O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


I CONFERÊNCIA DE CAMPONESES DO SUL (Santarém, 5 de Janeiro de 1975)
INTERVENÇÃO DE ÁLVARO CUNHAL NA SESSÃO DE ABERTURA DA CONFERÊNCIA(1)


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Camaradas e Amigos:

O Partido Comunista tomou a iniciativa de realizar conferências de pequenos e médios agricultores, nas quais participam, entretanto, também assalariados rurais, tendo em vista melhor estudarmos todos os problemas dos pequenos e médios agricultores e encontrarmos as soluções para esses problemas.

Todos sabemos que aqueles que trabalham os campos não têm todos a mesma situação. Há assalariados rurais, há pequenos proprietários, há médios proprietários, há rendeiros, e até ainda há foreiros que nem deviam haver e certamente aqui estão alguns nesta sala, quer dizer, cujos pais, cujos avós trabalharam a terra que ao fim de 50 ou 80 anos ainda estão ameaçados de serem expulsos das suas terras, como muito bem sabemos. Quer dizer: nos campos a população trabalhadora trabalha de formas muito diversas e em situações muito diversas, e os problemas dos assalariados rurais não são os mesmos problemas dos pequenos médios rendeiros. Entretanto a nosso ver entre um pequeno rendeiro ou um pequeno proprietário ou um assalariado rural não existe uma grande contradição de interesses. É verdade que no momento o pequeno ou o médio agricultor pode estar interessado em pagar um salário mais baixo e o assalariado em receber um salário mais alto. Mas aqui não há inimizades, todos são explorados no fim de contas. Os grandes inimigos são os grandes capitalistas, são os grandes agrários. E o pequeno agricultor, e o médio agricultor seja proprietário, seja rendeiro, seja foreiro, seja parceiro, e o assalariado rural têm interesses comuns na luta contra os seus inimigos comuns que são os grandes agrários, são os grandes latifundiários, são os capitalistas, é a grande banca, esses é que exploram no fim de contas os assalariados rurais e também os pequenos e médios agricultores. Todos sabemos que a situação enfim é má nos campos para aqueles que trabalham, os preços não são compensadores, vendem muitas vezes os produtos por dez ou por cinco e que depois são vendidos por cem no mercado. São eles que no fim de contas não beneficiam da sua própria produção. Para os rendeiros sabemos bem enfim o que é que significam as rendas. Quer dizer: não há garantias nenhumas para os rendeiros. Muitas vezes o senhorio intervém obrigando a fazer determinadas culturas em que o rendeiro não está interessado, mas é obrigado a fazê-las.

Ainda há dias contava um que tinha de fazer por exemplo uma certa cultura de feijão que tinha uma risquinha amarela, e isso porque a dona tinha lá umas galinhas e tinha também uns animais e que queria dar por exemplo um milho mas havia de ser um milho especial, e era um milho miúdo para eles, quer dizer: impondo um sistema de cultura que não interessava nada ao próprio rendeiro. Todos sabemos dessa situação, quer dizer, as situações são muito diversas nos campos, mas uma coisa é fundamental: é todos compreendermos que assalariados, pequenos proprietários, pequenos rendeiros, parceiros, seareiros e foreiros temos interesses comuns e podemos todos unir-nos na luta contra os inimigos que são de todos nós, quer dizer, os grandes capitalistas, a grande banca, os grandes agrários e os grandes latifundiários e devemos unir-nos para vencer esta batalha, para a melhoria das condições de vida dos assalariados rurais e dos pequenos e médios camponeses.

É enfim dentro desta ideia que tomámos a iniciativa desta conferência, como já há dias houve outra no Norte, conferência esta em que nós os comunistas não vimos para aqui, como já temos dito, para ensinar os camponeses, não é isso. É para aprender também com os camponeses. E é para que os próprios camponeses, aproveitando um pouco a experiência que nós temos deu luta contra os exploradores do nosso povo, os próprios camponeses possam melhor uns com os outros estudar os seus problemas e ver quais são as soluções que lhes convêm. Quer dizer: nós não queremos ditar as soluções. Vocês vão reunir as várias comissões, vão ver e vão decidir o que lhes convêm. No que respeita a preços, a rendas, a impostos, o que é que lhes convém. Vocês é que devem na verdade discutir e ver uns com os outros. Se há por exemplo comunistas, certamente também aqui os haverá, pois se têm opinião, se têm a experiência do Partido dizem qual é essa opinião, qual é essa experiência, mas depois vocês é que têm que ver o que é que tem que ser.

E depois as conclusões que saiam desta conferência não queremos que sejam as conclusões dos comunistas, queremos que sejam as conclusões dos camponeses que participam nesta conferência. Não há ambição maior que tenhamos nós, os comunistas, que é, na verdade, defender os interesses do nosso povo. Não temos nenhuma outra ambição maior. E para defender os interesses do nosso povo é preciso conhecer quais são os interesses e qual é a voz, neste caso, dos pequenos e médios agricultores. A vossa voz será a nossa, podeis crer. Não queremos que sejais a voz do nosso Partido. Nós queremos que o nosso Partido seja a voz dos pequenos e médios agricultores, seja enfim a voz do Povo Português. Portanto, é para vos servir que nesta conferência se encontram comunistas, a fim de trabalharem com os outros camponeses que não são comunistas, e todos em conjunto vermos quais são os problemas e quais são as situações. É ainda de referir talvez este aspecto, camaradas e amigos.

Esta região, é uma grande região que enviou aqui camponeses de sítios muito diferentes, de distritos muito diferentes, e os problemas podem não ser sempre iguais. Por exemplo suponhamos no distrito de Leiria ou no de Santarém, aqui na margem Norte ou Sul do Tejo os problemas nem sempre são iguais. Por exemplo tomando o arrendamento vão para uma comissão onde ° vão discutir, certamente verão que há diferenças e diferenças muito grandes. Portanto, essas diferenças têm que ser consideradas. Às vezes não há uma única resposta para os problemas dos rendeiros. Suponhamos do concelho de Pombal ou do concelho de Benavente. São respostas diferentes. Portanto vocês vão-se entender naturalmente nas várias comissões. Cada qual apresenta os seus problemas e vêem como é que temos de encontrar uma resposta para esses problemas. Portanto, assim no princípio destes trabalhos, não queria dizer mais nada do que isto. A vontade que nós temos de facto é que se cheguem a conclusões que possam ser úteis à luta dos camponeses na defesa dos seus interesses. Naturalmente que hoje em Portugal não se trata apenas de defender o interesse imediato. Suponhamos, a nós interessa-nos muito que o pequeno agricultor que, por exemplo produz leite, tenha uma recompensa para o seu trabalho. Isso é um objectivo para já imediato. Temos por exemplo interesse em que as rendas sejam mais favoráveis ao rendeiro, que ele tenha o máximo de garantias, que sejam pagas por exemplo em dinheiro, parece que é o que pretendem quase todos os rendeiros. Que o contrato possa ser sempre prolongado, não esteja sujeito a que passada meia dúzia de anos o senhorio vá outra vez pegar na terra, enfim muitas outras coisas imediatas. Mas além disso nós queremos transformar o nosso país, queremos transformá-lo todo. Queremos por exemplo que os rendeiros ou os pequenos proprietários, os camponeses modifiquem completamente a sua vida, que a sua vida seja outra, seja melhor, que não seja essa vida de miséria que se tem atravessado ao longo dos anos. Pensamos enfim que os camponeses pequenos e médios com os assalariados rurais e com os operários das cidades podem transformar o nosso país e fazer dele um país melhor do que tem sido.

Portanto estamos todos enfim empenhados nessa grande luta para tornar Portugal um país que dê ao nosso povo aquilo a que ele tem direito. Também é com essa ideia de transformar o nosso país que aqui estamos e para vermos convosco os problemas dos pequenos e médios agricultores. Como todos juntos na verdade podemos tomar o nosso país, que era e ainda é um país de miséria, num país onde o povo português, os pequenos e médios agricultores, os assalariados rurais, tenham aquilo a que têm direito pelo seu trabalho.

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) Intervenção pronunciada de improviso. (retornar ao texto)

Inclusão 29/05/2019