A Revolução em Ruptura
Textos Históricos da Revolução II

Organização e introdução de Orlando Neves


Costa Gomes na Embaixada de Portugal em Paris
(5-6-1975)


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Um velho princípio do Direito Internacional permite-me considerar esta Embaixada como um pedaço da minha Pátria. Esta figura jurídica do mundo diplomático invoca em mim um maior desejo de, muito lusitanamente, ser sentimental quando vos confessar a admiração e estima que o povo português sente pela França e ser pragmático quando declarar a linha dos interesses que, em reciprocidade mútua, desejamos salvaguardar.

É hoje difícil encontrar em Portugal uma simples aldeia ou uma família humilde de operários ou camponeses que não refiram com simpatia a presença em França de alguns dos seus membros. Ao estudante português é sempre grato conhecer bem o que o espírito francês avançou na matéria da sua preferência. Nenhum intelectual, artista, cientista, político, militar, economista ou poeta perde a oportunidade de conhecer as obras dos seus colegas franceses. Creio serem estas as maiores homenagens que os operários, camponeses e intelectuais portugueses poderiam prestai ao povo francês, à superior consciência colectiva que se chama França.

Deste carinho instintivo e subconsciente, desta adesão sentimental e intelectual do povo português em relação à França, fluem-se responsabilidades recíprocas, vinculações fraternas que impõem direitos e deveres que os dois povos terão de saldar nos momentos oportunos.

Foi, pois, em natural exercício dessa vinculação fraterna que coloquei sincera e abertamente a V. Ex.ª, como representante maior da França, as dificuldades e esperanças do povo português.

A limitação de tempo e o momento não permitiriam resumir aqui todas as coordenadas dos problemas portugueses em que a França tem intervenção possível e desejável. A reconversão económica a que procedemos em Portugal está a agravar uma crise que levará seu tempo até atingir uma nova situação de equilíbrio, mais são e mais fecundo. O Mercado Comum, G.A.T.T. e E.F.T.A. são parceiros fundamentais do nosso jogo económico. É legítimo esperar estudo e compreensão no sentido de nos permitirem minimizar a crise em curso. Conhece V. Ex.ª as negociações relativas a importações e exportações nossas, as formas alargadas de apoio técnico e financeiro, industrial e agrícola, que bilateral e multi- lateralmente temos proposto. Pois a França, V. Ex.ª e o seu Governo têm força e prestígio para influenciar a resposta digna a problemas concretos que se colocarão em relação a Portugal. Não necessito sugestionar a opinião de países europeus citando verdades que bem conhecem.

O equilíbrio da economia portuguesa é vital para a solução democrática no socialismo humanizante e pluralista que Portugal deseja construir.

Acreditamos que a estabilização de uma política portuguesa, independente e com vocação mundial, seja significativa no equilíbrio do sistema de forças da Europa no Mundo. No xadrez como em política nem sempre são as grandes peças que decidem o final das partidas. A França tem um papel amigo a desempenhar no apoio à estabilização da política portuguesa. Para terminar, recordaria simbolicamente que falo em nome de Portugal, dos seus trabalhadores e da sua juventude. Sinto-me assim mais à vontade para em nome do povo português agradecer ao Presidente da República da França a decidida compreensão que tem manifestado em relação aos problemas portugueses discutidos em comum. Sinto-me mais à vontade para em nome das mulheres de Portugal agradecer o encontro da companhia desta reunião de senhoras francesas tão ilustres como as presentes. Aos senhores ministros da França e aos seus colaboradores, senhor presidente, desejo transmitir a grata impressão recolhida não só da compreensão por Portugal mas ainda da craveira intelectual e dos profundos conhecimentos demonstrados. Levanto a minha taça em honra da França e de V. Ex.ª, das senhoras e senhores aqui presentes. Bem hajam!

continua>>>
Inclusão 30/04/2019