Camponeses de Barcouço:
Não vamos morrer agarrados à enxada

José A. Salvador


«Camponeses, 25 de Abril só vos veio trazer a liberdade de falar»

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Apesar de Barcouço ser uma aldeia de pequenos proprietários situada em pleno centro do país, a norte de Rio Maior, nunca aí ouvimos nenhum dos camponeses socorrer-se da CAP que se auto-intitulou representante e defensora dos pequenos agricultores.

O 25 de Novembro parece não ter surpreendido os lavradores apostados em arriscar a sua cooperativa. Tal como as campanhas anti-comunistas do PS não afectaram a disposição dos pequenos proprietários experimentarem o projecto colectivo da cooperativa de produção, nele se empenhando, então, desde militantes do PS a militantes do M.R.P.P. (que nesta zona parece assumir características diversas da vocação provocatória assumida por esta organização em Lisboa), também não foi a euforia da direita portuguesa após o golpe meloantunista de 25 de Novembro que os fez recuar. Ao contrário: as barricadas da noite de 24 de Novembro levantadas pela CAP e seus apaniguados em Rio Maior cortando as ligações com Lisboa alertou-os unanimemente contra os perigos da demagogia da direita de que a CAP nos meios rurais era (e é) o principal gestor, como a CIP o era (e é) no sector industrial.

«Já lá vão 20 meses desde o 25 de Abril e a vida dos camponeses vai de mal a pior», lia-se no editorial do «Camponeses em Luta» de 23-12-1975 que prosseguia:

«Os produtos desde adubos, rações, etc., até aos produtos para a alimentação humana, subiram de tal maneira, que ninguém os pode comprar. São os grandes intermediários, que comercializando estes produtos, mais têm engordado à sua custa.

Os vários Governos da burguesia que tanto têm falado em Reforma Agrária, créditos à agricultura, etc., não vieram dar qualquer saída aos problemas dos camponeses, vieram sim agravar ainda mais a sua situação. A burguesia tem prometido ao nosso povo, tantas coisas, que ele já não acredita em mais promessas. Ela só tem aberto o caminho à direita fascista. Assim, desde o 25 de Novembro, tem-se sucedido uma série de saneamentos no exército, desde soldados (filhos de camponeses e operários), até oficiais progressistas. Fascistas do M. D. L. P. (do Spínola) e do E. L. P. retomam posições chave nas forças armadas. Neste momento, a burguesia faz tudo por tudo, para lançar camponeses contra operários, soldados contra soldados para dividir deste modo o povo. A quem interessa esta divisão? É à burguesia, pois estando o povo dividido, mais facilmente ela imporá a sua ditadura.

Nos campos, quem se tem aproveitado da situação, cada vez mais difícil dos camponeses? É a reacção (fascismo), que aproveitando-se do justo protesto dos camponeses relativamente à sua situação, lhes dizem que antes do 25 de Abril viviam melhor (o que era uma verdade), procurando deste modo levá-los a apoiar um próximo golpe fascista. Camponeses... Cuidado que são estes, os vossos piores inimigos; são estes que querem continuar a explorá-los dum modo mais aterrador. Vocês lembram-se bem, quanto eram explorados, no tempo do fascismo de Salazar e Caetano.» (...)

E mais adiante, ao jeito de conclusão:

(...) «Camponeses, o 25 de Abril só vos veio trazer a liberdade de falar, enquanto o resto, nada mudou para melhor. O capitalismo ainda não foi destruído e enquanto este existir, existe o perigo do fascismo.» (...)

Nesta altura estavam já discutidos os estatutos da cooperativa, mas a legalização ainda tardava. A luta dos camponeses de Barcouço prosseguia neste campo para a legalidade, embora não se circunscrevesse a ele.


Inclusão 14/06/2019