O Fascismo na Grécia

V. Leduc


Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, nº 3, outubro 1947.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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A Grécia, dizia há alguns meses Mr. Churchill em seu discurso de Fulton, é a "última democracia da Europa Oriental". Sabíamos que o sr. Churchill era um grande humorista. Mas nunca ele exercera esse talento particular com tanto sucesso porque, se a Grécia correspondesse verdadeiramente à definição de Churchill, seria desesperador para a própria democracia. Realmente, depois da intervenção armada dos ingleses na Grécia em dezembro de 1944, os governos que se sucederam em Atenas foram sempre levados pelo caminho do fascismo e o povo grego vive até hoje uma verdadeira tragédia.

A Resistência Grega

Para se compreender a situação desse país, devemos lembrar, pelo menos rapidamente, o que foi a resistência grega. O povo grego travou, contra o invasor italiano uma guerra vitoriosa que causou admiração ao mundo todo. Depois, submergido pela ocupação alemã, continuou sua luta heróica. A Frente Nacional da Libertação ([Εθνικό Απελευθερωτικό Μέτωπο] Edhnikon Apeleftherolikon Metopon) solidificou-se no país, desde setembro de 1941. Seus fundadores foram militantes da esquerda, comunistas, socialistas, republicanos, liberais da esquerda, camponeses, que já haviam lutado clandestinamente contra a ditadura do general Metaxas.

Comités da E.A.M. se organizaram em todo lugar e obtiveram rapidamente importantes sucessos políticos. Em 14 de abril de 1942, uma greve de funcionários rebentou em quatro das maiores cidades do país e depois de uma semana o Quisling grego, Tsolakoglou, teve que aceitar as reivindicações dos grevistas. Depois surgem outras greves de mineiros e de empregados de Atenas que foram também vitoriosas. A E.A.M. obteve, no início de 1943, depois de uma série de manifestações populares e de greves, a promessa das autoridades alemães de que não haveria serviço obrigatório de trabalho na Grécia.

Ao mesmo tempo que essa luta política, a E.A.M. organizou um exército nacional popular de libertação: o E.L.A.S. Essas forças de resistência, favorecidas pela natureza montanhosa do país, obtiveram desde logo sucessos consideráveis. As guerrilhas das E.L.A.S. estiveram ativas em todo lugar; as linhas de comunicação foram constantemente cortadas e ameaçadas. Regiões inteiras foram libertadas e organizadas pela E.A.M. No fim do ano de 1943, em Epiro, Tessália Macedônia centenas de cidades viviam sob seu controle. Sem nenhuma dúvida a E.A.M. é a mais importante organização de resistência do povo grego. Ao lado dela há pequenos grupos dos quais o EDES do coronel Zervas, a E.K.K.A. (Liga nacional social de libertação), a P.A.I. composta quase unicamente de antigos oficiais monarquistas etc.; que são agrupamentos de cúpula sem organização de massa.

A E.A.M. — e aqui começa a origem da tragédia do povo grego — pela sua composição e a adesão das massas populares, é ao mesmo tempo um movimento de libertação, nacional, um movimento de luto contra a ditadura e pelo progresso social. Sua divisa é: "União de todos os gregos pela libertação nacional e pela soberania popular".

Ora, apresentar o problema nesse terreno, na Grécia, foi provocar o ódio não somente das autoridades de ocupação mas ainda dos grupos de políticos e do governo real refugiado no Cairo e também do imperialismo britânico, cujas tradições de intervenção na vida econômica e política da Grécia, são bastante conhecidas. A Inglaterra, praticamente, possui todas as companhias de transporte, do ferro do Peloponeso e muitas empresas industriais e propriedades latifundiárias.

A Inglaterra em 1935 era a credora de 35% da dívida pública da Grécia que se elevava a 1 bilhão e 400 milhões de dólares.

Ora, compreende-se, nestas condições, que a Inglaterra, auxiliada pelo governo refugiado no Cairo, multiplicar-se clandestinamente, as intrigas, tentando enfraquecer a ameaça que constituía a E.A.M. para os interesses britânicos na Grécia que são, não esqueçamos isso, igualmente interesses estratégicos. Uma campanha de divisão foi realizada sob o tema do anticomunismo e tendo por finalidade fortalecer a E.D.E.S. do coronel Zervas, e organizar lutas de umas contra as outras forças da resistência grega. A política unida da E.A.M. devia triunfar de todas essas manobras e as tropas das E.L.A.S. travavam batalhas para a libertação do território grego de tal maneira, que a própria imprensa britânica era forçada a reconhecer. O novo chefe do governo do Cairo, Papaandreou, devia admitir, depois de muitas peripécias, os representantes da Resistência e do Partido Comunista em seu ministério.

A Intervenção Inglesa e suas Consequências

Entretanto a reação não renunciara ainda à situação e quando os ingleses desembarcaram no solo libertado pelas forças da Resistência, acusaram imediatamente a E.A.M. de querer instalar uma ditadura comunista na Grécia e, de acordo com os piores colaboradores, os batalhões de segurança, equivalente grego dos mercenários da polícia, empreenderam uma violenta ofensiva contra a E.A.M. e a E.L.A.S.

Ninguém pode estar esquecido dos dias sangrentos de dezembro de 1944.

Em 12 de fevereiro de 1945 foi assinado um acordo em Varjizr, perto de Atenas entre a E.A.M. e o governo instalado pelos ingleses. Segundo os termos desse acordo garantido pelos representantes do Foreign Office em Atenas, sr. Leaper, embaixador e Mac Mealan, ministro inglês do Oriente Próximo, o governo de Atenas se comprometia a restabelecer a ordem democrática e garantir a liberdade de opinião e as liberdades individuais dos cidadãos, em anistiar os delitos políticos, em organizar um exército nacional e realizar a liquidação do., traidores e dos colaboracionistas. Por seu lado a E.A.M. se comprometia a dissolver a E.L.A.S. e entregar as armas nas mãos ao governo.

Enquanto a E.A.M. cumpria, em menos de quinze dias, rigorosamente, todos os compromissos assumidos, o governo violou os seus desde o primeiro momento com o auxílio e o consentimento da Inglaterra que mantém na Grécia um exército de ocupação de 50.000 a 100.000 homens e que controlam pelas suas'“missões" de "organização , o exército, a polícia e a administração.

Ao abrigo dessa proteção, os governantes de Atenas organizaram bandos de criminosos comuns e de traidores que, dispondo do material de guerra inglês percorriam o país, perseguindo e assassinando os habitantes suspeitos de simpatia pelos democratas. Nas cidades as organizações fascista, como a organização "X", perseguiam e matavam os patriotas. Sophianopoulos que, quando ministro dos Negócios Estrangeiros assinara os acordos de Varjiza, declarava alguns meses mais tarde:

"Se eu soubesse que iam fazer um tal uso das armas devolvidas pela E.A.M. jamais teria assinado esse acordo".

Sob a direção de uma missão militar inglesa, o exército foi reorganizado. Procedeu-se uma depuração de oficiais das E.L.A.S. e todos os democratas foram impedidos de ingressar. Oitenta e seis dos oficiais mais gloriosos das E.L.A.S. entre os quais seu chefe, o general Sourafis, foram deportados para as ilhas do mar Egeu. Reformarem o corpo de oficiais do exército monarquista do qual uma boa parte servira com o uniforme nazista nas batalhas internas. Do mesmo modo, a gendarmeria, a polícia, a administração e a justiça foram entregues aos antigos colaboracionistas e expulsos todos os elementos suspeitados de ter tendência democráticas. Assim é que A. Evert, que foi prefeito de polícia sob a ocupação nazi, o torturador da Gestapo, Bousaukes, que massacrava os patriotas em Atenas, estão até hoje à frente da polícia de Atenas.

Uma repressão inaudita desceu sobre os resistentes; professores de universidade, funcionários e até membros do clero, prefeitos de cidades ou padres como monsenhor Joaquim, foram destituídos, presos, torturados ou assassinados.

Eis o que aconteceu depois da assinatura do acordo de Varjiza até as eleições de 31 de março de 1946:

A Evolução Acelerada para o Fascismo

Nessas condições realizaram-se as consultas eleitorais; eleições de 31 de março de 1946 e o plebiscito de 1.° de setembro de 1946.

As eleições de 31 de março levantaram ondas de indignação em toda a Europa democrática. Para 1.750.000 eleitores vivos (as mulheres não têm direito a voto na Grécia), houve 2.250.000 eleitores inscritos. Fizeram votar os mortos e os estrangeiros. Bandos armados pegavam os cidadãos para levar às urnas e fazê-los votar pelos candidatos monarquistas. Sabe-se que os partidos políticos da E.A.M. (partidos: Comunista, Socialista, Partido de União Democrática e Partido Radical Republicano) e outros partidos democratas (Liberais de Esquerda, Partido Socialista do professor Svola, partido dos democratas de esquerda de Sophianopoulos e mesmo Rsouderos, ex-primeiro ministro do governo emigrado no Cairo, recusaram-se a participar dessa comédia.

Entre os 360 "eleitos" desse singular escrutínio, muito pouco foram aqueles que não tinham sido colaboracionistas tremendos. Dessa Sêwtara saiu, portanto, um governo tipicamente fascista.

O governo Tsaldaris, logo que subiu, conservando para a opinião estrangeira uma fachada legal na capital, reconstituiu o sinistro "Comité de Segurança" do ditador Metaxas e ordenou deportações em massa para as ilhas insalubres do mar Egeu. Criou a corte marcial para execução dos patriotas depois de uma comédia de processo. Contam-se até hoje 60 execuções por decisão da corte marcial.

Sob o nome de "leis de medidas extraordinárias" esse governo fez adotar, em 17 de junho de 1946, disposições suprimindo as liberdades como "perigosas à ordem pública". E realmente dissolveu a C.G.T. grega privando-a de sua direção livremente eleita sob o controle da F.S.M. e designando para a direção antigos colaboracionistas ou agentes provocadores; abriu um processo contra a organização democrática da juventude grega.

As buscas dos bandos monarquistas constituíram verdadeiras operações militares com a participação da artilharia e da aviação e dirigidas às regiões consideradas como pouco favoráveis aos monarquistas. Todas essas medidas eram destinadas a preparar o plebiscito de 1.° de setembro de 1946, permitindo desenvolver-se um tal ambiente de terror que a volta do rei Georges de Gluksbourg, dócil instrumento da Inglaterra, fosse assegurada.

Era evidente que uma tal série de provocações e de crimes, c; desafios repetidos aos sentimentos democráticos do povo grego, só podiam levar à guerra civil. Para defender sua liberdade e sua vida, numerosos foram os democratas obrigados a se refugiar novamente nas regiões montanhosas e retomar as armas e as gloriosas tradições dos "Andartes" da Resistência. Naturalmente os fascistas de Atenas apelaram para a intervenção estrangeira. Mas a explicação é ainda mais simples. Dizia recentemente numa entrevista, Vassor Georghiou, representante da E.A.M. na França:

"Os primeiros milhares de patriotas que se refugiaram nas montanhas tomaram as armas no lugar em que elas se encontravam: nos ombros, nas cinturas dos fascistas, empregando os mesmos métodos que haviam usado no luta contra os Alemães. Depois dos primeiros círculos de operações militares, surgiram os grupos amados que se multiplicaram e receberam o auxílio da população, de toda a população operária e mesmo burguesa das montanhas e das cidades e finalmente foi criado o exército democrático da Grécia . "

Essa nova resistência do povo grego não é mais que uma ação de legítima defesa contra o fascismo. E a E.A.M. assim como os outros partidos democráticos pedem simplesmente que sejam aplicados na Grécia os princípios da Carta do Atlântico no que diz respeito à independência nacional e às decisões de Yalta sobre a extinção dos germes e das sementes do fascismo. Eles pedem a formação de um governo de união nacional com a participação da E.A.M. e de outros partidos democráticos, a anistia e a volta às liberdades públicas. Esses últimos pontos estão conforme às conclusões de uma missão parlamentar da Câmara dos Comuns que fez, há três meses atrás uma viagem de inspeção à Grécia.

Lições do Drama Grego

Mas a condição essencial para a volta da democracia e da paz na Grécia, é a retirada das tropas de ocupação inglesa que constituem o único apoio de Tsaldaris.(1) O governo trabalhista, apesar de uma forte oposição nas fileiras do Partido Trabalhista, continua a político inaugurada, na Grécia pelo conservador Churchill e que o leva a uma conclusão lógica: a restauração e a manutenção de um regime fascista.

O exemplo trágico da Grécia é como uma contraprova do que se passou nos países ocupados e libertados pela ação popular. Se pudemos assistir na Iugoslávia, na Bulgária, na Checoslováquia, na Polônia e România um avanço das forças democráticas para o progresso no caminho da emancipação social dos povos, é porque isto só foi realizado somente na medida em que a independência nacional pôde ser preservada no decorrer das lutas patrióticas e depois da libertação.

Ora, devemos concluir que o tacão de ferro do imperialismo britânico tenta esmagar o povo grego. Nem Churchill nem os seus sucessores consentiram em abandonar a presa grega. E isso não somente porque a participação do capital inglês na economia grega é considerável, tentando fazer desse pais uma verdadeira colônia de exploração, mas ainda e principalmente porque a Grécia, pela sua posição geográfica, se acha admiravelmente situada paro fornecer à Inglaterra as garantias estratégicas das quais ela precisa para manter suas pretensões no caminho do Mediterrâneo. E foi uma preocupação constante dos governos de Sua Majestade ter, na Grécia, uma dinastia obediente. A penetração econômica é o aspecto complementar dessa política.

No início do ano de 1942, Churchill ensaiava formar uma federação entre a Grécia e a Iugoslávia a qual seria chave de uma Federação balcânica que se pretendia transformar em União da Europa Central por meio de um acordo com a Polônia e a Checoslováquia.

A política inglesa na Grécia pode ser comparada a que, peles razões idênticas, é realizada na Espanha e, em certa medida, na Itália. Seria necessário também comparar essa política com a que é realizada, por outras razões estratégicas, na zona de ocupação do Alemanha.

Está claro que em todo lugar em que domina na Europa a influência dos imperialistas, os resultados políticos da vitória dos aliados está comprometida. Quando, como na Grécia, apesar de um magnífico movimento nacional de resistência, o imperialismo conseguiu estabelecer seu domínio, esse fato, pelo menos durante algum tempo impede a democracia, e o fascismo é o único meio pelo qual as antigas classes dirigentes podem ainda sustentar contra o povo um resto de poder, à sombra dos canhões estrangeiros.


Notas de rodapé:

(1) Este artigo foi escrito antes do discurso de Truman que lançou o Plano de intervenção americano na Grécia. (retornar ao texto)

O Que Significa o Fascismo

"A ascensão do fascismo ao Poder não é uma simples troca de um governo burguês por outro, mas a substituição de uma forma estatal de dominação de classe da burguesia, a democracia burguesa, por outra: a ditadura terrorista declarada. Passar por alto esta diferença seria um erro grave que impediria o proletariado revolucionário de mobilizar as mais amplas camadas dos trabalhadores da cidade e do campo para lutar contra a ameaça da tomada do Poder pelos fascistas, assim como de aproveitar as contradições existentes no campo da própria burguesia. Não obstante, não menos grave e perigoso é o erro de não apreciar suficientemente o significado que têm para a instauração da ditadura fascista as medidas reacionárias da burguesia que se intensificam atualmente nos países da burguesia, medidas que reprimem as liberdades democráticas dos trabalhadores, restringem e falseiam os direitos do parlamento e agravam as medidas de repressão contra o movimento revolucionário."

(Dimitrov — “A luta pela unidade da classe operária contra o fascismo,”)

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Inclusão 02/03/2015