Importância Política das Eleições Municipais

Miguel Alves

Outubro de 1947


Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, nº 3, outubro 1947.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Quando se iniciava o processo de democratização do Brasil, em 1945 o justo seria que se realizassem, antes, as eleições municipais, iniciando-se a construção do edifício democrático pelo alicerce, isto é, pelo Município, historicamente a base política e administrativa da nação.

Mas os grupos políticos predominantes no Governo de Vargas trataram de inverter o processo democrático, começando a marcha das eleições de cima para baixo. Assim é que os pleitos federal e estaduais puderam, então, realizar-se ainda com os poderes municipais nas mãos das camarilhas de senhores de terra. Com isso, aqueles grupos visavam: impedir que as forças democráticas ganhassem posições nos municípios e prejudicassem suas "máquinas eleitorais"; conservar os poderes municipais (prefeituras, delegacias, etc.) como instrumentos para as manobras políticas das oligarquias estaduais ligadas ao Governo Federal contra as outras oligarquias ligadas às chamadas correntes de oposição; e, finalmente, consolidar as suas posições nos governos federal e estaduais para daí poderem intervir melhor nas eleições municipais.

Os setores das classes dominantes mais influentes no Governo de Vargas compreenderam que as eleições municipais, realizadas naquele período de vigorosa ascensão das forças democráticas poriam em cheque o poder local das oligarquias de senhores de terra em muitos municípios importantes. Sem dúvida alguma, alarmaram-se ante a possibilidade de que os setores populares, com os comunistas à frente, ganhassem posições dentro do próprio covil da reação, se firmassem nas Câmaras Municipais e em algumas Prefeituras, de onde poderiam desmascarar de perto, e com real vantagem, a política reacionária dos latifundiários e solapar sua força tradicional, impedindo ou entravando o funcionamento das "máquinas eleitorais" e influindo diretamente na libertação do "eleitorado de cabresto", ou seja, educando politicamente as massas camponesas.

I - O Papel Reacionário das Oligarquias Municipais

Compreende-se, portanto, como foi possível aos grandes senhores rurais conservar em suas mãos e nas dos seus aliados os agentes do imperialismo e os banqueiros ligados ao latifúndio, o Governo do país, mesmo numa época de grandes vitórias democráticas e enfrentando um poderoso Partido Comunista legal que vinha dirigindo, com acerto, a luta política nacional.

A experiência de toda a história política nacional revela o papel das oligarquias municipais como ponto de apoio dos círculos mais reacionários. Isto foi mais uma vez confirmado nos dois últimos pleitos eleitorais. As forças democráticas saíram vitoriosas ou, pelo menos, obtiveram êxitos substanciais, nas cidades e nos centros onde era menor o poder da "máquina eleitoral" dos senhores de terra, ou mesmo onde era impossível o seu funcionamento, porém foram derrotadas na maioria dos municípios do interior, onde predomina a grande propriedade com as suas relações semifeudais e onde a Constituição e a lei eleitoral têm um valor relativo diante da onipotência dos chefes políticos locais, donos da Prefeitura, da Polícia e da Justiça municipais.

Analisando os resultados das eleições de 2 de Dezembro, dizia o camarada Prestes:

"Como já era de esperar, o pleito serviu para confirmar a nossa fraqueza no interior do país, e o quanto precisamos ainda fazer no terreno de nossas ligações com as grandes massas camponesas. A democracia é sem dúvida impossível em nossa terra, enquanto não forem dados golpes decisivos no regime latifundiário semi-feudal, no monopólio da terra, base econômica da reação e do fascismo, mas, por sua vez, é indispensável aumentar desde já nossas ligações com o campo para que possa começar a transformar-se em realidade, pelos meios pacíficos e parlamentares, a reforma agrária tão necessária ao progresso do país". (O PCB na luta pela Paz e pela Democracia — pg. 38).

E, referindo-se à necessidade de uma Constituição democrática e progressista, acrescentava:

"Mas é claro que, para que a letra da lei tenha algum valor, é também indispensável liquidar a base econômica da reação e do fascismo, acabar com o monopólio da terra, obstáculo máximo ao desenvolvimento da economia nacional, à penetração do capitalismo na agricultura. Não pode haver democracia e liberdade no Brasil enquanto não se penetre a fundo no problema da terra, enquanto não se acabe com o poderio econômico de fazendeiros e usineiros, dos "coronéis" e grandes caciques das velhas oligarquias locais e regionais". (O PCB na luta pela Paz e pela Democracia — pg. 53).

Com as relações semifeudais que estabelece na produção, o monopólio da terra é a própria negação da democracia capitalista, tanto no campo econômico como no político. No campo econômico, não foi, possível ainda a penetração do capitalismo na grande maioria das fazendas, de norte a sul do país. A "liberdade de trabalho", isto é, o direito do homem vender a sua força-trabalho em troca de um salário, raramente existe; o que predomina é uma servidão de tipo feudal, na qual o camponês paga o arrendamento com parte da produção ("meia", "terça", etc. e trabalhando alguns dias gratuitamente para o senhor ("diária", espécie da corveia medieval), sem nunca ter garantida a posse da terra. Mesmo quando o pagamento não é em espécie, o camponês, quase não vê o salário, porque o "barracão" o absorve, e geralmente ele ainda fica preso por dívidas à fazenda. A "liberdade de comércio", isto é, o direito de vender livremente a sua produção no mercado, também quase não existe; o camponês, quando produz além do que come e da parte que entrega ao senhor, é geralmente obrigado a vender-lhe o restante da produção, pelo preço que o mesmo fixar. Todas estas relações econômicas semifeudais resultam, no terreno social e político, em relação de dependência da grande massa camponesa para com a pequena minoria dos senhores de terra. Melhor do que nós, esta carta de um camponês do município de Caiçara, na Paraíba, descreve em palavras simples e profundamente verdadeiras, a situação social dos 30 milhões de brasileiros que vivem no campo.

"A situação aqui é a mais precária possível. Moramo; nesta propriedade pagando um direito assim toda semana, dando um dia de trabalho de graça aos proprietários, que chamamos de diária do trabalhador. Eles pagam Cr$ 6,00 por dia.. "O boi do proprietário estraga a lavoura nossa, a Prefeitura não faz justiça, porque o senhor Prefeito não vai ser contra o seu amigo fazendeiro para fazer justiça por um agricultor"... "Sr. diretor: este norte precisa de uma lei. Observei bem o quanto é grande a ignorância atrasada daqui. A terra está no domínio da UDN, que não se interessa pela classe trabalha dora. Aqui nós votamos pelo partido de acordo com o proprietário" (A Classe Operária, 2-VIII-47).

A servidão econômica engendra, portanto, inevitavelmente, a servidão política.

As liberdades de pensamento, de palavra, de reunião, de organização e de imprensa não existem na enorme extensão do interior brasileiro ocupada pelas plantações, usinas ou fazendas de gado. A Lei Eleitoral e toda a Constituição são amplamente desrespeitados, com a complacência dos Juízes, Delegados e Prefeitos, ou por eles próprios que, na grande maioria, não passam de prolongamentos dessa entidade todo-poderosa que é o "chefe político", ou seja, o latifundiário. São os senhores de terra, as oligarquias municipais, que conseguem depor e nomear Prefeitos, Delegados e Juízes, usando para tanto sua força eleitoral que se baseia na submissão das massas camponesas analfabetas, desorganizadas e sem qualquer consciência política. Por outro lado, utilizam esses mesmos agentes do Governo e da Justiça para garantir e ampliar os seus privilégios econômicos e políticos, para reprimir qualquer protesto dos camponeses contra a servidão em que vivem. Tendo nas mãos o poder do Município é que os senhores de terra conseguem facilmente fraudar a lei e montar as "máquinas eleitorais", ou seja, exercer pressão sobre o eleitorado através dos cargos públicos, ora perseguindo os adversários, ora distribuindo favores e gastando verbas habilmente escamoteadas dos orçamentos municipais, comprando votos e até mesmo subornando funcionários e eleitores.

A realidade comprova, portanto a afirmação de Prestes sobre a impossibilidade de um verdadeiro regime democrático no Brasil enquanto permanecer quase intacto o poder das oligarquias municipais fundamentadas no monopólio da terra.

II - Obstáculos ao Progresso Nacional

Para muita gente foi uma surpreso a onda de reação desencadeada pelo grupo fascista do Governo a partir de Maio de 1947. Deixando-se levar pelas aparências, estas pessoas pensaram que a democracia já estava firmemente consolidada e que os setores reacionários e fascistas não ofereciam mais qualquer perigo.

Realmente, a democracia no Brasil, como em todo o mundo, efetuou grandes progressos depois da derrota militar do fascismo. Mas isso não autorizava ninguém a ter ilusões sobre a ameaça ainda representada pelos grupos mais reacionários enquistados no Governo e na maioria das correntes políticas nacionais. Se é verdade que as forças democráticas, com os comunistas à frente, conseguiram infligir sérias derrotas no terreno político aos setores mais reacionários, verdade é também que não conseguiram dar um golpe sério nas bases econômicas e políticas da reação e do fascismo, representadas pelo latifúndio e pela exploração imperialista. A permanência desses pilares, que quase intactos, sustentam os setores sociais mais reacionários, impossibilitou um avanço mais profundo da democracia e a sua consolidação em nosso país. Era o que assinalava Prestes, em Dezembro de 1946, quando dizia:

"Enfim, é já evidente que se reagrupam e se organizam as forças do fascismo em nossa terra. Isto se dá em consequência do próprio avanço da democracia, da combatividade crescente das grandes massas que se mostram cada dia mais esclarecidas e organizadas, sem que tenhamos até agora conseguido realmente golpear fundo a base econômica da reação, nem deslocar do poder os restos do fascismo e os agentes mais descarados do imperialismo". (Em marcha para um Partido Comunista de Massa — pág. 25).

E, no mesmo informe ao Pleno do CN do PCB, ao referir-se às conquistes democráticas, acentuava:

"Convém notar, no entanto, que esse avanço democrático se vem dando em nossa terra sem que consigamos até agora liquidar a base econômica do fascismo, como são a grande propriedade latifundiária e o predomínio do capital estrangeiro em nossa economia. E isto constitui ameaça constante à democracia” (Em marcha para um Partido Comunista de Massa — pág. 25).

O monopólio da terra e a exploração imperialista constituem as duas faces da economia semi-feudal e semi-colonial a que vive ainda submetido o Brasil. Ambos estão profundamente entrelaçados por interesses comuns, mas é o latifúndio, com o seu sistema de relações semi-feudais de produção, impedindo a elevação do nível de vida e do poder aquisitivo das grandes massas, entravando a ampliação do mercado interno e o desenvolvimento da nossa indústria, aferrando-se à mono- cultura de matérias primas e gêneros exportáveis, que representa, em última análise, a base sobre a qual se apoia a penetração imperialista. Ferido de morte o latifúndio, já não será tarefa tão difícil cortar os tentáculos que nos envolvem do seu irmão siamês, o imperialismo.

Sabemos que a liquidação do latifúndio só poderá ser feita através da reforma agrária, que vem sendo preconizada pelos comunistas apoiada por certas forças democráticas desde os primeiros anos de vida do PCB, durante as jornadas da Aliança Nacional Libertadora e que, atualmente, é um dos pontos básicos do programa econômico-financeiro apresentado ao povo e ao governo, em várias ocasiões, pelos comunistas através da palavra de Luiz Carlos Prestes. Trata-se, portanto, da única solução justa para o problema do latifúndio, e que só poderá ser alcançada no campo da luta política.

São enormes as dificuldades que têm sido opostas à reforma agrária, todas as vezes que esta é levantada. Anteriormente, ela constituía um verdadeiro tabu, sendo considerada uma fórmula comunista, apenas porque os comunistas, como os patriotas mais conscientes e combativos, eram quase os únicos que mais a defendiam. Depois, tornando-se impossível esconder a necessidade da reforma agrária, em vista da situação de miséria como de "atraso progressivo" a que o latifúndio tem reduzido o nosso país e da luta enérgica e persistente dos comunistas, outros elementos democráticos passaram a defendê-la e alguns reacionários a usá-la como bandeira demagógica. Mas a oposição sistemática, obstinada e por vezes furiosa da maioria dos círculos políticos e parlamentares das classes dominantes tem impedido, até agora, qualquer passo efetivo nesse sentido. Quando em elaboração a Carta Magna de 1946, a maioria reacionária rechaçou as emendas da bancada comunista que estabeleciam uma ampla base constitucional pera a reforma agrária. Entretanto, a maioria reacionária não pôde evitar que na própria Constituição (arts. 147 e 156) fosse aberto o caminho que possibilita dar alguns passos contra o atual sistema da propriedade da terra. Mesmo o projeto do deputado udenista Nestor Duarte, de sentido reacionário e demagógico, ficou no papel, e igual fim teve a vaga sugestão, não menos demagógica, da mensagem do general Dutra ao Congresso Nacional.

Para compreendermos a razão dessa defesa tenaz do latifúndio na maioria do Senado, da Câmara, das Assembleias Estaduais e dos órgãos do Poder Executivo, precisamos de analisar a composição social, pu seja, a origem de classe, da maioria predominante nos Poderes do Estado em nosso país. A título de exemplo, vejamos a Assembleia Legislativa da Bahia, uma das grandes unidades da federação: dos seus 60 deputados, excluídos os 2 comunistas, 48 são ou grandes fazendeiros, ou advogados e associados diretos dos grandes fazendeiros, restando apenas 10 representantes de setores urbanos, intelectuais pequeno-burgueses e funcionários. Mais ou menos a mesma proporção, observa-se em todos os demais órgãos do Poder Legislativo, ou entre os altos dignatários da burocracia federal ou estadual. Quanto ao Congresso Nacional, quem corrobora esta nossa conclusão é o próprio deputado federal Aliomar Baleeiro, secretário geral da UDN, ao afirmar:

"Representantes de uma elite saída das classes beneficiárias pela situação atual, se se fizer um inquérito a respeito da composição social e profissional desta Assembleia, verificaremos que todos nós ou pelo menos nossos parentes, saímos das classes agrárias, que se têm libertado sempre do pagamento de impostos, que então passam a recair sempre direto- mente sobre o proletariado".

Além dos representantes diretos do latifúndio, vamos encontrar nos Poderes de Estado, como seus aliados, os agentes das grandes empresas imperialistas, das firmas exportadoras ligadas ao imperialismo e dos bancos financiadores da grande lavoura. Em questões fundamentais, como a reforma agrária, que visem modificar profundamente o sistema econômico atrasado do país, a posição desses serviçais do capital colonizador estrangeiro é igual à dos defensores diretos do monopólio da terra, a tal ponto que se torna difícil distingui-los uns dos outros, e isto se dá porque os seus interesses estão profundamente ligados.

III - Perspectivas para a Vitória do Povo

A força política desses setores reacionários, que se opõem desesperadamente a qualquer medida visando o progresso nacional, baseia-se, portanto, nas oligarquias municipais de senhores de terra. Enquanto estas não forem golpeadas e enfraquecidas, a liquidação das bases econômicas da reação e do fascismo não poderá ser efetivamente levada a cabo. Daí a grande importância das eleições municipais que estão sendo realizadas em todos os Estados.

Para compreendermos o seu alcance, basta considerarmos, por exemplo, que, com a eleição da maioria dos Prefeitos, as oligarquias estaduais perderão uma das suas bases principais de manobra, que consistia na "distribuição" de Prefeituras entre os vários grupos políticos, acomodando assim os interesses de algumas oligarquias municipais e assegurando-se um apoio mais ou menos sólido para dominar o aparelho do Estado.

Mas, é ainda maior a significação política das atuais eleições municipais. As classes dominantes que inverteram deliberadamente o processo de democratização do país, deixando-as para o fim, conseguiram apenas adiar a ameaça que se levanta contra o poder das oligarquias latifundiárias, contra a ignomínia das "máquinas eleitorais" que sustentam a política da reação e dos círculos fascistas. Se em 1945, diante da eclosão das forças democráticas e populares, lideradas pelo Partido Comunista, as eleições municipais já constituíam um sério golpe às bases da reação, em 1947, com a ampliação e o fortalecimento constante das lutas democráticas, elas constituem um golpe muito maior. O pleito que agora se fere nos municípios é um passo à frente no caminho da unidade democrática e da luta do nosso povo pelo progresso nacional.

Pode haver alguém que estranhe essa afirmativa, alegando que nas eleições municipais o grupo fascista enquistado no Governo tentará impedir, por todos os meios, a vitória popular. Mas, mesmo assim, as perspectivas de grandes vitórias estão abertas às forças democráticas.

Uma rápida análise da situação política atual torna claro que não há razão para pessimismo, pois a democracia continua a obter êxitos, apesar das tentativas do grupo fascista para manter a atual situação de arbítrio e de ilegalidade. Se há prenúncios de derrota no horizonte político nacional não são absolutamente de uma derrota da democracia, mas sim do grupo fascista.

Inegavelmente, a democracia sofreu reveses temporários: o fechamento do Partido Comunista, da União da Juventude e da Confederação dos Trabalhadores do Brasil; as intervenções nos sindicatos; o estado de sítio virtual em que vivemos; o desrespeito às liberdades públicas e a violação da Constituição. Mas seria um erro olhar-se apenas para esse lado da situação, para os arrancos de desespero do grupo fascista e os reveses temporários da democracia. Deve-se olhar também para o outro lado da realidade, para a marcha persistente das forças democráticas e, em consequência, os reveses constantes do grupo fascista. A verdade é que o grupo fascista tem sido batido em vários combates: não conseguiu até agora cassar os mandatos dos deputados comunistas, sendo derrotado no Tribunal Eleitoral não só no caso do requerimento dos "5 sábios" do Partido Social Democrático, como no caso dos eleitos pela legenda do Partido Social Progressista de São Paulo; fracassou na planejada intervenção em Pernambuco; desmascarou-se seriamente com o projeto da "lei de segurança" e com o atentado criminoso do comício da Esplanada e, hoje, seus intentos encontram crescente oposição da opinião pública e da imprensa democrática .

A realidade, portanto, nos mostra que se restringe cada vez mais a base política do grupo fascista predominante no Governo, cujos atos de terrorismo e de sentido fascista quase ninguém ousa mais defender; ao tempo em que se amplia e fortalece as lutas democráticas, tendo à frente os comunistas.

Isto se deve, entre outros fatores, aos seguintes:

  1. crescimento da consciência democrática do nosso povo durante a guerra contra o fascismo e principalmente nas lutas políticas dos dois últimos anos, tendo como consequência a ampliação e o reforçamento dos movimentos de massa pela democracia e por uma solução econômica, de caráter progressista;
  2. agravamento da situação econômica do país, cujos efeitos desastrosos atingem agora não apenas as massas trabalhadoras e populares, mas a própria burguesia industrial e comercial e mesmo a grandes fazendeiros, vítimas ainda, em certa parte, da estúpida política financeira do Governo;
  3. despertar do sentimento anti-imperialista dentro das amplas camadas populares e mesmo em setores da burguesia nacional, devido à ofensiva cada vez mais cínica do imperialismo norte-americano, não apenas contra a nossa indústria leve, mas já agora no sentido de apoderar-se de nossas riquezas básicas, o ferro e o petróleo;
  4. justa linha política dos comunistas brasileiros e ao seu grande desenvolvimento em quantidade, organização e capacidade política, pois, ao invés de se acharem isolados e acuados como pretendia o grupo fascista do Governo, continuam na vanguarda da luta por uma ampla união de todas as forças políticas, visando a solução dos graves problemas econômicos do país e o respeito à Constituição, posição essa que além de contar com o apoio das massas populares está ganhando terreno no seio das demais correntes políticas, entre homens de todos os partidos.

São esses fatores dominantes na situação política nacional que justificam a nossa confiança na marcha da democracia e nos abrem perspectivas para a vitória popular nas eleições municipais.

Não é por caso que se notam sinais evidentes de nervosismo, e até de desespero, em alguns setores reacionários mais empedernidos. Sendo impossível impedir os comunistas de participarem do pleito, entram em pânico com as perspectivas de vitórias democráticas ainda maiores que em 2 de Dezembro e 19 de Janeiro: haja visto que, em grande número de municípios, os diretórios locais do próprio Partido Social Democrático, da União Democrática Nacional, do Partido Trabalhista, do Partido Libertador, etc., já estão concluindo alianças com os comunistas. Não dispondo no momento, devido ao ato ilegal e arbitrário do Tribunal Eleitoral de legenda própria, os comunistas com tais alianças poderão ser eleitos Prefeitos ou Vereadores nas legendas dos diferentes partidos políticos nacionais.

A importância das eleições municipais foi, enfim, magistralmente sintetizada pelo camarada Prestes:

"Do sucesso das próximas eleições vai depender, em grande parte, a consolidação da democracia no país e a destruição necessária da base política das velhas oligarquias locais e regionais que sustentam a reação e sua política a favor do capital estrangeiro e dos grandes proprietários e banqueiros nacionais. A vitória popular em cada município será mais um golpe no arcabouço reacionário e retrógrado das oligarquias semifeudais, locais ou regionais, base política da reação no país, criará como que condições novas para o início de um novo impulso na luta pelo progresso e a democracia. Conseguir essa vitória popular é a nossa tarefa atual, lutar por ela agora é o dever de todos os comunistas, é uma das maneiras práticas de lutar pela legalidade de nosso Partido" (Participemos ativamente das eleições municipais — "Problemas", n. 2 de Setembro).

IV — Uma Política Municipal de Unidade Democrática

O camarada Prestes expôs, em nome de todos os comunistas brasileiros os princípios gerais da tática de unidade democrática, cuja aplicação pelos comunistas na atual campanha eleitoral, como nas eleições passadas, resultará em vitória do povo.

As alianças ou acordos eleitorais nos municípios devem ser realizados, seja em torno de candidatos comunistas, ali onde tivermos mais força, seja em torno de candidatos "que contarem com maior apoio popular" ali onde não pudermos ter candidato próprio a Prefeito, mas sempre que possível procurando obter o registro de nossos candidatos a vereadores. A necessidade de tais acordos, "que devem ser alcançados na base do programa mínimo ou de algumas das suas reivindicações principais", baseia-se, entre outras, nas seguintes razões: conseguir o entendimento de algumas forças políticas contra o grupo mais reacionário, sobre a base de um compromisso em torno de alguns problemas do povo; impedir o isolamento dos comunistas que devem procurar a unidade com outras forças e tratando de isolar o grupo mais reacionário em cada município.

Referindo-se à necessidade dessas alianças, o camarada Prestes diz que

"as eleições municipais, pelo próprio interesse que despertam entre as mais amplas massas, obrigando homens e partidos a se definirem sobre questões concretas e objetivas, muito concorrerão, apreciadas em seu conjunto, para esclarecer e definir posições políticas, constituirão como que um fermento a precipitar a polarização de forças e hão de servir para acelerar em todo o país o grande processo de união nacional" (artigo citado).

No plano municipal, essa polarização de forças deverá ser aprofundada pela nossa participação nas alianças com outras correntes políticas, desde que os comunistas saibam ver acertadamente aquelas correntes políticas com as quais devemos nos aliar em cada circunstância. A tática eleitoral de unidade exige, como acentua o camarada Prestes, uma grande flexibilidade e sensibilidade política, a fim de que os comunistas possam analisar corretamente as condições de cada município. E é preciso compreender que

"As condições variarão de município a município, mas devemos estar prontos para entrar em entendimento com todos, sem nenhum sectarismo ou qualquer ideia preconcebida, buscando sempre, antes e acima de tudo, ver de que lado estão os interesses da democracia e da classe operária e, nos casos de dúvida, solicitando a opinião dos companheiros mais responsáveis da capital do Estado" (artigo citado).

E, adiante, o camarada Prestes acentua:

"É claro que nesses entendimentos devemos ser tão realistas quanto os políticos da classe dominante e não esquecer jamais que entre aqueles partidos não há diferenças fundamentais, sendo todos organizações heterogêneas cuja composição varia de município a município e que devem por isso ser por nós apreciadas objetivamente em cada município pelo que realmente valham e não pelo título mais ou menos democrático que usem ou pela atitude de seus dirigentes na política nacional ou estadual. Só teremos sucesso na medida em que soubermos fazer em cada município uma política municipal realista e objetiva" (artigo citado).

Tal é a nossa tática eleitoral para as eleições municipais.

Isto quer dizer que, em um determinado município, podemos nos aliar com o Partido Social Democrático, noutro com a União Democrática Nacional, noutro com o Partido Trabalhista e assim por diante, desde que aqui ou ali cada um desses partidos ofereça melhores condições para a vitória popular e tenha um caráter menos reacionário. Fazer uma política municipal realista e objetiva significa que não devemos confundir, por exemplo, um diretório municipal do PSD com alguns reacionários do diretório nacional do PSD; não devemos olhar para qualquer candidato da UDN a Prefeito como olhamos para o reacionário Juraci Magalhães; não devemos considerar os partidos ditos democráticos como um bloco, mas como são na realidade, ou seja, um aglomerado de grupos, chefes e interesses diferentes, contraditórios e muitas vezes opostos.

A vida política do país, sobretudo nestes dois últimos anos, tem demonstrado que os partidos políticos chamados democráticos não possuem qualquer unidade, apesar de se intitularem "partidos de caráter nacional". Mostrando esse caráter heterogêneo dos partidos das classes dominantes, nos quais existem desde fascistas declarados até democratas sinceros, dizia Prestes em Dezembro de 1946:

"Mas dentro de cada Partido, com a agravação da crise, aumentam as contradições de classe entre os elementos da pequena-burguesia, por exemplo, mais pobres e radicais, e os grandes proprietários feudais, grandes comerciantes e industriais ligados aos banqueiros estrangeiros. Crescem mesmo, e de maneira visível, as contradições entre os elementos progressistas da burguesia nacional e aqueles mais reacionários das classes dominantes que lutam pela conservação do "statu quo" de opressão, de miséria e de ignorância". (Em marcha para um Partido Comunista de Massa — pág. 23).

Que essas contradições existem o comprovam diariamente os acontecimentos políticos. Aí estão, por exemplo, as divisões e “subdivisões dos partidos, as "coligações" sem princípios, a "dança das letras", como bem as caracterizou Prestes.

Nas eleições de 19 de Janeiro, de um modo geral, os comunistas souberam aplicar nos Estados esse ensinamento de Prestes, e o resultado foi a vitória da democracia, o fortalecimento da união nacional, a derrota de algumas oligarquias estaduais reacionárias e o desmascaramento do anticomunismo sistemático. Nas atuais eleições municipais, aumentam as possibilidades para o melhor aproveitamento das contradições existentes em cada partido político. Não só em vista da situação política do país, que torna mais profunda a polarização de forças, facilitando o entendimento entre correntes democráticas e o isolamento da reação, como também devido ao caráter local do pleito, que delimita melhor os interesses de cada força política, levando-a ao mesmo tempo a enfrentar os problemas locais.

Por outro lado, as eleições municipais podem exigir que, em certos municípios, tenhamos de nos aliar mesmo à corrente deste ou daquele fazendeiro, caso seja necessário derrotar um ou outro grupo de fazendeiros mais reacionários. Numa luta difícil e encarniçada como a que travam as forças democráticas contra as bases políticas da reação e do fascismo, seria ridículo, como dizia Lenin

"renunciar de antemão a qualquer manobra, a qualquer utilização (ainda que não seja senão temporária) do antagonismo de interesses existente entre os inimigos, aos acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que sejam provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais)" (A doença infantil do "esquerdismo" no comunismo — Edições em línguas estrangeiras — Moscou, 1941 — pág. 54).

Em alguns municípios, portanto, devemos estar prontos a estender a mão aos inimigos da véspera, aos que foram nossos adversários nas eleições anteriores, desde que dessa aliança ou desse simples acordo possam resultar proveitos para as massas do município.

O fundamental é que esses acordos ou alianças sejam realizados às claras, diante das massas, baseados em alguns pontos comuns sobre os quais concordem os aliados. Os comunistas não fazem cambalachos, mas estendem a mão a todas as forças que queiram dar conosco ao menos um passo no caminho da democracia.

V - Organizar o Povo na Luta Eleitoral

A realização dessa política de alianças eleitorais resultará na eleição de grande número de Prefeitos e Vereadores democratas, inclusive comunistas, o que tem uma importância considerável para a consolidação da democracia em nossa terra.

Por um lado, a eleição de autoridades realmente representativas do povo, eleitas à base de compromissos públicos para a solução dos problemas municipais, será um golpe decisivo na tradição dos conchavos das camarilhas de latifundiários, na "política de campanário" desligada do povo e girando em torno de interesses pessoais. Será ainda um grande fator de desagregação de força política dos senhores de terra, de moralização do exercício dos cargos públicos, de liquidação das "máquinas eleitorais" e do suborno de eleitores. Por outro lado, as massas camponesas poderão, pela primeira vez, entrar em contacto com algumas autoridades que não serão agentes dos fazendeiros que as oprimem, e isto dará um grande impulso à educação política e à luta dos camponeses por suas reivindicações. As massas camponesas terão oportunidade de conhecer Prefeitos e Vereadores que não tratarão apenas de cobrar os impostos, que não irão ameaçá-los com a cadeia ou tomar as suas roças, mas, pelo contrário, procurarão conseguir a diminuição dos tributos sobre a pequena produção, lutarão para proteger os camponeses contra as tradicionais perseguições dos senhores de terras.

No entanto, as eleições de Prefeitos e Vereadores democratas representam somente os primeiros passos para a penetração da democracia na vida municipal. Recordemos a advertência do camarada Prestes na reunião do Comité Nacional do PCB, em Fevereiro deste ano, quando estudava os resultados das eleições de 19 de Janeiro:

"O voto pode levar as forças democráticas ao poder, mas apenas o voto não pode mantê-las no poder".

Isto quer dizer que a eleição dos candidatos populares é muito importante e devemos nos lançar de corpo e alma nessa tarefa de levá-los aos postos do Governo municipal. Mas não podemos esquecer que a tarefa fundamental, da qual depende não só a eleição dos representantes do povo, mas também a execução do seu programa do Governo, continua a ser a organização das grandes massas.

A presente campanha eleitoral deve resultar na educação política e na organização das massas populares, sobretudo do proletariado e dos camponeses, num grau muito maior do que foi obtido nas eleições federal e estaduais. Para isso, basta que nós, comunistas, saibamos aproveitar as novas condições favoráveis, hoje existentes. A nossa tarefa fundamental, portanto, é, como explica o camarada Prestes:

"utilizar o interesse popular pela eleição das autoridades municipais para ligar-se cada vez mais ao povo, conhecer seus interesses e suas reivindicações e, o quanto antes, formular em cada município um programa mínimo municipal concreto e objetivo, em torno do qual se possam efetivamente congregar as mais amplas camadas sociais, especialmente as grandes massas trabalhadoras de operários e camponeses" (artigo citado)

Na luta pelo cumprimento do programa mínimo municipal, durante a campanha eleitoral e depois dela, os comunistas deverão ajudar a criação e o desenvolvimento de organizações de massas, sobretudo sindicatos e uniões de operários das cidades e de trabalhadores agrícolas e associações de camponeses.

Sem querer impôr qualquer forma rígida de organização, compreendendo que certos nomes e tipos de organizações são adiantadas demais para a mentalidade e o nível político das populações do interior, devemos organizar de qualquer modo, sob qualquer nome, em qualquer oportunidade.

O que importa é organizar, porque somente apoiando-se num amplo e sólido trabalho de esclarecimento e organização das massas é que as forças democráticas poderão derrotar as oligarquias municipais mais reacionárias e consolidar a vitória popular. E assim, com tais êxitos no caminho da democracia, poderemos conquistar importantes reivindicações para as massas camponesas, assestando vivos golpes no monopólio da terra, criando, sem dúvida, condições para a reforma agrária.


O Monopólio da Terra

"É o monopólio da terra que gera as oligarquias estaduais e municipais, que anula na prática a democracia e a própria autonomia municipal. Vivemos, os do povo, sob o predomínio dos coronéis, chefes e chefetes, senhores de baraço e de cutelo."

Prestes

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Inclusão 15/09/2015