O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


REFORMA AGRÁRIA: INCOMPREENSÕES E FALSIFICAÇÕES DOS TEORIZADORES PEQUENO-BURGUESES
ÁLVARO CUNHAL


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(In O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista, Edições «Avante!», 3.a edição, 1974)

Quais são as principais medidas indicadas no Programa do PCP para a realização da Reforma Agrária na revolução democrática e nacional? O Programa indica entre outras: expropriação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas; entrega das terras expropriadas aos assalariados rurais e aos camponeses pobres (proprietários, rendeiros e parceiros); divisão e distribuição nuns casos da terra para ser explorada individualmente ou em cooperativas e estabelecimento noutros casos da exploração directa do Estado, tendo em conta a vontade das massas camponesas; extinção de formas semifeudais de exploração e entrega àqueles que a trabalham e a título de propriedade plena da terra presentemente explorada em tal regime; restituição ao uso dos povos respectivos das terras baldias e outras usurpadas pelo Estado fascista e pelos grandes agrários; auxílio do Estado aos pequenos agricultores, estimulando a formação de cooperativas agrícolas, concedendo créditos a juro módico e fornecendo máquinas; reorganização do aparelho comercial dos produtos agrícolas e pecuários na base da colaboração do Estado com as cooperativas de agricultores, etc. (I, n.° 3, alíneas 1, 2, 4, 5 e 6).

A realização de tais medidas, só por si, representará uma transformação profunda na sociedade portuguesa. Meio milhão de assalariados se libertarão da exploração dos grandes agrários. Centenas de milhar de camponeses pobres terão pela primeira vez a possibilidade de um certo desafogo e prosperidade. A realização da Reforma Agrária que o PCP indica (tal como as nacionalizações) aproximam a etapa democrática e nacional da revolução da etapa socialista.

Como consideram os teorizadores pequeno-burgueses a reforma agrária propugnada pelo Partido?

As condições sociais em que assentou a definição do programa agrário do Partido foram sujeitas, como é sabido, a uma análise atenta da situação nos campos, que o Programa do PCP resume no essencial (I, n.° 3) e que é largamente exposta num livro que, na edição brasileira (infelizmente semeada de gralhas), se intitula A Questão Agrária em Portugal.

É partindo da crítica a essa análise que os teorizadores dos Cadernos de Circunstância atacam a reforma agrária. Anotando que na Questão Agrária se faz uma larga exposição do grau adiantado do desenvolvimento do capitalismo nos campos e do correspondente «estado igualmente adiantadíssimo (e a inexorabilidade do processo) da liquidação da pequena propriedade familiar», os críticos consideram que o autor «fica entalado entre estas duas constatações maciças e, por outro lado, a incapacidade para conceber outra solução para a ‘questão agrária’ senão a redistribuição das terras e a ajuda do Estado àquela pequena produção precedentemente reconhecida como inviável» (Cad. de Circunst., n.° 7, p. 39). Depois de citarem, incompletamente e truncados, os pontos da Reforma Agrária do PCP, concluem:

«Pergunta-se: que reforma agrária é esta que, em ‘substituição das relações de produção’, se propõe desenvolver uma produção inviável?!» (Ibid.).

Um pouco mais devagar, meus senhores, porque o último a ser entalado é o que entalado ficará.

Começa porque o grau adiantado do desenvolvimento do capitalismo nos campos e o grau adiantado da liquidação da pequena produção não são duas «constatações» mas uma só, a não ser que se caia no erro dos teorizadores da EDE que levou à extraordinária descoberta do status qquo capitalista com a espoliação dos pequenos produtores. Acresce que não se trata bem de «constatações», mas de conclusões resultantes de uma análise que só os comunistas até hoje fizeram. E depois (e é o fundamental) não há contradição entre essas «constatações» e a Reforma Agrária indicada pelo Partido, antes esta resulta necessariamente daquelas. Isto parece exceder o entendimento dos críticos pequeno-burgueses e por isso necessita de uma pequena explicação.

A «constatação» do processo de ruína da pequena produção «independente» não significa que o Partido da classe operária se proponha, com a revolução, liquidar coercivamente a pequena produção.

A Questão Agrária conclui (antes da nota final) com as seguintes palavras:

«A exploração da aldeia pela cidade, a exploração de milhões de camponeses pela burguesia urbana e rural, a decomposição e proletarização dos pequenos produtores são características do capitalismo. Quando se afirma a inviabilidade da ‘exploração familiar’ e se vê como um factor positivo a força crescente do proletariado rural, isso não pode significar que se apoie a exploração dos pequenos produtores pelo capitalismo, que se apoie a sua expropriação e proletarização. Apenas se afirma que essa é a evolução inevitável do capitalismo e que ela conduz, a prazo mais ou menos longo, à revolução. Deve-se fazer ver aos pequenos agricultores a sua situação desesperada sob o capitalismo, a ‘absoluta certeza de que a grande produção capitalista passará por cima da sua impotente e antiquada pequena exploração como um comboio por cima de um carrinho de mão’ (Engels). Ao mesmo tempo que se afirma esta realidade, pode e deve lutar-se contra a exploração dos pequenos produtores e — mostrando-se como na sociedade capitalista eles não podem ter uma vida desafogada e confiante, mostrando-se como só nos países socialistas eles verão resolvidas as suas dificuldades — procurar ganhá-los para o socialismo» (A Questão Agrária em Portugal, p. 368).

Nesta passagem, os teorizadores encontrariam, se quisessem, a explicação do que lhes parece ser a «incapacidade para conceber outra solução». A classe operária e o seu Partido não consideram a revolução socialista (nem evidentemente a etapa actual da revolução) dirigida contra os camponeses pobres. A classe operária propõe-se fazer a revolução democrática e nacional com o campesinato e a revolução socialista em aliança com os camponeses pobres. O proletariado não se propõe consumar o processo capitalista de ruína e liquidação da pequena produção. Não se propõe, como parece pensarem os pseudo-revolucionários que não reconhecem «etapas» e imaginam revoluções «puras», reduzir pela força os pequenos produtores a assalariados, expropriando-lhes as terras e obrigando-os a trabalhar em herdades colectivas. O proletariado oferece, ao contrário, primeiro com a revolução democrática e nacional e a Reforma Agrária que propõe e pela qual lutará, depois com a revolução socialista, não apenas a solução aos assalariados rurais, mas a única saída aos pequenos produtores, auxiliando-os e abrindo-lhes o caminho de cooperativas agrícolas, que serão, no que se refere aos pequenos produtores, a forma fundamental da organização socialista na agricultura. A integração nas cooperativas não é resultado do uso da coacção e da força, mas da ajuda, do exemplo, da persuasão, das vantagens concretas que oferece o socialismo. Essa é a experiência, pode dizer-se universal, de todas as revoluções socialistas até hoje realizadas. Não se trata de «desenvolver uma produção inviável», mas de transformar a pequena produção, que se torna «inviável» com o desenvolvimento do capitalismo, na produção socialista de uma agricultura colectivizada.

Quanto às relações de produção, é preciso viver das alturas teóricas dos Cadernos de Circunstância e de muitos outros que empregam a expressão «relações de produção» sem saberem o que significa para não ver o que passará cá na terra com a Reforma Agrária indicada pelo PCP. Ou seja: que, promovidas por um governo revolucionário e com a intervenção decisiva das massas, a expropriação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas, a entrega das terras aos camponeses, a aplicação da consigna «a terra para os que a trabalham» (que no entender dos Cadernos «não corresponde a nada» (sic) porque os operários agrícolas só pensam emigrar para a cidade...), a extinção das formas semifeudais de exploração, a restituição das terras usurpadas, a constituição de cooperativas e herdades do Estado, significam precisamente uma mudança das relações de propriedade, das relações de classes, das relações de produção, em suma. (Os Cadernos de Circunstância emparelham assim na fatuidade directamente proporcional à suficiência dos trânsfugas da Carta Aberta, que não alcançam ver nas medidas programáticas do PCP uma «alteração substancial (sic) das relações de produção».)

Poderia ficar-se por aqui. Mas, já agora, tem certo interesse conhecer-se como compreendem estes senhores a Reforma Agrária. Ouçamo-los:

«Os objectivos da reforma agrária — quer ela seja lentíssima como em Portugal (sic) (...) quer seja rápida e brutal como na URSS (...) são principalmente dois (...): promover o aumento e a maior rendibilidade da produção de bens alimentares com vistas à baixa dos preços destes produtos e à libertação progressiva da mão-de-obra rural com vista à constituição de uma disponibilidade maciça ao trabalho assalariado industrial» (Cad. de Circunst. n.° 7, p. 40).

E, depois de largas divagações históricas, concluem:

«Hoje a ‘questão agrária’ em Portugal põe-se em termos total mente diversos. Trata-se de um novo ciclo na organização da produção agrícola, ciclo já percorrido pelos países capitalistas mais adiantados e em avançado curso de execução na zona do ciclo global capitalista em que Portugal, grosso modo, se situa: Itália Espanha, Grécia, Jugoslávia (...). Este ciclo chama-se industrialização da agricultura» (Ibid, pp. 42-44).

A reforma agrária considera nos mesmos termos seja em países capitalistas seja em países socialistas, a reforma agrária com a criação de uma «agricultura industrial», como uma reforma técnica, e não social, uma reforma agrária sem conteúdo de classe e sem alterações das relações de produção, tal a conclusão a que chegam os pretensos críticos do «reformismo», que acusam os outros de não fazerem a crítica da sociedade «em termos de classe»...

continua>>>
Inclusão 29/05/2019