é o futuro da democracia e a liberdade do povo português. É a independência da nossa pátria que os fascistas tinham empenhado ao imperialismo.

Contudo, as raízes da conspiração não se confinam somente àqueles que agora se envolveram mais directamente nela. Conspiradores são todos aqueles que utilizam o seu poder económico, industrial, comercial e agrário para sabotar a economia do País.

Conspiradores são todos aqueles que, ilegalmente, fazem sair do País somas enormes; são todos aqueles que, de modos diversos, traficam com o suor e bem-estar do Povo Português. Conspiradores são os que paralisam os investimentos, os que fraudulentamente encerram empresas e provocam o desemprego, todos os que tentam provocar o caos económico no País. Conspiradores são aqueles que, criminosamente, mandam incendiar searas, deixam colheitas por fazer e terras por semear. Conspiradores são ainda os que, a coberto da mais caluniosa campanha anticomunista e de incríveis boatos, procuram enfraquecer e pôr em causa a aliança entre o M.F.A. e o movimento popular de massas.

A vigilância das massas tem de estar cada vez mais atenta a todos os que, mesmo quando a coberto de palavras de ordem democráticas e pseudo-revolucionárias, procuram, artificialmente, criar ou empolar conflitos sociais. É preciso saber quem os sustenta e empurra. Não se pode esquecer os milhões que a C.I.A. gastou no Chile, sustentando grupos reaccionários e esquerdistas que criaram as condições para o golpe fascista que esmagou a democracia naquele país.

A reacção, os exploradores e a multidão de parasitas que viviam do suor do Povo Português têm muito a perder com a instauração da democracia em Portugal. Não se pode, pois, pensar que desistem facilmente dos seus privilégios e interesses de classe. Eles ensaiarão novas intentonas. Eles caminharão para o desespero na medida em que se alargarem as conquistas democráticas e forem fracassando as suas tentativas contra-revolucionárias.

A agudização da luta de classes não é invenção dos comunistas. Trata-se de uma realidade histórica que 48 anos de desenfreada exploração, de total ausência das mais elementares liberdades, a exploração e a guerra colonial ajudaram a criar e desenvolver. Com uma política em tudo contrária aos interesses do povo português, a reacção vai cavando o abismo onde ela mesma se afundará.

Todavia, da crise de Setembro algo mais há a salientar que a derrota da reacção. Há que salientar com igual relevância a grande vitória das massas populares e do M.F.A. As barragens levantadas por todo o País para travar o passo à reacção, em que o nosso Partido teve papel de primeiro plano, quer na montagem quer na sua efectivação, representam não apenas uma vitória do movimento popular de massas de extraordinário alcance como afere o grau da sua consciência política e revolucionária. As grandiosas manifestações dos dias 29, no Porto, e 30, em Lisboa, organizadas em escassas horas, constituem só por si convincente demonstração de onde se encontram as maiorias, não silenciosas, mas perfeitamente conscientes do papel que lhes cabe na defesa da democracia.

A pretensa anarquia e desordem nas ruas, que certas pessoas invocam para justificar as suas manobras reaccionárias e antidemocráticas, transformaram-se em manifestações de centenas de milhares de pessoas que deram a mais alta prova de consciência política e de apoio ao M.F.A. e ao Governo Provisório.

A reacção calculava que 48 anos de obscurantismo fascista teriam bastado para deixar o povo apático e despolitizado. Porém, 48 anos de miséria e opressão ensinaram-lhe que a vitória só pode depender da sua força, da sua determinação de vencer todos os inimigos, que sob os mais variados pretextos investem contra as conquistas do 25 de Abril. As massas populares aprenderam também pela sua própria experiência que a unidade na acção com o M.F.A. é condição absolutamente fundamental para assegurar e consolidar o processo de democratização do País. Enfraquecer no mínimo que seja a aliança entre o M.F.A. e o movimento popular de massas seria comprometer todo o processo democrático, seria fazer o jogo da reacção e do fascismo.

A vitória sobre a reacção alcançada no fim de Setembro criou novas e mais promissoras perspectivas a garantir o cumprimento e desenvolvimento do Programa do M.F.A., cuja efectivação o nosso Partido tem defendido e continuará a defender intransigentemente. Como até aqui, o nosso Partido assumirá as suas responsabilidades e defenderá dentro e fora do Governo os interesses da classe operária e de todos os trabalhadores.

A classe operária, tendo à frente a sua vanguarda organizada, o nosso Partido tem de ter sempre presente que o processo democrático em curso é da maior importância para a defesa dos seus próprios interesses. Historicamente, cabe-lhe um papel de primeiro plano na luta pela democracia e a liberdade, através da qual se abrirá o caminho para o socialismo, que porá finalmente termo à exploração do homem pelo homem no nosso pais.


Inclusão: 18/05/2020