A construção de núcleos de base e de organizações operárias intermédias — tanto de caráter nacional como multinacional — é uma parte importante do trabalho dos comunistas junto do proletariado. Este artigo descreve uma experiência na tentativa de construir tais organizações num local de trabalho, os êxitos e fracassos na compreensão e aplicação da linha de massas que, ora fizeram avançar, ora travaram o trabalho, e os efeitos nocivos do sectarismo “de esquerda” e do aventureirismo.
No local onde trabalho, as condições são más, para dizer o mínimo. Sofremos com o racismo constante, a falta de trabalhadores e o aumento do ritmo de trabalho (que andam de mãos dadas), bem como o assédio. O trabalho consiste em reembalar mercadorias de embalagens a granel para embalagens mais pequenas. O meu primeiro posto nesta empresa foi num edifício central, onde se realizava a fase final antes da entrega.
Devido ao agravamento da crise económica do país, a empresa estava a perder dinheiro — e rapidamente. Assim, enfrentávamos outra condição habitual: despedimentos temporários e permanentes. “Afinal, se não queres trabalhar, há muitos lá fora que querem.” Palavras conhecidas da maioria dos trabalhadores.
Comecei no turno da noite, composto por 90% de trabalhadores Negros, sendo o restante maioritariamente branco. O mesmo se verificava nas chefias. Havia também uma divisão etária, para além da racial, que dificultava bastante a concretização de qualquer ação consistente. Os brancos mais velhos opunham-se aos jovens de cabelo comprido, e a maioria dos Negros mais velhos temia demasiado pela segurança do seu emprego para se envolver, pelo menos inicialmente, com quem queria iniciar alguma ação.
O capataz Negro da equipa noturna era mais um obstáculo a ultrapassar.
Ao levantar os olhos do meu trabalho, via claramente jovens brancos a realizar tarefas fáceis, das quais os trabalhadores Negros mais velhos eram excluídos. A discriminação flagrante predominava aqui, tal como em todas as fases da vida capitalista.
Os trabalhadores brancos faziam intervalos mais longos, regressavam tarde do almoço e, quando chegavam atrasados, o capataz muitas vezes fechava os olhos. Qualquer desculpa esfarrapada apresentada por um branco bastava para justificar uma ou duas ausências.
Apresentavam-se queixas, mas estavam a ser despedidas ou suspensas pessoas. As ações individualistas geravam frustração, não mudanças. Éramos obrigados a trabalhar com equipamento inseguro, as regras de segurança não eram respeitadas, e o capataz pressionava-nos incessantemente para que a sua folha de registo parecesse favorável.
Finalmente, os camaradas perceberam a necessidade de se unirem e foi formado um núcleo Negro. Muitas das ideias apresentadas pelos membros do núcleo eram algo pouco sistemáticas — como “acabar com o capataz”, derrubar o edifício ou destruir os automóveis de capatazes e supervisores. Apesar disso, foi um começo. Enquanto núcleo Negro, víamo-nos como representantes dos problemas existentes para outros trabalhadores, tanto brancos como Negros, bem como de outros países do Terceiro Mundo.
Na fase inicial do nosso grupo, os trabalhadores brancos mais velhos mostravam-se algo distantes, os mais jovens pareciam não se importar muito, e os Negros mais velhos adotavam uma atitude de esperar para ver. Realizou-se muito trabalho positivo. A princípio, algumas vitórias pareciam pequenas, mas, somadas, tornaram-se significativas.
Participámos em reuniões sindicais e lutámos para que fossem eleitas novas pessoas. Levantámos questões no chão de fábrica. Trabalhadores brancos começaram a demonstrar o seu apoio assinando petições que distribuímos sobre o aumento do ritmo de trabalho e as condições de saúde. Também apoiaram as nossas reivindicações contra o racismo. Por exemplo, um camarada, membro assumido do núcleo, foi acusado de criar problemas. Aparentemente, durante algum tempo, um trabalhador branco fazia observações sarcásticas e absurdas sobre esse camarada. Um dia, o camarada confrontou-o diretamente.
Algum tempo depois, estavam a ser processados documentos para o despedimento deste camarada, quando trabalhadores brancos intervieram em sua defesa. O camarada começou a compreender que se podia contar com os trabalhadores brancos e que a unidade era necessária, mas que, ao mesmo tempo, o racismo tinha de ser combatido com firmeza e determinação.
No início, as reuniões sindicais eram verdadeiros confrontos verbais. Dissemos a muitos dirigentes sindicais o que pensávamos deles e libertámos muita frustração. Mas aprendemos que isso não era suficiente; era necessário ter uma estratégia bem definida e apresentar planos concretos alternativos aos dos dirigentes sindicais. Pequenas vitórias e alguns retrocessos contribuíram para elevar a nossa consciência.
O grupo manteve-se unido, mas cometemos erros graves. O primeiro e mais importante foi não nos relacionarmos devidamente com as camaradas. (Alguns camaradas relacionavam-se com elas, mas de forma incorreta.) Não as víamos como mulheres que trabalhavam ao nosso lado e desempenhavam bem o seu trabalho, mas como mulheres que, por acaso, trabalhavam onde nós trabalhávamos e que não deveriam importar-se com o que quiséssemos dizer. Alguns camaradas, na sua maioria fora do núcleo, viam as camaradas como alguém a quem poderiam dirigir palavras e comentários pesados. Mas as camaradas, como é evidente, sabiam bem de onde isso vinha. Assim, devido à nossa atitude, nenhuma das nossas reivindicações incluiu as necessidades específicas das mulheres, e estas não se envolveram.
Outro erro foi que, embora muitas pessoas começassem a dar-nos apoio, não as envolvemos de forma suficientemente profunda no núcleo, enfraquecendo assim a nossa base. Defendíamos as queixas de trabalhadores fora do núcleo, mas nem sempre de modo sistemático. E introduzimos no local de trabalho questões políticas externas completamente fora de contexto. Por estas razões, perdemos força e ficámos vulneráveis a ataques por parte da empresa. Com o tempo, a empresa reorganizou o nosso trabalho, transferiu-nos para diferentes edifícios e despediu vários de nós, eu incluído.
De todos os camaradas, fui o último a enfrentar o despedimento. Recebi a minha notificação com duas semanas de antecedência. A partir desse momento, mantive uma atividade constante de mobilização para combater o meu despedimento. Utilizando o trabalho de base realizado pelo núcleo, mantive o meu caso, bem como o dos outros camaradas, presente na mente das pessoas. Os colegas de trabalho confrontavam o capataz e o supervisor sempre que tinham oportunidade. Exercemos pressão sobre o sindicato, forçando-o a lutar em minha defesa. Quando o caso foi discutido, o capataz e o supervisor recuaram. (Os outros camaradas, entretanto, já tinham arranjado outros empregos.)
Fui transferido para o turno do dia, desta vez não entrei no local de trabalho aos gritos e exaltado com questões políticas e assuntos alheios, destacando-me como um elemento estranho. Tornei-me um com os restantes trabalhadores, aprendendo a lutar no dia-a-dia, procurando compreender melhor de que forma os outros trabalhadores sentiam as dores e dificuldades comuns da vida quotidiana que todos enfrentamos enquanto gente que vive do trabalho.
Isto não significa que não se fale de questões políticas, pois esse é o papel de um comunista: ligar lutas aparentemente distintas — como a dos presos políticos, greves noutras fábricas, levar sindicatos a aprovar resoluções contra a guerra, ou apontar as diferenças entre a nossa fábrica e uma de um país socialista, etc., exemplos retirados da vida quotidiana são inesgotáveis. Descobri também que, no que toca a questões do local de trabalho, os trabalhadores sabiam muito mais do que eu supunha. Como diz Mao, é preciso “aprender com as massas” — algo que até pessoas como eu, que sempre trabalharam, têm de aprender.
Pouco tempo depois, as mesmas condições de trabalho que tinham unido a equipa do turno da noite no primeiro núcleo foram determinantes para unir também os trabalhadores do turno do dia. O capataz exigia que deslocássemos sacos que nem o “Gigante Verde” conseguiria levantar. Os mini camiões tinham travões defeituosos e, num piso inclinado, isso não é nada seguro. Cronometravam-nos para ver quão depressa enchíamos determinados contentores. Algumas mulheres, que precisavam do emprego, só conseguiam mantê-lo agindo de forma “amigável” com o capataz.
O momento decisivo que nos uniu ocorreu durante um dia com temperaturas de cerca de 27 °C. Todas as janelas e portas estavam fechadas devido a ameaças de bomba! (Trabalhamos para uma empresa que é odiada não só pelos seus trabalhadores, mas por muitas outras pessoas, especialmente no seio do movimento contra a guerra.) Pedimos algum alívio contra o pó e o ar abafado, mas disseram-nos que seria necessário um dia inteiro a passar pelos canais burocráticos. Houve uma desaceleração espontânea do trabalho — e, em menos de uma hora, as portas, respiradouros, janelas e portões de carga estavam todos abertos.
Formou-se um grupo informal, de composição multinacional, que cresceu até se transformar no núcleo atual. Havia outros militantes políticos para além de mim. Procurámos evitar os erros do primeiro núcleo, permitindo que fossem os próprios trabalhadores a assumir a liderança. As mulheres estão ativas, e existe um boletim regular.
O nosso principal problema, neste momento, é encontrar forma de sermos mais visíveis. Excetuando os contactos pessoais, as pessoas apenas conseguem relacionar-se connosco através do boletim. Discutimos esta questão extensamente e surgiram várias ideias. A mais importante é que o boletim não é a nossa principal base de unidade. A nossa principal luta trava-se no chão da fábrica.
O boletim é uma ferramenta para reforçar essas lutas. Ele estava a transformar-se no nosso trabalho de massas; a única razão para nos reunirmos era discutir a sua produção.
Percebemos que não devíamos descontinuar o boletim, pois as pessoas aguardavam a sua publicação com expectativa. No entanto, decidimos que passaria a sair de dois em dois meses, investindo muito mais esforço para garantir uma linha política mais sólida, e não apenas publicar artigos por mero hábito de manter um boletim mensal.
A certa altura, surgiu uma cisão em torno do boletim. Havia uma pessoa, oriunda do movimento estudantil, que queria colocar em cada número do boletim uma arma ou algo relacionado com matar. Inicialmente, grande parte da produção foi deixada a cargo desta pessoa que, sendo oportunista, aproveitou a sua posição para expressar a sua própria opinião e linha política — uma linha que, logo no início, havia isolado o primeiro núcleo.
Era uma linha que, novamente, procurava introduzir questões externas na fábrica de forma não dialética, sem qualquer ligação às lutas concretas no local de trabalho.
Enquanto teve liberdade de ação, o boletim parecia uma mistura de Shopping News, Police Gazette e notícias de guerra. Era, no mínimo, confuso. Muitos estudantes entram nas fábricas e lutam para adquirir uma perspetiva de classe operária. Mas este indivíduo recusava-se a adquirir qualquer perspetiva de classe, exceto a de um Che Guevara suburbano.
Ele também procurou dividir o grupo, explorando as minhas fraquezas, e isso constituiu para mim uma lição importante sobre a necessidade de disciplina. Sempre que eu faltava a uma reunião, ele falava da minha falta de liderança. Tentava lisonjear outros trabalhadores, dizendo-lhes que eram mais importantes do que este ou aquele membro do grupo. Procurava afastar pessoas do grupo para as levar a um grupo de estudo de que elas próprias não viam necessidade, e tentava apelar à sua revolta com uma linha aventureirista.
Mas esta não foi a primeira vez que nos deparámos com tais oportunistas. Eles parecem surgir sempre, depois de outras pessoas terem feito já um enorme esforço para construir uma organização real. E nós aprendemos, pela experiência do primeiro grupo, a lidar com oportunistas.
Não muito depois da formação do primeiro grupo exclusivamente Negro, conheci um camarada que era membro de um grupo no seu local de trabalho. Pareceu haver bastante afinidade entre nós e estávamos de acordo politicamente. Ambos falávamos da necessidade de algum tipo de organização para os trabalhadores Negros na nossa área, à semelhança da League of Revolutionary Black Workers que existia em Detroit naquela época (início de 1971). Organizámos uma reunião entre os nossos dois grupos e eu levei o filme da Liga, Finally Got the News. Ambos os grupos estavam ansiosos por avançar.
Após mais duas reuniões, constituímos um grupo de estudo. Foi então que esse camarada me apresentou alguém que disse ser um Marxista muito sólido. Este novo camarada parecia bastante capaz, pelo que a liderança do círculo de estudo lhe foi confiada. Citava o Livro Vermelho como se fosse ele próprio o autor. E mais: recitava-o a grande velocidade. O grupo de estudo resumia-se a ler o Livro Vermelho e a memorizar frases, repetidas durante as reuniões – esmagando os outros com a teoria (dita) Marxista-Leninista. Através dos seus métodos intimidatórios, tudo se tornou muito competitivo, porque ninguém queria passar por ignorante caso não soubesse “as suas linhas”.
Pouco a pouco, os membros do nosso grupo começaram a impacientar-se. Diziam-me que não viam sentido em ficar sentados quatro ou cinco horas a assistir a alguém a desempenhar o papel de um “Billy Graham(10) do Livro Vermelho”.
Fui o último a perceber os estragos que esse camarada tinha causado às pessoas de ambos os grupos. Os participantes começaram a desistir. Ele chamava-lhes liberais e não verdadeiros Marxistas. Não o eram – eram trabalhadores que queriam adquirir uma compreensão política mais profunda, não tornar-se “teóricos”. Acabámos por cair numa política de “círculo” estreita, que afastava os trabalhadores do marxismo, fazendo-o parecer um dogma e não um verdadeiro guia para a luta.
Este “teórico” começou a mostrar as suas verdadeiras cores, pouco a pouco. Primeiro, através de ataques dissimulados à União Revolucionária (UR), afirmando aos trabalhadores que a única coisa a fazer era formar de imediato um partido de trabalhadores, um partido comunista dos trabalhadores. Ignorava completamente a necessidade de um movimento de massas e de uma luta de massas. É certo que precisamos de um Partido Comunista, mas como chegar até ele? Ficando acordados toda a noite a memorizar textos? A sua linha era que, se não se estivesse “à frente com a política”, os trabalhadores não se juntariam a nós. Para ele, “estar à frente” significava coisas como colocar a foice e o martelo no boletim.
Embora tenha causado muitos danos, aprendi bastante com o seu papel destrutivo. Compreendi muito melhor a importância da “linha de massas”, da necessidade de confiar nos trabalhadores e de aprender com eles. Tenho sido claro quanto a ser comunista e quanto ao que isso significa para nós, enquanto trabalhadores. E, no nosso núcleo multinacional atual, trabalhadores Negros, chicanos e brancos não só lideram lutas nas fábricas, como muitos deles se têm interessado pelo Marxismo-Leninismo-Pensamento de Mao Tsé-Tung.
Eles têm visto que isto pode, de facto, contribuir para unir os trabalhadores, alcançar vitórias reais e explicar o quadro mais amplo do que se passa no mundo e da forma como isso se relaciona com a nossa situação quotidiana. Vários membros do grupo aderiram a um círculo de estudo de trabalhadores, dirigido por mim e por outro camarada da UR, e estão muito entusiasmados.
Embora o nosso grupo atual seja multinacional, continua a haver necessidade de núcleos Negros. O primeiro grupo Negro desfez-se sobretudo devido aos meus erros, não porque não fosse necessário. O povo Negro, desde os tempos da escravatura, derramou o seu suor e sangue na construção deste país e em proporcionar aos capitalistas o excedente que lhes permitiu expandir-se e edificar o seu império. E temos direito à nossa plena parte em tudo o que o país pode produzir. Para tal, será necessária uma revolução dos trabalhadores e o socialismo para vencer.
Mas, neste momento, o povo Negro reclama os seus direitos, e a luta de libertação nacional que se trava nas comunidades e nos locais de trabalho exige organizações Negras que contribuam para construir um movimento de massas revolucionário capaz de varrer o inimigo e conquistar o socialismo. Organizações multinacionais, como o nosso núcleo atual, são também necessárias para unificar os trabalhadores. A questão que ainda temos de resolver é como desenvolver ambos os tipos de organização de modo a construir uma verdadeira unidade entre todos os trabalhadores e entre estes e as outras camadas do povo.