História da Filosofia

Escrito por Historiadores do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências da URSS


Capítulo III - A Filosofia da Época da Renascença


capa

I

No século XV começa na história da Europa ocidental a época da Renascença. Já no século XIV, na Itália, sentem-se seus bafejos, pois

"os primeiros germes da produção capitalista se notam já por volta dos séculos XIV e XV" (Marx).

O conteúdo de classe da época da Renascença caracteriza-se pelo começo da decomposição do regime feudal e do fortalecimento da burguesia que age contra o feudalismo tanto no terreno econômico e político, como na esfera ideológica. São característicos dessa época os movimentos populares de massas, que habitualmente têm lugar sob a bandeira dos choques religiosos. Desses movimentos, os maiores foram as guerras camponesas na Boêmia (movimentos, dos hussitas e dos taboritas), a grande guerra camponesa da Alemanha no ano de 1525.

A luta contra o feudalismo promoveu uma revolução gigantesca em todos os domínios da atividade humana. Engels caracteriza o período dos séculos XIV a XVI da seguinte maneira:

"Foi a maior revolução progressista", na qual foram rompidos os limites da velha Orbis terrarum (globo terráqueo); praticamente, "...foi descoberta a terra e se lançaram as bases do comércio mundial posterior e da passagem do artesanato à indústria manufatureira"; quando "o poder real, apoiado nos habitantes das cidades, quebrou o poderio da nobreza feudal e formou — por sua essência — grandes monarquias nacionais, nas quais conseguiram seu desenvolvimento as atuais nações europeias e a sociedade moderna burguesa"(34).

Essa época criou sua nova e brilhante cultura antifeudal. Esta cultura, dirigida contra a servidão e a igreja, foi em alto grau progressista. Os grandes representantes da renascença "foram tudo que se queira, menos burgueses efetivos" (Engels). O material para a nova ideologia foi extraído inicialmente, dos tesouros já existentes, acumulados pelo mundo greco-romano. A burguesia toma a herança da sociedade antiga, contrapondo-a à ideologia feudal-eclesiástica. O estudo cuidadoso dos grandes originais do pensamento e da arte antigos desempenhou o papel principal na criação da nova cultura. Daí o termo "Renascença", no sentido da ressurreição da antiga cultura que não se esgota, nem muito menos, é claro, o conteúdo da época. Os representantes mais notáveis desse tempo cultivavam e desenvolviam todos os ramos possíveis da ciência.

A nova cultura nasce e se desenvolve, antes de tudo, nas ricas cidades-repúblicas do norte da Itália. Além disso, na Itália, mais que em qualquer outro lugar, havia numerosos monumentos e recordações do mundo antigo. A Renascença estendeu-se depois a uma série de outros países europeus (França, Alemanha, etc.).

Nas cidades do norte da Itália, destaca-se já no século XIV, uma série de grandes escritores que refletem em suas obras a germinação da nova concepção do mundo. Um deles foi o poeta Petrarca, que colecionava e estudava infatigavelmente os antigos manuscritos e glorificava em suas obras a nova concepção do mundo. Petrarca foi um patriota ardente, que invocava a "cura das feridas sangrentas" de sua pátria, a Itália, oprimida pela bota dos soldados estrangeiros e despedaçada pelo ódio dos pequenos tiranos feudais. Boccaccio, em seu "Decameron", ridiculariza com mordacidade o clero perverso e a nobreza parasitária. Glorifica a razão investigadora, a aspiração ao prazer e a energia fogosa do burguês.

A ditadura da igreja estava despedaçada. Os interesses seculares e a vida terrena cheia de vitalidade opunham-se asperamente ao ascetismo feudal, à atmosfera sufocante da igreja e ao mundo ilusório do "Além". A personalidade humana, viva e de aspectos múltiplos e variados, que rompia as cadeias do regime da servidão, se transformou em centro de interesse. "Sou homem e nada que seja humano me é alheio", diziam os humanistas (do latim, humano) daquela época. Aparecem os titãs "por sua força de pensamento, de paixão e de caráter, por sua multiplicidade e erudição"(35). Assim, o genial italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), foi não só grande pintor, escultor e arquiteto, como também formidável matemático e engenheiro, grande naturalista, anatomista e geólogo.

Esses homens, como diz Engels:

"vivem com todos os interesses de seu tempo, tomam parte na luta prática, optam por este ou aquele partido, e batalham com o verbo ou com a espada, ou com um e outra"(36).

Os humanistas dedicavam-se, em primeiro lugar, ao estudo das línguas antigas, das criações dos escritores antigos, e à interpretação crítica dos textos religiosos. Ao mesmo tempo, intervindo contra a opressão da igreja e contra a escolástica, aplainavam o caminho para a ideologia progressista. Os grandes monumentos do humanismo dos séculos XV e XVI, tais como a perversa sátira "Elogio da Loucura" de Erasmo de Roterdã, o alegre "Pantagruel" do francês Rabelais, às engenhosas "Cartas de Homens Ignorantes" de Ulrich Hutten, estão cheias de chacotas sobre os "sólidos" fundamentos da ideologia feudal.

"Quanto aos teólogos, escreve Erasmo, talvez seja melhor passá-los em silêncio, "não mexer nesse charco fétido", como diziam os gregos, não tocar nessa planta venenosa".

Durante a Renascença, a arquitetura e as artes plásticas floresceram suntuosamente. A tarefa mais importante para o artista daquela época consistiu em refletir a realidade viva, o homem e a natureza. Os conhecimentos científicos, a mecânica, a anatomia, a teoria da perspectiva, acodem em ajuda do pintor, do arquiteto e do escultor. E a nova ciência, por sua vez, encontra seu solo mais fértil na vida prática das oficinas artísticas e técnicas e não nas universidades.

A burguesia nascente precisava, para desenvolver a indústria e o comércio, do progresso da técnica e da ciência, livre das cadeias da igreja.

As maiores descobertas e invenções sucedem-se rapidamente. Da impressora de Gutemberg, em Magúncia, saem, na década 50 do século XV, os primeiros livros impressos. Uma ampla divulgação obtém as armas de fogo, que ajudam a infantaria da cidade a destruir a cavalaria coberta de ferro dos senhores. Os canhões destroem os castelos feudais, durante longo tempo inexpugnáveis.

O mundo "agita-se" numa velocidade legendária em suas próprias fronteiras. Em 1492, Colombo descobre a América. Em 1498, Vasco da Gama, costeando a África, inaugura a rota marítima para a índia. Em 1519-1521, a viagem de Magalhães à volta do mundo demonstra praticamente a forma esférica da terra.

Nascem a geografia e a cartografia como disciplinas científicas. A ciência física ou matemática, particularmente a mecânica, dá um grande passo à frente. Os sinais simbólicos são introduzidos na matemática. Aparecem a anatomia científica e os germens da fisiologia. A alquimia, e suas pesquisas sobre a "pedra filosofal", capaz de converter os metais "ignóbeis" em ouro, é substituída pela "iatroquímica" "(química medicinal)", que procura conhecer os fenômenos químicos do organismo humano e estudar os remédios.

A astronomia alcança êxitos enormes, arrastada pelas necessidades da navegação marítima, da cartografia e do calendário. A astrologia, pseudociência, foi precursora da astronomia e sua rival durante longo tempo. A astrologia afirmava a existência de certas relações misteriosas entre a vida terrestre e o movimento dos astros. Pela posição das estrelas, os astrólogos "prediziam" o futuro, especialmente o destino do homem.

Na astronomia, até o século XVI, imperou o sistema geocêntrico de Aristóteles—Ptolomeu (século II D.C.). Segundo esse sistema, a terra representa o centro imóvel do universo em torno do qual giram sete esferas: o sol, a lua e cinco (os então conhecidos) planetas. O limite do mundo é a oitava esfera das estrelas imóveis e, atrás dela, está colocado o "primeiro motor divino". Os escolásticos agregaram uma nona esfera, "povoando-a" de anjos e de almas de santos.

Nicolau Copérnico (1473-1543), publicou em 1543 o livro "Revoluções dos Globos Celestes", no qual demonstrou que a terra gira em torno de seu próprio eixo, e, juntamente com os demais planetas, ao redor do sol. O sistema heliocêntrico (helio-sol) de Copérnico aniquilou o dogma da igreja que afirmava ser a terra o centro do mundo e o da "semelhança divina" do homem. Por último, Copérnico, pela primeira vez em proporções tão grandes, traduziu as leis cósmicas na linguagem matemático-mecânica.

"Desde então, acentua Engels, data a emancipação das ciências naturais da teologia".

Roma proibiu o livro de Copérnico como

"absurdo, manifestamente herético e em contradição com as sagradas escrituras".

O astrônomo alemão Kepler desenvolveu mais o sistema de Copérnico demonstrando, em 1609, que o movimento dos planetas não é proporcional à sua velocidade e que sua trajetória não é circular, mas elíptica.

É este, brevemente exposto, o estado social e científico sobre o qual e em relação com o qual desenvolveu-se a filosofia original da época da Renascença.

II

Os traços decisivos da filosofia da época da Renascença são: a negação da "sabedoria" livresca e da logomaquia escolástica, a tentativa de sair da cela do monge para a esplanada da natureza, as tendências materialistas apoiadas na experiência sensível, o individualismo e o ceticismo religioso. Renasce o interesse pelos materialistas da antiguidade, pelos jônicos, Demócrito e Epicuro. A filosofia da época da Renascença liga-se estreitamente às ciências naturais.

Na filosofia da Renascença é preciso distinguir dois períodos fundamentais. Durante o século XV, a burguesia, sem saber ainda criar sua própria filosofia, restaura e adapta às suas necessidades a filosofia antiga. Essa filosofia é, sem embargo, essencialmente distinta da escolástica, que também utilizou as doutrinas de Platão e de Aristóteles.

Os filósofos da Renascença usaram os filósofos antigos com objetivo diverso do dos eclesiásticos escolásticos. Os humanistas possuíam tal riqueza de originais gregos (e não traduções e narrações árabes) com que nem sequer podiam sonhar os filósofos dos séculos XIII e XIV. A tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, e uma série de outras circunstâncias provocaram uma considerável afluência de sábios e filósofos gregos à Itália. Expedições completas eram enviadas à procura dos livros gregos.

A autoridade de Aristóteles, decaiu consideravelmente durante a época da Renascença, como já dissemos. Aristóteles identificava-se, naquela época, com a escolástica, que matou tudo que havia de vivo nele. Os novos filósofos começaram a contrapor Platão a Aristóteles, O grande banqueiro e político Cosme Médicis fundou, em meados do século XV, a "Academia Platônica" em Florença, à testa da qual foi posto o conhecido humanista Marsílio Ficino (1433-1499), divulgando Platão sobre o ponto de vista do neoplatonismo. Ficino tentou limar as diferenças entre Platão e Aristóteles e demonstrar sua plena aceitação do cristianismo. Simultaneamente com o platonismo ressuscitam outras doutrinas antigas: o epicurismo, o estoicismo. É particularmente significativo, porém, a tentativa de usar a doutrina do próprio Aristóteles contra os escolásticos, extraindo dela conclusões radicais em consonância com as ideias da Renascença. Isto foi feito na universidade de Pádua, que se achava sob a tutela da poderosa Veneza. Os comentaristas paduanos de Aristóteles (Pedro Pomponazzi e outros), referindo-se a seus trabalhos científico-naturalistas, negavam sem reservas a imortalidade da alma, "inventada pelos governantes para sujeitar o povo às rédeas", refutavam a criação do mundo por Deus.

Contudo, a filosofia antiga restaurada, por ter sido concebida em condições completamente diversas, nas condições da sociedade escravista, não podia satisfazer aos ideólogos do regime nascente. Começa, pois, a desilusão com a antiga sabedoria dos livros, inclusive com a filosofia antiga. Uma das manifestações dessa desilusão foi o cepticismo. Seu maior representante foi o pensador francês Miguel de Montaigne (1533-1592).

Não há conhecimentos gerais certos, afirma Montaigne. Só há dúvidas, o exame crítico salva-nos do preconceito. O ceticismo de Montaigne dirige-se fundamentalmente contra as tradições e as formas feudais. Deus é incognoscível e indemonstrável pois é "contrário a toda razão". A teologia não faz falta a ninguém, e os diversos "milagres" com explicação natural. Na França esgotada pelas guerras religiosas, Montaigne aparece pregando a tolerância religiosa. Ao mesmo tempo acomete furiosamente contra Aristóteles, "o rei dos dogmáticos e dos escolásticos", e também contra toda a filosofia anterior.

"Não se pode dizer um disparate que já não tenha sido dito por algum filósofo"...

Montaigne, embora sem muita confiança, defende a experimentação e o conhecimento da natureza. O ceticismo de Montaigne, que limpou o caminho para as novas ideias, para os novos conhecimentos, é, portanto, fundamentalmente diverso do agnosticismo e do cepticismo reacionários dos filósofos burgueses posteriores.

III

Durante o segundo período da Renascença (século XVI) começa a cristalizar-se, apoiada nas grandes descobertas científicas e progressos técnicos, uma nova filosofia original. A filosofia naturalista italiana (a filosofia da natureza), é sua corrente principal. Essa corrente foi precisamente a predecessora direta das ciências naturais e do materialismo contemporâneo. Considerando a natureza uma substância pecaminosa, a escolástica desprezava-a e não a estudava. A Renascença, ao contrário, colocou o estudo da natureza à frente da filosofia.

Na filosofia naturalista, os gérmens da ciência, durante muito tempo, entrelaçam-se com as representações mais fantásticas da natureza, com a astrologia, com a magia e a mística. São também características desse período as tentativas de penetrar nos "mistérios da natureza" pelo simbolismo numérico, pelo estabelecimento de "relações" entre a vida terrestre e os planetas, pelo "conhecimento" de toda espécie de "almas mundiais" e "espíritos espontâneos". Pouco a pouco, porém, a filosofia naturalista foi-se livrando dessa escória pseudocientífica e se aproximando do materialismo.

As concepções de Bernardino Telesio (1509-1588) representam a etapa mais notável do desenvolvimento da filosofia naturalista italiana. Telesio é um materialista, para qual o objeto da ciência é o estudo do que existe objetivamente. Telesio ressuscitou o materialismo dos jônicos. O fundamento do mundo é a matéria única, dotada de contrastes internos, o calor e o frio; o calor está incorporado no sol e o frio na terra. Da luta desses contrastes surgem quatro elementos: o ar, o fogo, a água e a terra. Todas as coisas, múltiplas e variadas, compõem-se da combinação desses elementos. A alma é uma matéria particularmente sutil e móvel.

A base do conhecimento é a sensação. Telesio é empírico e sensualista. Estendeu seu sensualismo até mesmo ao terreno da moral.

O instinto de conservação é a base das virtudes. Telesio exigia a liberdade de investigação filosófica, manifestando-se com energia contra a autoridade de Aristóteles no terreno da filosofia e da ciência. Telesio fundou uma das primeiras sociedades naturalistas experimentais.

Os trabalhos de Telesio e de Copérnico serviram de preparação à doutrina do maior filósofo da Renascença, Jordano Bruno (1548-1600), que deixou o hábito de monge e dedicou-se à atividade literária e ao ensino. À perseguição de que a igreja e os escolásticos o fizeram vítima converteu sua vida em incessante vagar pela Europa. Viveu na França, Inglaterra, Alemanha e Suíça, e em toda parte se manifestou contra a igreja e contra os escolásticos, pregando uma nova concepção do mundo. Por fim, ao voltar à Itália, sua pátria, caiu nas mãos da inquisição e foi encarcerado. Nem os sete anos de reclusão, nem as torturas, conseguiram fazer Bruno renegar sua doutrina. Condenado à morte, disse com orgulho ao verdugo:

"Tendes mais medo ao pronunciar minha sentença do que eu ao ouvi-la".

Em 1600, Bruno foi queimado vivo numa das praças de Roma.

"A filosofia, escrevia Bruno, nada tem a ver com problemas teológicos".

O objetivo da filosofia é conhecer a natureza em seu conjunto. Arremeteu acremente contra todas as doutrinas da fé cristã; batalhou com grande energia pela liberdade da filosofia e da ciência, ridicularizando mordazmente a corrupção escolástica. Bruno refutava os dogmas do cristianismo, tais como "a santíssima trindade" e o "sacramento da comunhão". Proclamou insistentemente a necessidade de confiscar os bens das ordens "mendicantes".

Bruno foi materialista, embora não inteiramente consequente. Falava muito de Deus e reconhecia a animação geral da natureza. Todavia seu Deus não é outro senão o próprio universo, que, ao mesmo tempo cria e é criado, sendo simultaneamente causa e efeito. Bruno foi panteísta(37), porém sob base material. Não há Deus que esteja acima do mundo ditando-lhe leis; Deus dilui-se na natureza.

Bruno estendeu a doutrina de Copérnico a todo o universo. O universo é infinito no espaço e no tempo. As estrelas imóveis são os sóis de outros mundos inumeráveis. Em torno do sol giram os planetas, para nós invisíveis. A terra móvel é só uma pequena partícula de um dos mundos do universo infinito. O mundo não tem centro. O universo é uno; os planetas e os mundos distantes dos astros estão sujeitos às mesmas leis que a terra. A evolução jamais se detêm; os mundos infinitos nascem e morrem, a vida nunca se detêm em parte alguma. No mundo, tudo se liga reciprocamente.

Bruno oferece brilhantes modelos de dialética. No infinito unem-se os contrastes, entre os quais existe uma ligação interna: a circunferência com raio infinito confunde-se com a linha reta; há venenos que são remédios; o ódio une-se ao amor; o todo se manifesta no particular e o particular apresenta as características do todo.

Ao contrário dos escolásticos, Bruno entoa verdadeiros hinos à matéria. A matéria é uma substância viva e ativa.

"A terra produz criaturas vivas; a água produz seus habitantes".

Bruno, filósofo das forças sociais progressistas e cheio de otimismo. Em sua unidade íntegra e seu aspecto infinito, o mundo não conhece o mal nem a morte; é perfeito e harmonioso.

Bruno foi uma das numerosas vítimas do fanatismo. Na fogueira morreram muitos outros sábios e filósofos: o filósofo italiano Vanini, o filósofo espanhol Servet e outros. Uma série de sábios caiu nas mãos da camarilha reacionária (o fundador da anatomia, Vesálio e outros).

A filosofia naturalista italiana começou com juízos fantásticos sobre a natureza, do tipo dos neoplatônicos e dos pitagóricos; mais tarde, foram desenvolvendo-se nela as ciências experimentais, particularmente a matemática e a mecânica; seu ponto final é o quadro mecânico-materialista galileano do mundo.

Galileu Galilei (1564-1652), um dos maiores sábios mundiais, foi o fundador da mecânica científica e da astrofísica (ciência da natureza física dos corpos celestes), o maior astrônomo, físico e matemático, Stalin considera Galileu o cientista mais notável, que traçou novas rotas à ciência, rompendo com ousadia as velhas tradições em descrédito.

Com a ajuda do telescópio de trinta aumentos que ele próprio construiu, Galileu fez uma série de descobertas astronômicas importantíssimas, confirmando a justeza dos pontos de vista de Copérnico. Quando Galileu expôs algumas de suas observações no livro "Mensageiro dos Astros", seus contemporâneos diziam maravilhados: "Colombo descobriu um novo continente; mas Galileu descobriu um novo universo". Aconteceu que a lua não era plana como se supunha, de acordo com a teoria aristotélica; na lua havia montanhas e vales; a via látea revelou-se um sistema composto de corpos celestes; à volta de Júpiter descobriram-se quatro satélites; começaram-se a ver claramente as manchas do sol. Galileu visitou com seu telescópio a Itália, "exibindo" em toda a parte o "novo" céu.

Por basear e defender o sistema de Copérnico, foi cruelmente perseguido pela inquisição. Por fim, condenado por charlatanismo e recolhido ao cárcere (1633) o grande sábio septuagenário viu-se obrigado, sob a ameaça de tortura, a renegar formalmente suas convicções científicas.

Galileu convidava a repudiar todas as teorias fantásticas e a estudar a natureza por meio da experimentação. Deus não intervinha nos assuntos do mundo; na natureza, tudo se realiza conforme a lei natural. Galileu lutou contra a teoria da animação da natureza, contra os que lhe atribuíam traços humanos, como fazia a filosofia naturalista escolástica .

Refutando o ponto de vista teológico (das causas finais), exige Galileu a explicação das causas da natureza. A grandeza, a forma, o número dos corpos materiais e seu movimento, que se realiza de acorda com as leis da mecânica; aí estão os elementos fundamentais do mundo. Todos os fenômenos mundiais devem ser reduzidos a uma correlação e a uma relação numérica calculada com exatidão. A ordem do universo, homogêneo por sua substância material e por sua lei de movimento mecânico único, é expressada pela matemática. A matemática e a mecânica são as bases de todas as ciências. O caminho da ciência é a análise, que fixa os elementos simples do mundo corporal. A análise é substituída pela síntese que estabelece a relação entre esses elementos.

"A natureza é um livro escrito em língua matemática, sob a forma de triângulos, círculos e outras figuras geométricas".

Galileu foi um experimentador notável. Suas experiências no estudo da gravidade dos corpos, são conhecidíssimas. Acreditou especialmente no domínio da mecânica. Se Arquimedes, na antiguidade, criou a estatística, a mecânica dos corpos em repouso, em equilíbrio, Galileu é o fundador da dinâmica, a mecânica dos corpos em movimento.

Galileu ultima a filosofia naturalista da Renascença e fundamenta as ciências naturais mecânico-materialistas, progressistas para sua época.

IV

Na época da Renascença nasceram também as primeiras ideias comunistas contemporâneas. As massas populares empobrecidas pelo processo da acumulação primitiva do capital, experimentavam sofrimentos inauditos. O jugo feudal foi substituído por uma opressão ainda mais cruel: a opressão capitalista. Já nos séculos XVI-XVII uma série de pensadores geniais condenava acerbamente, não só o regime feudal, como também o regime burguês nascente, negando a propriedade privada e propagando o ideal da sociedade comunista.

O primeiro utopista comunista da nova época foi Thomas Morus (1478-1535). Publicou em 1516 o "Libreto de Ouro Sobre a Melhor Construção do Estado e Sobre a Nova Ilha de Utopia" do qual procede o próprio termo "Utopia" (em grego, "lugar que não existe"). Criticando o processo da acumulação primitiva começada na Inglaterra, e analisando a ruína e a pobreza dos camponeses provocadas pelo sistema latifundiário, Morus propaga o ideal de uma sociedade que liquide as bases do regime de classes e que estabeleça uma ordem comum. Rejeitando toda espécie de compromisso, exige

"a destruição completa da propriedade privada". "Pois se ela subsistir, subsistirá sempre sobre a maior parte da humanidade o peso amargo do sofrimento"(38).

Tudo que se produzir dentro do Estado ficará sujeito a controle; o Estado organiza a produção, distribui a força operária pelos diferentes ramos da mesma, etc. A célula econômica fundamental é a família. A família entrega toda a produção ao Estado. As autoridades são eleitas. A instrução é accessível a todos os membros da sociedade.

O italiano Tomás Campanella (1568-1639) é outro utopista proeminente. Acusado de participar numa sublevação nacional-emancipadora, caiu nas garras da inquisição e passou 27 anos encarcerado.

"Nasci, dizia Campanella, para lutar contra três grandes mazelas: a tirania, a sofistica e a hipocrisia".

Na filosofia, Campanella uniu caprichosamente o misticismo e elementos de materialismo. Em muitos aspectos acompanhou Telesio. O homem deve reinar sobre o mundo e dominar a natureza. A base de tal reino é a ciência que se apoia na matemática e nas ciências naturais. A fonte do conhecimento são as sensações.

Campanella, contudo, não é tão conhecido pelas suas concepções filosóficas quanto por sua utopia social "A Cidade do Sol" (1623). Nesse livro representa uma sociedade em que foram abolidas a propriedade privada, a família e a religião do Estado. À frente do Estado, criado para a felicidade humana, estão os sábios. Os homens não trabalham mais de quatro horas diárias, não passam necessidades nem privações. O desenvolvimento da ciência e do progresso técnico é a base para concretizar tal sociedade.

Morus e Campanella levantam o problema dos perigos militares que ameaçam o Estado comunista por parte de seus rivais. Acham necessário um grande desenvolvimento militar nos seus Estados ideais. Sobre isto é característica a afirmação de Morus de que

"os utopistas não começam jamais uma guerra em vão e só a fazem quando obrigados a defender suas fronteiras ou expulsar inimigos que invadam um país amigo, ou quando, compadecidos de qualquer outro povo oprimido pela tirania, usem sua força para emancipá-lo do jugo do tirano e da escravidão(39).

Representando o regime social dos "soleanos", os cidadãos da Cidade do Sol, Campanella escreve:

"Ali não há escravos que corrompam os costumes; eles próprios servem-se plenamente e até em excesso. Entre nós, porém, ali não é assim. Em Nápoles há uma população de 70.000 almas das quais só umas 10 ou 15.000 trabalham, estafando-se e morrendo diariamente num trabalho insuportável e ininterrupto.

A completa ausência da propriedade privada, a organização social da produção, o trabalho como obrigação geral, e ao mesmo tempo como necessidade geral, a educação profissional: tais são os princípios básicos da organização da vida social na "Cidade do Sol".


Notas de rodapé:

(34) Engels. Dialética da Natureza. Obras de Marx e Engels, tomo XIV edição russa, páginas 476 e 475. (retornar ao texto)

(35) Idem, página 476. (retornar ao texto)

(36) Idem. (retornar ao texto)

(37) Chama-se panteísmo a teoria que identifica Deus e a natureza. (retornar ao texto)

(38) Thomas More. Utopia, edição russa, 1935, página 91. (retornar ao texto)

(39) Idem, página 168. (retornar ao texto)

Inclusão 18/11/2015