Nossa Política

Carlos Marighella

Outubro de 1947


Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, nº 3, outubro 1947.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Enquanto permanece estacionária a contra ofensiva imperialista, a Assembleia das Nações Unidas se desenvolve sem grandes possibilidades para Marshall e seus aliados que tentam a rutura com a URSS e a liquidação do que há de fundamental nos tratados de Yalta e Potsdam.

O impasse resultante da não eleição da Ucrânia para o Conselho de Segurança é um desrespeito a uma das mais importantes decisões de caráter internacional, envolvendo a responsabilidade das grandes Nações que levaram à derrota o nazifascismo. Mas não há dúvida que os imperialistas norte-americanos não estão em condições de levar a melhor. A resposta de Vichinsky a Marshall foi superior aos ataques que visavam a rutura. O discurso de Vichinsky sintoniza com o de Tito e os ataques da imprensa soviética marcando a fogo Truman e sua política de falsa ajuda aos povos europeus. O significado dessa atitude firme contra o imperialismo americano é de grande importância para os povos amantes da paz, para o proletariado e, particularmente, para os comunistas, pois não é com passividade que se enfrenta a contraofensiva guerreira do capital colonizador. Resistir é a melhor maneira de inspirar confiança às massas. E é isso o que indica que o mais forte é a democracia. Esse vigor de Tito e de Vichinsky, em seus discursos, a energia da imprensa soviética dão bem a medida da força da democracia e da classe operária.

Por outro lado, acentua-se a marcha da América do Norte para a crise econômica, que já afeta a Inglaterra. É bem verdade que Marshall apresentou um plano de salvação dos países atingidos pela guerra. O plano, porém, deve ser lido ao contrário. Trata-se, sim, de salvar o imperialismo norte-americano, fornecendo dólares aos países da Europa mas subordinando-se em todos os sentidos aos bancos de Wall Street. Seria fácil, assim aos senhores imperialistas isolar a URSS, criar o ambiente de guerra de que tanto falam os sucessores de Hitler e Mussolini, os Truman, Marshall, Vadenberg, Churchill e seus êmulos brasileiros da marca de Alcio Souto, Juraci & Cia. Entretanto, ninguém acredita no Plano Marshall, e suas probabilidades de êxito são cada vez mais reduzidas. A par da crise já iniciada na Inglaterra, os nacionalistas sofrem derrotas tão grandes na China que já a América do Norte se propõe a preparar por sua conta dez divisões chinesas para o combate aos comunistas de Mao Tse Tung; De Gasperi — fiel lacaio de Truman e dos imperialistas ianques — vê-se forçado a enfrentar o proletariado e os camponeses italianos organizados que se levantam em greves de profunda repercussão na Itália. Não nos restam outras convicções, pois, além daquelas que demonstram ser as forças do proletariado as mais poderosas e que não há, assim, o perigo de guerra tão propalado.

Este precisamente o centro de toda a argumentação de Vichinsky e Tito, que chegou a denominar de “hienas” os imperialistas para significar que eles atacam apenas os fracos. O imperialismo não pode atirar-se contra a URSS — que é forte. Lança-se por isso contra os que não se encontram preparados. Que estamos ameaçados de uma colonização maior, de aniquilamento de nossa soberania, como povos atrasados e indefesos, não há dúvida. Por isso mesmo o grande alvo do imperialismo norte-americano são justamente os comunistas. E não é por acaso, visto que os comunistas por toda parte são a força organizadora — e em muitos casos a única força organizadora — capaz de resistir aos traiçoeiros ataques do capital financeiro colonizador e de mobilizar as massas para a defesa da soberania dos povos e a garantia da paz. A verdade é que a ação dos comunistas tem servido para alertar a todos contra os manejos da contra ofensiva imperialista e justo é reconhecer que a frente anti-imperialista vem crescendo no mundo inteiro.

Os que pensam que a contradição dominante é entre o capitalismo e o e o socialismo, laboram em erro. A contradição dominante no momento situa-se entre o imperialismo ianque de um lado, e de outro os povos coloniais, o povo americano e as próprias nações capitalistas que passaram, no após-guerra, a depender da América do Norte, a exemplo da Inglaterra, França e Itália. Esta a razão por que não podem os magnatas do capital financeiro norte-americano isolar a URSS, que encontra aliados em todos os povos amantes da paz e mesmo entre aquelas nações capitalistas que veem lua soberania ameaçada pela torva política de domínio de Truman e Marshall.

Dentro do Brasil o predomínio dessas contradições leva o governo a uma difícil encruzilhada. Cedeu o que pôde e o que não pôde ao imperialismo americano, mas não obteve nenhuma vantagem. Truman nada prometeu às classes dominantes no Brasil. Pelo contrário, muito preocupado em levar avante sua política na Europa, chegou até a vir ao Brasil para arrastarnos na aventureira execução do Plano Marshall, que é de ajuda, não aos povos famintos da América Latina, mas aos povos europeus que Truman insultou chamando-os de miseráveis e incapazes.

Entretanto, não resta dúvida que as forças da democracia crescem também em nossa Pátria. Mesmo com o cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil, em obediência às ordens de Wall Street, ou melhor, apesar desse cancelamento, o nível de democracia é hoje mais elevado entre nós.

Cumpre notar que há uma grande diferença entre 1945 a 1947. Em 1945 avançava a democracia em consequência da derrota do nazifascismo. Em 1947 é a reação que se organiza para barrar o avanço da democracia. Mas a verdade é que só tem obtido êxito onde não tem encontrado resistência das massas organizadas. Entretanto, onde quer que tenha encontrado resistência, continua teimando. Vemos entre nós o exemplo da cassação dos mandatos. Trata-se de uma imoralidade, mas o grupelho fascista continua insistindo.

É que o principal apoio da reação está no imperialismo e este constitui o nosso inimigo fundamental.

Estamos certos de que, acompanhando a trajetória da democracia para diante, o nosso caminho é o da luta organizada das massas para derrotá-lo bem como aos seus agentes e lacaios.

Nossa política é, portanto, de resistência a tudo e a todos os que facilitam a ação do imperialismo. E sobretudo de existência ativa, organizada ao governo inepto e incapaz que infelicita o país, por não saber defender a soberania de nossa Pátria e resolver os problemas do nosso povo.

Resistir significa para as massas, a classe operária, a Nação inteira, a luta contra o imperialismo e os “vende-Pátria”, contra Dutra e seu grupo fascista, por um lado, e por outro a posse por nós mesmos do nosso petróleo, a defesa da indústria nacional, a conquista da legalidade do PCB, como a própria razão de ser da sobrevivência da democracia.

Mais do que qualquer outra, essa conquista representa a nossa perspectiva central.

Isso pressupõe o incremento dos movimentos de massas, a liquidação da passividade dos comunistas, principalmente porque o governo que aí está não tem nenhuma base social. É tão instável e inseguro que, se não quiser recuar, poderá ser a qualquer momento substituído por um Mancheno qualquer, a exemplo do que sucedeu no Equador.

Os comunistas devem estar em condições de organizar e dirigir os grandes movimentos de massas, ganhar as ruas, levantar bem alto a bandeira da democracia, que é incompatível com a supressão das liberdades públicas e da liberdade do Partido Comunista.

Impõe-se, assim, desde já, saber organizar a luta pelas menores e mais elementares reivindicações do povo e da classe operária, levar avante a luta intransigente pela defesa e exato cumprimento da Carta de 46, para o que é preciso, então, encarar como atividade prática imediata participar das eleições municipais, realizar acordos com todos os partidos, conquistar as municipalidades.

Tal o caminho para assegurar a prática da democracia e conseguir a liberdade e o bem estar para o nosso povo.


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Inclusão 01/04/2015