Como a seguinte síntese de trabalho deixa claro, existe uma base material para que os trabalhadores Negros desempenhem um papel dirigente nas organizações militantes de base. Nesta fábrica, os trabalhadores Negros, no seu conjunto, foram os mais empenhados em formar uma organização de trabalhadores forte e combativa, e os mais recetivos a ideias progressistas e revolucionárias.
É evidente que os trabalhadores Negros tinham potencial para assumir a liderança de toda a base operária. Contudo, devido a erros subjetivos por parte dos revolucionários — resultantes de não compreenderem plenamente a importância crucial da questão nacional e da falta de uma perspetiva a longo prazo — esse potencial não se desenvolveu. Espera-se que as lições aprendidas se revelem valiosas para o trabalho futuro nesta fábrica e noutros locais.
Este relatório baseia-se nas experiências de alguns revolucionários Negros e brancos atualmente no seio, ou próximos, da União Revolucionária (UR), embora, nessa altura, a UR, enquanto organização, não tenha desempenhado qualquer papel nesse trabalho.
Existem divisões profundas na classe trabalhadora dos EUA, divisões com uma longa história enraizada no racismo e no chauvinismo branco, que têm existido no país desde a sua fundação. Estas raízes não serão facilmente erradicadas, mas, como afirma Mao Tsé-Tung, as lutas do povo Negro e da totalidade da classe trabalhadora norte-americana estão destinadas a convergir para derrubar o opressor comum.
Essa convergência não será espontânea, mas desenvolver-se-á a partir de uma luta comum, guiada por uma linha política correta e pelo reconhecimento de que vivemos num país inicialmente construído, sobretudo, sobre o trabalho forçado de homens e mulheres Negros. A luta da nação Negra está indissociavelmente ligada à luta do trabalhador Negro e de toda a classe trabalhadora e, por isso, procuramos compreender o papel do nacionalismo e a sua relação com a questão da organização no local de produção.
A fábrica “X” integra uma grande corporação imperialista e é uma de várias localizadas na região. Produz equipamento pesado de construção e emprega cerca de 2.300 trabalhadores na produção. Esta corporação possui vastas operações no estrangeiro, com 22 fábricas situadas em países estrangeiros, e obtém 20% dos seus lucros a partir dessas operações internacionais.
A força de trabalho total é composta por cerca de 40 a 50% de trabalhadores Negros. Entre 5 a 10% da força de trabalho é constituída por trabalhadores qualificados, sendo estes quase todos brancos. Os escalões laborais mais elevados são, na sua maioria, ocupados por trabalhadores brancos de meia-idade, enquanto os postos na linha de produção são predominantemente ocupados por Negros, sendo o restante dos operários da produção constituído por jovens brancos.
À primeira vista, parece haver pouca fricção entre trabalhadores brancos e Negros na fábrica; contudo, isso não passa de uma aparência superficial. A manifestação mais clara do baixo nível de unidade entre uns e outros é a distribuição dos lugares na cantina: os brancos de um lado, os Negros do outro. Esta divisão reflete-se igualmente em todos os outros aspetos da vida na fábrica. Mesmo na própria linha de produção, os trabalhadores Negros tendem a estar colocados diretamente na linha principal, enquanto os jovens trabalhadores brancos se encontram maioritariamente nas linhas de submontagem, menos penosas.
Em cada posto de trabalho e em todas as áreas da fábrica, a empresa — através dos seus capatazes racistas e das suas próprias políticas — conspira para separar os trabalhadores Negros dos brancos. Os trabalhadores Negros ocupam os postos mais sujos e perigosos da fábrica. Esta realidade, associada à opressão sofrida pelos Negros na comunidade, torna o trabalhador Negro o mais politicamente consciente e o mais combativo. Esta atitude combativa distingue-os, na prática, dos trabalhadores brancos, pelo menos tanto quanto as diferenças puramente culturais.
Os trabalhadores brancos, por sua vez, tendem a encarar os Negros como uma ameaça às suas condições de vida fora da fábrica e como um perigo para as suas condições de trabalho no seu interior. Esta falta de consciência tende naturalmente a reforçar-se. Por exemplo, embora as condições na linha de montagem sejam as piores, há pouco apoio às lutas dos trabalhadores aí colocados, uma vez que a maioria deles é Negra.
Na fábrica existe apenas um sindicato, um grande sindicato dito “liberal”. Houve algumas lutas combativas na fábrica no início da década de 1950, mas a história dessas lutas é praticamente desconhecida para os trabalhadores mais jovens. A atual direção sindical é composta quase exclusivamente por brancos e baseia-se firmemente nos trabalhadores mais privilegiados da fábrica. É bem conhecida pelo racismo aberto manifestado por alguns dirigentes, embora procure manter uma fachada liberal.
Nenhum dos dirigentes é combativo, nem sequer na defesa dos interesses da sua própria base. As questões laborais são invariavelmente encaminhadas para um processo complexo e extenuante de reuniões entre a empresa e o sindicato, nas quais raramente se alcançam soluções favoráveis aos trabalhadores. Esta situação aplica-se, praticamente, de igual modo aos trabalhadores brancos e aos Negros. (Numa dessas reuniões, o presidente do sindicato serviu limonada e adormeceu durante a discussão de queixas relativas ao ajustamento salarial.)
A liderança sindical apresenta uma consciência de classe totalmente pequeno-burguesa. O presidente do sindicato é senhorio, possuindo três edifícios com vários apartamentos, e confidenciou a um trabalhador que o sindicato deveria proteger a “melhor classe de trabalhadores” contra os desempregados e os Negros.
Dois coletivos independentes, não pertencentes à UR, que apenas recentemente tinham conseguido colocar alguns quadros na fábrica, começaram de imediato a procurar jovens trabalhadores brancos, utilizando como ferramenta de organização um jornal inspirado no primeiro periódico do Black Panther Party (BPP). Conseguiram recrutar alguns jovens trabalhadores brancos para um grupo de estudo, no qual grande parte da discussão se centrava na luta armada e no apoio ao BPP. Ao mesmo tempo, dois trabalhadores que alegadamente representavam o BPP disputavam a atenção dos jovens operários — um deles Negro e o outro branco.
Realizaram-se sessões conjuntas com os trabalhadores no salão do sindicato ou em tabernas locais, onde os representantes do BPP promoviam uma linha estritamente lumpen, oposta a qualquer abordagem de questões laborais, defendendo a irrelevância da fábrica e a importância absoluta do armamento na comunidade. Segundo eles, manter um emprego era contrarrevolucionário. Esta linha atraía os jovens freaks da fábrica, que encaravam o trabalho como algo temporário, bem como alguns Negros que se viam a si próprios como “chulos” revolucionários.
Nessa altura, os coletivos decidiram lançar um boletim da fábrica, concentrando-se nas questões da oficina, no sindicato e na superexploração dos trabalhadores Negros. Como já existia um boletim sindical distribuído dentro da fábrica, e a administração se opunha a qualquer outro boletim, os primeiros números foram distribuídos à porta da fábrica por outros membros dos coletivos e amigos.
O boletim foi bem recebido pelos trabalhadores e chegou mesmo a ser defendido. Um dia, à entrada, enquanto uma jovem distribuía o boletim, foi agarrada pelos seguranças da fábrica e maltratada. Imediatamente, os trabalhadores que testemunharam o incidente acorreram para defender a jovem e resgatá-la das mãos dos capangas da fábrica.
O boletim ganhou força e começou a despertar um interesse real, à medida que cada vez mais trabalhadores se envolviam na sua produção. Mais tarde, foi montado um sistema de distribuição clandestino dentro da fábrica, deixando de ser necessário entregá-lo à porta da fábrica. Alguns trabalhadores começaram a criar uma relação muito próxima com o boletim e a escrever artigos para o mesmo. A partir deste núcleo, formou-se um grupo multinacional, que, no entanto, não conseguiu manter-se.
A principal razão pela qual, os primeiros grupos não conseguiram manter-se resultou de problemas internos entre os seus membros. Embora o boletim tivesse lançado um novo nível de luta entre o sindicato/administração e os trabalhadores, também desencadeou uma luta entre os fundadores do boletim e os representantes do BPP, que queriam que a sua linha fosse publicada. Seguiram-se discussões acesas sobre o conteúdo do boletim, até que, finalmente, o BPP foi totalmente excluído. Pouco depois, o grupo do BPP deixou de funcionar como força organizadora. A linha do BPP não tinha qualquer legitimidade real junto dos trabalhadores sólidos e de longa data e, quando os seus representantes tentaram mudar à última hora e substituir a linha lúmpen que vinham a defender por uma linha revisionista, perderam credibilidade.
Ao longo de um ano ou mais, formaram-se e reformaram-se grupos em torno do boletim. Inicialmente, eram todos brancos; mais tarde, formaram-se grupos multinacionais, maioritariamente Negros, mas todos tendiam a ser de curta duração.
A empresa, em conluio com o sindicato, proibiu abertamente o boletim nas instalações e, mais tarde, despediu sumariamente os trabalhadores apanhados a distribuí-lo. O sindicato recusou-se a defender os trabalhadores e, por fim, o caso foi levado ao NLRB(9), sendo os trabalhadores reintegrados nos seus postos de trabalho. Um dos trabalhadores despedido nunca chegou a ser readmitido; ao que parece, era considerado uma verdadeira ameaça tanto pelo sindicato como pela empresa.
Como instrumento de organização, o boletim da fábrica tinha um grande potencial e foi, sem dúvida, bem-sucedido em penetrar na fábrica e conquistar seguidores, mas vários fatores impediram a concretização plena do seu potencial.
Para sintetizar as lições que aqui aprendemos, devemos começar pelos revolucionários dentro da fábrica. Eram brancos de origem pequeno-burguesa, com antecedentes estudantis, que procuravam criar, rapidamente, um núcleo revolucionário e, ao mesmo tempo, proletarizar-se. Os problemas reais que os intelectuais enfrentam ao integrar-se com os trabalhadores conduziram a alguns erros, agravados por uma tendência para vacilar entre erros “de esquerda” e erros de direita.
O clima dentro da fábrica estava maduro para a organização. Os trabalhadores prestaram muita atenção aos novos organizadores e, mais tarde, aceitaram com entusiasmo o boletim da fábrica. Os trabalhadores Negros mostraram-se particularmente ávidos por uma verdadeira organização operária militante. Isto ficou patente no interesse imediato demonstrado pelo BPP, embora este nunca tivesse apresentado um programa relevante para o trabalhador e para o local de trabalho. Com exceção de alguns jovens brancos, os trabalhadores mais avançados e mais dispostos a ligar-se a uma organização revolucionária eram Negros. Foram os Negros que, em grande medida, escreveram artigos para o boletim, o distribuíram na fábrica e participaram nas reuniões.
A criação do boletim assinalou a passagem do apoio à linha dos Panteras — baseada sobretudo na força da imagem dos Panteras — para uma abordagem economicista, centrada exclusivamente nas reivindicações internas à fábrica, sem as integrar nos objetivos de longo prazo da revolução proletária. A esta limitação somava-se a natureza temporária de alguns dos brancos ligados ao boletim e uma atitude paternalista, que se manifestava em apresentar ideias e artigos sem a devida investigação e consulta; na resistência a redigir artigos na linguagem comum do trabalhador Negro; na presunção de serem líderes “naturais” do povo Negro; etc. Os trabalhadores Negros estavam dispostos a ouvir programas formulados por revolucionários brancos, mas não aceitavam ser conduzidos por um “guru” branco. A liderança natural das lutas Negras por parte dos próprios Negros nunca foi realmente incentivada nem desenvolvida.
Os grupos em torno do boletim eram constituídos por trabalhadores avançados que respondiam favoravelmente a ele e que estavam ativamente envolvidos na organização e no apoio ao avanço das lutas de outros trabalhadores da fábrica. Visitas frequentes e convívio fora do local de trabalho eram necessários para manter, mesmo, um grupo relativamente pequeno.
Nas reuniões de grupo, discutiam-se queixas e questões gerais da fábrica, bem como o conteúdo de um número do boletim, mas praticamente não havia qualquer discussão ou estudo político real. Este foi um dos principais fatores do colapso dos grupos. Não havia um tratamento concreto da política e da estratégia revolucionárias e, por isso, os participantes nunca desenvolveram objetivos de longo prazo nem ideias sobre a forma como o trabalho imediato se articulava com esses objetivos.
Mais importante ainda, desenvolveu-se naturalmente uma análise incorreta a partir do pressuposto errado de que qualquer núcleo na fábrica teria de ser multinacional. A secção mais avançada dos trabalhadores era, evidentemente, Negra, e deveria ter sido incentivada e construída uma organização ou núcleo exclusivamente Negro que pudesse exercer liderança sobre todo o conjunto da força de trabalho.
Poderia igualmente ter sido formado um grupo multinacional, no qual trabalhadores brancos avançados participassem, desenvolvido como uma organização intermédia para unificar uma organização operária mais ampla. Por outro lado, uma base Negra forte teria sido a força motriz na organização de toda a fábrica. Havia Negros que se recusavam a integrar um núcleo com brancos porque consideravam que este iria “andar a meio-gás” e vacilar, e esses Negros eram considerados retrógrados por essa razão. A consciência nacional Negra foi, em grande medida, negligenciada, assim como programas políticos concretos que pudessem conduzir a uma luta ativa. Estes dois fatores foram os mais importantes no que respeita aos fracassos nesta fábrica.
Atualmente, ainda existe uma formação na fábrica que pode beneficiar dos nossos erros anteriores, assim como dos nossos modestos êxitos. O boletim continua a ser publicado e é, no geral, uma influência positiva; e existem outros contactos que podem ser desenvolvidos no sentido da criação de um núcleo exclusivamente Negro.