Camponeses de Barcouço:
Não vamos morrer agarrados à enxada

José A. Salvador


Viva a cooperativa! Vivam os camponeses!

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«Camponeses, sois vós aqueles que mais trabalham neste País. Dura é a vossa vida, pois tendes que vos levantar todos os dias cedo, faça chuva, faça vento ou sol, para deste modo tirar da terra, o pão tão necessário à vossa vida. Viver da terra é uma sorte, pois quando vem mau tempo a colheita que vos deu tantas despesas e tantos sacrifícios estraga-se. A vossa vida é tão dura que desejais ver os vossos filhos livres de tal situação.

Camponeses, vocês têm sido aqueles que menos apoio têm recebido dos vários govemos. Assim já no tempo de Salazar e Caetano, os impostos que pagavam pelas terras eram tantos e tão altos que a exploração das terras não davam para pagá-los. Quantas vezes vocês ficavam doentes e tinham medo de ir ao médico só porque eles depois de uns minutos de «consulta», vos levavam o dinheirito que vos custava tanto trabalho... E quando acontecia irem para o Hospital? Quantos foram aqueles que sofreram, só para tirarem os seus filhos da miséria, pondo-os a estudar? Quantos pais tinham medo de ter os seus filhos só para os não verem ir para a guerra colonial?

Camponeses, sabeis bem quanto sofresteis na ditadura de Salazar e Caetano. Foi com alegria que recebesteis o 25 de Abril; mas neste momento já não acreditais nele. Foi muito aquilo que vos prometeram, mas que vos deram? Nada, camponeses. Vocês querem uma sociedade mais justa onde possam trabalhar, sem ter medo do futuro. Querem pois uma sociedade que vos dê créditos sem juros, segurança para as colheitas, reformas boas, assistência médica gratuita, educação gratuita aos vossos filhos... esta é a sociedade que quereis, esta é a sociedade que desejamos.

Nas condições em que vivemos esta vida é insuportável. Os nossos avós já nasceram, viveram e morreram na miséria, e os nossos pais continuam na mesma vida, trabalhando cada vez mais.

São as ferramentas, sulfatos, adubos, etc., a preços tão altos que vos levam grande parte das vossas economias. Por outro lado os produtos da terra, sujeitos às leis do mercado, são algumas vezes vendidos a preços tão baixos, que não dão para pagar as despesas. São os grandes intermediários que tendo o mercado na mão fazem todas as trafulhices para continuarem a engordar à custa do povo. Camponeses é tempo de acabar com isto. Têm pois que se organizar. Devem-se juntar com aqueles que vivem na mesma situação, na aldeia e freguesia e organizarem-se em associações que defendam os vossos interesses. Só organizados poderão vender os vossos produtos e comprar os necessários à vossa vida, a preços razoáveis.. É com a organização dos camponeses em cooperativas a nível de aldeia, freguesia, concelhos, distritos e País, que se poderá dar um passo na conquista de uma sociedade mais justa, acabando com toda a miséria. A Cooperativa de Barcouço, que depois de longos meses na luta pela sua organização, acabou há alguns dias, por ser legalizada pelo governo. Foi com grande alegria que o Povo de Barcouço, viu legalizada a sua cooperativa sentindo-se compensados de tanto trabalho. A Cooperativa agora constituída tem por fim unir todo o Povo, na luta por melhores condições de vida. Ela não pretende ser um grupinho, mas sim alargar-se a todo o Povo, que queira verdadeiramente uma vida mais justa. Concerteza, que ela aprontando-se a lutar, por uma vida mais digna para o Povo, arranja inimigos, pois estes querem continuar a engordar à custa do nosso Povo. São estes que farão tudo para travar a evolução da Cooperativa e contra a Cooperativa em si, procurando deste modo lançar confusão no seio do Povo, para lançárem este contra a Cooperativa Eles procurarão, até influenciar Camponeses, cujo lugar é dentro da Cooperativa, para que estes se movam contra ela. Esses inimigos, que até aqui nada fizeram a favor dos Camponeses, nunca virão a melhorar a vossa Situação, pelo contrário. Estes serão um ou dois em mil, que convém isolar.

Ao Povo desta região, fazemos o apelo para que sigam o exemplo nobre do Povo de Barcouço. Se há pessoas de outras aldeias que devido ao passado de rivalidades entre aldeias, se agitam contra a Cooperativa, nós a esse queremos deixar um apelo, para que ponham de parte esse ódio e venham a apoiar e a seguir o exemplo da Cooperativa. Se ela pretende lutar pelos vossos problemas, lutar por uma vida melhor, porque haveis de estar contra ela? Vamos deixar-nos de mal entendidos, e unirmonos com todas as nossas forças num só corpo e numa amizade fraterna, pois só assim venceremos a luta por uma vida melhor.

Grupo de Acção Camponesa de Barcouço G.A.C.

Barcouço, 20 de Março de 1976».


Inclusão 14/06/2019