O Que é o Marxismo?

Chris Harman


Por que precisamos de uma teoria marxista


Por que teríamos necessidade de uma teoria? Sabe-se que há uma crise, que somos polos nossos patrões. Sabe-se que estamos encolerizados. Sabe-se que precisamos do socialismo. Todo o resto é apenas para intelectuais.

Ouve-se frequentemente este discursório entre militantes socialistas e sindicalistas. Tal visão é fortemente encorajada polos anti-socialistas, que tentam dar a impressão de que o marxismo é uma doutrina escura, complicada e maçadora. As ideias socialistas, dizem eles, são "abstratas". Podem parecer geniais na teoria, mas a realidade é totalmente diferente.

O problema com estas argumentações é que quem as defendem têm de regra a sua própria “teoria”, mesmo que se neguem a reconhecê-lo. Pergunte-lhes qualquer questão sobre a sociedade e elas tentarão lhe responder com uma ou outra generalização.

Alguns exemplos:

Durante qualquer discussão, no ônibus ou na cantina, você pode escuitar dúzias de frases como essas. A gente tem na cabeça ideias sobre as razões porque a sociedade é tal como é e sobre como melhorar a sua própria condição. Todas essas ideias são "teorias" sobre a sociedade.

Quando dizem que não têm qualquer teoria, o que querem dizer realmente é que elas não clarificaram as suas ideias.

Isto é particularmente perigoso para quem está tentando mudar a sociedade, pois os jornais e a televisão enchem permanentemente as nossas mentes com tentativas de explicações desta sociedade. a confusão em que a sociedade se encontra. Esperam que se aceite o que eles dizem sem fazer mais perguntas. Mas não se pode luitar com eficácia para mudar a sociedade, sem saber o que é falso em todos esses argumentos.

Isso foi mostrado pola primeira vez há cento e cinquenta anos. Entre 1830 e 1840, o desenvolvimento da indústria em regiões como o noroeste da Inglaterra arrastou centenas de milhares de homens, mulheres e crianças para trabalhos miseravelmente pagos. Foram forçados a suportar condições de vida de inacreditável dificuldade.

Eles começaram a se defender com as primeiras organizações de massa de trabalhadores - os primeiros sindicatos, e na Inglaterra, com o primeiro movimento polos direitos políticos para os trabalhadores, o Cartismo. Junto com esses movimentos surgiram os primeiros pequenos grupos de pessoas dispostas a combater polo socialismo. Imediatamente surge o problema sobre como o movimento dos trabalhadores poderia atingir os seus objetivos.

Algumas pessoas acreditavam que seria possível, por meios pacíficos, persuadir os dirigentes da sociedade a mudar as cousas. A força “moral" de massa, de movimentos pacíficos permitiria melhoras para os trabalhadores. Centenas de milhares de pessoas organizaram-se, manifestaram-se, trabalharam para construir um movimento com base nessas concepções - para acabarem derrotados e desmoralizados.

Outros reconheceram a necessidade de usar a "força física", mas achavam que isso teria de ser levado por pequenos grupos de conspiradores isolados do restante da sociedade. Essas concepções, também, acabaram em derrota e desmoralização de dezenas de milhares de trabalhadores.

Outros ainda tinham fé que os trabalhadores podiam alcançar através da ação econômica seus objetivos sem se enfrentar com o exército e a polícia. Mais uma vez estes argumentos encaminharam ações de massa. Na Inglaterra, em 1842, aconteceu a primeira grande greve geral da história do mundo, nas áreas industriais do norte. Dezenas de milhares de trabalhadores suportaram por quatro semanas até que a fame e as privações os forçaram a retornar ao trabalho.

Foi no final do primeiro estágio de luitas dos trabalhadores, em 1848, que o socialista alemão Karl Marx, expôs o conjunto de suas idéias em O Manifesto do Partido Comunista. As suas ideias não caíram do ceio. Elas tentavam fornecer uma base de resposta para todas as questões levantadas polo movimento dos trabalhadores da época.

As ideias que Marx desenvolveu são ainda hoje indispensáveis. É estúpido dizer, como muitas pessoas fazem, serem ultrapassadas porque Marx as escreveu cento e cinquenta anos atrás. De fato, todas as noções de sociedade com as que Marx polemizou estão ainda largamente presentes. Como os cartistas que defendiam a “força moral” contra a “força física”, os socialistas discutem hoje a “via parlamentar” ou a “via revolucionária”. Entre os revolucionários os debates entre posições favoráveis ou contrárias ao “terrorismo” estão tão vivos hoje como estavam em 1848.

Os Idealistas

Marx não foi a única pessoa a tentar descrever o que havia de errado com a sociedade. No tempo em que escrevia, novas invenções nas fábricas permitiam criar riquezas numa escala inimaginável polas gerações precedentes. Pola primeira vez parecia que a humanidade tinha os meios para defender-se contra as calamidades naturais que foram a peste das gerações do passado.

Todavia, isso não significou qualquer melhora na vida da maioria das pessoas. Bem ao contrário. Os homens, as mulheres e as crianças que trabalhavam nas novas fábricas viviam bem piores condições que seus avós, que tinham lavrado o campo. Os seus salários mal davam para sobreviver; e períodos de desemprego tornavam mais grave ainda a sua situação. Viviam amontoados em miseráveis cabanas sem quartos de banho e sujeitos a epidemias monstruosas.

O desenvolvimento da civilização, ao contrário de trazer felicidade e bem-estar geral, dera origem a uma maior miséria ainda.

Tudo isto não foi notado apenas por Marx, mas também por alguns dos outros grandes pensadores da época - os poetas ingleses Blake e Shelley, os franceses Proudhon e Fourier, os filósofos alemães Hegel e Feuerbach.

Hegel e Feuerbach deram o nome de alienação ao infeliz estado em que se encontrava a humanidade - um termo ainda com frequência usado. Hegel e Feuerbach queriam dizer que os homens e as mulheres encontravam-se continuamente oprimidos e dominados polo que eles mesmos tinham feito no passado. Desse modo, deduzia Feuerbach, as pessoas desenvolveram a ideia de Deus e então curvaram-se diante dela sentindo-se miseráveis porque eles não podiam viver em conformidade com o que criaram. Quanto mais avançada a sociedade, mais as pessoas se sentiam miseráveis, “alienadas”.

No seu primeiro escrito, Marx tomou essa noção de “alienação” e o aplicou à vida daqueles que criam as riquezas da sociedade:

O trabalhador torna-se mais pobre desde que produz mais riquezas, que a sua produção cresce em potência e volume. A desvalorização do mundo dos homens cresce na proporção direta com o aumento do valor do mundo das cousas. O objeto que o trabalho produz confronta-se com ele como um ser alheio, como uma força independente do produtor...

No tempo de Marx as explicações mais populares sobre o que estava errado na sociedade, tinham a marca religiosa. A miséria da sociedade, diziam, ocorria porque as pessoas não conseguiam fazer o que Deus queria que elas fizessem. Se “renunciarmos todos ao pecado”, tudo irá bem.

Uma opinião semelhante é muito difundida hoje, apesar de negar qualquer caráter religioso. Afirma que “para mudar a sociedade, tem de se mudar a si mesmo primeiro”. Se tão só os homens e as mulheres se livrassem do “egoísmo” ou do “materialismo”, então a sociedade ficaria imediatamente muito melhor.

Uma outra visão, parecida, dizia que não seria necessário mudar todas as pessoas, mas apenas algumas, aquelas que exercem o poder. A ideia era tentar fazer os ricos e poderosos “razoáveis”.

Um dos primeiros socialistas ingleses, Robert Owen, começou tentando convencerosempresários de que deviam ser mais razoáveis com os seus trabalhadores. A mesma ideia é ainda dominante nos partidos socialista e comunista, incluindo a sua ala à esquerda. É só notar como eles chamam sempre os crimes dos patrões, “erros”, como se um pouco de convencimento pudesse persuadir os grandes financeiros a relaxar as suas garras sobre a sociedade.

Marx definiu a todas essas visões como “idealistas”. Não porque ele estivesse contra que as pessoas tenham “ideais”, mas porque tais visões dão por certo que as ideias existem com independência das condições nas quais as pessoas vivem.

As ideias das pessoas estão intimamente ligadas às condições nas que vivem. Vamos tomar como exemplo o “egoísmo”. A sociedade capitalista de hoje estimula o egoísmo - mesmo se as pessoas tentam, incansavelmente, mostrar solidariedade. Um trabalhador que quer o melhor para seus filhos, que deseja ajudar seus pais a ter uma vida melhor na velhice, encontra-se na obriga de luitar continuamente contra os outros – para conseguir um melhor emprego, fazer mais horas-extras, ser puxa-saco do patrão. Em tal sociedade não pode se livrar do “egoísmo” ou da “cobiça” apenas mudando as mentes das pessoas. É mesmo mais ridículo ainda falar em mudar a sociedade mudando as ideias das “pessoas do topo”. Imaginai que conseguis conquistar um grande empresário para as ideias socialistas e ele pare de explorar os seus trabalhadores. Perderá tudo simplesmente com os empresários rivais e será expulso dos negócios.

Mesmo para aqueles que governam a sociedade não são as ideias o que importa, mas a estrutura social sobre a qual se apoiam essas ideias.

Colocando-o de outra maneira, se são as ideias que mudam a sociedade, donde elas vêm então? Vivemos num determinado tipo de sociedade. As ideias divulgadas pola imprensa, a televisão, o sistema escolar, etc., defendem esta sociedade. Então como as pessoas são capazes de desenvolver ideias completamente diferentes? Porque as suas experiências de todos os dias contradizem a ideias oficiais da nossa sociedade. Por exemplo, não se pode explicar porque muito menos pessoas são religiosas hoje do que há cem anos, simplesmente em termos de sucesso da propaganda ateia. Ao contrário, é preciso explicar porque as pessoas, hoje, são receptivas às ideias ateias, entretanto não o eram cem anos atrás.

Da mesma maneira, se quisermos explicar a influência dos “grandes homens”, temos que explicar primeiro porque as pessoas concordam em segui-los. Não adianta dizer, por exemplo, que Napoleão ou Lenine mudaram a história, sem explicar porque milhões de pessoas aceitaram fazer o que eles propunham. Afinal, eles não eram hipnotizadores de massa. Alguma cousa na vida da sociedade, em certo momento, levou as pessoas a sentir que o que eles diziam parecia correto.

Pode-se entender como as ideias mudam a história, se entender donde as vêm essas ideias e porque as pessoas as aceitam. Isto significa olhar para além das ideias e tomar interesse polas condições materiais da sociedade na qual se mostram. Por isto é que Marx insistia:

«Não é a consciência que determina o ser, mas o ser social que determina a consciência


Inclusão 10/08/2010