Os Estados Unidos, desde os seus primórdios, nunca conseguiram escapar ao peso da sua origem. Cada luta significativa da sua história foi, em grande medida, condicionada pelo facto de a sua fundação ter assentado na importação forçada de pessoas Negras oriundas de África, e pelo facto de esse crime original ter sido agravado por 350 anos de exploração brutal e repressão sistemática.
Foram poucas as lutas neste país que não refletiram o impulso contínuo do povo Negro na conquista da sua liberdade. E, sem dúvida, o declínio do imperialismo norte-americano já se anuncia nas grandes vagas de luta protagonizadas pelo povo Negro que, apesar da repressão e das traições, não cessam, inspirando movimentos de libertação no seio dos Estados Unidos entre porto-riquenhos, chicanos, asiáticos e nativos americanos, e conquistando cada vez mais apoio entre vastos sectores da população, especialmente entre os mais pobres.
É por isso que as palavras de Mao Tsé-Tung, na sua declaração de 16 de abril de 1969, "Em Apoio à Luta Afro-Americana Contra a Repressão Violenta", ressoam com especial vigor: “A luta do povo Negro nos Estados Unidos está destinada a unir-se ao movimento dos trabalhadores norte-americanos, e isso porá fim, inevitavelmente, ao domínio criminoso da classe capitalista monopolista dos EUA.”
E esse “inevitavelmente” pode já não estar tão distante, se os revolucionários conscientes estiverem, com toda a paciência necessária, empenhados no desenvolvimento da estratégia e das táticas de unidade e de luta. Teremos de dominar todas as formas organizativas necessárias para consolidar e articular entre si os grandes movimentos que emergem e resistem ao capitalismo monopolista: os movimentos operários de base, os movimentos de Negros e latinos, os movimentos de mulheres, de jovens e estudantes, os movimentos contra a repressão e o fascismo — tanto dentro como fora das prisões — e a luta contínua contra a agressão imperialista dos EUA no Vietname e noutras partes do mundo.
Esta edição do Red Papers é dedicada sobretudo à análise teórica e prática da questão nacional tal como ela se está a desenvolver nos Estados Unidos. O presente artigo propõe-se discutir alguns dos obstáculos que se colocam à construção da solidariedade necessária e ao desenvolvimento de uma estratégia e tática capazes de unificar os revolucionários na criação e consolidação de um Partido Comunista Revolucionário multinacional.
Como em tudo nos Estados Unidos, esta questão está profundamente marcada pela luta do povo Negro. Por exemplo, durante algum tempo, organizações revolucionárias consideraram que o caminho a seguir passava por criar partidos e organizações revolucionárias Negras e brancas separadas, na esperança de que, num momento futuro, estas pudessem vir a unir-se, ou, mesmo sem fusão formal, alcançar um acordo sobre um programa comum, táticas conjuntas e uma luta coordenada capaz de derrubar a estrutura monopolista e realizar a revolução socialista.
Embora hoje esta conceção possa parecer utópica e fora de hipótese, teve, no entanto, grande aceitação por duas razões principais. A primeira foi de natureza negativa — quase nenhum trabalho revolucionário estava a ser desenvolvido junto da classe operária, e os indivíduos com inclinação revolucionária, na sua maioria de origem pequeno-burguesa, procuravam esquemas revolucionários de “enriquecimento rápido”, esperando que o entusiasmo revolucionário pudesse substituir o trabalho árduo e paciente. Naquela altura, a União Revolucionária da Área da Baía (Bay Area Revolutionary Union), uma organização relativamente pequena e local, era quase única entre os grupos anti revisionistas e anti trotskistas a tentar orientar o seu trabalho para a classe operária no seu conjunto.
A segunda razão está longe de ser negativa — resultava do rápido desenvolvimento da luta Negra e das organizações revolucionárias Negras, que contribuíram significativamente para alterar o mapa político dos Estados Unidos. As ideias revolucionárias e o estudo consciente do Marxismo-Leninismo espalharam-se entre um vasto sector da população Negra, e esse impulso constituiu uma força decisiva para atrair largas camadas de outros povos do Terceiro Mundo e da juventude branca para o estudo e a prática do Marxismo-Leninismo. Assim, do mesmo modo que a luta do povo Negro contra a opressão foi uma força dirigente na luta política e económica militante, também o foi no desenvolvimento das ideias e organizações revolucionárias e comunistas.
Este fenómeno está longe de ter terminado, e nós, na União Revolucionária (UR), procuramos apoiar as organizações revolucionárias Negras e de outros povos do Terceiro Mundo. Quando discordamos de algum aspeto do seu trabalho ou programa, não nos envolvemos em polémicas públicas e abertas, mas tentamos, antes, expor com a maior clareza possível as nossas próprias posições, de modo a facilitar a troca de pontos de vista. Por vezes, também discutimos essas divergências em privado com essas organizações e, com base no apoio mútuo, realizámos conversas frutíferas das quais retirámos importantes ensinamentos e, esperamos, também contribuímos positivamente para os demais. (Este método, como é evidente, não se aplica a organizações contrarrevolucionárias como o Partido Comunista revisionista, o PL ou outras organizações trotskistas.)
A União Revolucionária é uma organização multinacional e tem sido assim quase desde o seu início. É verdade que, originalmente na Área da Baía, era composta maioritariamente por jovens brancos provenientes do meio estudantil. Mas mesmo nesse contexto, o seu surgimento foi, acima de tudo, uma resposta às lutas Negras e de outros povos do Terceiro Mundo. À medida que passámos a dirigir a nossa principal atividade para a classe operária, e que os nossos membros começaram a enraizar-se no trabalho industrial, encontrámos um número significativo de operários brancos e de nacionalidades oprimidas que, à medida que se orientavam para a revolução, desejavam e reconheciam a necessidade de integrar uma organização comunista multinacional.
Isto não significa que nos oponhamos ao desenvolvimento de comités organizados em linhas nacionais nos locais de trabalho ou à existência de organizações revolucionárias Negras e de outros povos do Terceiro Mundo. Pelo contrário, acreditamos que, dado o atual desenvolvimento desigual das lutas nacionais e das lutas de classe, são necessárias quer as formas nacionais quer as formas multinacionais de organização revolucionária. Sendo a nossa classe operária multinacional, existem elementos avançados e ativos entre as nacionalidades oprimidas que reconhecem a importância de pertencer e contribuir para a construção de uma organização multinacional neste momento. (E, certamente, não devemos deixar esses camaradas à mercê da influência dos trotskistas ou dos revisionistas, com a sua versão oportunista de “organização multinacional”.)
E, considerando que a história dos Estados Unidos — assim como sua realidade atual — está profundamente marcada pela opressão racial e nacional, há no país outros revolucionários do Terceiro Mundo que, embora reconheçam a necessidade futura de um partido único do proletariado, entendem que podem contribuir de forma mais eficaz para o movimento revolucionário por meio da participação e construção de formas nacionais de organização que promovam simultaneamente a luta nacional e a luta do conjunto do proletariado.
Também em relação a esse ponto, estamos convictos de que não pode existir algo como uma organização revolucionária “branca”, pois os trabalhadores brancos não possuem interesses progressistas enquanto brancos, mas apenas enquanto membros da classe trabalhadora multinacional. Seus interesses coincidem com os interesses de todo o proletariado — a não ser que se pretenda argumentar que o racismo e o chauvinismo branco trazem benefícios aos trabalhadores brancos, o que, evidentemente, não é o caso. Por esse motivo, diante das condições concretas dos Estados Unidos — e, em especial, da intensidade da opressão nacional e da profundidade do racismo e do chauvinismo nacional — os revolucionários brancos devem, neste momento, integrar uma organização multinacional.
Ao integrarem tal organização, ao trabalharem e lutarem lado a lado, camaradas brancos, Negros e de outros povos do Terceiro Mundo adquirirão uma experiência fundamental na construção de uma organização multinacional — experiência esta indispensável para edificar uma unidade multinacional profunda e duradoura entre os trabalhadores e sua direção comunista revolucionária: o seu Partido Comunista.
No documento Red Papers 1, manifestamos a convicção de que, com base na liderança então existente, esperávamos que uma parcela significativa da direção do futuro Partido Comunista Revolucionário seria composta por pessoas Negras e de outros povos do Terceiro Mundo. Continua a ser essa a nossa avaliação atual. Existem razões objetivas consistentes para isso. A mais relevante é a elevada proporção de pessoas do Terceiro Mundo na classe trabalhadora industrial, o que possibilita a unificação dos trabalhadores do Terceiro Mundo e o desenvolvimento e a fusão das lutas nacional e de classe.
A União Revolucionária (Revolutionary Union – UR) reconheceu essa realidade desde a sua fundação. Em Red Papers 1, identificamos a dupla condição do povo Negro deste país: enquanto membros de uma nação oprimida e, simultaneamente, como maioritariamente parte — juntamente com os demais trabalhadores — do proletariado dos Estados Unidos. Nos Red Papers 2 aprofundou-se esse conceito, estabelecendo que a questão nacional nos Estados Unidos pode ser diferenciada de outras questões nacionais do resto do mundo, uma vez que, aqui, trata-se, na essência, de uma questão proletária, enquanto noutros contextos se trata, essencialmente, duma questão camponesa. E afirmamos:
Exatamente porque a questão nacional Negra é, em essência, uma questão proletária, as organizações Marxistas-Leninistas do povo Negro vêm desempenhando um papel cada vez mais central nessas lutas, dirigindo, de forma clara, o principal golpe contra o inimigo imperialista e apontando o caminho para a unidade de todo o proletariado. Esse novo protagonismo da liderança Negra e mestiça na luta proletária como um todo está a abalar profundamente toda a estrutura da supremacia branca, a qual tem sido um dos pilares mais sólidos da classe dominante norte-americana na tentativa de impedir a unidade revolucionária das suas vítimas. O êxito da classe dominante — mesmo em períodos de crise extrema — em fazer com que setores dos trabalhadores brancos apoiem ou tolerem a opressão do povo Negro, desde a escravidão até os dias de hoje, com a negação da igualdade económica e dos direitos democráticos, é uma das principais razões pelas quais o monstro do imperialismo norte-americano conseguiu prolongar sua existência parasitária e perpetuar o sofrimento dos povos do mundo.
Historicamente, os trabalhadores do Terceiro Mundo procuraram a unidade com os trabalhadores brancos com base na igualdade e na dignidade, reconhecendo a exploração comum a que estão submetidos e o inimigo comum que enfrentam. No entanto, foi a virulência do racismo branco que, por demasiado tempo, impediu a unificação das massas trabalhadoras numa poderosa fortaleza anti-imperialista.
No decurso dessas lutas — que produziram uma crescente consciência nacional e um fortalecimento do orgulho identitário — emergiram militantes do Terceiro Mundo que deram voz e liderança à luta por reivindicações há muito reprimidas. À medida que se desenvolviam organizações revolucionárias entre os grupos do Terceiro Mundo, havia uma preocupação legítima em consolidar uma liderança autónoma nas lutas nacionais e em afirmar o seu potencial papel dirigente no processo revolucionário como um todo.
Dadas as circunstâncias históricas de super exploração, de opressão aguda e o nível limitado de consciência política entre os trabalhadores brancos quanto à origem e à função do racismo, era sem dúvida inevitável que os revolucionários do Terceiro Mundo viessem a construir suas próprias organizações revolucionárias. Tendo sido historicamente dominados, frequentemente enganados e, na melhor das hipóteses, apenas simbolicamente representados nas organizações fundadas por brancos, esses revolucionários reivindicam com razão o direito de formular os seus próprios programas, estabelecer as suas prioridades e exercer o controlo sobre os seus processos organizativos.
Esse é um aspeto correto do princípio da autodeterminação. Enquanto existir opressão nacional, haverá resistência crescente a ela; organizações nacionais — revolucionárias, pequeno-burguesas e reacionárias — existirão e disputarão a direção da luta dos povos oprimidos. Trata-se de um fenômeno mundial, e os Estados Unidos, nesse sentido, não são uma exceção.
Os Marxistas-Leninistas que atuam predominantemente entre as massas brancas reconhecem a necessidade de múltiplas formas organizativas voltadas para o progresso. No entanto, terão especial atenção e oferecerão apoio prioritário às organizações do Terceiro Mundo que combinem ideologia proletária com prática revolucionária. Tanto os Marxistas-Leninistas do Terceiro Mundo quanto os brancos reconhecerão a necessidade premente de fundar um Partido Comunista multinacional, no qual não haja membros de segunda classe, arrogância ou paternalismo — um Partido enraizado nas lutas de massas, dotado da autoridade e do apoio necessários para conduzir o povo à derrota do inimigo de classe.
Naturalmente, ao reconhecer o desenvolvimento de muitos indivíduos do Terceiro Mundo como dirigentes comunistas da luta no seu conjunto, não se pretende afirmar que isso ocorrerá automaticamente, apenas em virtude da sua origem ou do fato de pertencerem a povos mais oprimidos. Tal desenvolvimento ocorrerá apenas à medida que os comunistas do Terceiro Mundo elaborem a teoria e a prática que lhes permita unificar os trabalhadores do Terceiro Mundo, conquistar a direção das lutas nacionais e, simultaneamente, expressar-se em nome de toda a classe trabalhadora. Isso não acontecerá de forma automática — mas certamente acontecerá. Independentemente dos altos e baixos da luta de classes entre Negros e outros povos do Terceiro Mundo, as lições serão assimiladas e os objetivos, alcançados. Isso não se deve tanto a virtudes especiais dos comunistas, mas sim à virtude especial dos trabalhadores e dos povos oprimidos: a de nunca cessarem de lutar.
Ainda nesse sentido, embora com foco distinto, os comunistas brancos não podem apenas declarar, em princípio, aceitação da liderança dos revolucionários do Terceiro Mundo para se eximirem de sua tarefa essencial, que é conquistar os trabalhadores brancos para o apoio às lutas do Terceiro Mundo e à revolução. Tampouco podem utilizar o seu apoio pessoal como uma espécie de “aura moral” enquanto fracassam em gerar apoio das massas. Isso não é uma mera fórmula retórica; trata-se de uma condição e de um problema reais.
A intensidade da exploração e da opressão dos povos do Terceiro Mundo nos Estados Unidos deu origem a amplas ações de resistência e rebelião, num contexto em que o apoio mais visível partia de intelectuais e liberais brancos, motivados por sentimentos de humanitarismo ou culpa. Muitos desses “apoiantes” jamais refletiram seriamente sobre a revolução nos EUA ou sobre sua própria relação e responsabilidade perante o proletariado estadunidense como um todo. Encararam o movimento Negro de maneira isolada, desvinculado do contexto geral da sociedade burguesa norte-americana, restringindo assim sua visão e iniciativa, contentando-se com um papel de apoio limitado a uma gama relativamente ampla de reivindicações Negras.
Em muitos casos, essa aceitação de um papel secundário não refletia simplesmente modéstia ou disposição para aprender e respeitar a liderança alheia, mas sim uma abdicação da responsabilidade de contribuir de maneira mais positiva e construtiva, conforme exigia a conjuntura. Isso não constitui uma condenação a tais apoiantes — que são, sem dúvida, bem-vindos e úteis. Porém, por mais valiosos que sejam e dignos de reconhecimento, sua atuação não pode ser considerada como o pleno cumprimento da responsabilidade comunista.
Muitos desses apoiantes, impactados pela luta e com o auxílio de revolucionários do Terceiro Mundo, assumiram responsabilidades maiores. Contudo, um número considerável deles elevou essa atuação parcial à categoria de princípio, adornando-a com a retórica mais “revolucionária”. Alguns desses indivíduos, inclusive, têm-se mostrado prejudiciais, ao influenciar outros a adotar posturas de sectarismo dogmático, aventureirismo irresponsável — ou mesmo ambas ao mesmo tempo.
No documento Red Papers 4, tratamos de pelo menos alguns aspetos do aventureirismo, e não repetiremos aqui tais argumentos. Contudo, devemos considerar, no restante deste artigo, nossas divergências com a teoria e a prática de certos grupos que consideramos profundamente sectários, embora, em alguns casos, provavelmente bem-intencionados. Esses grupos podem ser agrupados de forma geral como aqueles que consideram que a tarefa mais importante e urgente do momento é a construção de um novo Partido Comunista antirrevisionista e que, para além disso, acreditam que isso pode ser alcançado por meio do debate de diferenças teóricas.
A União Revolucionária (Revolutionary Union - UR) também deseja a criação desse Partido o quanto antes — ontem teria sido infinitamente melhor do que amanhã. Mas estamos convencidos de que esse objetivo não pode ser alcançado por mera vontade ou por simples declaração. Não estamos na China de 1921, onde uma dúzia de pessoas podia reunir, reconhecer a necessidade de um partido e simplesmente proclamá-lo. Naquele contexto, isso foi possível (ainda que não de forma tão simplista) porque contavam com o apoio de um movimento comunista internacional que supervisionava, avaliava criteriosamente seu trabalho, oferecia críticas e prestava assistência.
Ainda assim, houve equívocos iniciais e retrocessos sérios. Hoje, quando diversos grupos se aproximam do Marxismo-Leninismo e procuram dominar sua aplicação à luta nos Estados Unidos, há apenas um critério válido: o critério da prática. Por essa razão, estamos convictos de que precisamos aprender a enraizar-nos nas lutas populares. Precisamos aprender a fazer avançar a Frente Única contra o Imperialismo, sob a liderança do proletariado, ou não conseguiremos construir um Partido Comunista duradouro.
A consciência sobre a necessidade de pôr fim ao racismo, à pobreza, às doenças e à degeneração provocados pelo imperialismo norte-americano cresce entre todos os povos dos Estados Unidos, à medida que o custo de tentar manter e expandir os seus lucros sangrentos obriga a classe dominante a submeter os trabalhadores, os povos oprimidos e até mesmo setores das classes médias a um sofrimento cada vez maior. Inflação, uma carga tributária de 40% (direta e indireta), desemprego, fome crescente, disseminação de doenças e o colapso de quase todos os serviços essenciais nas principais cidades estão gerando lutas cada vez mais numerosas e intensas entre os explorados e oprimidos, e cresce a consciência acerca da identidade e da natureza do inimigo.
Isso não significa que os governantes tenham perdido completamente a capacidade de fomentar a divisão, a desunião e a confusão, ou que estejam desprovidos de recursos entre as massas. Mas significa que tais recursos se estão a esgotar à medida que são cercados pelos povos do mundo e enfrentam resistência crescente internamente, de modo que sua capacidade de confundir e controlar a consciência de seus súditos enfraquece a tal ponto que, cada vez mais, a repressão tem de cumprir a função que antes cabia à propaganda — e os agentes da repressão tornam-se visíveis e expostos.
Ainda assim, a consciência dos explorados e oprimidos encontra-se relativamente pouco desenvolvida, mesmo diante da grave — quase desesperada — crise enfrentada pelos imperialistas. A unidade e a organização, embora tenham avançado em certa medida, ainda permanecem muito aquém da compreensão geral sobre a natureza do sistema. É neste ponto que o trabalho consciente dos revolucionários entre as massas — desenvolvendo a política, a organização e a unidade necessárias para esmagar o imperialismo — exige que demos existência efetiva ao partido de vanguarda da classe trabalhadora, capaz de liderar todos os povos oprimidos, como o Estado-Maior de uma ofensiva sustentada contra os exploradores, com o objetivo de destruir seu poder e pôr fim à sua existência como classe.
Mas a construção deste partido, o desenvolvimento da prática revolucionária e a conquista de autoridade política entre o povo são, à luz da história recente e passada, certamente processos complicados e difíceis. Esse processo foi especialmente dificultado pelo retrocesso da esquerda durante os anos do macartismo, na década de 1950, e pela revelação da tomada do poder na União Soviética pelo revisionismo — um recuo que se transformou em debandada à medida que o Partido Comunista dos EUA, corroído por deserções e pela ausência de liderança revolucionária, se tornou, e assim continua, profundamente revisionista e liberal-reformista.
Esse fracasso da esquerda nos anos 1950 e início dos anos 1960 resultou na perda de uma geração inteira para a revolução. E, com a nova ascensão revolucionária, impulsionada pela luta crescente do povo Negro e pela resistência revolucionária dos vietnamitas — culminando na adesão de muitos jovens, tanto do Terceiro Mundo quanto brancos, ao estudo e à prática da revolução —, foi talvez inevitável que, desprovidos de vínculo íntimo com o passado e com lideranças inexperientes, os muitos sucessos não pudessem ser consolidados diante da intensificação dos ataques. Assim, a divisão e o desespero levaram à fragmentação de diversas organizações políticas que haviam dado contribuições importantes à luta anti-imperialista.
Naturalmente, essa tendência para a fragmentação foi acelerada pela ação obstrutiva contrarrevolucionária do Progressive Labor e de outros grupos trotskistas, mas a verdade é que nós, revolucionários, não podemos culpar o inimigo pelos nossos fracassos — nem pelas ações diretas da classe inimiga, nem pelas dos seus fantoches contrarrevolucionários disfarçados sob uma fachada de esquerda. A crítica principal deve ser dirigida ao nosso próprio trabalho e à nossa comprovada incapacidade, em momentos difíceis, de consolidar as nossas fileiras, unificar a nossa ideologia e de avançar para um nível mais elevado de unidade na luta.
É dessa história que muitos, por todo o país, estão tirando lições. Assim, é possível prever — mesmo com a continuidade da fragmentação e o nível ainda bastante baixo de organização — que o pessimismo atual entre ativistas de movimentos passados é menos significativo do que a determinação crescente de diversos grupos revolucionários, ainda não unificados, em forjar vínculos reais com os trabalhadores e povos oprimidos dos EUA, enraizando-se nas lutas de massa e remodelando sua ideologia, de forma a estarem preparados para uma luta longa, árdua e paciente. É trilhando esse caminho, aprendendo com os erros, que certamente desenvolveremos uma nova unidade revolucionária e um novo partido revolucionário.
E, para dissipar qualquer dúvida: a União Revolucionária (Revolutionary Union - UR) não se considera esse partido, nem acredita que se transformará nele. Esse partido surgirá da fusão de forças que já estão em movimento com outras que ainda entrarão em ação. A UR é uma organização comunista multinacional que busca aplicar o Marxismo-Leninismo-pensamento Mao Tsé-Tung à realidade dos EUA, e que está firmemente empenhada em contribuir para o surgimento desse partido, e certamente espera — e pretende — fazer parte dessa transformação necessária rumo à vitória.
No Red Papers 1, observamos o crescente interesse pelo Marxismo-Leninismo entre os grupos atuantes nos movimentos Negros e juvenis e, sentimo-nos otimistas quanto à maré ascendente, e postulamos a convergência dessas forças, prescrevendo então: “No momento atual, a construção de coletivos em nível local e a troca de experiências entre eles podem contribuir de forma decisiva para a criação, num futuro próximo, de um Partido Marxista-Leninista.”
Desde então, evidentemente, o caminho não se mostrou tão claro. Muitos coletivos foram formados, tentaram atuar junto à classe trabalhadora, e houve um elevado índice de dissolução entre eles. Organizações revolucionárias Negras, atingidas pelo terror da classe dominante e divididas por conflitos internos, já não apresentam uma referência tão clara, à medida que a luta de classes na nação Negra se intensifica.
E embora, à época, apenas tenhamos registrado o surgimento de uma tendência anarquista, hoje é evidente que essa tendência se fortaleceu por um período e causou retrocessos ao movimento. Portanto, devemos reconhecer que, embora em alguns aspetos o nível de atividade tenha permanecido elevado — especialmente entre a classe trabalhadora —, o nível de organização caiu drasticamente. E, com a multiplicação das divisões, aumentou em certa medida a influência do partido revisionista e dos trotskistas de direita, como o Socialist Workers’ Party.
Essas são, certamente, características negativas, mas esses fracassos — essas deficiências teóricas e práticas — estão a levar a uma avaliação séria da experiência por parte de muitos revolucionários e coletivos revolucionários. E, embora haja divisão e desorganização, também há a certeza de que ocorrerá uma consolidação e um realinhamento, sendo que tais desenvolvimentos e um novo crescimento já estão em curso.
Isso baseia-se, sem dúvida, na crescente determinação de muitos coletivos ao redor do país de proletarizar mais profundamente a sua prática e, ao mesmo tempo, livrar-se do individualismo, da arrogância e de outros vícios burgueses. A UR também está determinada a fazer um balanço de sua própria experiência e da de outros, no esforço de cumprir a previsão feita no Red Papers 1: “O Partido Marxista-Leninista é o Estado-Maior geral da luta da classe trabalhadora. Há um único inimigo, o capitalismo monopolista, e, para derrotá-lo, precisaremos — e alcançaremos — um Estado-Maior unificado.”
O ponto mais importante que queremos enfatizar é que esse Estado-Maior unificado só poderá ser criado por meio da participação ativa na luta de classes. Ele não pode ser formado, como parecem pensar alguns dos grupos aos quais nos referimos anteriormente, por meio de debates teóricos ou — como alguns fizeram — por simplesmente se autoproclamarem o Partido ou a base exclusiva para sua formação. Na maioria das vezes, a atuação desses grupos em lutas concretas limita-se a dar conselhos, ao invés de se lançar diretamente na batalha. Como a sua concentração exclusiva na formação do Partido os impede de aprender com a luta, os seus conselhos acabam sendo profundamente derrotistas, transmitindo aos que lutam a ideia de que suas batalhas são inúteis, fadadas à traição e à liquidação, e de que deveriam apenas lutar pela criação de um Partido que os conduza à ditadura do proletariado e ao socialismo.
Eles leram Mao e, aceitando corretamente a tese de que qualquer grupo se divide em elementos avançados, intermediários e atrasados, decidem — corretamente — concentrar-se primeiro nos trabalhadores avançados. O problema está em quem consideram “avançado”. Em geral, sua conceção é de que um trabalhador avançado é aquele que aceita um panfleto comunista e diz: “É isso aí!”
A nossa conceção é bem diferente. Para nós, o trabalhador avançado é aquele que tem o respeito dos colegas de trabalho, a quem eles recorrem quando têm problemas, com quem compartilham dificuldades, ao redor de quem se unem em situações de conflito coletivo e que assume a liderança nas lutas. E isso é válido mesmo que o indivíduo expresse certo anticomunismo. Seu anticomunismo é condicionado social e mediaticamente e pode ser superado por meio de sua convivência com comunistas, justamente em razão de sua prática dedicada aos outros.
Evidentemente, aquele que diz “É isso aí” não deve ser ignorado e deve ser incluído no trabalho, mas não será reconhecido como trabalhador avançado até que receba tal reconhecimento de seus próprios colegas. De modo geral, também, esses grupos aceitam a ideia da Frente Única(1) contra o Imperialismo e não discordam particularmente das cinco frentes propostas pela UR, mas insistem que a construção de tal Frente Única deve esperar pela criação do novo Partido Comunista antirrevisionista. Nós acreditamos que esse Partido só poderá ser criado se todos nós trabalharmos juntos para fortalecer e consolidar a Frente Única sob liderança proletária.
As forças revolucionárias genuínas devem começar a empenhar-se em práticas comuns, lado a lado, e, com base na análise dessa prática, empenhar-se numa luta ideológica fraterna e construtiva, com o objetivo de forjar uma linha unificada, uma estratégia e uma tática comuns, bem como desenvolver diversos tipos de organizações de trabalhadores — nacionais, multinacionais, etc. Acreditamos que este é o caminho correto, não sectário, para construir o Partido.
Pensamos que uma das principais razões para o desenvolvimento de uma tendência sectária e dogmática entre certos grupos é que é muito mais fácil manter uma posição ideológica do que produzir resultados concretos. E essa tendência de se distanciar da prática tem um efeito protetor, pois a prática pode destruir por completo os esquemas favoritos de alguém.
Talvez a causa profunda da maioria dos problemas que enfrentamos esteja no individualismo, que por vezes se manifesta como “individualismo de grupo”. Este tem sido um problema internacional, é verdade, mas aqui, nos EUA, certamente lideramos o mundo nesse aspeto. Há uma tendência avassaladora de se considerar a si mesmo ou ao seu grupo como o centro do universo, e é necessário reconhecer com honestidade que esse também é um problema dentro da UR, e nem sempre conseguimos combatê-lo com êxito.
Temos muito a aprender com a Albânia e com a China; com as suas polémicas baseadas em princípios e que com as suas vitórias contra a traição ao Marxismo-Leninismo, promovida pelo revisionismo soviético, deram ânimo a todos nós que tentamos compreender o materialismo histórico e dialético, sem nos deixarmos abalar por retrocessos temporários nem com os desvios sérios ao longo do caminho sinuoso da luta. E a sua determinação, baseada em princípios, de superar completamente o peso morto do passado — até o nível do indivíduo —, expressa no lema chinês “Combater o ego, combater o revisionismo”, deve ser o método pelo qual lutaremos pela unidade e pela vitória.
Nós, o povo dos EUA, certamente venceremos. Os povos do mundo são nossos aliados poderosos, que enfraquecem nosso inimigo e nos ensinam. Também aprendemos com os golpes do inimigo de classe e nos inspiramos na resistência do nosso povo. Nada na Terra nos poderá deter.