Entrevista ao Projeto Marcas da Memória

Jacob Gorender

28 de Janeiro de 2012


Fonte: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Laboratório de Estudos do Tempo Presente, Núcleo de História Oral - "Projeto: Marcas da Memória: História Oral da Anistia no Brasil” (UFRJ/ Comissão de Anistia-MJ). Entrevistadores: Izabel Silva, Desiree Reis, Cecília Matos, Helena Rossi e Renato Pais. Transcrição: Renato Dias Moreira Pais. Revisão: Cecília Matos.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo..
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Izabel: São Paulo, dia 28 de janeiro de 2012. Entrevista com Jacob Gorender realizada pelas pesquisadoras Izabel Silva, Desiree Reis, Cecília Mattos e a equipe do projeto marcas da Memória.

Jacob: Posso começar? Eu estou com a voz um pouco fraca, mas...

Izabel: Está ótimo.

Jacob: Bom, eu nasci em Salvador, capital do estado da Bahia, em 1923. Meus pais eram imigrantes, eram judeus vindos da Rússia. Vivi em uma família muito pobre, passei necessidade enquanto jovem. Estudei em um ginásio público na Bahia, em Salvador, e depois eu fiz alguns anos da faculdade de direito, mas fiz isso com grande dificuldade. E essa situação, mais a origem social dos meus pais, influíram nas minhas convicções. Eu me desenvolvi nos anos 30 (1930), que antecederam a segunda guerra mundial. Então havia uma grande discussão sobre o curso do Brasil em face da guerra. O presidente brasileiro era Getúlio Vargas. E o Brasil acabou entrando na guerra, tornou-se um dos países que tomaram posição antinazista.

Eu participei, como jovem estudante, das campanhas contra o nazismo e da posição do Brasil contra a Alemanha nazista. Isso fez com que o comandante militar do exército na Bahia, general [Benerval] Peixoto, lançasse uma espécie de desafio: que os estudantes que pediram a guerra publicamente, nos anos 30 e 40, se apresentassem como voluntários quando se abriu o voluntariado. Eu considerei isso um desafio e juntamente com alguns colegas estudantes, Mário Alves, que eu quero citar, meu grande amigo e [Aristão Andrósio], nós nos apresentamos. Eu fui aceito afinal, não era nenhum atleta, mas me aceitaram. Mário Alves era muito franzino, não foi aceito. Isso fez com que a minha aceitação... Fui incorporado ao exército lá em Salvador e depois vim para o sul, Pindamonhangaba, depois Rio de Janeiro e daí parti para a Itália.

Então eu fui soldado da força expedicionária, da FEB. Estive oito meses no front italiano e enfrentei os perigos, não foram excepcionais, mas enfrentei os perigos de um combate da Segunda Guerra Mundial. Isso exerceu uma grande influência nas minhas ideias. Eu tomei conhecimento das coisas na Europa durante a guerra e logo depois. Cheguei a presenciar um discurso do líder comunista italiano Palmiro Togliatti, lá na Itália, em Milão. Isso determinou o curso da minha trajetória ao voltar ao Brasil.

Já no Brasil, quando eu ingressei como soldado da FEB, eu era militante já do PCB, que era clandestino. Havia perseguição policial e prisões. A minha primeira prisão, depois houve outras, mas a minha primeira prisão foi justamente nessa época, em 42 ou 43. Eu, ao chegar a casa de um companheiro, ele tinha sido preso e a polícia estava lá, e quando bati na porta as janelas se abriram e eles me botaram algemas. Fui preso e levado... Havia naquela época para o departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, que depois foi extinto. Mas me levaram ao DOPS, aqui em São Paulo, que fica onde hoje é o museu, perto da rodoviária, e eu fui torturado, mas resisti ao que foi possível, não entreguei ninguém.

Ao sair da prisão, eu não me lembro bem, mas fiquei mais ou menos dois anos preso, prestei depoimento na auditoria militar na Brigadeiro Luís Antônio, aqui em São Paulo. Eu era militante clandestino já do PCB. Depois, do PCB surgiu o PCBR. É uma história antiga sem grande importância. BR por quê? Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Porque achávamos que o PCB estava se tornando reformista, então acrescentou-se o R, Revolucionário. Como eu já disse, eu fui preso ao chegar à casa de um companheiro, ele já tinha sido preso e a polícia estava lá.

Fiquei dois anos na prisão, como já disse. Ao sair, continuei militando politicamente no meio estudantil e no meio intelectual e escrevi alguma coisa, alguns livros, como vocês devem saber. Eu consegui, naquela época, com os companheiros que tinham... Porque eu era muito pobre, minha família. Mas com os companheiros que tinham recursos, eu consegui uma espécie de bolsa de recursos financeiros para me manter sem precisar me esforçar para ganhar dinheiro. E assim tive tempo de pesquisar nos arquivos e bibliotecas, etc., o suficiente para escrever, como vocês sabem, O Escravismo Colonial e Combate Nas Trevas, essas duas obras e outras menores e fazer conferências, passei a fazer conferências no meio intelectual, na USP e em outras partes, outras fronteiras.

E daí... Depois eu tive recursos para viver. Me casei com uma militante também comunista. Filha... Está aqui o retrato do meu sogro, Hermogênio da Silva Fernandes. Foi um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil. Uma filha dele foi minha esposa, já falecida, Idealina da Silva Fernandes Gorender.

Vocês perguntam por que nunca estive no meio acadêmico. Porque eu sou, como se diz, gauche, eu sou um cara fora do padrão. [risos] Tive boa relação com a USP, o professor Alfredo Bosi em particular. Fui bem recebido no Instituto de Estudos Avançados. Fiz conferências... E tinha naquela época, não me lembro precisamente o ano, eram 70 ou 80, um relacionamento o um amigo meu que também tinha sido preso, Granville, que era editor da Ática, uma editora que existia naquela época. E graças aos préstimos dele, e do professor Alfredo Bosi, que era consultor dessa editora, eu consegui, sendo uma pessoa desconhecida e fora dos meios universitários, eu consegui, apesar disso, editar O Escravismo Colonial, que agora tirou seis edições e agora foi reeditado pela editora Perseu Abramo. Uma nova edição, porque estava esgotado. Isso me deu contatos intelectuais e facilitou o meu trabalho como intelectual e a sobrevivência. Aí cheguei até aqui. [risos] Mas nunca estive no meio acadêmico como integrante, mas tinha uma boa relação com o pessoal da USP, o pessoal do Rio de Janeiro, e assim por diante.

A Campanha da Anistia, obviamente, é indispensável apoiá-la. Porque muitos foram punidos, vários intelectuais, historiadores, escritores, e até hoje não foram reparados. Eu sou a favor de uma reparação. Eu não obtive nenhuma reparação até hoje, o que eu ganhei foi escrevendo e publicando. Eu sou pensionista, tenho uma pensão do exército, porque fui soldado da Força Expedicionária. É disso que me sustento até hoje. Eu recebo uma pensão, tenho recebido até hoje, que me permite sobreviver. Eu acho que a campanha de anistia é válida e o pessoal que sofreu prisões e perseguições deve ter reparação. Não estou reivindicando milhões de reais, mas reivindico que continuem, que a minha pensão seja mantida, não seja interrompida, porque se não eu não terei outro meio de viver.

Atualmente eu não tenho atividade política, não pertenço a nenhum partido político e não tenho atividade. Já estou com quase noventa anos, oitenta e nove, não tenho condições físicas para continuar. Mas o que eu escrevi está escrito. E a nova edição de Escravismo Colonial, com o prefácio do meu amigo e também historiador Mario Maestri, é uma coisa honrosa para mim. É o que eu pude fazer e está aí a minha trajetória. [risos]

Eu já cumpri o roteiro de vocês. Agora vocês podem perguntar e eu esclarecerei o que for necessário.

Izabel: Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre o golpe de 64, as lembranças que o senhor tem do golpe de 64.

Jacob: Eu não sei se já escrevi sobre isso, mas o golpe foi... O Brasil estava em um processo de certo modo de democratização e o golpe veio interromper. Foi dado pelos militares, que interromperam atividades de organizações políticas, democráticas, de esquerda, e se interrompeu o processo de democratização do Brasil durante os 25 anos, mais ou menos, cinquenta e poucos a oitenta e tantos. Mas no final prevaleceu a campanha das diretas, da escolha de um presidente eleito, de um governante eleito. Veio o Juscelino, foi eleito, e depois vieram outros presidentes também eleitos e o Brasil, politicamente, se formatou de um ponto do vista... Dentro um molde democrático até hoje. É uma democracia com defeitos, mas em todo o caso tem liberdade de imprensa, não tem censura e se edita muita coisa valiosa. É o que eu posso dizer.

Izabel: Queria que o senhor falasse só um pouquinho mais sobre o PCBR.

Jacob: Sim. É que o PCB a certa altura se tornou muito conformista. Havia naquela época um pensamento muito esquerdista entre os opositores da ditadura militar. As organizações marxistas nesse caso descambaram para a ação armada. Assaltos para obter fundos e fazer ações de repercussão e assim por diante. Desafios ao poder militar. Isso, é claro, os militares não se aquietaram e responderam com prisões e torturas. O DOI-CODI foi criado, um departamento policial militar onde muita gente foi torturada. Eu fui torturado também. Não me lembro o ano, mas foi nessa época, depois do golpe de 64.

Bom, o que mais? É o que eu posso esclarecer.

Izabel: O senhor participou de alguma ação armada?

Jacob: Pessoalmente não, mas fui incentivador, apoiei intelectualmente. E com isso, a Auditoria Militar teve argumentos para me condenar. Embora não pudesse me acusar de ter feito esta ou aquela ação específica.

Izabel: Porque o senhor não entrou com um pedido de reparação econômica?

Jacob: Não sei. Porque eu já sou pensionista do exército, recebo uma pensão, e não me ocorreu que devesse exigir mais do que isso. Com isso eu tenho tido condições de sobreviver. Então, eu li em jornal que houve companheiros que obtiveram pensões até, em minha opinião, exorbitantes, de um milhão de reais, etc. Eu sou pensionista e isso para mim é suficiente, me permite sobreviver. Pensionista do exército, da região militar.

Izabel: O Senhor quer falar mais alguma coisa, deixar mais alguma coisa?

Jacob: Eu queria aqui mencionar algumas pessoas, alguns companheiros, que merecem uma referência especial. Um é o Mario Alves, que contribuiu para a minha formação política, a “ingressão” como militante no Partido comunista e mais tarde no Partido Comunista Revolucionário. O Revolucionário, eu já disse, foi acrescentado em uma espécie de congresso, por causa da acomodação da direção do PCB. Então acrescentou-se o Revolucionário. Aí entram o Apolônio de Carvalho, que foi combatente na Europa, na França, da resistência contra o nazismo, e no Brasil foi militante do PCB. [tosse] estou com a garganta ruim

Izabel: O senhor quer água?

Jacob: Um pouco de água.

Mas Apolônio de Carvalho, um grande herói do povo brasileiro, a esposa dele, Renée, que parece estar ainda viva, não sei. Eu li uma entrevista na Folha que ela deu. Se eu me lembro, recente. Alberto Passos Guimarães, um intelectual, autor de livros. O Mário Alves eu já citei... O Apolônio... É, esses aí eu quero deixar citados. [tosse] Meu aparelho de fonação não está bom...

Bom, então o que mais vocês querem saber?

Izabel: O senhor quer parar? Está cansado?

Jacob: Estou!

Izabel: A gente pode parar.

Jacob: Eu estou um pouco gripado. Realmente não estou muito bem fisicamente.

Izabel: Mas o senhor já respondeu tudo. Muito obrigada!

Jacob: Está bom, eu também agradeço a vinda de vocês aqui.

Izabel: Foi um prazer para a gente.

Jacob: E desculpem se não estou em condições de falar muito.

Izabel: Imagina! Muito obrigada!

Jacob Gorender: Mas eu segui o roteiro.

Izabel: O senhor falou tudo.

Desiree: O senhor responde tudo.

Jacob: As informações essenciais estão ali e também no que eu escrevi.

Izabel: Está ótimo, muito obrigada!

Desiree: É uma honra para a gente te conhecer.

Jacob: Obrigado.


Inclusão 12/05/2012