Projecto de Constituição apresentado pelo Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

1976


TÍTULO III
Direitos, liberdades e garantias dos cidadãos


ARTIGO 19.º

1. O Estado reconhece e garante os mais amplos direitos e liberdades aos cidadãos, possibilitando e fomentando a participação popular na consolidação da democracia e na instauração do socialismo em Portugal.

2. Todos os cidadãos têm o direito e o dever de contribuir, pela sua actividade, para a edificação da sociedade democrática e socialista que libertará o povo português da opressão, da ignorância e da miséria a que foi sujeito durante o regime fascista.

3. Os direitos e liberdades consagrados na Constituição, bem como aqueles que constem de outras leis, não podem ser exercidos ou invocados com o fim de permitirem actuações contra-revolucionárias que visem combater a ordem democrática instaurada em 25 de Abril ou dificultar a construção da sociedade socialista.

4. Nesse sentido, são consideradas criminosas, e como tal punidas, a defesa e a propaganda da guerra, do fascismo, do racismo, do colonialismo e do imperialismo.

ARTIGO 20.°

1. Todos os cidadãos portugueses gozam de absoluta igualdade perante a lei.

2. Sem prejuízo da consideração que merecem à República Democrática as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas do povo português, a lei concede a todos idêntica protecção, sem distinção de sexo, raça, confissão religiosa, condição económica, social, ou qualquer outra.

ARTIGO 21.º

1. As condições em que se adquire e se perde a cidadania portuguesa são definidas pela lei.

2. Todo aquele que no estrangeiro conspire ou actue contra o povo português e as suas instituições democráticas e revolucionárias será privado da nacionalidade portuguesa e ser-lhe-ão confiscados os bens.

ARTIGO 22.°

1. A mulher tem os mesmos direitos que o homem, cabendo-Lhe um papel essencial na consolidação da democracia e na instauração da sociedade socialista.

2. Para garantir o exercício desses direitos, o Estado deverá criar as necessárias condições no plano económico, político, social, profissional e familiar.

ARTIGO 23.º

1. Garantir o direito à existência e ao desenvolvimento integral da personalidade, dentro do espírito e dos fins de uma sociedade democrática que caminha para o socialismo, é dever fundamental da República Portuguesa em matéria de direitos e garantias dos cidadãos.

2. Esse direito comporta a tutela da vida e da integridade físico-psíquica, bem como a reunião das condições económicas, políticas e sociais que se revelam concretamente indispensáveis para a defesa da dignidade do homem trabalhador.

ARTIGO 24.º

1. O Estado protege a família e os direitos dela decorrentes.

2. O casamento consiste na união voluntária de um homem e uma mulher com o fim de constituírem legitimamente a família.

3. O casamento assenta na completa igualdade dos cônjuges, não necessitando a mulher de autorização do marido para exercer o comércio, a indústria ou qualquer profissão ou para administrar os seus bens.

4. É a lei civil que regula a constituição e a dissolução do casamento e os respectivos efeitos jurídicos.

ARTIGO 25.º

A República Democrática Portuguesa reconhece a maternidade como valor social eminente merecedor do respeito de todos os cidadãos, independentemente do estado civil da mulher-mãe.

ARTIGO 26.º

1. A República Democrática Portuguesa reconhece na criança a garantia do futuro socialista do povo português, promovendo uma política que, sem qualquer distinção, assegure o seu pleno desenvolvimento.

2. Todos os filhos têm iguais direitos qualquer que seja o estado civil dos progenitores. Nem do acto do registo de nascimento nem das correspondentes certidões constará qualquer referência ao estado civil dos pais.

3. O Estado promoverá a investigação e o reconhecimento da paternidade e da maternidade.

4. Compete aos pais a obrigação de educar os filhos no respeito pelos valores do trabalho, da paz, da fraternidade e da igualdade entre os homens e no reconhecimento do seu papel fundamental na construção de uma Pátria socialista.

ARTIGO 27.º

1. Todo o cidadão tem direito à saúde.

2. Este direito é realizado pela criação das condições económicas e sociais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice, pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, pela criação de um sistema de saúde eficiente ao serviço do povo, por uma política social orientada para a satisfação de todas as legítimas necessidades, pela promoção da cultura física e do desporto escalar e popular.

3. Apoiado nas organizações populares, o Estado procederá à criação de um Serviço Nacional de Saúde, em benefício de todas as camadas da população, esclarecendo-as sobre as formas de promover a saúde e unindo meios e forças para esse fim.

ARTIGO 28.º

1. Todos os cidadãos têm direito a uma habitação condigna, para si e para a sua família.

2. Para assegurar este direito, à República Democrática Portuguesa compete:

Programar e executar uma política de construção de alojamento;
Apoiar as iniciativas das populações tendentes a resolver o problema habitacional;
Promover a recuperação de zonas de habitação degradada, interessando nessa tarefa as organizações populares;
Estimular a construção privada dentro de um espírito de subordinação aos interesses gerais.

3. Na concretização desses objectivos, o Estado publicará legislação tendente à progressiva apropriação social do solo urbano, definindo ao mesmo tempo o seu direito de utilização pelos interessados.

ARTIGO 29.º

1. Todos os cidadãos têm direito a um ambiente de vida sadio, sendo também seu dever indeclinável a defesa desse mesmo ambiente.

2. Independentemente da tutela desse direito pelo Estado, quando, através de organizações próprias e dinamizando a iniciativa popular, promulga legislação específica para defesa do ambiente e das riquezas naturais, cada cidadão ameaçado ou lesado pode reclamar em justiça as indemnizações ocorrentes e a cessação das causas de violação.

ARTIGO 30.°

1. Todos os cidadãos têm direito à educação e à cultura, sem discriminação de sexo, idade ou classe social, por forma que lhes permita o pleno desenvolvimento da sua personalidade e das suas capacidades.

2. O Estado garante o progresso da população para uma comunidade democrática de pessoas cultivadas e harmoniosamente desenvolvidas, dispondo de vastos conhecimentos gerais e especiais.

ARTIGO 31.º

1. O sistema unificado de ensino, além de contribuir para eliminar todas as formas de discriminação social deve garantir a todos os cidadãos a formação, a qualificação e o aperfeiçoamento que correspondam às necessidades sempre crescentes da sociedade. A educação deve assegurar a todos a efectiva possibilidade de contribuir para a edificação da sociedade democrática e de participar activamente na construção da democracia socialista.

2. A preparação das crianças, dos jovens e dos adultos para a vida social é uma preocupação dominante do sistema educativo unificado.

ARTIGO 32.º

1. É função da educação procurar, ainda, explicar e resolver as contradições levantadas pela revolução científica e técnica, garantindo o progresso harmonioso da sociedade democrática portuguesa.

2. Para alcançar este objectivo, combinar-se-ão a educação geral e as especialidades de carácter científico, técnico e artístico com o trabalho produtivo, a investigação para o desenvolvimento, a educação física, o desporto e a participação em actividades políticas e sociais.

ARTIGO 33.º

1. O direito à educação é conseguido pelo desenvolvimento e generalização da educação popular, pela escola gratuita e obrigatória, pelo ensino secundário e superior, pela ajuda fornecida aos trabalhadores adultos que desejem valorizar-se e pelo encorajamento material aos que estudam.

2. A prossecução da tarefa educativa compete ao Estado, mas constitui também um objectivo em que devem participar as organizações populares e a generalidade dos cidadãos, de acordo com as conclusões fornecidas pela ciência e em íntima relação do estudo com a vida.

3. O Estado assegura a cada um, em função da sua capacidade, dos desequilíbrios estruturais da sociedade e das necessidades do País, o acesso ao grau de ensino imediatamente superior.

ARTIGO 34.º

1. O Estado tomará as medidas tendentes ao desenvolvimento integral da criança, através da oficialização e protecção efectiva da educação pré-escolar, na base da actuação conjugada dos órgãos centrais e locais da Administração e das organizações de massas.

O Estado encara com particular atenção a educação e o desenvolvimento da juventude. Protege sistematicamente os seus interesses, assegurando a todos os jovens cidadãos as condições necessárias para o desenvolvimento das suas aptidões físicas e intelectuais.

ARTIGO 35.º

1. A cultura é uma das bases fundamentais da República Democrática Portuguesa no seu caminho para a sociedade socialista. O Estado encoraja e projete o desenvolvimento da cultura ao serviço do povo, do humanismo e do avanço da sociedade para o socialismo.

2. O Estado estimula a promoção cultural dos trabalhadores. Sendo a cultura um património de todo o povo português, o Estado incentiva a participação dos cidadãos, através das organizações sociais e de massas, na realização da política cultural.

ARTIGO 36.º

1. A criação artística deve provir dos laços que unem estreitamente a cultura à vida do povo. Incumbe ao Estado e a todas as forças sociais encorajar a arte e o desenvolvimento da capacidade criadora do povo, designadamente das massas trabalhadoras, permitindo-lhe o acesso às obras de arte e às realizações artísticas de qualquer natureza.

2. O Estado protege o carácter genuíno e autêntico das realizações culturais do povo, defendendo-as de toda a forma de adulteração e conservando-as cuidadosamente como uma verdadeira riqueza do património nacional.

ARTIGO 37.º

1. A actividade criadora e a investigação científica dos cidadãos são protegidas e estimuladas pelo Estado através da sua política científica e tecnológica.

2. É missão dessa política fomentar, apoiar e dinamizar a interacção constante entre a pesquisa fundamental e a investigação aplicada, devendo incidir uma e outra nos campos que mais interessem ao desenvolvimento do País.

ARTIGO 38.º

O Estado reconhece o direito dos cidadãos à cultura física e ao desporto, como meios de educação e cultura, orientando e promovendo a sua prática e difusão em todas as possíveis manifestações.

ARTIGO 39.º

1. Todo o cidadão tem direito ao trabalho. O direito ao trabalho é inseparável do dever cívico de trabalhar.

2. A todo o cidadão é assegurada, pilo Estado, através da aplicação de uma efectiva política antimonopolista e anti-latifundiária, a possibilidade de exercer, de acordo com a sua qualificação, uma actividade no domínio económico, administrativo, social ou cultural, remunerada segundo a sua quantidade e qualidade. A trabalho igual salário igual.

3. A lei estabelecerá as medidas adequadas de protecção e segurança no trabalho, bem como as medidas especiais de protecção no trabalho da mulher e dos menores.

4. A mulher trabalhadora goza de especial protecção durante o período de gravidez, no parto e após o parto.

ARTIGO 40.º

1. Aos trabalhadores é garantido o direito de se agruparem em organizações sindicais, de harmonia com os seus interesses, entendendo-se assim que não poderão ser destruídas as vitórias já alcançadas, designadamente o princípio da unicidade sindical.

2. Os sindicatos são independentes de quaisquer opiniões ou associações políticas ou religiosas, bem como dos órgãos da Administração e do Governo.

ARTIGO 41.º

1. Pela actividade das suas organizações e pela intervenção destas ao nível do Estado, os sindicatos tomam uma larga parte:

Na formação da sociedade socialista;
Na planificação e gestão da economia nacional;
No progresso das condições de vida e de trabalho, assim como na melhoria das condições de higiene e de protecção do trabalho.

2. Nas empresas, os sindicatos participam no controle da produção.

3. Os sindicatos tomam parte activa na elaboração das normas de direito do trabalho e na fiscalização do respeito pelas garantias dos trabalhadores estabelecidas pela lei.

4. Os sindicatos participam decisivamente na gestão da segurança social dos trabalhadores.

5. Os órgãos do Estado e todos os dirigentes económicos têm o dever de cooperar estreitamente e em clima de confiança com os sindicatos.

6. Por tudo isto, são consagrados expressamente o direito à greve dos trabalhadores e a proibição do lock-out.

ARTIGO 42.º

1. Todo o trabalhador tem direito ao descanso e ao repouso.

2. O direito ao descanso e ao repouso é assegurado:

Pela fixação legal dos horários diário e semanal do trabalhador;
Pelas férias anuais pagas;
Pelo desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso de férias promovidos pelo Estado ou por outras organizações sociais.

ARTIGO 43.º

1. Os trabalhadores têm direito à segurança material na velhice, na doença e na incapacidade de trabalho.

2. O direito à segurança social é realizado por pensões e abonos de doença, no quadro do sistema de segurança social.

3. O Estado promoverá a integração das pessoas idosas e dos incapacitados para o trabalho em associações que assegurem a sua participação activa na vida da comunidade. Os deficientes das forças armadas têm direito a medidas especiais que visem não apenas a sua recuperação, como a sua reintegração progressiva na vida do País.

ARTIGO 44.º

1. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de livre expressão do pensamento, sob qualquer forma.

2. O direito de livre expressão do pensamento não pode, em caso algum, ser invocado para permitir a divulgação de ideias fascistas, colonialistas ou de qualquer modo antidemocráticas e contrárias ao processo revolucionário que conduzirá o País ao socialismo.

ARTIGO 45.º

1. Para o efectivo exercício deste direito, o Estado tomará as medidas necessárias a impedir os grupos de pressão contra-revolucionários de manipularem e desvirtuarem os meios de comunicação social.

2. Com o mesmo fim, e atento o interesse público de que se reveste na formação da consciência democrática e socialista dos Portugueses, a exploração da televisão compete exclusivamente ao Estado.

ARTIGO 46.º

1. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de reunião e manifestação, nos termos da lei.

2. O Estado fomentará as organizações de massas, por forma a assegurar uma ampla participação das forças populares na vida económica, política, social e cultural do País.

3. É garantida aos cidadãos a possibilidade de se organizarem em associações profissionais, culturais ou políticas, dentro do espírito da presente Constituição, de harmonia com os interesses da consolidação da democracia e da construção do socialismo.

ARTIGO 47.º

1. O Estado reconhece e garante a todos os cidadãos o direito à liberdade religiosa.

2. A liberdade religiosa implica o direito de professar, de não professar ou de contestar qualquer religião ou opinião religiosa, o direito de difundir doutrinas religiosas e, bem assim, o direito de os cidadãos organizarem comunidades, associações ou outros institutos com fins religiosos.

3. Não é permitida a invocação da liberdade de crença e prática religiosa para manifestar ideias ou atitudes contrárias à ordem democrática e ao processo revolucionário de construção do socialismo.

ARTIGO 48.º

1. O Estado Português é laico e absolutamente neutro perante quaisquer crenças, igrejas, religiões ou práticas religiosas.

2. Entre o Estado Português e qualquer igreja ou instituição religiosa, designadamente a igreja católica, vigora o regime de separação.

ARTIGO 49.º

1. Todos os cidadãos gozam do direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das comunicações telefónicas ou similares.

2. A lei fixa as condições em que os agentes da autoridade podem entrar no domicílio dos cidadãos, sem autorização destes, mediante ordem escrita de autoridade competente.

ARTIGO 50.º

1. O direito de voto é reconhecido a todos os cidadãos que tenham completado 18 anos à data da eleição.

2. Fora dos casos excepcionais de inelegibilidade definidos na lei, todo o cidadão maior de 21 anos é elegível para qualquer cargo em cuja eleição possa participar, excepto para o cargo de Presidente da República.

ARTIGO 51.º

1. A defesa da Pátria e das conquistas revolucionárias, no processo que conduzirá o País ao socialismo, é um direito e um dever de todos os cidadãos portugueses.

2. A lei regula as condições de prestação de serviço militar, bem como as condições de prestação de serviços cívicos equiparados àquele.

ARTIGO 52.º

O Estado protege os cidadãos portugueses que se encontram no estrangeiro, devendo tomar as medidas indispensáveis para que os trabalhadores emigrantes não sejam objecto de discriminações de qualquer natureza e possam manter bem vivos os laços que os unem à Mãe-Pátria.


Inclusão: 14/05/2020