O Partido Bolchevique
Pierre Broué

Capítulo V
Os Primeiros Passos do Regime Soviético e a Paz de Brest-Litovsk


O isolamento no que se refere às restantes tendências socialistas em que ficam, após a tomada do poder, os bolcheviques, não é de modo algum um fato fortuito. Os dirigentes do partido SR que, durante sua passagem pelo poder, se mostraram incapazes de satisfazer as reivindicações de massas que figuravam em seu programa, assim como de romper com a burguesia e com os aliados, não estão dispostos a secundar os que pretendem empreender tais tarefas depois de seu fracasso. Os mencheviques, de seu lado, consideram então – e continuarão fazendo mais tarde – como uma loucura sanguinária a tomada do poder por um partido operário quando, segundo eles, a Rússia só está madura para uma revolução burguesa e uma república democrática. Nem por um momento pensaram uns e outros que ante o regime nascido de outubro pudesse se abrir um futuro esperançoso. Igual aos partidos burgueses e os elementos oligárquicos, esperam uma queda que consideram inevitável. Todos eles são da opinião de que convêm acelera-lo, buscando o mal menor, isolando ao máximo os dirigentes bolcheviques. Os mencheviques mais próximos da revolução e mesmo o historiador Sukhanov, bolchevique “numa quarta parte”, opinam que a idéia de construir um estado socialista num país atrasado é uma verdadeira utopia, mas, acima de tudo, pensam que o verdadeiramente catastrófico é a destruição do antigo aparato de Estado, que, nas condições de guerra e total afundamento econômico em que se encontra a Rússia, não pode conduzir mais que à destruição das forças produtivas essenciais do país. Não obstante, se bem que Sukhanov não deseje isolar-se “das massas e da própria revolução” com o abandono dos sovietes, em troca, a maioria dos dirigentes SR e mencheviques, ao mesmo tempo que proclamam sua resolução de lutar contra os bolcheviques “sem a burguesia, em nome da democracia” preferem romper estes vínculos antes que os que os unem à burguesia internacional já que, é claro, não compartem as esperanças de revolução mundial dos bolcheviques e pensam que o apoio dos Aliados será indispensável para construir uma Rússia burguesa e democrática quando sobrevenha o final das hostilidades. Este é a origem de sua fidelidade à aliança militar durante sua estada no governo provisório, assim como das disposições favoráveis de muitos deles aos avanços dos Aliados que querem manter a Rússia na guerra custe o que custar, sustentando, desde o dia seguinte à insurreição, os esforços que, em primeiro lugar, tem por objetivo eliminar Lenin e Trotsky durante a discussão sobre a coalizão e, mais tarde, apoiar a legitimidade da Assembléia Constituinte que foi dissolvida em janeiro de 1918.

De fato, os bolcheviques, a partir do mês de fevereiro, se haviam limitado a encabeçar uma onda revolucionária que eles não haviam provocado, a orientando já que não a dominam. Os mencheviques e os SR, ao romper com eles, rompiam também com este movimento e corriam o risco imediato de ficar prisioneiros das forças burguesas cujo apoio aceitavam. De seu lado, os bolcheviques se encontravam na necessidade imperiosa de concretizar a vitória revolucionária satisfazendo as principais reivindicações das massas.

Este será o objetivo dos grandes decretos do II Congresso dos sovietes. O decreto sobre a terra, abole a propriedade privada dos prédios. “A terra não pode ser vendida, nem comprada, nem alugada, nem utilizada como garantia nem alienada de modo algum. A terra passa a ser propriedade da nação e seus produtos reverterão para aqueles que a trabalham”. A socialização da terra não figurava no programa do partido bolchevique, não obstante foi implantada porque este era o desejo da imensa maioria do campesinato. Tal medida figurava no programa dos SR e havia sido retomada pelos membros de sua ala esquerda, aliados dos bolcheviques entre o campesinato, concretizando desta forma a aliança dos aldeões com o poder soviético, único capaz de levar à cabo seu programa. Da mesma forma, o decreto sobre controle operário responde ao desejo dos operários de tomar a seu cargo a direção das fábricas, evitando assim que a insuficiência de conhecimentos técnicos provoque o caos na produção industrial.

Sem dúvida, a realização da parte mais substancial do programa da revolução, da reivindicação primordial das massas, a saber a paz, era infinitamente mais árdua. Na realidade, de todo modo era preciso introduzir esta formidável insurreição num novo marco, organizar a energia revolucionária que emana de milhões de homens, manter o funcionamento de uma economia gravemente enferma e fazer frente ao perigo de uma contra-revolução armada ou não; não obstante, a guerra obrigava os bolcheviques a empreeder esta tarefa imensa sob a ameaça dos exércitos alemães ao longo de uma frente de vários quilômetros: porém, ao não se produzir um levante revolucionário nos países beligerantes, e sobretudo na Alemanha, a paz não podia constituir mais que uma capitulação sobre a que pesariam sem dúvida as piores condições de inferioridade.

O isolamento político dos bolcheviques acarretava igualmente o endurecimento de sua autoridade sobre todos aqueles que não consideravam ainda a insurreição um fato consumado. Trotsky havia confiado a Sadoul seu desejo de conseguir uma coalizão autêntica: em caso contrário, precisava, “para evitar novas tentativas anti-bolcheviques, será preciso exercer uma impiedosa repressão e o abismo se aprofundará ainda mais”[1]. Os bolcheviques, com plena consciência de todos estes perigos, se esforçaram em resistir, à espera do socorro que lhes chegaria da Europa industrial e, sobretudo, da Alemanha operária. “Não foi nossa vontade, dirá Lenin, mas as circunstâncias históricas, a herança do regime czarista e a debilidade da burguesia russa as causas de que (nosso) destacamento se tenha antecipado aos outros destacamentos do proletariado internacional: não o quisermos, foram as circunstancias que nos imporam. Mas devemos permanecer em nosso posto até que chegue nosso aliado, o proletariado internacional”[2]. Para “permanecer em seu posto”, os bolcheviques não viam outro meio que o de prosseguir e intensificar a atividade das massas que lhes haviam levado ao poder. “Lembrem, dizia Lenin aos operários e camponeses russos, que, na atualidade, são vós mesmos os que dirigem o Estado: ninguém os ajudará se não permaneceis unidos, tomando nota de todos os assuntos do Estado”[3].

 O Sistema Soviético

O único sistema que, segundo Lenin, permite “uma cozinheira dirigir o estado”, é o sistema dos sovietes. Às vésperas da insurreição de outubro, se encontram em qualquer lugar, exercendo a totalidade ou uma parte importante do poder. A insurreição se leva a cabo em seu nome e o 11 Congresso pan‑russo assim o ratificará entregando, a todos os niveis “o poder aos sovietes”. O verdadeiro sentido de tal medida vêm definido pelo chamado do comitê executivo de 4 (17) de novembro de 1917, que foi redigido por Lenin:

“os soviete locais podem, segundo as condições de lugar e de tempo, modificar, ampliar e completar os principios básicos estabelecidos pelo governo. A iniciativa criadora das massas, este é o fator fundamental da nova sociedade (...) O socialismo não é resultado dos decretos vindos de cima. O automatismo administrativo e burocrático é estranho a seu espírito, o socialismo vivo, criador, é a obra das próprias massas populares”[4].

A estrutura da organização, assim como os principios em que haverá de basear seu funcionamento, serão enunciados nas circulares do conselho de comissários do povo e do comissariado do interior. A de 5 de janeiro de 1918 estipula:

“os sovietes são, em todas as partes, os órgãos da administração do poder local, devendo exercer seu controle sobre todas as instituições de caráter administrativo, econômico, financeiro e cultural (...) Todo o território debe ser coberto por uma rede de sovietes, estreitamente conectados uns com os outros. Cada uma destas organizações, até a mais pequena, é plenamente autônoma quanto às questões de caráter local, mas deve adaptar sua atividade aos decretos gerais e as resoluções do poder central e das organizações soviéticas mais elevadas. Desta forma, se estabelece uma organização coerente da República Soviética, uniforme em todas as suas partes”[5].

A constituição soviética de 1918 retomará este esquema em seu artigo 10, ao afirmar que “toda a autoridade no território da RSFSR.[6] se encontra nas mãos da população trabalhadora, organizada nos sovietes urbanos e rurais”, e no artigo 11: “a autoridade suprema (...) se encontra nas mãos do Congresso Pan‑Russo dos Sovietes e, nos intervalos entre congressos, nas de seu Comitê Executivo”[7].

Os sovietes são congressos que, na medida do possivel, agrupam os trabalhadores em seus próprios lugares de trabalho, no marco de sua vida social. De fato, só os sovietes camponeses supõem uma democracia direta baseada em assembléias gerais em que os presentes podem prescindir dos delegados, discutir entre eles e tomar decisões sobre seus problemas. Durante certo tempo, serão os únicos a aceitar a apelação de sovietes, pois os conselhos de deputados serão conhecidos como sovdepi. Os representantes dos sovietes camponeses integram o soviete de distrito; os delegados do distrito, por sua vez, fazem parte do soviete comarcal, da mesma forma que os sovietes de fábrica e de bairro integram os soviete das cidades. Neste nivel, se encontram os sovietes operários e camponeses: o congresso comarcal rural e o congresso de cidade, urbano, se integram num congresso provincial, por cima do qual se acham os diferentes congressos regionais que nomeiam seus representantes no congresso pan‑russo dos soviets e ao qual os sovietes das grandes cidades delegam diretamente seus representantes.

O direito de voto para os sovietes não é nem “universal” nem “igualitario”: a ditadura do proletariado é exercida únicamente pelos proletários; não têm direito a voto os homens e mulheres que empregam assalariados, nem aqueles que não vivem de seu trabalho, isto é, os homens de negócios, os padres e os monjes. (Não obstante, sobre a concepção chamada “leninista” da ditadura do proletariado que foi amplamente difundida em anos posteriores, é interessante recordar a postura que manteve Lenin em 1918:

“Hoje, todavia, convêm afirmar que a restrição do direito eleitoral é um problema particular de cada nação [...] Seria um erro afirmar de antemão que todas ou a maioria das futuras revoluções proletárias na Europa irão restringir forçosamente os direitos eleitorais da burguesia»[8].

A representação dos operários é mais importante que a dos camponeses. Os sovietes rurais têm um deputado a cada 100 habitantes com um mínimo de três e um máximo de cinquenta, os sovietes comarcais têm um deputado a cada 1.000 habitantes ou dez membros do soviete local e os provinciais, um por cada 10.000 eleitores ou cem deputados. Sem dúvida, no congresso regional, há um deputado a cada 25.000 eleitores rurais e um a cada 5.000 eleitores urbanos. Nos congressos pan‑russos se dá a mesma proporção: os operários contam com um deputado a cada 25.000 eleitores, enquanto os camponeses só têm um a cada 125.000. Este é o resultado prático das condições da fusão entre o congresso dos sovietes operários e o dos sovietes camponeses: os bolcheviques defenderão esta desigualdade com o argumento da necessidade de que a classe operária desfrute, dadas as condições russas daquela época, da hegemonia, negando-se ao mesmo tempo a elevar esta prática á qualidade de principio universal.

À parte esta, existem poucas normas gerais salvo o principio fundamental da revogabilidade dos mandatos; a este respeito Lenin declara:

“Toda formalidade burocrática assim como qualquer tipo de limitação desaparecem das eleições, as próprias massas determinam a forma e o ritmo das eleições com pleno direito de revogar seus representantes”[9].

Não obstante, se fixa a duração do mandato dos sovietes locais em três meses, estabelecendo-se ao mesmo tempo como principio a reunião do Congresso pan‑russo dos sovietes ao menos duas vezes ao ano.

O Funcionamento

Não existe nenhum estudo sobre o funcionamento dos primeiros sovietes excetuando o excelente esboço de Hugo Anweiler. Não obstante, pode-se afirmar que, nos meses que se seguiram à insurreição de outubro, os sovietes estenderam rapidamente sua autoridade ao conjunto do território substituindo os conselhos municipais dos quais se dissolvem 8,1% em dezembro, 45,2% em janeiro de 1918, 32,2% em fevereiro e o resto entre março e maio do mesmo ano[10]. Na maior parte das cidades, sobretudo nas maiores, uma parte do aparato administrativo municipal continua funcionando sob o controle do soviete. Os sovietes dos trechos intermediários, distrito e comarca ou zona, que desempenharam um importante papel na extensão da rede soviética, devem interromper a seguir sua atividade. Numerosos sovietes locais se comportarão como verdadeiros governos independentes, proclamando minúsculas repúblicas soviéticas que contam com seu próprio conselho de comissários do povo. Seja esta a realização do Estado‑comuna ou, pelo contrário, a demonstração da insuficiência do novo Estado proletário, de todo modo, Lenin após o inicio da guerra civil insistirá em afirmar que esta disseminação era necessária: “Nesta aspiração ao separatismo, escreve, existia algo são e proveitoso na medida que se tratava de uma aspiração criadora”[11].

O estabelecimento do poder central e seu funcionamento irão se chocar mais adiante com outro tipo de dificuldades e conhecerão novos ensaios. Os comissários do povo encontram ministérios desertos ou revolucionados, enfrentam toda classe de obstáculos, desde a falta de chaves para entrar no escritório até a greve do pessoal. Os primeiros serviços da maioria dos comissariados são improvisados manu militari por destacamentos revolucionários de militantes operários ou soldados: desta forma organizam para Trotsky o Comissariado de Assuntos Exteriores os marinheiros de Markin enquanto que o do trabalho é posto em funcionamento para Schliapnikov pelos metalúrgicos do sindicato. Quando os bandos de pilhagem penetram nas bodegas das mansões e aristocráticos hotéis para se apoderar dos vinhos e da vodka, são os grupos de intervenção integrados por operários ou marinheiros bolcheviques ou anarquistas os que lhes dão caça, violam as cavas e destroem os estoques da “vodka que adormece o povo”. As primeiras tentativas contra-revolucionárias em Petrogrado se chocaram com patrulhas armadas deste tipo; os responsáveis, vencidos, serão acusados em assembléias espontaneamente reunidas, autênticos tribunais integrados por operários voluntários ou eleitos.

Esta vanguarda operária constitui, durante alguns dias, a única força verdadeiramente organizada à serviço de um governo cuja essência se vai definindo muito gradualmente. O Congresso pan‑russo irá se reunir três vezes em seis meses e, no ínterim, sua autoridade é exercida pelo comitê executivo que elege. Não obstante este último conta com mais de duzentos membros, o que o converte num organismo demasiado incômodo para o poder executivo, que se lhe destina; esta é a razão de que designe os comissários do povo cujo conselho formará o verdadeiro governo. Cada comissário conta com um “colégio” de cinco membros do comitê executivo que têm direito a apelar contra as decisões ante o conselho ou ante o comitê executivo. Os conflitos abundam neste período já que os comissários do povo têm uma certa tendência, urgidos pela necessidade, a atuar sem esperar o consenso do comitê executivo e, terminarão por ditar leis, conservando posteriormente este direito que, a principio, não lhes havia sido atribuido mas tão pouco proibido.

 Os Partidos e a Democracia Soviética

Os sovietes, em todos os niveis, compreendem evidentemente membros dos diferentes partidos. O fato de que as eleições se levem a cabo quase sempre mediante a votação pública exclui, até certo ponto os representantes das organizações direitistas a principio, e mais adiante todos os pertencentes daqueles que reivindicam a autoridade da Assembléia Constituinte. Não obstante, o comitê executivo eleito pelo III Congresso compreende ainda sete SR de direita, junto aos 125 SR de esquerda e os 160 bolcheviques.

Os SR de esquerda provinham da tendência do velho partido encabeçada por Natanson e Spiridovna, que, durante a guerra, havia rechaçado a política de união sagrada. No congresso de maio de 1917, haviam apresentado sua própria plataforma, pronunciando-se a favor da ruptura de todo tipo de aliança com os partidos burgueses, da criação de um governo puramente socialista, da paz imediata e da socialização da terra. Haviam sido expulsos pela direção de seu partido ao terem-se negado a obedecer aos dirigentes que, em sinal de protesto, haviam abandonado a sala que celebrava a sessão plenária do II Congresso (que acabava de aprovar a insurreição de outubro), constituindo-se nesta data como partido independente e conseguin­do, como vimos, uma representação no governo. Pertencem à maioria e contam com 284 delegados no IV Congresso e com 470 no V sobre um total de 1.425 deputados. Inclusive depois de sua saída do governo, ocupam postos importantes no novo Estado, no exército e na Cheka, ou policia especial destinada à repressão de atividades contra-revolucionárias. Seus porta-vozes são Katz, aliás Kaníkov, Karelin y, sobretudo, a prestigiosa María Spiridovna, legendária terrorista e apóstola da revolução camponesa; sua atividade consiste em assestar nos dirigentes bolcheviques críticas e ataques as vezes muito violentos. Desde a insurreição de outubro até o começo da guerra civil sua imprensa aparece com inteira liberdade.

Os mencheviques subsistem igualmente. Uma fração dos internacionalistas permaneceu no congresso dos sovietes apesar da demissão da maior parte dos deputados do partido. A reunificação entre o partido de Dan e os internacionalistas de Mártov se realiza em março de 1918 e a ela segue um congresso que se celebra em maio. Até o mês de maio de 1918 aparece um órgão central dos mencheviques, Novy Luch, também aparecem Vpériod, que é o jornal do grupo de Mártov, e uma dezena mais de publicações diárias ou periódicas. Não obstante, os mencheviques hão de se lamentar de sofrer sequestros, proibições e detenções arbitrárias. Estas devem se atribuir mais a circunstancias e iniciativas locais que a uma política repressiva de conjunto, ainda quando uma importante fração dos mencheviques continua declarando-se partidária de uma intervenção estrangeira e a maioria insiste em sua fidelidade à Assembléia Constituinte.

Tanto antes como depois de outubro, os anarquistas desempenharam um importante papel. Sua influência é considerável entre os marinheiros da frota do Báltico e certos regimentos, moscovitas sobretudo, foram ganhos para sua causa. Se subdividem num grande número de grupos, alguns deles, enquanto condenam a insurreição por ter dado origem a um novo “poder”, aceitam defender a autoridade dos sovietes enquanto outros a impugnam. Em geral, estão de acordo com os bolcheviques no momento da dissolução da Constituinte, cuja liquidação expressa será levada a cabo precisamente por um deles, o marinheiro Selezniak. A principios do ano 1918, contam com seus próprios locais, sua organização, sua imprensa, sua milicia ou guarda negra e seus incontrolados que são acusados de bandidagem e pilhagem. No executivo  seu porta-voz é Alessandro Gay, que confia a Sadoul seu propósito de “cavar a tumba dos bolcheviques”[12]. Em abril, a Cheka inicia uma vasta operação contra eles, rodeia seus locais e leva a cabo centenas de detenções. A guarda negra é dissolvida. Oficialmente esta depuração têm por objetivo se livrar dos elementos duvidosos que se infiltraram em suas fileiras; outro motivo foi a queixa emitida pelo coronel Robins, representante oficioso dos EUA. Não obstante, a maioria das prisões não são definitivos, os militantes conhecidos são libertados e, a falta de armas, conservam sua imprensa e seus locais. De fato, numerosos mili­tantes anarquistas são atraídos fortemente pelo bolchevismo no inicio da revolução, se reconciliando com a concepção que Lênin ostenta do Estado e com a imagem que dele dão os sovietes: o russo‑americano Krasnotchekov e o franco‑russo Kibálchich, alias Víctor Serge, se unem ao partido bolchevique; outros, sem chegar a se filiar, colaboram assiduamente. Este é o caso do ex-presidiário Sandomirsky e seu companheiro Novomirsky, do anarco‑sindicalista Alexandro Schapiro e, sobretudo, do antigo líder dos sindicatos revolucionários americanos IWW, o russo‑americano Bill Chatov, que será um dos fundadores da república soviética do Extremo‑Oriente e do Exército Vermelho. O próprio Gay participará na guerra civil no lado vermelho, sendo fuzilado pelos Brancos em 1919.

Assim, penosamente as vezes, funciona no marco dos sovietes um regime pluripartidarista com seus inevitáveis corolários de conflitos ideológicos e as lutas retóricas e polêmicas da imprensa. O leitor russo pode inclusive seguir as atas dos debates do executivo onde os lideres dos diferentes partidos se enfrentam: León Sosnovsky, porta-voz da fração bolchevique e Bukharin que é um dos oradores governamentais com mais audiência, Gay, Martov, Karelin e Spiridovna, sob o autoritário jugo de Svérdlov, presidente de estentórea voz cujo apelido é “fecha‑bocas”. Para os bolcheviques, isto supõe um êxito indiscutivel pois, desta forma, seu isolamento deixa de ser total e constitui a prova de que sua influência não diminui posto que, depois da vitória, é possível descartar as medidas repressivas que sua precária situação talvez teria tornado aconselhável.

Não obstante, neste quadro de conjunto vão surgir inumeráveis dificuldades, em particular no referente à liberdade de imprensa. Os bolcheviques não têm a este respeito uma postura abstrata. Assim expõe Trotsky claramente ante o soviete de Petrogrado:

“Todo homem que conte com um capital têm direito, ao contar com meios suficientes, abrir uma fábrica, uma loja, um bordel ou um jornal a seu gosto (...) Mas acaso os milhões de camponeses, operários e soldados desfrutam da liberdade de imprensa? Eles não contam com a condição essencial da liberdade, isto é, com os meios reais e autênticos necessários para a publicação de um jornal”[13].

Propõe então a nacionalização das tipografias e das fábricas de papel, assim como a atribuição de instalações de impressão aos partidos e grupos operários de acordo com sua influência real. Neste sentido, Lenin redige um projeto em que se reconhece a todo agrupamento que represente pelo menos dez mil operários o direito de editar um jornal, disponibilizando inclusive um fundo para financia-lo [14]. Nenhum destes projetos chegara a se realizar e, de fato, as únicas medidas que se tomaram foram repressivas. Não obstante, as proibições que se seguiram à ameaça de defender com as armas a causa da Assembléia Constituinte, suscitaram acalorados protestos nas fileiras revolucionárias. O governo se encontra, de fato, pressionado por duas necessidades contraditórias: a de ter que autorizar a manifestação de uma oposição que considera legítima e inclusive necessária e, de outro lado, a de impedir que o adversário utilize a imprensa como uma arma que se teme, não sem razão, dada a situação russa em que os pânicos e rumores alarmistas podem dar à provocação um terreno propício. Nada reflete esta dupla preocupação melhor que o chamado emitido por Volodarsky, comissário de informação, na Krásnaya Gazeta de Petrogrado: “A liberdade de criticar os atos de poder dos sovietes, a liberdade de agitação em beneficio de outro tipo de poder, se a daremos a nossos adversários. Se o entendeis assim garantiremos a liberdade de imprensa. Mas renunciais às noticias falsas, à mentira e à calunia»[15]. O próprio Volodarsky cairia em 21 de junho, vítima das balas dos terroristas SR, aqueles mesmos a que havia oferecido a liberdade de expressão sob condição de que renunciassem à violência verbal...

Nesta época, a situação piorou gravemente. Desde o mês de março aumenta a escassez de alimentos, os efeitos da fome surgem em todo lugar deixando, segundo a expressão de Kayúrov “as cidades famintas cara a cara com cem milhões de camponeses hostis”[16]  que começam a se rebelar contra as requisições. Os agentes dos Aliados, isto é, os generais czaristas preparam o contra ataque empunhando as armas. Sobretudo, o problema da paz divide profundamente a maioria soviética, lançando os SR de esquerda contra os bolcheviques e fracionando os próprios bolcheviques: o tratado de Brest‑Litovsk vai sancionar de um momento para outro a amputação de una parte importante do território russo. Tanto a guerra como o fundamental imperativo de terminá-la rapidamente serviram, pois, para inverter intensamente os elementos básicos do problema da democracia soviética.

 O Comitê Central e o Problema da Paz

As teses de abril haviam colocado o problema conforme as perspectivas de Lenin e Trotsky acerca da revolução européia: a guerra só concluiria com uma paz democrática no caso do poder do Estado passar, em outros países beligerantes, para as mãos do proletariado. Lenin e Trotsky afirman em diferentes ocasiões que a revolução russa não poderia sobreviver sem a vitória da revolução européia. Este é, pois, o enfoque do qual se pode compreender as ofertas de paz que se fizeram a todos os beligerantes e que acompanham um imenso esforço para chegar às massas mediante a propaganda revolucionaria e a confraternização. Não obstante, durante as semanas que seguem à vitória de Outubro, não se produz nenhum movimento revolucionário na Europa. Para o governo bolchevique, a paz se converte numa necessidade absoluta, tanto para satisfazer o exército e o campesinato como para ganhar tempo com vistas à revolução européia.

A manobra é delicada: é preciso, simultâneamente, negociar com os governos burgueses e lutar politicamente contra eles, isto é, utilizar as negociações como uma plataforma da propaganda. revolucionária. Há de se evitar qualquer aparência de compromisso com um ou outro dos clãs imperialistas, tratando não obstante de evitar que a Rússia revolucionaria arque com as conseqüências de uma paz política entre imperialistas, que, sobretudo, bloquearia a revolução que os ameaça no interior. As negociações do armistício se iniciam em Brest‑Litovsk em novembro de 1917 entre uma delegação alemã e uma delegação russa pois os aliados se negaram a participar em negociações gerais. O armistício, que se firma no dia 2 de dezembro, estabelece um status quo territorial (permanecendo os exércitos russo e alemão em suas respectivas posições) e proporciona à delegação russa importantes satisfações morais: as tropas alemãs da frente russo não serão transferidas à frente ocidental, se organizam “relações” entre os soldados russos e alemães, isto é, se oferecem ótimas condições para a confraternização e o desenvolvimento da propaganda revolucionaria russa.

Nas conversações de paz que começam no dia 22 de dezembro, Trotsky encabeça a delegação russa, convertendo-se, com tal cargo, no fiscal de todos os povos ao se enfrentar com a diplomacia imperialista, e igualmente o utilizando para ganhar tempo e desmascarar a política alemã. Sem dúvida, no dia 5 de janeiro, o general Hoffmann joga sua carta: Polônia, Lituânia, Rússia Branca e a metade da Letônia devem permanecer ocupadas pelo exército alemão. Os russos têm um prazo de dez dias para contestar ou não. Devem pois ceder ao cutelo que ameaça os decapitar? Podem opor resistência, como sempre afirmaram que fariam em semelhantes circunstâncias declarando a “guerra revolucionária”? Nem Lênin, que defende a primeira destas posturas, nem Bukharin, partidário da segunda, conseguem a maioria no Comitê Central que, por último, resolve seguir Trotsky. Por 9 votos contra 7, a resolução adotada é por fim à guerra sem firmar a paz. Trotsky informará à delegação alemã de que “A Rússia, ao mesmo tempo que se nega a firmar uma paz com anexações, declara o fim da guerra”. Os delegados russos abandonan Brest‑Litovsk. De seu lado, a Alemanha, que acaba de firmar um tratado de paz com um governo fantoche da Ucrânia, comunica que considera a atitude russa como uma ruptura do armistício. No dia 17, os alemães lançam uma ofensiva em todo a frente. Lênin propõe ao Comitê Central voltar a empreender as conversações de paz. Sua moção é derrotada por 6 votos contra 5. Frente a ele, Bukharin e Trotsky impuseram a decisão de “atrasar o começo de novas negociações de paz até que a ofensiva alemã seja suficientemente clara e se revele sua influencia sobre o movimento operário”[17]. Mas Lênin considera que estas são frases ocas e que, de fato, a maioria do Comitê Central evita suas responsabilidades. Coloca então a questão do que se fará se o exército alemão seguir avançando e a revolução não estourar na Alemanha: desta vez, o Comitê Central parece opinar, por 6 votos contra l, o de Ioffe, e 4 abstenções, que efetivamente teria que voltar a empreender as negociações. Nesta votação Trotsky se uniu a Lênin. No dia 18, o Comitê Central deve reunir-se de novo pois o avanço alemão progride muito rapidamente na Ucrânia. Lênin propõe reempreender as negociações partindo das propostas que a delegação russa se negou a firmar antes: de novo o segue Trotsky e a moção é aceita por 7 votos contra 5. O governo, por conseguinte, tomará de novo contato com o Estado Maior alemão cuja resposta chega no dia 23 de fevereiro. As condições pioraram: desta vez se exige a evacuação da Ucrânia, Livônia e Estônia. A Rússia vai ser privada de 27% de sua superfície cultivável, de 26% de suas vias férreas e de 75% de sua produção de aço e ferro[18].

No Comitê Central volta a se iniciar a discussão: Bukharin exige que se rechacem as condições alemãs e que se empreenda a resistência todo custo, isto é, a “guerra revolucionária”. Lênin solicita que se ponha fim ao “palavrório revolucionário” e ameaça uma vez mais se demitir se o Comitê Central não adotar sua postura. Stalin propõe, como meio termo, que se voltem às negociações. Lênin exige então que o Comitê Central se pronuncie de forma definitiva sobre a aceitação ou rechaço imediatos das condições alemãs, apoiando, de seu lado, a aceitação que será adotada por 7 votos contra 4. Trotsky não está convencido mas se nega a correr o risco de iniciar uma guerra revolucionária sem Lênin na cabeça do governo. No mesmo dia, o comitê executivo dos sovietes aprova a resolução do Comitê Central que defendem os bolcheviques por 116 votos contra 84, abstendo-se um grande número de deputados mencheviques. O tratado que mutila a Rússia é firmado no día 3 de março de 1918 em Brest-Litovsk.

Até o último momento se consideraram todas as eventualidades, inclusive as ofertas de ajuda material e militar comunicadas pelos embaixadores dos países aliados: de outro lado, sobre este ponto se dão idênticos agrupamentos no Comitê Central, pois os partidários da “guerra revolucionaria” votam pelo rechaço da ajuda aliada. Frente a eles se encontra Trotsky, que é partidário de aceitá-la, se for o caso, e que conta com o apoio de Lênin cujo voto é a favor de “receber batatas e munições dos bandidos imperialistas”[19].

 O Partido à Beira da Cisão

A polêmica que se entabulou por ocasião do tratado de Brest‑Litovsk esteve a ponto de provocar uma cisão no partido. A partir da decisão do Comitê Central, um grupo de responsáveis entre os quais se encontram Bukharin, Bubnov, Uritsky, Piatakov e Vladimir Smirnov se demitem de todas as suas funções e retomam sua liberdade de agitação dentro e fora do partido. O burô regional de Moscou declara que deixa de reconhecer a autoridade do Comitê Central até que se leve a cabo a reunião de um congresso extraordinário e a convocatória de novas eleições. Em base à proposta de Trotsky, o Comitê Central vota uma resolução que garante à Oposição o direito de se expressar livremente no seio do partido. O órgão moscovita do partido, o Social Demócrata, empreende uma campanha contra a aceitação do tratado do dia 2 de fevereiro. A República soviética da Siberia se nega a reconhecer sua validez e permanece em estado de guerra com a Alemanha.

No dia 4 de março, o comitê do partido em Petrogrado publica o primeiro número de um diário, o Kommunist, cujo comitê de redação é formado por BukharinKarl Rádek e Uritsky, e que será a seguir o órgão público da oposição que integram aqueles que já se conhecem como “comunistas de esquerda”. A coincidência desta iniciativa com a celebração do congresso que a oposição havia exigido e no qual suas teses haviam sido derrotadas, parece revelar sua determinação em empreender o caminho da cisão, com a correspondente criação de um partido rival daquele, que, desta vez por unanimidade, acaba de adotar o nome de “Partido Comunista”.

De fato, os “comunistas de esquerda” enfrentam uma linha completa à proposta por Lênin. A brutal queda da produção industrial obrigou o conselho de comissários do povo a restringir o alcance das iniciativas empregadas pelos operários nas fábricas em que se agito o ensino do “controle operário”. Primeiro no Comitê Central e mais tarde no congresso, Lênin promoveu a adoção de toda uma série de energéticas medidas para deter a desorganização da industria, tais como a manutenção, durante todo o tempo que for possível, da antiga administração capitalista das empresas, concessões que assegurem os serviços dos especialistas e técnicos burgueses, restabelecimento do cargo de diretor e administrador e, por último, estímulo da produtividade operária mediante um sistema de prêmios controlado pelos sindicatos. Lênin não dissimula que, em sua opinião, o controle operário não é mais que um mal menor que terá que tolerar até que se possa organizar um controle estatal. Nestas medidas, os comunistas de esquerda só vêem um retrocesso da revolução. Segundo Bukharin, o partido se encontra numa fase decisiva de sua história: ou a revolução russa empreende a luta, sem compromissos de espécie alguma, contra o mundo capitalista mediante a “guerra revolucionaria”, ao tempo que aperfeiçoa sua obra no interior com uma nacionalização total e a delegação da direção da economia a um organismo cuja origem poderia estar nos comitês de controle, ou firma a paz com a Alemanha e empreende a via do compromisso com o exterior e da subseqüente degeneração interior.

Lênin afirmou a necessidade de um período de “capitalismo de estado” que restabeleça a economia; os comunistas de esquerda denunciam a aparição de relações “pequeno‑burguesas” nas empresas e condenam a concepção “centralista burocrática” que as inspira, assim como o abandono, na prática, da tese do “Estado‑comuna administrado de baixo” que deveria constituir a base do Estado operário. Bukharin então ironiza sobre a presença, que logo será obrigatória ao que parece, de um “comissário” ao lado de cada uma daquelas cozinheiras chamadas a dirigir o estado.

Lênin replica a esta acusação com uma análise da situação “extraordinariamente penosa, difícil e perigosa do ponto de vista internacional; é necessário descrever rodeios, retroceder; trata-se de um período de espera de novas explosões revolucionárias no Ocidente que laboriosamente se gestam; no interior do país, é um período de lenta edificação, de inflexíveis chamadas à ordem, uma grande e encarniçada contenda que se enfrentam o rigoroso espírito de disciplina proletário com o ameaçador elemento que constituem a apatia e o anarquismo pequeno‑burguês”[20].

Pode se ver, como afirma Robert V. Daniels, nesta polêmica o germe dos futuros conflitos, o enfrentamento entre o aspecto realista e o utópico do bolchevismo? Sublinhamos, de acordo com E. H. Carr, que a discussão não termina com a vitória de um principio sobre outro, pois não são princípios que se discutem. Certamente, Bukharin e seus companheiros temem que a aceitação da paz com a ameaça de uma faca na garganta signifique o abandono da política de revolução internacional e constitua de certo modo o prólogo de uma espécie de linha de coexistência pacífica que só poderia desembocar na degeneração da revolução. Sem dúvida, Lênin não abandona a perspectiva da revolução européia: “É rigorosamente certa a afirmação de que sem revolução alemã pereceremos”, proclama[21]. Se nega a admitir a análise de Riazanov que afirma que o partido enfrenta o dilema de estar “com as massas camponesas ou com o proletariado da Europa Ocidental”. Deseja uma paz imediata que seria de uma vez condição indispensável do apoio camponês e trégua à espera de reforços: “Seria um erro basear a tática do governo socialista da Rússia na tentativa de determinar se a revolução socialista há de estalar ou não na Europa, e sobretudo na Alemanha, durante os seis próximos meses”[22]. Mantêm também que “a revolução socialista deve vir e virá de fato na Europa”, afirmando de novo: “Todas nossas esperanças na vitória definitiva do socialismo estão baseadas nesta certeza, nesta previsão científica”[23].

 O Restabelecimento da Coesão

O partido há de restabelecer sua coesão durante os meses seguintes. A este respeito, a atitude de Trotsky é decisiva. “Na atualidade, não haveria golpe mais grave para a causa do socialismo que o que lhe infligiria o afundamento do poder soviético na Rússia”[24], declarou no Comitê Central. Este afã seu de preservar as oportunidades da revolução européia e o profundo respeito que sente por Lenin, são as principais motivações de sua atitude no Comitê Central e no Congresso de março de 1918; em ambos organismos mantêm suas reservas e suas críticas mas multiplica igualmente seus esforços para impedir a cristalização das divergências. Ele é que convence Ioffe e Dzherzhinsky para que não sigam Bukharin em sua oposição pública e é ele também que, para o conservar, oferece a Bukharin total liberdade de expressão dentro do partido. Neste esforço de síntese que leva a cabo para preservar a democracia interna, dentro de uma perspectiva de revolução internacional, é ele, após ter impedido o rompimento, o agente da nova coesão.

Bukharin, que durante bastante tempo parecia estar disposto a tudo, vacila. Criar um novo partido comunista e empreender a luta contra o que Lênin dirige, com a perspectiva de substitui-lo na direção revolucionaria não é nenhuma insignificância. Também os comunistas de esquerda temem uma cisão, prenhe de riscos consideráveis e, no que a eles diz respeito, de esmagadoras responsabilidades. Kommunist, que fora transferido para Moscou, interrompe sua aparição diária e se converte em semanário. No partido, a discussão não parece favorável à oposição. Desde o mês de maio, perdera a maioria em Moscou e na região do Ural, dirigida por Preobrazhensky. Acaso os comunistas de esquerda consideraram uma possível aliança “parlamentar” com os SR de esquerda, inimigos como eles da afirmação do tratado, no comitê executivo dos sovietes? Parece ser que esta aliança lhes foi efetivamente proposta: uma pacífica mudança de maioria dentro do executivo teria, desta forma, provocado a substituição do governo de Lênin por um governo Piatakov, partidário da guerra revolucionária. Bukharin que mais adiante revelará estas conversações, precisa não obstante que os comunistas de esquerda rechaçaram as ofertas dos SR de esquerda.

Precisamente a atitude destes últimos será a que decidiu a volta da oposição ao partido. No mês de junho, os SR decidem empreender uma campanha terrorista com o fim de que se reabram as hostilidades contra a Alemanha. Por ordem de seu Comitê Central, um grupo de SR de esquerda do qual faz parte o jovem Blumkin, membro da Cheka, atenta com êxito contra a vida do embaixador da Alemanha, o conde Von Mirbach. Outros SR de esquerda, que também pertencem à Cheka, detêm os responsáveis comunistas e tentam provocar um levantamento em Moscou. Os comunistas de esquerda, com Bukharin à frente, irão participar na repressão. Sem dúvida, os debates do congresso dos soviets mostraram o abismo que se abria entre os SR de esquerda e os bolcheviques. Os comunistas de esquerda decidem permanecer no partido pois, no momento de perigo, não têm outra alternativa. Em definitivo, a crise interna serviu para reforçar sua coesão. Lenin ratificou uma vez mais o direito que têm seus detratores de abandonar o partido escrevendo no Pravda de 28 de fevereiro:

“É perfeitamente natural que alguns camaradas que se opuseram com força ao Comitê Central o condenem não menos enérgicamente e expressem sua convicção de que a cisão é inevitável. Este é o mais elementar dos direitos dos membros do partido”[25].

Um ano mais tarde, no dia 13 de março de 1919, dirá:

“A luta que se originou em nosso partido no curso do ano passado foi extraordinariamente fecunda; suscitou inumeráveis choques sérios mas não há luta que não os tenha”[26].

E, nesta data, faz já dez meses que os oponentes se reintegraram em suas funções dentro do partido e lutam em todas as frentes. A guerra civil que se iniciou em 25 de maio de 1918 com a revolta da Legião Tchecoslovaca, vai durar trinta meses, esgotando o país e absorvendo todas as forças dos revolucionários. O mundo capitalista sustenta os exércitos brancos; para ele como para os bolcheviques, a frente da guerra civil é o de uma luta internacional em que se defrontam o velho mundo e a vanguarda destes Estados Unidos Socialistas da Europa, que Trotsky, segundo afirmou a John Reed, considerava o objetivo do amanhã e que figuravam no programa da Internacional Comunista.


Notas:

[1] Sadoul, Notes sur la révolution.bolchevique, pág. 69. (retornar ao texto)

[2]Lenin, Obras Completas, t. XXVII, pág. 395. (retornar ao texto)

[3] Ibídem, t. XXVI, pág. 311. (retornar ao texto)

[4] Ibídem, t. XXVI, pág.. 300. (retornar ao texto)

[5]Citado por Anweiler, op. cit., págs. 274-275. (retornar ao texto)

[6]R.S.F.S.R.: República Sqcialista Federal Soviética Rusa. (N. del T.). (retornar ao texto)

[7] Citado por Carr, op. cit. 15 pág. 149. (retornar ao texto)

[8] Lenin, Obras Completas, t. II, pág. 450. (retornar ao texto)

[9]Citado por Carr, op. cit., t. 1, pág. 148. (retornar ao texto)

[10] Anweiler, op. cit., pág. 276. (retornar ao texto)

[11] Lenin, Obras Completas, t. XXVIII, pág. 30. (retornar ao texto)

[12] Sadoul, op. cit., pág. 296. (retornar ao texto)

[13] Citado por Deutscher, El profeta armado, página 312 (nota 27). (retornar ao texto)

[14]Lenin, Obras Completas, t. XXVIII, pág. 30. (retornar ao texto)

[15]Citado por Serge, El año I de la Revolución Rusa, pág. 267. (retornar ao texto)

[16]Ibídem, pág. 247. (retornar ao texto)

[17] Bunyan y Fischer, op. Cit., págs 510-511. (retornar ao texto)

[18] Schapiro; C.P.S.U., pág. 186. (retornar ao texto)

[19] Citado por Carr, op. cit., t. III, pág. 146 (edición inglesa). (retornar ao texto)

[20] Lenin, Obras Escogidas, t. 11, pág. 405. (retornar ao texto)

[21] Ibídem, pág. 353. (retornar ao texto)

[22] Ibídem, pág. 317. (retornar ao texto)

[23] Ibídem. (retornar ao texto)

[24] Citado por Carr, La revolución Bolchevique, t. III, pág. 56. (retornar ao texto)

[25] Lenin, 0bras Completas, t. XXVII pág, 63. [26] Ibídem, t. XXIX., pág. 71. (retornar ao texto)

[26] Ibídem, t. XXIX., pág. 71. (retornar ao texto)

Inclusão 19/10/2006
Última alteração 25/12/2012