Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


O 11 de Março


Introdução 10

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À data em que este livro se prepara, o 11 de Março está ainda por esclarecer nas suas linhas de força principais. É certo que o relatório preliminar se encontra publicado já (e faz parte deste volume) mas, como se sabe, ele é preliminar e algumas pistas têm sido lançadas no sentido de nos fazer crer que o 11 de Março vai mais além do que aquilo que a letra do relatório propõe.

Que o 11 de Março era previsível deixámo-lo antevisto na nota do último capítulo. Uma concordância da reacção de direita, uma actividade contra-revolucionária de Spínola, uma querela entre partidos, um notório desvio para a direita de certos partidos, temerosos do hipotético poder das forças de esquerda, e, em geral, uma cruel política anticomunista fazia prever, a par das outras razões apresentadas, o rebentamento dessa intentona. Mas tudo isso, que se vinha há muito reflectindo no Movimento das Forças Armadas, agravou-se. A luta de forças no seio dos militares era escaldante. Continuavam a fazer parte do núcleo da Assembleia das Forças Armadas, oficiais (apenas) nitidamente ligados às correntes reaccionárias. Era óbvio que a disputa entre os progressistas e os conservadores militares haveria de estourar. Todos sabemos que a esse facto se deve a não definição peremptória de um caminho socialista. As forças políticas (a um nível partidário e militar) estavam em confronto aberto. E das duas uma: ou essas forças, jogando o jogo democrático decidiam a luta, ou teria de existir um golpe de força.

Pese às dificuldades dentro da Assembleia das F. A. a linha vencedora era a progressista. Restava à facção conservadora o golpe de força.

Na luta partidária a situação era idêntica. Vários agrupamentos pretendiam um acelerar do processo, outros contrariavam-no em nome de pseudo-liberdades. Restava, portanto, a todas estas acções antiprogressistas o golpe de força.

E o golpe de força veio para manchar sanguinolentamente Revolução de 25 de Abril. O 11 de Março é, pois, a primeira tentativa conseguida de fazer derramar sangue para que a Revolução voltasse atrás. Inábil e estupidamente ou não, a verdade é que a reacção atacou. No RAL 1. Sabem-se as origens e as consequências. Spínola e as suas forças de direita foram completamente desmascaradas e a prova está em que tiveram de fugir para se salvarem das consequências. Mas Spínola não tivera apenas o apoio das forças de direita — tivera também embora tácito, o apoio de algumas forças ditas progressistas. Essas não foram atingidas nas suas consequências e conseguiram manter o instável equilíbrio. O processo da sua interferência nesta manobra que, como o Relatório afirma é mais vasta que o próprio Relatório e está ainda por definitivamente esclarecer, ficará para mais tarde.

Na série de documentos publicados ressalta obviamente o Relatório preliminar. Dentro do possível ele é suficientemente esclarecedor.

Vasco Gonçalves e Costa Gomes souberam, mais uma vez, estar com o Povo. Spínola fugiu. Outros oficiais implicados, quiseram ficar para assumir as suas responsabilidades, o que o ex-presidente não quis fazer.

De novo, o MFA e o Povo responderam prontamente ao ataque das forças capitalistas e reaccionárias.

Poderá afirmar-se que o golpe foi inábil (como, de resto, um outro general — Galvão de Melo — viria a declarar alguns dias depois, lançando a pista de um futuro golpe reaccionário). Poderá dizer-se, como afirmou certa imprensa estrangeira, que a direita portuguesa é a mais estúpida do mundo.

Quiçá seja verdade.

Mas também é verdade que a Revolução Progressista tem inimigos de muitos diversos matizes. Se o problema fundamental da Revolução se centralizar na resolução da contradição filosófico-política entre exploradores e explorados, não há dúvida que, mesmo após o 11 de Março, muitas chances ficaram para o reacção voltar a jogar.

Perdera ela o golpe palaciano (Palma Carlos), perdera também a intentona publicitária (28 de Setembro), perdera a intentona armada com recurso ao sangue e à morte, com recurso ao uso de forças militares contra forças militares (11 de Março). Restam-lhe ainda muitas armas. Uma delas, a arma eleitoralista que, entretanto, entrava definitivamente na liça.

Mas o 11 de Março serviu para muito: em primeiro lugar, para afastar do processo revolucionário aqueles que eram descaradamente contra, em segundo lugar, para lançar mais para a frente os progressistas do Poder e, em terceiro lugar, para fazer com que certas forças políticas estacassem as suas investidas e aguardassem as eleições.

A Revolução de 25 de Abril dava outro passo em frente com a institucionalização imediata do MFA (que passou sobre as negociações entravantes com os partidos nesse sentido) e com a criação do Conselho da Revolução.

De novo, a direita empurrava a Revolução para esquerda.

A Primeira Informação

À 13.30 horas, o capitão Duran Clemente, do Movimento das Forças Armadas, falando aos microfones da Emissora Nacional, afirmou:

«Vamos dar uma notícia concreta: dois aviões e dois helicópteros atacaram o Regimento de Artilharia 1, unidade afecta e fundamental do Movimento das Forças Armadas. Este ataque foi feito cerca das 13 horas. Portanto, são elementos pára-quedistas e outros elementos das Forças Armadas que se sublevaram contra a ordem democrática instaurada desde 25 de Abril. Mais uma vez, o M. F. A. e o povo devem e têm que estar unidos, alerta e vigilantes contra estas manobras que não podem vingar de maneira nenhuma. Acreditamos e estamos confiantes e pedimos vigilância popular em união com os órgãos representativos do Movimento das Forças Armadas, nomeadamente a sua Comissão Coordenadora, 5.* Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas e comandante-adjunto do COPCON, brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho.»

O Primeiro-Ministro

«Esclarece-se a população terem-se verificado hoje de manhã, incidentes envolvendo forças militares reaccionárias em tentativa desesperada de travar o processo revolucionário iniciado em 25 de Abril. Tais incidentes consistiram numa ocupação do Regimento de Artilharia Antiaérea, envolvendo meios aéreos e terrestres. A situação encontra-se sob controlo pelo que se apela para a população se manter calma, sem abrandar contudo a sua vigilância.

A aliança do Povo e as Forças Armadas demonstrará, agora como sempre, que a revolução é irreversível,»

Otelo Saraiva de Carvalho

«Neste momento, o que se pode dizer é que cerca das 12 horas o RAL 1 foi sobrevoado por dois aviões «T-6» e quatro helicópteros que inopinadamente bombardearam as instalações do quartel. Houve alguns feridos. Esta operação foi seguida de um desembarque de pára-quedistas. As forças de pára-quedistas mal tinham a noção do que estavam a fazer; podem ter sido ludibriadas pelos responsáveis que lhes teriam dito que o RAL 1 estava ocupado por tropas inimigas do 25 de Abril e que estaria dominado pelos comunistas, como sempre dizem nestas circunstâncias. Prova é que os pára-quedistas entraram hoje em ligação fácil com os populares que tinham ali acorrido.

Todas as forças do Exército se portaram muito bem. Tenho ainda neste momento forças de reserva que não necessitei utilizar.

A situação está dominada excepto no quartel do Comando da G. N. R., no Carmo, que alguns oficiais tomaram de assalto, prendendo o comandante Pinto Ferreira.

A situação está perfeitamente calma. Foi um exercício de fogos reais. Quanto aos responsáveis do sucedido, eles serão exemplarmente castigados. As forças do Exército, no País, estão totalmente serenas e com o M. F. A. O COPCON vive um curto clima de agitação mas também de tranquilidade.

As massas populares devem manter-se vigilantes, mas calmas, não aderindo a movimentos de extremistas. Em qualquer momento que as Forças Armadas não controlem a situação não hesitarei em lançar mão do auxílio precioso das massas populares. A democracia é ainda muito jovem e é preciso lutar de dentes cerrados contra todos estes ataques.

Que as massas populares não tomem medidas extremistas e desnecessárias.»

Da Presidência da República

«Aqui, Movimento das Forças Armadas. Anunciamos um comunicado à população:

O Presidente da República e Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general Costa Gomes, através da 5.ª Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, dirige-se e informa a população de que a aventura contra-revolucionária que levou uma unidade das tropas pára-quedistas a atacar o Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1, na Encarnação, foi conduzida por traição de alguns quadros, enganando e arrastando consigo os soldados e outros subordinados com afirmações falsas e provocatórias que os levaram a disparar contra os camaradas do RAL 1. Dado que a situação se está a esclarecer e a tender para a normalidade, alerta o Presidente da República, general Costa Gomes, contra manobras de agentes provocadores que poderão aliciar e levar a população a perder a calma e serenidade, levando-a a uma luta fratricida que só servirá os intentos das forças reaccionárias apostadas em destruir a democracia portuguesa. Que desta lamentável aventura saia mais uma vez reforçada a unidade Povo-M. F. A. e que a população portuguesa dê mais um exemplo ao mundo da sua maturidade cívica.»

Vasco Gonçalves

«Uma minoria de criminosos lançou homens das Forças Armadas contra homens das Forças Armadas, que é o maior crime que hoje se pode perpetrar em Portugal. Beneficiando da grande benevolência que os generosos obreiros do 25 de Abril têm tido para com os seus inimigos, tentaram dividir o País ao serviço de forças reaccionárias para que tantas vezes tem sido chamada a atenção. Eu espero que isto seja uma verdadeira lição para todos os portugueses, para os partidos políticos, para os sindicatos, para as Forças Armadas, para todos os patriotas. Os nossos verdadeiros inimigos são de facto a reacção e os fascistas.

E a reacção traduz-se na prática por aqueles que se opõem ao desenvolvimento e ao processo da nossa Pátria dentro do Programa das Forças Armadas e no sentido que o M. F. A. lhe tem procurado imprimir. São todos aqueles que quotidianamente travem esse processo revolucionário, quer ao nível de repartições públicas, quer ao nível das cúpulas, a todos os níveis. Essa luta quotidiana que todos os democratas travam contra o seus inimigos, é que significa a luta que o Povo Português trava contra a reacção.

Eu daqui exorto as massas trabalhadoras para que não se deixem desunir nos seus sindicatos, para que se unam, para que vejam bem onde estão os seus inimigos e os seus amigos. A unidade das massas trabalhadoras é indispensável à consolidação da revolução democrática portuguesa.

No momento em que estávamos a ser atacados estava-se preparando uma greve nos T. A. P. É preciso que os trabalhadores dos T. A. P., por exemplo, entre outros, que tomem bem consciência dos perigos que correm ao dividir-se do Movimento das Forças Armadas. E que estejam alerta para quem os divide. Os trabalhadores devem tirar todas as conclusões desta tentativa reaccionária de lançar Forças Armadas contra Forças Armadas, lançar camaradas de armas, servindo-se das maiores mentiras, ignomínias, lançando homens honrados em aventuras condenadas antecipadamente ao fracasso, porque o Movimento das Forças Armadas tem conseguido a esmagadora maioria das massas trabalhadoras e dos partidos portugueses.

Também exorto os partidos a reflectir nas reacções da situação que acabámos de viver. Em lugar de se lançarem em lutas uns contra os outros, em lugar de se dividirem se unam, unam-se em volta da bandeira da nossa Pátria, das ideias revolucionárias que traz o Programa das Forças Armadas. Os partidos políticos têm obrigação de tirar bem a ilacção destes acontecimentos.

Por outro lado, as forças progressistas desses mesmos partidos políticos apoiaram-nos neste momento. Devemos reconhecê-lo e mais uma vez afirmar que a revolução portuguesa só pode marchar em frente em estreita aliança do Movimento das Forças Armadas com os partidos progressistas e patrióticos que verdadeiramente estão interessados na mudança de rumo da vida política, económica e social portuguesa.

A todos os portugueses, a todos os patriotas, quer os trabalhadores, quer a pequena-burguesia, quer os pequenos comerciantes, os quadros, os médios comerciantes que vejam bem as aventuras para que os nossos inimigos nos podem lançar e que tenham confiança no M. F. A. que está atento e em ligação estreita com o Povo Português não permitirá que a reacção volte a dominar este País.

Viva Portugal!».

Costa Gomes, ao País

«Dirijo-me a todos os portugueses na hora em que mais uma aventura reaccionária foi posta em marcha.

É do conhecimento geral um ambiente alarmista, onde a indisciplina social vem sendo incrementada e explorada por agitadores profissionais e pseudo-revolucionários ao serviço das forças da reacção, tudo servindo para criar um clima favorável a críticas conducentes ao desprestígio do M. F. A. e do Governo Provisório.

Segundo se encontra já apurado, a manobra reaccionária teve as seguintes linhas mestras:

1.º — Criação de um clima geral de intranquilidade política e social em todo o País, como por exemplo, a agudização de problemas de trabalho, greves nos estabelecimentos de ensino, boicote das leis do Governo Provisório, sabotagem económica, criação de conflitos entre partidos políticos, boatos difamantes das principais personalidades do M. F. A. e do Governo Provisório.

2.º — Acção militar divisionista entre Forças Armadas e militarizadas, lançando-as numa guerra civil.

3.º — Agregação a este plano de elementos civis.

A situação está sob total controlo do M. F. A.

Entre os responsáveis, menciono desde já os seguintes: general na reserva António de Spínola; general da Força Aérea na reserva Rui Tavares Monteiro; general do Exército Freire Damião; capitão-tenente na situação de licença ilimitada Guilherme Alpoim Calvão; coronel na reserva da Força Aérea Moura Serrano de Almeida; capitão-de-mar-e-guerra na reserva Paulo Belmarço da Costa Santos; capitão pára-quedista António Ramos; major da Força Aérea Neto Portugal; major da Força Aérea Arantes de Oliveira; tenente-coronel de Cavalaria Xavier de Brito; major de Cavalaria Rosa Garoupa; major de Artilharia Carlos Pinto Simas; coronel da Força Aérea Moura dos Santos; coronel pára-quedista Rafael Durão; coronel de Infantaria na reserva Espadinha Milreu; capitão de Infantaria QC Valério da Silva; capitão de Cavalaria QC Lopes Mateus; capitão de Infantaria QC Almeida Coelho; tenente de Infantaria QC Carlos Alves; tenente de Cavalaria QC Antero Rebelo; tenente de Cavalaria QC Oliveira Santos; major de Cavalaria na reserva Simões Pereira; major de Cavalaria Ferreira Fernandes; major de Infantaria Teotónio Pereira; tenente QC Canavarro e tenente QC Bardos.

Parte destes oficiais já se encontram detidos e todos os responsáveis serão rapidamente julgados e punidos.

Agradeço ao povo português, a adesão espontânea de todos quantos colaboraram com recta intenção na defesa da nossa revolução.

Às Forças Armadas determino que redobrem a sua vigilância e se mantenham atentas.

Termino com um apelo nacional à colaboração de que necessitamos: calma, ordem, tranquilidade e trabalho para a construção da nossa Democracia.

Assim venceremos.»

Costa Gomes Esclarece

«Cumpro mais uma vez o dever de informar os meus concidadãos, apesar de nos encontrarmos numa época em que o trabalho de todos é tão necessário que não devemos perder muito tempo com palavras.

Vejamos os esclarecimentos que desejaria transmitir:

Com propósitos reaccionários bem evidentes há quem procure cultivar a ideia de que a aventura da manhã de 11 de Março teve a sua génese num ramo das Forças Armadas, indigitando-se como réu a Força Aérea.

Não podemos deixar camuflar as causas profundas de um golpe traiçoeiro, que derramou sangue de portugueses bons.

A acção armada foi da responsabilidade de poucos oficiais dos três ramos das Forças Armadas, e os três ramos, em operação coordenada, incluindo a maioria do pessoal das duas unidades da Força Aérea envolvidas, contribuíram para a neutralizar.

Registaremos que o Pessoal da Força Aérea está solidário com o seu chefe, que as poucas forças intervenientes foram pequenas parcelas das Base Aérea 3 e do Regimento de Caçadores Pára-Quedistas.

E mesmo essas pequenas parcelas foram, na sua quase totalidade, empenhadas falsamente, supondo que saíam a cumprir ordens do seu comandante e chefe do Estado-Maior.

Não iremos pois cair em logros divisionistas. Os três ramos das Forças Armadas estão unidos entre si e determinados a manter estreita aliança com o Povo a que Pertencem e querem servir.

Tudo o que referi diz respeito a aspectos da acção armada, mas, voltando às causas profundas, convém não esquecer que esta acção foi apenas um afloramento espectacular no inimigo do Povo e do M. F. A.

Foi vencido o afloramento mas o núcleo das forças adversárias, esse, ainda existe: são alguns sectores capitalistas privilegiados sem capacidade de adaptação às novas condições político-sociais e são, ainda, aquelas forças políticas de cores opostas cujas ideologias são incompatíveis com a felicidade do Povo e com o Programa do M. F. A.

Muitas pessoas parecem mais prontas e eficientes a criticar quem trabalha do que a colaborar com um trabalho redobrado de que o País tanto carece.

É assim que já me vão chegando vozes impacientes por conhecer o resultado do inquérito já em curso.

Pois trabalha-se nele noite e dia. Será rápido mas não superficial, porque as raízes do mal são profundas e encobertas; necessitamos secá-las à luz crua da verdade.

Cremos que estas averiguações virão iluminar aspectos menos evidentes da anterior tentativa, do 28 de Setembro.

Ficam todos com a nossa promessa de que se cumprirá a lei e que a dureza da justiça se fará sentir sobre os responsáveis, sem distinguir nomes, entidades, classes privilegiadas ou interesses poderosos.

Provaremos que a lei é igual para todos os Portugueses.»

Relatório Preliminar do 11 de Março de 1975

1. Razões deste Relatório

A Comissão de Inquérito, nomeada pelo Conselho de Revolução, consciente da grave responsabilidade que assumiu perante o Povo Português, decidiu, depois de ponderadas todas as vantagens e inconvenientes, que para satisfação da opinião pública nacional e internacional se torna imperioso dar uma explicação prévia ao País e apresentar também os resultados da sua actuação.

As averiguações levadas a efeito até esta data permitem desde já enviar ao Tribunal Militar Revolucionário os processos sumários de muitos dos implicados. É óbvio que competindo ao Tribunal o julgamento, esta Comissão limitar-se-á a apresentar factos objectivos, concretos e comprovados até ao momento, sem prejuízo do prosseguimento da missão que lhe foi cometida.

Esta missão consiste, em síntese, na procura de todas as raízes, de todas as cumplicidades, sem discriminações de qualquer natureza nem limitações de qualquer espécie, pois que o processo revolucionário em curso exige que a justiça seja igual para todos os cidadãos qualquer que seja a sua posição social.

Missão difícil e complexa que exigirá grande determinação, firmeza, serenidade e persistência dos membros da Comissão e uma colaboração decidida de todos os que querem contribuir para a construção dum Portugal autêntico e amplamente democrático.

2. Preparação do Golpe
2.1. Generalidades

Os acontecimentos contra-revolucionários de 11 de Março representam o culminar da mais gigantesca campanha que as forças do capital internacional e nacional, grande-burguesia financeira e industrial e seus aliados montaram contra a jovem e nascente democracia portuguesa. Nessa campanha foram empenhados grandes recursos políticos, económicos e militares adaptados às circunstâncias específicas do nosso País mas inspirando-se em modelos já ensaiados em tantos países onde governos progressistas foram derrubados.

Com efeito, a revolta militar desencadeada pelo M. F. A. em 25 de Abril pode considerar-se a consequência da longa e árdua luta do Povo Português contra a ditadura fascista e da luta dos povos das colónias pela sua libertação. No entanto o grande capital internacional e nacional aceitou sem grandes sobressaltos ou inquietações o derrube de Tomás e Caetano por se julgar com o poder de manobra suficiente para continuar a sua exploração desenfreada ainda que utilizando meios mais sofisticados de repressão das classes exploradas.

É nesta óptica que se devem analisar e compreender as várias tentativas de assalto do poder económico ao poder político e numa sequência e escalada cada vez mais violenta.

A crise do primeiro Governo Provisório conduzida por Spínola com a cumplicidade de Palma Carlos, o 28 de Setembro e o 11 de Março são pois as balizas que limitam os períodos bem determinados da actuação das forças interessadas em inverter o processo iniciado em 25 de Abril de 1974.

2.2. Preparação da opinião pública

Pode considerar-se que o início da campanha preparatória do golpe contra-revolucionário se pode situar em 30 de Setembro de 1974 com o discurso de renúncia do ex-general Spínola, como consequência da crise de 28 de Setembro.

A partir dessa data começam as forças reaccionárias mobilizando todos os seus esforços para a retomada do poder político. Para atingir este objectivo que implicaria simultaneamente: o estabelecimento do «estado de sítio», o desmantelamento do M. F. A. e a restauração da «ordem» por meios repressivos, a estratégia utilizada foi fundamentalmente a «destabilização» da situação político-social.

Na estratégia referida podem apontar-se várias tácticas de actuação de que destacamos:

As tácticas utilizadas iam resultando plenamente, verificando-se nos dois últimos meses um clima de instabilidade, agitação e confrontação, fruto das contradições da nossa sociedade e da indefinição do processo português.

Todas estas campanhas foram levadas para dentro do M. F. A. no intuito de dividir para reinar. Esta cegueira tocou as raias do absurdo e pode ser analisada e interpretada pelo que veio a lume em diversos órgãos de informação.

2.3. Preparação específica

Um dos objectivos das forças contra-revolucionárias nacionais e internacionais consistia em fazer um levantamento spinolista que conduzisse o ex-general ao poder. Em consequência da preparação já anteriormente referida inicia-se claramente a conspiração contra-revolucionária.

A partir de Janeiro, em Massamá, Quartel-General dos conspiradores processam-se frequentes contactos dos elementos spinolistas com o ex-general. Não obstante a quinta dispor de um aperfeiçoado sistema de segurança baseado em medidas passivas (armadilhas) e activas (forças da G. N. R.) alguns «oficiais de confiança» oferecem-se voluntariamente para reforçar a segurança pessoal de Spínola.

Alguns destes oficiais têm ligações estreitas com personalidades civis e militares de diversas embaixadas, com alguns partidos políticos e com alguns elementos da alta finança.

Também em Janeiro, se não antes, é elaborado o discurso de Spínola onde se pode verificar a linha política antidemocrática que pretendia impor ao País quando assumisse o Poder por meios violentos.

Paralelamente os oficiais spinolistas desencadearam nas Unidades e outros estabelecimentos militares, a exploração e preparação psicológica, inicialmente referida, baseando-se fundamentalmente nos problemas levantados com a unicidade sindical, a institucionalização do M. F. A. e a inoperância do Governo. Esta campanha visava a aderência dos oficiais menos esclarecidos politicamente, conservadores ou mesmo reaccionários.

Em Fevereiro é decidida a institucionalização do M. F.A. tendo, na Assembleia dos 200, sido definidos sete pontos que deviam constar na Plataforma de Acordo com os partidos políticos. Entre esses destacava-se o de o Presidente da República ser da confiança do M.F.A. Os spinolistas contestaram veementemente este ponto por verem nele a impossibilidade do ex-general Spínola vir a conquistar o Poder Político por via eleitoralista. Assim, consideram que a única hipótese que lhes resta para a conquistas do Poder Político é a insurreição armada.

Elementos conspiradores fazem um mal elaborado estudo de situação.

Como consequência lógica deste estudo de situação são estabelecidos uma série de contactos a fim de avaliar as prováveis forças aderentes. Paralelamente grupos de oficiais da linha progressista do M. F. A., pressentindo a possibilidade e iminência do golpe spinolista, fazem discretamente a avaliação de forças que permitisse uma resposta pronta e eficaz.

Os elementos spinolistas sentem-se vigiados e as suas actividades conspiratórias começam a ser do conhecimento da opinião pública nacional e internacional.

Em 8 de Março o Conselho dos Vinte decide efectuar a institucionalização do M. F. A. no dia 25 de Abril.

Esta decisão, conjuntamente com a fuga de informações já referida e a chegada também neste dia aos Serviços de Informação Militares duma notícia de que a contra-revolução estava em Tancos obriga os conspiradores a desencadear o golpe antes que os Serviços de Informação tivessem a possibilidade de confirmar a notícia.

Para aliciar os indecisos ou os bem-intencionados e pouco esclarecidos politicamente é referida a existência duma operação a ser desencadeada pela L. U. A. R. a partir do R. A. L. 1 (com colaboração dos «Tupamaros») designada por «MATANÇA DA PÁSCOA» e que consistia na eliminação de 500 militares e 1000 civis.

Esta notícia é trazida de Espanha no dia 10, pelo tenente Rolo que refere ter-lhe sido comunicada pela D. G. S. espanhola, tendo Spínola posteriormente declarado que essa informação estava de acordo com a que lhe tinha sido transmitida pelos Serviços Secretos Franceses..

Note-se que de há muito vinham a ser estabelecidos frequentes contactos em Espanha, onde se encontram numerosos ex-agentes da P. I. D. E.—D. G. S. Admite-se como muito provável que o primeiro-tenente Nuno Barbieri, filho do inspector Barbieri da ex-P. I. D. E.-D. G. S., não seja estranho a estes contactos tanto mais que toma parte com um grupo de civis no ataque ao Porto-Alto e mantinha muito frequentes contactos com o primeiro-tenente Rolo.

Salienta-se ainda o que se transcreve dum depoimento referente aos detidos da P. I. D. E. em Caxias.

«... o ambiente nas vésperas do golpe contra-revolucionário de 11 de Março de 1975 era de euforia e que se faziam projectos de eliminação de algumas individualidades, entre as quais o Primeiro-Ministro, Brigadeiro Otelo e inclusivamente o Senhor Presidente da República.

Que na lista dos indivíduos a eliminar, constava também Mário Soares e Salgado Zenha e que dos comunistas não escapava nenhum, uma vez que se apoderariam das listas de legalização de partidos. Que o próprio Spínola serviria apenas para agora mas que mais tarde seria igualmente «arrumado.»

São contactados grupos de civis (participantes na operação de neutralização da estação do Rádio Clube em Porto Alto) e militares com a indicação de que se deveriam reunir na B. A. 3 em Tancos, na madrugada de 11 de Março.

Nesta madrugada é gizado apressadamente um Plano de Operações. Como argumento, para provocar adesões de última hora dos militares pouco esclarecidos, afirma-se que o Presidente da República, os Chefes de Estado-Maior da Força Aérea e do Exército e alguns membros do Conselho dos Vinte estavam ao corrente da operação que ia ser desencadeada.

3. Execução do Golpe Contra-Revolucionário
3.1. Descrição geral dos acontecimentos

MARÇO, DIA 8

17.00 — Praça das Flores — Através de contactos efectuados principalmente por Miguel Champalimaud e tenente Nuno Barbieri reúnem-se vários indivíduos, entre outros o coronel Durval de Almeida, José Vilar Gomes, João Alarcão Carvalho Branco, José Carlos Champalimaud, tenente Nuno Barbieri e Miguel Champalimaud tendo estes dois últimos dito aos restantes que estava planeada uma operação de grupos de extrema-esquerda, denominada «Matança da Páscoa», na qual seriam mortos cerca de 1500 civis e militares entre os quais o ex-general Spínola.

Seria necessário assim desencadear uma acção para neutralizar essa operação e que seria necessário também acompanhar o ex-general para Tancos donde se desencadearia toda a acção.

MARÇO, DIA 9

22.00 — Praça das Flores — Reúnem novamente alguns dos indivíduos mencionados anteriormente, com outros aguardando neste local instruções para seguirem para Tancos.

Rua Jau — Alcântara — Ao mesmo tempo desenrola-se uma reunião de militares, entre os quais o general Tavares Monteiro, coronel Durval de Almeida, tenente-coronel Xavier de Brito, ex- 'tenente-coronel Quintanilha de Araújo, ex-major Silva Marques, tenente Nuno Barbieri e ex-tenente Carlos Rolo onde este confirma a «Matança da Páscoa» por notícias colhidas em Espanha, nos Serviços de Seguridad Espanhola, donde chegara naquele momento. Estes elementos decidem dar conhecimento e alertar o ex-general Spínola, dirigindo-se para Massamá.

MARÇO, DIA 10

00.00 — Rua Jau — Alcântara — Entretanto, por ordem do tenente Nuno Barbieri, o alferes Jorge de Oliveira dirige-se à Praça das Flores onde indica aos presentes que se devem dirigir para a Rua Jau onde se encontram com outros indivíduos, já contactados: José Vilar Gomes, Miguel Champalimaud, António Simões de Almeida, João Alarcão Carvalho Branco, José Carlos Champalimaud, António Ribeiro da Cunha, Gonçalo Bettencourt Ávila e Eurico Vilar Gomes que permanecem neste local até lhes serem indicadas missões concretas.

02.15 — Massamá — Chegam à residência do ex-general Spínola o general Tavares Monteiro, coronel Durval de Almeida, tenente-coronel Quintanilha onde falam com o ex-general Spínola, a quem comunicam o que sabem. É-lhes, por este, respondido já ter conhecimento desses factos através dos Serviços Secretos Franceses. Entretanto o tenente Nuno Barbieri, ex-tenente Carlos Rolo, e ex-major Silva Marques planeiam o ataque ao emissor do Rádio Clube Português em Porto Alto.

Depois destes contactos o general Tavares Monteiro e coronel Durval de Almeida dirigem-se para as traseiras da Igreja de S. João de Deus onde se encontram com o tenente Nuno Barbieri que entretanto fora à Rua Jau trazendo consigo António Ribeiro da Cunha, José Vilar Gomes e Miguel Champalimaud que passam a fazer escolta armada àqueles três oficiais nos diversos contactos que fazem em seguida.

10.30 — Lumiar — General Tavares Monteiro, coronel Durval de Almeida, tenente Nuno Barbieri e os indivíduos que compõem a sua escolta dirigem-se para casa do major Sá Nogueira, no Lumiar, onde almoçam e donde fazem contactos nomeadamente com o ex-comandante Alpoim Calvão e ex-comandante Rebordão de Brito.

15.00 — Aeroporto — Dirigem-se ao Aeroporto o general Tavares Monteiro, coronel Durval de Almeida e José Vilar Gomes onde se encontram com o tenente-coronel Xavier de Brito e ex-tenente-coronel Quintanilha que vinham de fazer vários contactos com Unidades. Daqui seguem novamente para o Lumiar onde vão chegando mais indivíduos como o ex-comandante Calvão, ex-major Silva Marques, ex-tenente Anaia e ex-tenente Carlos Rolo.

Nesta reunião é feito ponto da situação avaliando-se as forças que estão do lado dos revoltosos e meios disponíveis. Definidas as missões de cada um, os presentes vão abandonando o local ficando combinado o encontro de todos eles e do grupo de civis que se encontravam ainda na Rua Jau, na portagem da A. E. de Vila Franca de Xira, onde esperariam pela chegada do ex-general Spínola, seguindo daí para Tancos.

21.30 — Massamá — Fazendo-se transportar num «Mercedes» alugado, o ex-general Spínola dirige-se para a portagem da A. E. de Vila Franca de Xira disfarçado com barbas postiças, acompanhado de uma escolta composta por civis armados.

22.00 — Portagem da A. E. — O ex-general Spínola, e seus acompanhantes, partem com destino a Tancos donde será desencadeado o golpe contra-revolucionário de 11 de Março.

22.30 — O brigadeiro Morais, comandante da Região Militar de Tomar, desloca-se a Santarém e procura o coronel Alves Morgado, comandante da E. P. C., tentando aliciá-lo. Não conseguindo a adesão pretendida, insiste, através de um contacto telefónico, cerca de 3 quartos de hora mais tarde. O novo encontro tem lugar junto do Café Central. Esta tentativa logrou melhor êxito, mas o coronel Morgado não denuncia as intenções dos contra-revolucionários.

Terceira insistência é tentada na manhã seguinte, através de um enviado do brigadeiro Morais — o capitão Veloso e Matos.

23.00 — No Restaurante da «Fateixa», em Carcavelos, o tenente-coronel Xavier de Brito encontra-se com o tenente-coronel Almeida Bruno que, para o efeito, convocou o major Monge e capitão Luz Varela. O objectivo deste encontro foi tentar aliciar o tenente-coronel Bruno e o major Monge.

MARÇO, DIA 11

00.00 — Tancos — Começam a chegar à B. A. 3 os elementos conspiradores que se reúnem em casa do major Martins Rodrigues.

01.40 — É montado um sistema de segurança da Unidade e é regulada a entrada de elementos vários que entretanto chegavam e cujas viaturas não eram revistadas.

02.00 — Com a presença dos principais responsáveis pelo golpe, é feito o ponto da situação e o planeamento das operações a desencadear durante a manhã.

09.00 — São feitos «breefings» ao pessoal. O ex-general Spínola faz uma alocução aos pilotos dos helicópteros e do T-6, em que se afirma estar a assistir-se à prostituição das Forças Armadas e ser necessário intervir para manter a «continuidade» e a «pureza» do processo desencadeado no 25 de Abril.

Os meios aéreos destinados a atacar o R. A. L. 1, aviões T-6 helicópteros e helicanhões, começam a ser municiados.

10.45 Descolam os primeiros meios aéreos destinados a atacar o R. A. L. 1. Estes meios eras constituídos por 2 T-6, 8 helitransportadores, com 40 pára-quedistas e 2 helicanhões. Quase simultaneamente, descolam 3 Nordatlas com 120 pára-quedistas destinados a cercar o R. A. L. 1. Mais tarde outra parelha de T-6 descolou com o fim de sobrevoar Lisboa a baixa altitude em acção de intimidação.

11.30 — Todas as Unidades da Força Aérea estão de prevenção rigorosa.

11.45 — Cerca das 11.45 horas deslocam-se à B. A. 3, de helicóptero, o brigadeiro Lemos Ferreira e o tenente-coronel Sacramento Marques, como delegados do C. E. M. F. A. e C. E. M. E., para procurarem esclarecer a situação.

11.50 — R. A. L. 1 — Esta Unidade é atacada pelos contra-revolucionários que na sua missão vêm a atingir as casernas dos soldados e os principais edifícios do aquartelamento, resultando um morto e 14 feridos. Neste ataque são consumidas 220 munições de metralhadora do T-6, calibre 7,7, 318 munições de MG-151 dos helicanhões, 20 mm e 99 foguetões Sneb, 37 mm, antipessoal.

12.00 — Aeroporto — É encerrado o tráfego civil.

Quartel do Carmo — Oficiais da G. N. R. no activo e outros já afastados do serviço, comandados pelo general Damião, prendem o comandante-geral e outros oficiais.

12.20 — Tancos — Deslocam dois helitransportadores e um helicanhão com destino ao emissor do Rádio Clube Português no Porto Alto.

12.50 — Lisboa — A 5.9 Divisão do E. M. G. F. A. emite a seguinte mensagem a todas as Unidades do Exército, Armada, Força Aérea, G. N. R., P. S. P. e G.F.:

«O COPCON, a Comissão Coordenadora do M. F. A. e a 5.ª Divisão do E. M .G. F. A. alertam todas as unidade para se colocarem em estado de mobilização para destruir forças rebeldes contra-revolucionárias que neste momento atacam unidades do M. F. A.»

Este Rádio foi seguido de outro semelhante enviado para comandos militares das Ilhas Adjacentes e África.

13.00 — Porto Alto — Um grupo de civis armados e comandados por 2 militares atacam o emissor do Rádio Clube Português, interrompendo a emissão desta estação em onda média.

Os assaltantes faziam-se transportar em 2 helicópteros seguindo num o ex-major Silva Marques, António Simões de Almeida, João Alarcão Carvalho Branco e José Carlos Champalimaud e no outro o primeiro-tenente Nuno Barbieri, José Vilar Gomes, Eurico Vilar Gomes, António Ribeiro da Cunha e Miguel Champalimaud.

Deste ataque resultou a paralisação da emissão e destruição de material de elevada monta.

O ex-general Spínola tenta aliciar, pelo telefone, o major Jaime Neves, comandante do Batalhão de Comandos n.º 11, que lhe responde só obedecer à hierarquia a que está sujeito: o COPCON, com quem aliás já tinha estado em contacto. Spínola procura, ainda, falar com o tenente-coronel Almeida Bruno que está presente, mas que se esquiva.

Pouco antes ou depois desta diligência o ex-general estabelece contacto com o tenente-coronel Ricardo Durão tentando obter por via deste e do capitão Salgueiro Maia, a adesão da E. P.C. O capitão Maia não atende este telefonema.

13.10 — Lisboa — A Emissora Nacional interrompe a sua programação normal e passa a transmitir directamente do Centro de Esclarecimento e de Informação Pública da 5.9 Divisão do E. M. G. F. A., aconselhando a população de Lisboa a manter-se calma e vigilante em união com o M. F. A. e seus órgãos representativos.

13.20 — O major Rosa Garoupa telefona para o major Casanova Ferreira, comandante da P. S. P. de Lisboa, a pedir-lhe a ocupação do Rádio Renascença e que pusesse «no ar» esta Emissora (na altura em greve) com o fim de transmitir comunicados dos contra-revolucionários, acções que se não concretizaram.

13.30 — Lisboa — É transmitido pela E. N. o primeiro comunicado da 5.ª Divisão nos seguintes termos:

«Vamos dar uma notícia concreta: 2 aviões e 2 hélis atacaram o R. A. L. 1, unidade afecta e fundamental do M. F. A. Este ataque foi cerca das 12 horas. Portanto, são elementos pára-quedistas e outros elementos das Forças Armadas que se sublevaram contra a ordem democrática instaurada desde o 25 de Abril. Mais uma vez o M. F. A. e o POVO devem e têm de estar unidos, alerta e vigilantes contra estas manobras que não podem vingar de maneira nenhuma. Acreditamos e estamos confiantes e pedimos a vigilância popular em união com os órgãos representativos do M. F. A., nomeadamente a sua Comissão Coordenadora, 5.ª Divisão do E. M. G. F. A., e Comandante-Adjunto do COPCON, Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho».

Os diversos comunicados da 5.ª Divisão do E. M. G. F. A. tiveram papel importante no esclarecimento de militares que nas unidades desconheciam o que se passava.

13.30 — Uma força da G. N. R. constituída por 5 moto-blindados aparece nas imediações do G. D. A. C. I., tentando ocupar e desligar a antena da R. T. P. em Monsanto.

Foram interpelados e intimados a retirar por forças do COPCON o que fizeram imediatamente.

14.45 — É transmitido o primeiro comunicado emanado do Gabinete do Primeiro-Ministro do seguinte teor:

«Esclarece-se a população terem-se verificado hoje, de manhã, incidentes envolvendo forças militares reaccionárias em tentativa desesperada de travar o processo revolucionário iniciado a 25 de Abril. Tais incidentes consistiram numa tentativa de ocupação do R. A. L. 1, envolvendo meios aéreos e terrestres. A situação encontra-se sob controlo, pelo que se apela para que a população se mantenha calma, sem abranadar contudo a sua vigilância. A aliança entre o Povo e as Forças Armadas demonstrará agora como sempre, que a revolução é irreversível.»

15.00 — Soldados e sargentos do B. A. 3 amotinam-se contra os conspiradores e arrombam as viaturas civis utilizadas pelos elementos estranhos donde retiram armamento.

Dá-se início à fuga de Spínola e acompanhantes que se fazem transportar num héli para o R. C. P.

15.15 — R. A. L. 1 —A grande maioria dos pára-quedistas que atacaram o R. A. L. 1 depõem as armas e juntam-se aos camaradas desta Unidade.

— Lisboa — O Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho dá conta ao País da normalização da situação.

«Neste momento, o que se pode dizer é que cerca das 12 horas o R. A. L. 1 foi sobrevoado por dois aviões T-6 e quatro helicópteros que inopinadamente bombardearam as instalações do quartel. Houve alguns feridos. Esta operação foi seguida dum desembarque de pára-quedistas. As forças de pára-quedistas mal tinham a noção do que estavam a fazer; podem ter sido ludibriadas pelos responsáveis que lhes teriam dito que o R. A. L. 1 estava ocupado por tropas inimigas do 25 de Abril e que estaria dominado pelos comunistas, como sempre dizem nestas circunstâncias. Prova é que os pára-quedistas entraram hoje em ligação fácil com os populares que tinham ali ocorrido.

Todas as forças do Exército se portaram muito bem. Tenho ainda neste momento forças de reserva que não necessitei utilizar.

A situação está dominada excepto no quartel do Comando da G. N. R., no Carmo, que alguns oficiais tomaram de assalto, prendendo o comandante Pinto Ferreira.»

E a terminar, Otelo Saraiva de Carvalho, sereno, com ar confiante, afirmou:

«A situação está perfeitamente calma.

(...)

Quanto aos responsáveis do sucedido, eles serão exemplarmente castigados.

As forças do Exército no país estão totalmente serenas e com o M. F. A. O COPCON vive um curto clima de agitação mas também de tranquilidade.»

E terminou, apelando para a população:

«As massas populares devem manter-se vigilantes, mas calmas, não aderindo a movimentos de extremistas. Em qualquer momento que as Forças Armadas não controlem a situação, não hesitarei em lançar mão do auxílio precioso das massas populares. A democracia é ainda muito jovem e é preciso lutar de dentes cerrados contra todos os ataques.

Que as massas populares não tomem medidas extremistas e desnecessárias.»

17.15 — O primeiro-ministro, brigadeiro Vasco Gonçalves, dirige, pela TV e Rádio, uma alocução ao povo português. (Ver pág. 266).

17.30 — O Presidente da República, através da E. N. emite um comunicado. (Ver pág. ??)[sic].

É transmitido novo comunicado da 5.ª Divisão do E.M.G.F.A. em que se fazia o ponto da situação militar no País:

«Às 17.15 horas a situação encontra-se quase normalizada.

Em Tancos a situação está dominada e encontra-se preso o comandante do Regimento de Pára-quedistas, coronel Rafael Durão.

Entretanto fugiram de carro, certamente em direcção à fronteira, os generais Spínola e Galvão de Melo e os comandantes Alpoim Calvão e Rebordão de Brito e o primeiro-tenente Benjamim.

Apela-se para a população que, em colaboração com as Forças Armadas se mantenha vigilante nas fronteiras.

Na G. N. R., Quartel do Carmo, a situação encontra-se também normalizada, tendo conseguido evadir-se o general Damião que, ilegalmente, assumiu o comando.

Reassumiram as suas funções o general Pinto Ferreira e os coronéis Vicente da Silva e Stone.

Nas restantes Regiões Militares do País a situação mantém-se normal.

Até ao momento, só se tem conhecimento de alguns feridos na acção contra o R. A. L. 1.»

19.00 — ESPANHA — Spínola, acompanhado de sua mulher e alguns militares, chega à base aérea de Talavera la Real, a 16 km de Badajoz.

02.35 — LISBOA — O Presidente da República, general Costa Gomes, dirige uma mensagem ao País. (Ver pág. 267).

3.2 Actuação das unidades
Base Aérea n.º 3
Descrição da Actuação

A actuação da B. A. 3 no golpe contra-revolucionário sintetiza-se nas seguintes acções:

  1. — Cerca das 23.30 horas de 10 de Março, chega à unidade o ex-general Spínola,acompanhado do ex-tenente-coronel Quintanilha, ex-major Zuquete, e ex-tenente Rolo que se dirigem a casa (Bairro Militar) do major Martins Rodrigues. Após alguns momentos, chegam ao mesmo local o ex-brigadeiro Morais, general Monteiro, ex-coronel Amaral, ex-comandante Calvão, coronel Durão, coronel Durval, coronel Moura dos Santos, general Damião, tenente-coronel Xavier de Brito, ex-major Simas, major Garoupa e outros.
  2. — Cerca das 02.30 horas do dia 11 o comandante da Base, coronel Moura dos Santos, e o coronel Amaral contactam telefonicamente o coronel Proença no Comando da 1.ª Região Aérea, tendo lugar em seguida e ainda em casa do major Martins Rodrigues uma reunião na qual se ultimam os pormenores do golpe a desencadear.
  3. — Cerca das 9 horas o coronel Moura dos Santos reúne alguns oficiais e sargentos da unidade, aos quais dá conhecimento do que se vai desenrolar. Simultaneamente o mesmo é feito por alguns oficiais, comandantes de esquadra, ex-major Mira Godinho, major Neto Portugal, e capitão Brogueira em relação aos pilotos das suas esquadras, atribuindo-lhes em seguida as missões respectivas.
  4. — Cerca das 9.30 horas, e com a presença do coronel Moura dos Santos, ex-major Zuquete, major Mesquita,ex-major Godinho, major Neto Portugal e outros, é formulada pelo ex-general Spínola uma exortação à acção no golpe contra-revolucionário aos pilotos das esquadras de aviões T-6 e de helicópteros.
  5. — Cerca das 10.45 horas, descolam 2 aviões T-6, armados com metralhadoras e ninhos de foguetes antipessoal, pilotados pelo major Neto Portugal e segundo-sargento Moreira, tendo como missão o bombardeamento das instalações do R. A. L. l, antenas do R. T. P. e Forte do Alto do Duque.
  6. — Cerca das 11.00 horas descolam 10 Allouettes III, transportando um grupo de 40 pára-quedistas. Dois dos helicópteros estão armados com canhão e têm como missão o bombardeamento do R. A. L. 1. São pilotados pelo ex-major Zuquete e o ex-major Godinho, tendo aos canhões os alferes Oliveira e primeiro-cabo Carapeta, respectivamente.
    Nesta operação insere-se também o lançamento sobre Lisboa de panfletos, missão que é executada por dois helitransportadores, pilotados pelos capitão Oliveira e tenente Jacinto. Os restantes helitransportadores são pilotados pelos alferes Chinita, alferes Afonso, alferes Mendonça, segundo-sargento Ladeira, segundo-sargento Souto e furriel Emanuz.
  7. — À mesma hora, descolam 3 aviões Nord-Atlas, transportando uma companhia de pára-quedistas (120 homens) para cerco ao R. A. L. 1.
  8. — Cerca das 11.20 horas, descola, com destino a Monte Real—B. A. 5, um avião Aviocar pilotado pelo major Mesquita levando a bordo o ex-coronel Amaral e ex-tenente-coronel Quintanilha em missão de aliciamento. Regressa com estes o major Cóias da B. A. 5.
  9. — À mesma hora, descolam para Lisboa 2 aviões T-5, desarmados, com a missão de intimidação. São pilotados pelos capitão Faria e alferes Melo, ambos da B. A. 7 e em diligência na B. A. 3.
  10. — Cerca das 12.30 horas, descolam 3 Alouettes, transportando 12 elementos para uma acção armada contra as antenas do R.C.P., em Porto Alto. Um dos helicópteros está armado com canhão e é pilotado pelo segundo-sargento Leitão, tendo ao canhão o segundo-sargento Holstein. Os outros dois hélis são pilotados pelos alferes Llorent e segundo-sargento Serra.
  11. — Cerca das 13.00 horas, descolam 2 aviões T-6 pilotados pelos segundo-sargento Gomes da Silva e furriel Falcão. Estão armados com metralhadoras e ninhos de foguetes antipessoal e têm como missão o ataque ao R. A. L. 1.
  12. — À mesma hora descola um Allouette, armado com um canhão, pilotado pelo alferes Jofre, com o alferes Figueiredo ao canhão, tendo como missão o ataque ao R. A. L. 1 e outros possíveis objectivos.
  13. — Cerca das 13.30 horas, descola um helicóptero Allouette III a fim de transportar o ex-brigadeiro Morais, de Tomar para a E. P. C. e no regresso transporta, além deste, o tenente-coronel Ricardo Durão e capitão Salgueiro Maia. Aterram 5 helicópteros Oll III vindos da B. A. 6.
  14. — Cerca das 13.50 horas, descola um helicóptero Allouette II, pilotado pelo tenente-coronel Quintanilha o qual se desloca com o major Cóias à B. A. 5.
  15. — Cerca das 14.30 horas, descolam para Lisboa 2 aviões T-6 armados com metralhadoras e ninhos de foguetes antipessoal, pilotados pelos segundo-sargento Jordão e segundo-sargento Carvalho, tendo a missão de ataque a objectivos não apurados e intimidação da população.
  16. — À mesma hora, descolam 2 aviões Nord-Atlas, transportando uma companhia de tropas pára-quedistas (75 homens) para Lisboa, para reforço da companhia anterior.
  17. — Ainda à mesma hora, descolam 2 aviões Aviocar, transportando 25 homens (pára-quedistas) para Monte Real — B. A. 5.
  18. — Cerca das 15.00 horas, descola um Allouette III, armado com canhão, tendo como missão o ataque às antenas da Emissora Nacional. É pilotado pelo segundo-sargento S. e Silva e leva ao canhão o capitão Jordão.
  19. — À mesma hora, descolam 2 aviões T-6, desarmados, pilotados pelo alferes Melo e alferes Correia, com a missão de intimidação.
  20. — Cerca das 15.30 horas, descola um Allouette III a fim de transportar o capitão Ramos à E. P. C., Batalhão de Comandos e COPCON, não executando estas duas últimas missões.
  21. — À mesma hora, descolam 2 aviões T-6, armados com metralhadoras e ninhos de foguetes antipessoal, para ataque a objectivos ainda não identificados e intimidação da população. São pilotados pelo segundo-sargento Brandão e pelo furriel Bragança.
  22. — Ainda à mesma hora, descolam 2 Allouettes III, um transportando para o Regimento de Caçadores de Pára-quedistas o exonerai Spínola e alguns elementos e outro armado com canhão para protecção daquele ex-oficial durante a sua permanência naquela unidade. São pilotados pelos ex-major Zuquete e ex-major Godinho, respectivamente.
  23. — Cerca da 16.20 horas, descolam 4 Allouettes III, um equipado com canhão, que faz a protecção dos restantes, nos quais efectuam a fuga os elementos já conhecidos.
Regimento de Caçadores de Para-Quedistas
Descrição da Actuação

A actuação do Regimento de Caçadores Pára-Quedistas no golpe contra-revolucionário sintetiza-se nas seguintes acções:

  1. — Cerca das 8.30 horas, o comandante-coronel Rafael Durão depois de determinar a entrada da Unidade na situação de prevenção rigorosa, reúne os oficiais e sargentos, diligência que volta a efectuar com oficiais apenas cerca das 9.00 horas, informando-os sobre a operação que vai desenrolar-se e das forças que iriam ser empenhadas.
  2. — Cerca das 10.30 horas, sai da Unidade um grupo de combate de 40 homens, comandados pelo capitão Sebastião Martins, que da Base Aérea n.º 3 é helitransportado para Lisboa, tendo como missão efectuar um heliassalto às instalações do R. A. L. 1, com desembarque a «varrer» no interior desta Unidade e após o bombardeamento da mesma por aviões T-6 e helicanhões. O desembarque deste grupo vem a verificar-se nas imediações da referida Unidade, desenvolvendo-se o ataque a partir daí.
  3. — Cerca das 11.00 horas, sai uma companhia com 120 homens, comandados pelo capitão Augusto Martins o qual é acompanhado do comandante das forças empenhadas major Mensurado, que da B. A. 3 é transportada em aviões Nord-Atlas para Lisboa—A. B. 1. Têm como missão efectuar o cerco ao R. A. L. 1, imediatamente após o assalto (desembarque no interior deste do grupo helitransportado).
  4. — Cerca das 13.30 horas, sai outra companhia com 100 homens, comandada pelos capitão Bação da Costa Lemos, que da B. A. 3 é transportada em aviões Nord-Atlas e Aviocar, para Lisboa—A. B. 1 (75 homens) e Monte Real — B. A. 5 (25 homens). Têm como missão, em Lisboa reforçar a companhia anterior e em Monte Real assegurar a defesa da B. A. 5
  5. — Entretanto e cerca das 9.30, o coronel Rafael Durão estabelece contacto telefónico, através do qual ordena que:
  1. A companhia de pára-quedistas destacada em Lisboa no D. G. A. F. A., e comandada pelo capitão Silva Pinto, seja deslocada para o Aeroporto onde lhe compete assegurar a defesa das instalações e pistas;
  2. A companhia de pára-quedistas destacada na B. A. 6 (Montijo), assegura a defesa desta Unidade, na qual iriam aterrar e abastecer as aeronaves empenhadas no golpe com excepção dos aviões Nord-Atlas.
  1. — Cerca das 15.00 horas, aterra na unidade um helicóptero pilotado pelo ex-major piloto Zuquete, transportando o ex-general Spínola, ex-comandante Calvão, ex-brigadeiro Morais e outros, os quais se reúnem com o coronel Durão, vindo mais tarde a juntar-se-lhes o tenente-coronel Ricardo Durão e capitão Salgueiro Maia.
  2. — Cerca das 15.15 horas e por pedido do comandante da B. A. 3, é destacada para aquela Unidade, uma companhia comandada pelos capitães Albuquerque Pinto e Valente dos Santos, tendo como missão, neutralizar o movimento das praças e sargentos que se haviam sublevado e assegurar a defesa das aeronaves.
  3. — Ao longo do dia, verificam-se na Unidade, e por parte de alguns oficiais, diligências várias integradas nas operações em curso, tais como:
Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1
(Extractos do Relatório do R.A.L. 1, elaborado pelo senhor
Major de Artilharia Dinis de Almeida)

Cerca das 11.55 horas o R. A. L. 1 é violentamente atacado de surpresa por uma força constituída por dois T-6 e um número de helicópteros (2 a 4) que não posso precisar com exactidão.

Foram usados «rockets» e granadas de helicanhão de 20 mm, além de metralha diversa de calibre inferior.

Ficaram feridos diversos militares (15), com intensidade e lesões de gravidade variável. Faleceu devido à gravidade dos ferimentos recebidos, cerca das 16.00 horas de 11 de Março de 1975, o soldado Joaquim Carvalho Luís.

O ataque ao R.A.L. 1 era esperado. Contudo não sabíamos com exactidão qual a forma, o dia, a hora, e muito menos o processamento das operações em curso... Os avisos eram repetidos, com grandes variações e extremamente desgastantes pela tensão psicológica a que éramos submetidos. Foram estudadas as posições mínimas de defesa, Carecíamos de antiaéreas e de pessoal enquadrado para as ocupar... Também assumiu particular insistência um boato de que seríamos atacados por meios aéreos pseudo-provocados por uma antiaérea colocada no exterior do quartel, manejada obviamente pelos atacantes.

A reacção ao ataque foi boa a despeito da sua intensidade. Debaixo de fogo, a companhia operacional (B. O. 88) conseguiu ocupar os três prédios fronteiriços, cuja altura (10 andares) lhes dá uma dominância total táctica sobre os arredores. Saiu ainda uma secção blindada que furou com facilidade o cerco montado pelas forças sitiantes (pára-quedistas), e se dirigiu ao Depósito Geral de Material de Guerra, colocando-o à nossa disposição.

Foram distribuídas armas à população civil ... mediante entrega ou registo da respectiva identificação...

...Das conversações efectuadas com o major Mensurado e capitão Sebastião Martins, não me ficaram quaisquer dúvidas do conhecimento de causa com que participavam no assalto. A sua desistência no ataque deve-se apenas a dois factores importantes:

  1. A resistência encontrada, e o reconhecer que as posições mais estratégicas, designadamente os três torreões de 10 andares, se encontravam já nas nossas mãos;
  2. A quebra psicológica verificada nas suas bases (sargentos e praças), ao reconhecerem que estavam a lutar contra os interesses da população.

Durante o ataque verificou-se a fuga do major Isaías Póvoas Guiné, que abandonou o seu quartel nas horas mais graves, situação que motivou a sua expulsão do R. A. L. 1.

... O auxílio da população civil foi factor decisivo durante o ataque. A importância deste factor sugeriu-me a criação de Companhias Operacionais Permanentes, profissionais, capazes de enquadrar reservistas (milícias) em alturas críticas...

... O C. I. A. C. funcionou com uma prontidão extraordinária...

Base Aérea n.º 5
Descrição da Actuação

O comandante da Base Aérea n.º 5 (Monte Real), coronel Naia Velhinho, na sequência de uma indicação que lhe é transmitida de Lisboa por via normal, coloca essa base em estado de prevenção rigorosa cerca das 11.00 horas do dia 11 de Março de 1975. Dessa situação decorreu a manutenção em alerta dos aviões a jacto F-86, armados com metralhadoras.

Pouco depois de aterrar na Base um avião Aviocar vindo de Tancos (B. A. 3), o qual transporta o ex-tenente-coronel Quintanilha, então adjunto do Chefe da 2* Repartição do E. M. F. A., e o ex-coronel Amaral, na situação de reserva. Estes vão à presença do comandante do B. A. 5 a quem, na presença dos majores pilotos aviadores Simões e Ayala, anunciam a existência de uma operação comandada superiormente pelo ex-general Spínola e, pelo C. E. M. F. A. no caso da Força Aérea, a qual pretende «repor a pureza do espírito do 25 de Abril». O ex-tenente-coroned Quintanilha revela que a operação já se terá iniciado com um ataque aéreo ao R. A. L. 1 e pede então ao coronel Velhinho que envie aviões F-86 para fazer passagens baixas de intimidação sobre o R. A. L. 1, Avenida da Liberdade e COPCON.

O comandante da base hesita, telefona para os seus superiores em Lisboa — donde não obtém esclarecimento — e, finalmente ordena a partida da primeira parelha de aviões a jacto F-86, cerca das 13.22 horas, comandada pelo major Ayala, a qual cumpre a missão que fora pedida ao coronel Velhinho, sendo alvejada no COPCON.

Entretanto o major Simões faz uma sessão de esclarecimento aos pilotos da esquadra dos jactos F-86, explicando-lhes por sua vez aquilo que ouvira no gabinete do comandante da base. Nessa sessão alguns oficiais manifestam-se abertamente desconfiados e descrentes do que lhes é dito, opondo-se a colaborar naquilo que consideram um golpe das direitas.

Não obstante, o comandante manda descolar a segunda parelha de F-86, comandada pelo capitão piloto aviador Calhau, o qual acabará por sobrevoar os mesmos pontos de Lisboa e ainda a estrada Santarém-Lisboa. A ambas as parelhas foi dada ordem de não abrir fogo.

Cerca das 14.35 o ex-tenente-coronel Quintanilha volta à base de Monte Real de helicóptero, seguido por dois aviões Aviocar transportando pára-quedistas; aí tenta garantir a neutralidade dessa base, ameaçando, inclusivamente, que os pára-quedistas a ocupariam.

Em seguida, quando alguns sargentos, alertados por camaradas de Lisboa, tentam prender o ex-tenente-coronel Quintanilha, este foge no helicóptero acompanhado pelos Aviocar com pára-quedistas que, entretanto, se tinham mantido sobrevoando a base de Monte Real. As três aeronaves regressam então a Tancos.

Base Aérea n.º 6
Descrição da Actuação
  1. — Cerca das 9.40 horas por ordem do comandante, coronel piloto aviador Moura de Carvalho são postos de alerta todos os meios aéreos, os aviões Fiat-G91, helicópteros AL III, enquanto se tomam medidas para defesa imediata da Unidade, utilizando a companhia n.º 122 de pára-quedistas comandada pelo capitão Terras Marques, que se encontrava estacionada na B. A. 6.
  2. — Às 11.15 horas a Unidade entra de prevenção rigorosa.
  3. — Cerca das 11.50 horas aproximam-se dois helicópteros AL-III, estando um armado. O héli desarmado aterra numa das ruas de acesso à placa, tendo deixado um pára-quedista ferido e cujo piloto também ferido vem a ser recuperado pelo helicanhão uns metros mais à frente.
  4. — Pelas 12.00 horas é convocada pelo comandante uma reunião de oficiais.
  5. — Às 12.20 horas descolam 5 helicópteros com destino a Tancos (B. A. 3) tendo um deles transportado o pára-quedista ferido ao Hospital da Força Aérea no Lumiar juntando-se aos outros na Chamusca.
  6. — Estes helicópteros uma vez aterrados na Base Aérea n.º 3 não têm qualquer envolvimento na acção contra-revolucionária, tendo apenas o ex-major piloto aviador Zuquete da Fonseca utilizado um deles na fuga para Espanha.
Actuação do Grupo de Ataque ao Emissor do Rádio Clube Português em Porto
Alto Descrição da Actuação

A actuação do grupo que atacou a antena do Rádio Clube Português no Porto Alto, no golpe contra-revolucionário, sintetiza-se nas seguintes acções:

  1. — A partir de 8 de Março de 1975 houve várias reuniões com a presença dos seguintes elementos civis:

O primeiro-tenente Nuno Barbieri pede aos civis a sua colaboração para a protecção ao ex-general Spínola e ao general Tavares Monteiro.

  1. — São constituídos dois grupos:

1.º Grupo:

que fazem protecção ao general Tavares Monteiro quando este faz vários contactos em Lisboa, na noite de 9 para 10 e no dia 10. Este grupo na noite de 10/11 acompanha o ex-general Spínola para Tancos.

2.º Grupo:

que fazem protecção ao general Tavares Monteiro na noite de 10/11 quando se desloca para Tancos. São acompanhados de Lisboa para Tancos pelo primeiro-tenente Nuno Barbieri, ex-major Silva Marques e coronel Durval.

  1. — Em Tancos são divididos por duas equipas para, em helicópteros, assaltarem e silenciarem o Rádio Clube Português no Porto Alto.
  2. — Fardam-se de camuflados e armados dirigem-se ao Porto Alto. Entram nas instalações o primeiro-tenente Nuno Barbieri, ex-major Silva Marques, Miguel Champalimaud, António Ribeiro da Cunha e José Maria Vilar Gomes. Os restantes elementos do grupo montam a segurança à volta das instalações, enquanto estas são sobrevoadas por um helicanhão. O ex-major Silva Marques dispara rajadas sobre os geradores e é retirada uma peça do transmissor.
  3. — Voltam no hélis para a B. A. 3 e montam a segurança à pista enquanto descolam os hélis em que fogem o ex-general Spínola e acompanhantes.
  4. — São postos no exterior da B. A. 3 por héli, pelo alferes Jorge Oliveira, pondo-se em fuga. Interceptaram uma viatura para atingirem a fronteira.
  5. — São detidos à saída de Portalegre.
Guarda Nacional Republicana
Descrição da Actuação

Tanto quanto, até agora, foi possível averiguar resulta que o aliciamento da G. N. R. terá partido do tenente-coronel Xavier de Brito, de resto uma das pessoas que, com maior antecedência, surge envolvido em reuniões com outros conspiradores.

Este oficial que até pouco depois do 28 de Setembro, prestou serviço na G. N. R., como comandante do respectivo Regimento de Cavalaria, foi quem, na manhã de 11 de Março se apoderou do comando da unidade, perante a passividade do seu comandante legítimo, major Simões Pereira. Mantinha frequentes contactos com o ex-general e foi ele, quando comandante daquele Regimento, que nomeou o tenente Gouveia de Barros para montar a segurança da residência em Massamá. O tenente Barros parece também ter tido influência determinante nos acontecimentos. O tenente-coronel contacta e leva à presença do ex-general Spínola, na manhã de 10, o major Rosa Garoupa que adere, e que por sua vez, aborda o general Damião (com larga folha de serviços prestados na G. N. R. e até há pouco seu comandante-geral) que se prontificou a «assumir» o comando da corporação. O capitão Lopes Mateus que, com a colaboração de outros oficiais e perante a passividade ainda de outros, prende o seu legítimo comandante-geral, teria sido para isso aliciado pelo tenente-coronel Xavier de Brito, com mais de uma dezena de dias de antecedência.

4. Conclusões
4.1. Generalidades

Como já foi acentuado, um dos objectivos das forças contra-revolucionárias, nacionais e internacionais, era a tomada do poder político através do golpe spinolista.

A conspiração falhou porque na prova decisiva, a da força, o Povo e o M. F. A venceram. Numa análise superficial e à distância poderá parecer que demasiado facilmente. Mas não tenhamos ilusões, se o R. A. L. 1 tivesse caído (e no Plano de Operações dos conspiradores não se contava só com 6 T-6, 8 hélis, 6 hélis-canhões e 200 pára-quedistas) o que de um ponto de vista militar «teórico» não é impossível de conceber, pode pôr-se a questão se o restante aparelho militar da conjura, mencionado em diversos processos, não teria sido desencadeado. É que se tropas pára-quedistas e alguns pilotos puderam ser enganados «a frio» será lógico pensar que outros militares e unidades poderiam com maior facilidade ter sido enganados ou aliciados numa situação real de guerra aberta e inicialmente vitoriosa.

4.2. Razões do fracasso do golpe

As razões essenciais, quanto a nós, assentaram nos seguintes erros de análise:

De todos os erros de cálculo cometidos pelas forças reaccionárias estamos porém convictos de que o erro fundamental foi o esquecerem-se que o Povo está de novo a ser sujeito activo da sua própria história, participando em massa nos grandes momentos decisivos da vida nacional, o que se comprovou pela sua pronta, decidida e muito importante actuação na defesa do processo revolucionário.

4.3. Consequências

A principal consequência do golpe contra-revolucionário foi a clarificação da situação política, desbloqueando estruturas que entravavam o Processo Revolucionário. Isto porque foram desfeitas algumas convicções sobre a possibilidade dos sectores reaccionários serem capazes de acompanhar pacificamente um caminhar para o socialismo cuja aparente lentidão foi tomada de fraqueza. Das medidas que se tomaram seguidamente podem destacar-se como mais importantes, a institucionalização do Movimento e a criação do Conselho da Revolução, as nacionalizações da Banca e dos Seguros e de outros sectores básicos da economia nacional e por último a Plataforma de Acordo com os partidos políticos.

Será contudo errado pensar-se que o processo social vai estabilizar-se como que por magia. Os inimigos da actual situação política vão aproveitar todos os seus defeitos, todos os erros que se cometerem na via política e social em curso, para influenciar os vacilantes.

Será de prever que a boicotagem do aparelho produtivo se intensifique por parte da reacção, dos sectores afectos ao capitalismo internacional e de todos os anti POVO-M.F.A. Será de prever também que sectores esquerdistas pseudo-revolucionários, procurem anarquizar as estruturas empresariais, avancem reivindicações absurdas ou provoquem desordens. Enfim, será difícil distinguir uns dos outros de tal modo os objectivos são semelhantes: voltar a criar as condições propícias ao desencadeamento de novo golpe contra-revolucionário.

4.4. Recomendações

De forma a tomarem-se medidas que correspondam ao avanço do processo revolucionário e dificultem ao máximo futuras acções contra-revolucionárias, esta Comissão recomenda:

continua>>>


Inclusão 02/04/2019