Red Papers 5

Libertação Nacional e Revolução Proletária nos Estados Unidos

União Revolucionária (EUA)


A Nação Negra: uma Nação de Novo Tipo


Ao responder a este argumento, examinemos os trechos mais frequentemente citados dos escritos de Estaline em seu apoio:

Uma nação é uma comunidade estável de pessoas, historicamente constituída, formada com base numa língua comum, um território comum, uma vida económica comum e uma formação psicológica manifestada numa cultura comum (Destaque do próprio Estaline.)... É desnecessário dizer que uma nação, como qualquer outro fenómeno histórico, está sujeita à lei da mudança, tem a sua história, o seu início e o seu fim... Uma nação não é apenas uma categoria histórica, mas uma categoria histórica pertencente a uma época determinada, a época do capitalismo ascendente. (Estaline, ibid., pp. 307, 313.)

Deve também ser evidente que o desenvolvimento de uma nação oprimida está condenado ao atraso e a ser deformado; que, especificamente, a classe capitalista e as relações capitalistas de produção dentro dessa nação oprimida estão limitadas no seu desenvolvimento.

Mas será que o Marxismo de Estaline e a Questão Nacional são a última palavra sobre o desenvolvimento desta questão? Não são segundo o próprio Estaline. Em Os Fundamentos do Leninismo (Abril de 1924), Estaline enfatiza as mudanças fundamentais provocadas na questão nacional pela Primeira Guerra Mundial, pela Revolução de Outubro na Rússia e pela vaga de movimentos de libertação nacional que varreu os países coloniais na sequência da Guerra e da Revolução Russa:

Durante as duas últimas décadas, a questão nacional sofreu um conjunto de mudanças muito importantes. A questão nacional no período da Segunda Internacional e a questão nacional no período do Leninismo estão longe de ser a mesma coisa... Anteriormente, a questão nacional confinava-se geralmente a um círculo restrito de questões, concernentes principalmente às nacionalidades 'civilizadas'... (através da vitória da Revolução de Outubro e da influência do Leninismo) a questão nacional foi assim transformada de um problema particular e interno dos Estados num problema geral e internacional, num problema mundial de emancipação dos povos oprimidos nos países dependentes e colónias do jugo do imperialismo. (Estaline, Fundamentos do Leninismo, p. 71, "A Questão Nacional.")

Dado que a grande maioria das populações dos países dependentes e colónias era composta por camponeses, Estaline também insistia, mais do que nunca, que "na essência, a questão nacional é uma questão camponesa." (Estaline, "Sobre a Questão Nacional na Jugoslávia", Vol. 7, p. 72.)

Mas e numa situação como a dos EUA de hoje, onde a questão nacional não é, na sua essência, uma questão camponesa, e onde é, de facto, "um problema particular e interno do Estado"? Nestas circunstâncias, poderá a questão nacional ser transformada? Poderá uma nação ter uma função diferente, desempenhar um papel distinto em diferentes períodos históricos dentro do mesmo país, poderá assumir novas características com o desenvolvimento da sociedade na qual surge e se desenvolve?

Estaline afirma que sim. Em A Questão Nacional e o Leninismo (Resposta aos camaradas Meshkov, Kovalchuk e outros), escrito em 1929, Estaline sublinha que:

No período que precedeu a Primeira Guerra Mundial, quando a história colocava como tarefa imediata uma revolução democrático-burguesa na Rússia, os Marxistas russos ligaram a solução da questão nacional ao destino dessa revolução democrática na Rússia. O nosso partido sustentava que o derrube do czarismo, a eliminação dos resquícios do feudalismo e a completa democratização do país constituíam a melhor solução possível para a questão nacional no quadro do capitalismo.

Tal foi a política do Partido naquele período. A esse período pertencem os conhecidos artigos de Lenine sobre a questão nacional... Também a esse período pertence o panfleto de Estaline Marxismo e a Questão Nacional. É precisamente.as nações burguesas que esse panfleto tem em mente quando afirma que "uma nação não é apenas uma categoria histórica, mas uma categoria histórica pertencente a uma época determinada, a época do capitalismo ascendente." (Estaline, A Questão Nacional e o Leninismo, Vol. 11, pp. 366, 353.)

Na mesma resposta, Estaline adverte os camaradas quanto aos perigos de uma abordagem não dialética da questão nacional:

Um dos vossos erros é considerarem a questão nacional não como parte integrante da questão geral do desenvolvimento social e político da sociedade, subordinada a essa questão geral, mas como algo autónomo e constante, cujo rumo e carácter permanecem, basicamente, inalteráveis ao longo da história. Daí que não consigais ver aquilo que todo o Marxista vê, a saber: que a questão nacional não tem sempre o mesmo carácter, que o carácter e as tarefas do movimento nacional variam consoante o período de desenvolvimento da revolução.

Logicamente, é isso que explica o facto lamentável de confundirdes e amalgamardes com tanta leveza períodos diversos do desenvolvimento da revolução, e de não compreenderdes que as mudanças no carácter e nas tarefas da revolução, em vários estágios do seu desenvolvimento, dão origem a mudanças correspondentes no carácter e nos objetivos da questão nacional; que, em conformidade com isso, a política do Partido sobre a questão nacional também muda, e que, consequentemente, a política do Partido numa dada fase de desenvolvimento da revolução não pode ser arbitrariamente separada desse período e transferida para outro. (Estaline, ibid., p. 365.)

Estaline dedica considerável atenção a responder ao argumento específico destes camaradas, que insistiam que, uma vez que o proletariado havia conquistado o poder de Estado e construído a União Soviética – incluindo várias nacionalidades anteriormente oprimidas sob o czarismo – as nações separadas deixavam de existir na Rússia soviética. Estaline salienta que estes camaradas estavam, antes de mais, a confundir a questão da nacionalidade com a questão do Estado – erro comum também entre aqueles que hoje negam a existência de uma questão nacional nos EUA.

Mas, mais importante ainda, ele salienta que continuam a existir diferentes nações na União Soviética e que continuarão a existir durante algum tempo, mesmo que, no sistema socialista, tenham sido integradas na vida económica e social do país como um todo de forma muito mais completa do que sob o governo da autocracia e da burguesia. Estaline insistiu neste ponto porque ainda existia uma base para que as várias nações formassem estados separados. Um tratamento incorreto da questão nacional por parte do Estado proletário — baseado na linha errónea de que as nações tinham deixado de existir sob as novas condições — poderia levar às divisões entre as várias nacionalidades e à desintegração do Estado socialista unificado.

Obviamente, não podemos aplicar este panfleto de Estaline de forma mecânica. O proletariado ainda não detém o poder de Estado nos EUA. Mas podemos aplicar o método de Estaline — o método Marxista do materialismo histórico e dialético — à nossa própria situação.

Como se aplica isto aos EUA hoje? Demonstrámos que a nação Negra não é hoje uma nação camponesa. É uma nação proletária, uma nação de um novo tipo. Por "nação de um novo tipo" queremos dizer uma nação sob novas condições.

Quais são estas condições concretas? A nação Negra surgiu, como todas as nações, durante o período inicial do capitalismo. E, como todas as nações oprimidas, o seu desenvolvimento foi deformado e limitado. Mesmo no auge da concentração Negra no sul das plantações, uma parte considerável da burguesia Negra não só era fraca e subdesenvolvida, como era forçada a operar fora da Cintura Negra (Black Belt).

E, durante esse mesmo período, mesmo quando os Negros constituíam a maioria da população da Cintura Negra (Black Belt), havia um grande número de pessoas de nacionalidade diferente (brancos) a viver dentro e em torno dessa área. Nos últimos 30 anos, a concentração Negra no sul foi desfeita, os Negros foram dispersos por todo o país e transformados de camponeses em trabalhadores urbanos. Mas isso está a ocorrer sob as condições de um capitalismo decadente e moribundo — o imperialismo.

Este último ponto é decisivo. Ao contrário da Rússia, onde a revolução proletária se seguiu muito rapidamente ao desenvolvimento do capitalismo monopolista (imperialismo) nesse país, e imediatamente após a revolução democrática-burguesa (Fevereiro de 1917), nos EUA a revolução proletária foi temporariamente travada e o período de domínio imperialista temporariamente prolongado.

Nestas condições, o desmembramento da nação Negra no sul não significou, nem pode significar, que os Negros tenham sido assimilados pela sociedade como um todo, que simplesmente se tenham integrado na estrutura de classes de acordo com a sua proporção populacional. Em vez disso, os Negros foram esmagadoramente forçados para as secções mais baixas e exploradas da classe trabalhadora, como uma espécie de casta; por outro lado, a estrutura de classes dentro da nação Negra reproduz-se, na sua forma deformada, dentro das atuais concentrações populacionais Negras — os guetos urbanos.

A questão nacional nos EUA encontra-se hoje num período diferente daquele que se vivia na Rússia ou nos EUA antes do desenvolvimento do imperialismo, da Primeira Guerra Mundial, da primeira revolução socialista bem-sucedida e da ascensão do proletariado em todas as partes do mundo.

Com isto em mente, regressemos ao argumento de que o Marxismo de Estaline e A Questão Nacional provam que já não existe uma nação Negra oprimida nos EUA. É neste panfleto inicial que Estaline escreve:

Não há dúvida de que, nas fases iniciais do capitalismo, as nações se unificam. Mas também não há dúvida de que, nas fases superiores do capitalismo, tem início um processo de dispersão das nações, um processo através do qual diversos grupos se separam das nações, em busca de meios de subsistência, e subsequentemente se fixam permanentemente noutras regiões do Estado; nesse processo, esses colonos perdem as suas antigas ligações e adquirem novas no seu novo domínio e, de geração em geração, adquirem novos hábitos e gostos, e possivelmente uma nova língua. Surge então a questão: é possível unir em uma única união nacional grupos que se tornaram tão distintos? Quais os elos mágicos para unir o que não pode ser unido? É concebível que, por exemplo, os alemães das Províncias Bálticas e os alemães da Transcaucásia possam ser 'unidos numa única nação'?" (Estaline, O Marxismo e a Questão Nacional, Vol. 2, p. 339.)

É verdade que hoje os Negros "se tornaram tão distintos"? Não acreditamos que o sejam. A sua cultura, baseada na experiência histórica e presente comum enquanto povo, continua a ser uma cultura única, independentemente da parte do país onde habitem. É possível que se unam numa "única união nacional"? Acreditamos que ainda o é.

Para compreender isto com mais clareza, devemos olhar mais de perto para o centro do argumento de Estaline, e especificamente para a linha incorreta que ele combate. O coração do seu panfleto dirige-se contra um grupo de Marxistas que haviam degenerado em nacionalistas burgueses. Estes argumentavam que a classe trabalhadora devia ser separada segundo linhas nacionais, e que, se um grupo nacional oprimido estivesse disperso por todo o Estado, então a "solução" da questão nacional seria essa nacionalidade oprimida "constituir-se" como nação (tal como era) e ser representada no governo segundo linhas nacionais.

Mais concretamente, este esquema significaria que a nacionalidade oprimida receberia uma determinada percentagem dos representantes dos órgãos legislativos, e todos os membros dessa nacionalidade, onde quer que vivessem, votariam apenas nos representantes da sua própria nacionalidade. "Autonomia Cultural-Nacional" era o termo para isso. (Ideias semelhantes surgiram, de tempos a tempos, na história recente do movimento revolucionário dos EUA.)

Ao atacar este disparate, Estaline salienta que isso só poderia dividir, artificialmente, os trabalhadores segundo linhas nacionais. Porque haveria um trabalhador judeu (por exemplo) e um trabalhador russo, vivendo lado a lado e trabalhando na mesma fábrica, de votar em representantes diferentes no governo e de estarem organizados em sindicatos diferentes? Este esquema, apontava Estaline, nada tinha em comum com a posição Marxista de defesa do direito das nações oprimidas à autodeterminação.

A verdadeira solução para a opressão nacional — na medida do possível sob o capitalismo — era que as nacionalidades oprimidas exercessem controlo sobre as instituições culturais e educativas nas áreas onde estavam concentradas, e que a revolução democrático-burguesa fosse desenvolvida o mais plenamente possível. Ao mesmo tempo, as nacionalidades oprimidas tinham o direito de formar um Estado separado no território onde constituíssem uma nação.

O argumento de Estaline — que era absolutamente correto para a situação concreta na Rússia em 1913 — indica a diferença fundamental entre a questão nacional na Rússia czarista e nos EUA hoje. Estaline não só citava a Suíça como exemplo de que a democratização do país era a melhor solução possível para a questão nacional (enquanto o país permanecesse capitalista); ele citava também os EUA como outro exemplo!

A democratização decididamente não resolveu a questão nacional nos EUA para os Negros (ou outros povos do Terceiro Mundo)! O que Estaline tinha em mente ao usar os EUA como exemplo era a questão dos milhões de imigrantes europeus, que durante várias gerações enfrentaram dura discriminação nacional nos EUA, mas que foram gradualmente assimilados. Juntamente com Lenine, Estaline apontou, em escritos posteriores, que a questão nacional na América não estava de forma alguma resolvida para os Negros. Como demonstrámos, a nação Negra nos EUA foi unificada precisamente porque os Negros foram sistematicamente excluídos do pleno desenvolvimento da revolução democrático-burguesa neste país. A breve participação dos Negros na revolução democrático-burguesa terminou com a traição da Reconstrução.

Por estas razões, ainda existem elos reais — e não mágicos — que continuam a unir os Negros numa união nacional — uma nação de novo tipo, sob novas condições — uma nação proletária, dispersa por todos os EUA, mas, ao mesmo tempo, concentrada nos centros industriais urbanos. Isto reflete-se no facto de que a consciência nacional dos Negros — a sua consciência enquanto povo com uma cultura comum, uma história comum de opressão e resistência até aos dias de hoje, e uma origem nacional comum na Cintura Negra (Black Belt) — é hoje maior do que nunca. Ao mesmo tempo, a esmagadora maioria dos Negros são assalariados, e a sua consciência de classe também é hoje mais elevada do que jamais foi.

A natureza dual dos Negros — enquanto membros de uma nação oprimida cuja origem se encontra no sul da Cintura Negra (Black Belt), e como membros da classe trabalhadora única dos EUA — reflete-se também no facto de que, nos últimos anos, com o declínio e a crescente crise do imperialismo dos EUA, tem havido uma tendência para que alguns Negros regressem ao sul. Mas isso ocorre no contexto das imensas mudanças nas forças produtivas — a mecanização da agricultura e o crescimento da indústria — e nas relações de produção: a eliminação virtual da agricultura semifeudal e a concentração da população rural anterior, em especial os Negros, nas áreas urbanas como trabalhadores assalariados.

Os Negros que regressam ao sul não regressam às quintas como trabalhadores rurais assalariados — exceto em número muito limitado. Os Negros no sul vivem, em grandes concentrações, nos guetos urbanos, e trabalham — ou procuram trabalho — na indústria, nos serviços e no comércio.

Isto demonstra, uma vez mais, que os Negros de hoje, no norte e no sul, são uma nação de novo tipo: dispersos por todo o país, mas concentrados nos centros urbanos, esmagadoramente proletários e parte integrante do proletariado único dos EUA.

Para resumir: os Negros hoje formam uma nação de novo tipo por duas razões interligadas e interdependentes: (1) Historicamente, foram unificados como nação na Cintura Negra (Black Belt); e (2) Esta base histórica e material de nacionalidade não foi eliminada, mas transformada.