Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista

Luiz Carlos Prestes


Fonte: brochura sem data de edição nem editora - texto escrito, provavelmente, entre 1947 e 1948 e editado pela Editorial Vitória.(1)
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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I — A Situação Nacional

O nosso povo, a classe operária e o nosso Partido encontram-se hoje em situação profundamente diferente daquela em que nos encontrávamos em 1945, que foi sem dúvida um ano de ascenso democrático, decisivamente marcado pela vitória militar sobre o nazifascismo. As grandes conquistas democráticas de 1945, que foram seriamente ameaçadas pela primeira vez com o golpe militar reacionário de 29-10-45, desde a eleição do sr. Dutra e do início de seu governo vêm sendo sucessivamente golpeadas de maneira cada vez mais séria e profunda, apesar da promulgação da Carta Constitucional de 18 de setembro de 1946 e da relativa liberdade em que ainda se realizaram as eleições estaduais de 19 de janeiro. Já na III Conferência de nosso Partido, em julho de 1946, dizia o nosso Informe Político:

«É certo que se sucedem, a partir justamente do início do atual governo, os golpes e manobras reacionárias visando anular as grandes conquistas democráticas de 1945. Já em janeiro, antes do início do novo governo, mostrávamos o caráter tremendamente reacionário das fôrças políticas agrupadas por trás da candidatura vencedora»... «Como era de esperar, todos os reacionários e os remanescentes do fascismo em nossa terra trataram logo de se agrupar em torno do novo governo e tudo fazem para consolidar suas posições, visando barrar o processo da democratização em que nos encontramos. Sucedem-se por isso as provocações contra o movimento operário e particularmente contra nosso Partido e todas as armas vão sendo utilizadas, das mais cínicas e estúpidas, sempre com o mesmo objetivo de eliminar as grandes conquistas democráticas de nosso povo. E à medida que falham as provocações e se desmoralizam as armas da mentira, da infâmia e da calúnia passam os fascistas em desespero de causa, aos processos mais drástico das brutalidades policiais, do assassínio em praça pública, com o fito de atemorizar as camadas populares menos esclarecidas e, assim, afastá-las da influência educadora da propaganda de nosso Partido e de sua atuação eminentemente organizadora em defesa da democracia.

«O que é certo é que se acentuam as tendências reacionárias do atual governo que, incapaz de encontrar qualquer solução para os graves problemas econômicos e sociais da hera que atravessamos, compromete-se cada vez mais com os restos do fascismo e perde rapidamente o limitado apoio popular que poderia contar».

Essa a orientação, esse o caminho seguido pelo governo Dutra, num processo reacionário crescente, que trouxe o país à situação em que hoje se encontra. Nesse processo todas as conquistas democráticas vão sendo pouco a pouco abolidas e a Constituição sistematicamente violada. O direito de reunião, continuamente ameaçado desde a chacina do Largo da Carioca em 23 de maio de 1946, já é praticamente inexistente; a liberdade de imprensa está reduzida a farrapos com a decisão do Tribunal de Recursos dando novo alento aos dispositivos inconstitucionais da Lei de Segurança do Estado Novo; a liberdade sindical foi praticamente anulada com a dissolução da CTB e das reuniões sindicais, além da intervenção ministerial ou policial em toda a vida sindical; o direito de associação igualmente anulado com a decisão contra a Juventude Comunista, contra inúmeras outras associações juvenis e populares e, finalmente, com a sentença que cassou o registro eleitoral do PCB; o direito de propriedade e a inviolabilidade do domicílio inexistem já agora para os assaltantes policiais armados de gases e metralhadoras contra os jornais do povo; o lar do trabalhador, é acintosamente desrespeitado e invadido, e os espancamentos e torturas policiais se repetem por toda parte; o direito de greve está praticamente anulado com a sistemática prisão de grevistas e com as recentes condenações de grevistas em São Paulo; o sufrágio universal ficou prejudicado com a recente decisão do TSE que afastou das câmaras municipais das quatro mais importantes cidades de São Paulo as bancadas majoritárias comunistas; enfim, a cassação dos mandatos dos representantes comunistas por meio de uma lei imoral e aberrantemente inconstitucional vem golpear de morte o poder legislativo federal, de diversos Estados e do Distrito Federal, subvertendo por completo as próprias instituições constitucionais e desmascarando definitivamente o caráter de classe da atual «democracia» brasileira, na verdade simples ditadura das classes dominantes de um país semi-feudal e semi-colonial, ditadura de senhores de terras, grandes industriais e banqueiros e de agentes do imperialismo estrangeiro, particularmente o norte-americano.

Pouco a pouco, durante o ano de 1946 e 1947, nesses dois anos de governo Dutra, acumularam-se os golpes contra as conquistas democráticas de 1945 e, assim, chegamos à situação atual em que se acham profundamente modificadas, relativamente àquele ano, as condições em que se desenvolve a luta política em nossa terra.

Mas, além disso, é outra também, muito diferente daquela do fim da guerra e dos dias da vitória militar sobre o nazifascismo, daquela de 1945, a disposição de fôrças no campo internacional, o que não deixa de ter fortes reflexos no interior do país, fazendo surgir novas condições para a luta popular, da classe operária e para toda a atividade de nosso Partido.

Para as classes dominantes é cada vez mais difícil encontrar qualquer remédio para os males que afligem a nação dentro dos limites de sus estrutura econômica atrasada, semi-feudal e semi-colonial. Impotentes e desesperados, sentindo cada vez mais ameaçados seus velhos privilégios, os homens das classes dominantes, classes cujo papel histórico terminou e cuja existência já se tornou hoje um obstáculo ao desenvolvimento da Nação, separam-se dela e vão buscar fora de suas fronteiras um apoio estrangeiro para defesa daqueles privilégios caducos e condenados. Verifica-se mais uma vez a grande lei histórica a que se refere Marx, escrevendo em 1871 em «A Guerra Civil na França»:

«a dominação de classe não pode mais se disfarçar com um uniforme nacional».

Estamos de fato diante de um governo de traição nacional que, a serviço do imperialismo norte-americano, esfomeia nosso povo, liquida a indústria nacional, impede o progresso do país e entrega a Nação à exploração total dos grandes bancos, trustes e monopólios norte-americanos. Os sérios golpes contra nós desfechados, com a cassação do registro eleitoral de nosso Partido e, agora, dos mandatos parlamentares dos representantes comunistas, vieram chamar a atenção de todos, do povo em geral, da classe operária e do próprio Partido, com especial vigor, para a ativa luta de classes que se trava no pais e para as contradições que se aprofunda n no campo internacional.

Foram os graves e sérios acontecimentos últimos que nos vieram despertar, fazer compreender aos que ainda não o haviam compreendido e aos que se deixaram tranquilamente levar pelas ilusões reformistas, que nossas perspectivas estão intimamente ligadas tanto ao desenvolvimento das contradições internacionais quanto ao da luta de classes no interior do país, e, fundamentalmente, estão ligadas ao nosso trabalho e nossos sucessos, pois que nosso trabalho e nossos sucessos são, na verdade, a forma concreta de nessa intervenção no sentido de conseguir modificar a favor das massas trabalhadoras e das forças democráticas, tanto a correlação de classes no país, quanto, na medida do possível, a própria posição internacional do Brasil.

A situação política brasileira se vem progressivamente agravando à medida que se aprofundam as contradições no campo internacional e que da colaboração das grandes potências que assegurou a vitória militar sobre o nazismo, se foi marchando, no mundo inteiro, para a divisão de fôrças em dois campos antagônicos cada vez mais nítidos, como já acontece agora, e foi tão bem definido pela Resolução da Conferência de Varsóvia que reuniu os representantes dos nove maiores partidos comunistas europeus, inclusive o da União Soviética.

País semi-colonial, o Brasil não conseguiu ver diminuído ao menos, com a sua participação na guerra contra o nazismo, o peso da exploração a que se acha sujeito seu povo pelos grandes bancos, monopólios e trustes imperialistas. Liquidados os imperialismos alemão e japonês e abalado pela guerra o britânico, dela saiu no entanto reforçado o imperialismo norte-americano, que aproveitou da situação e da própria guerra para acentuar o caráter monopolista e cada vez mais impiedoso e voraz da exploração de nossa economia, das riquezas nacionais, do trabalho do nosso povo, bem como para garantir seu predomínio político e submeter por completo nossa Pátria aos banqueiros de Wall Street e à vontade do governo de Washington.

É cada vez mais claro o propósito do imperialismo norte-americano no sentido de aumentar a colonização do país, de submetê-lo a seu completo domínio, de transformá-lo em base para sua própria expansão no Continente e no mundo, para fazer de nosso povo carne de canhão para suas aventuras guerreiras e seu ataque à União Soviética, aos países da nova democracia e aos povos que lutaram por sua própria emancipação política e econômica.

Com tais propósitos são cada vez mais diretos, mais claros e descarados os intentos de intervenção em nossa vida política, bastando lembrar o discurso do embaixador Berle nas vésperas do golpe reacionário de 29-10-45 e as sucessivas e imprudentes declarações de seu sucessor Pawley, no sentido de estimular o governo Dutra em sua campanha anticomunista. São assim os restos da independência nacional que se vêm cada vez mais ameaçados pelo atrevimento e a audácia da intervenção imperialista em nossa terra.

A máscara com que o imperialismo norte-americano procura encobrir essa intervenção e essas ameaças é essencialmente a de uma suposta «ajuda» apresentada como necessária ou, mesmo, indispensável do capital americano ao desenvolvimento de nossa vida econômica. Seus agentes e propagandistas empregam com esse fim uma linguagem cada vez mais clara e não poupam esforços afim de procurar convencer as grandes massas que decorre da falta de capital nacional o nosso atraso econômico e a miséria em que se debatem as grandes massas trabalhadoras do país.

«Não acredito na melhoria de nossas condições econômicas sem uma ampla injeção de capital estrangeiro»,

diz o conhecido agente do imperialismo ianque, sr. Juraci Magalhães, em entrevista à imprensa (Diário de São Paulo, 1/1/48), silenciando naturalmente sobre as condições exigidas pelos banqueiros estrangeiros, condições que significam cada vez mais a completa renuncia à independência econômica do país e a subordinação de seu comércio, de sua indústria e em geral de sua perspectiva de desenvolvimento aos interesses do imperialismo norte-americano e de seus planos de expansão. No seu discurso de 21 de novembro de novembro de 1947 já o declarava o sr. Correia e Castro, ministro da Fazenda, dizendo que

«temos hoje necessidade de oferecer todas as garantias possíveis ao capital, seja interno, seja externo»,

o que não pode deixar de significar, nas condições a que já chegamos, a marcha acelerada para a total colonização de nosso povo.

É claro que essas garantias ao capital «seja interno, seja externo!», reclamadas pelo sr. Correia e Castro, relacionam-se particularmente com a nova forma de penetração que vem sendo cada vez mais utilizada pelo capital financeiro dos Estados Unidos nos países coloniais e semi-coloniais, de empresas mistas ou de «investimento conjunto» de capitais locais e norte-americanos. Visa com isto o imperialismo, além da vantagem inegável de absorver o capital financeiro de outros países e manobrar com toda a sua vida econômica, encobrir o caráter estrangeiro da exploração, nela envolver a própria burguesia local e conseguir sua proteção, como já vem acontecendo em nossa pátria, com diversas empresas norte-americanas de que são sócios os principais homens de governo, parlamentares, ministros, como o próprio sr. Correia e Castro, e os Morvan, Daniel de Carvalho, etc. Com essas empresas mistas, e por todas as outras formas tradicionais de penetração imperialista (empréstimos públicos e a empresas particulares, comercio externo de importação e exportação, concessão de serviços públicos, bancos e seguros, exploração de riquezas naturais, fábricas, usinas, casas de comércio, fazendas de criação e frigoríficos, etc.), o que é certo é que avança a exploração do país pelo imperialismo que, cada vez mais ocupa e monopoliza as posições chave de nossa e economia, orienta-a segundo os interesses de seus grandes bancos e monopólios, manda para o exterior lucros sempre crescentes, lucros de que em parte se serve no país para comprar e subornar políticos das classes dominantes que lhe servem de advogados ou testa de ferro, e de sócios nas suas empresas mistas ou de investimento conjunto. E, como consequência direta, é por intermédio dessa gente, advogados da Light e sócios da Standard Oil, que os monopólios norte-americanos não só exercem pressão sobre a nossa politica interna, como também orientam e de fato dirigem a política externa e controlam todas as relações econômicas de nosso país com o estrangeiro. Tudo isso significa tão grande submissão do país aos monopólios norte-americanos e ao governo de Washington que a própria linguagem dos homens das classes dominantes já traduz, na falta do mais elementar sentimento de dignidade nacional, sua completa e voluntária sujeição ao patrão estrangeiro. Os mais sérios problemas de defesa nacional, já são hoje apreciados pelos nossos chefes militares com honrosas excepções, não do ponto de vista dos interesses pátrios, mas dos interesses de defesa dos Estados Unidos, ou do Continente, como preferem dizer os srs. Góis Monteiro e outros generais traidores. O Gal. Anápio Gomes, por exemplo, em recente entrevista ao jornalista Samuel Wainer, repetindo a linguagem dos seus chefes, disse o seguinte:

«Não devemos esquecer que estamos hoje em face de dois mundos, um polarizado em Washington, outro centralizado em Moscou, e que, havendo prenúncios claros de um embate de titãs entre esses dois mundos, o Brasil já definiu sua posição» (Diário de São Paulo, 11-11-47).

Quer dizer, em nome de uma suposta guerra inevitável, os generais brasileiros esquecem os interesses da Pátria, que colocam a reboque de uma grande potência, os Estados Unidos da América, a que submetem todos os interesses nacionais. É com tais sofismas que se permite a intervenção direta de agentes norte-americanos em nossos negócios internos, na Policia, no Ministério do Trabalho, nos Estados Maiores de nossas Fôrças Armadas, em nossa política com o exterior, em nosso comércio com o estrangeiro, enfim em toda a vida da nação. É explorando essa ameaça de guerra iminente, verdadeira chantagem imperialista, que sem nenhuma consulta ao nosso povo, os senhores das classes dominantes vão entregando o país a seus patrões de Wall Street e a eles submetendo os destinos da Nação cada vez mais prejudicados nas conferências internacionais e pan-americanas e, mais particularmente, com o Plano Truman de uniformização de armamento e de sujeição de nossas Fôrças Armadas ao controle do comando norte-americano. É claro que daí à concessão de bases militares e à ocupação de nosso solo pelos soldados do imperialismo não será grande nem difícil o caminho a percorrer.

Como diz Zhdanov em seu informe à Conferência de Varsóvia,

«a política externa expansionista, inspirada e guiada pela reação americana, previu uma atividade simultânea em todas as direções: medidas estratégicas militares, expansão econômica e luta ideológica». Problemas n.º 5, pág. 32).

Esta luta ideológica, inspirada e dirigida pelo imperialismo ianque é no Brasil, sob o domínio de Dutra, cada vez mais clara e descarada. As calunias contra a URSS e o anticomunismo sistemático visam antes de tudo encobrir a ação antidemocrática do governo e facilitar a dominação do país pelo capital norte-americano. Este o verdadeiro conteúdo da campanha ideológica do anticomunismo sistemático. É indispensável aqui acentuar a orientação atual dessa campanha em nosso país, toda ela agora dirigida com o fito de assustar ou intimidar as massas populares a fim de separá-las do Partido Comunista, sistematicamente acusado de atos de terrorismo e de sabotagem, como no caso do incêndio do 15.º R. I. de João Pessoa, ou de explosões como a havida ainda ha pouco nas proximidades de Sorocaba. Convém notar que por mais ridícula que seja a provocação, por mais conhecido e gasto o método empregado, sempre surtirá o efeito desejado se não formos capazes de um desmascaramento sistemático, persistente e objetivo, que leve às mais amplas massas informações seguras sobre os autores verdadeiros de cada provocação, o objetivo com que são feitas e as reais intenções de seus autores diretos e de seus patrões norte-americanos.

Essa política de progressiva submissão ao imperialismo norte-americano por parte do governo do sr. Dutra, da maioria reacionária do Congresso Nacional, e, inclusive, por parte dos mais altos tribunais do país, vem acompanhada da intervenção descarada na política interna com as medidas contra o PCB, com o continuado incitamento à campanha anticomunista e antissoviética, com a rutura de relações diplomáticas com a URSS e o simultâneo estimulo e incitamento à reorganização de grupos fascistas, restos do integralismo e novas associações de caráter terrorista e antidemocrático. Junto com isto, assume proporções cada vez mais sérias a infiltração de elementos nazistas no país. O rebotalho europeu que foge das novas democracias progressistas em desenvolvimento na Europa, é organizadamente encaminhado para o país pelos nossos representantes diplomáticos e consulares, bem como pela comissão brasileira especial que se encontra na Alemanha, a pretexto de repatriamento, são para cá enviados nazistas impenitentes e muita gente suspeita, por acaso nascida no Brasil, mas que atendeu aos chamados de Hitler e empunhou armas contra as Nações Unidas.

Paralelamente com esse aumento da penetração e intervenção imperialista, as fôrças políticas das classes dominantes, partidos políticos e demais agremiações conservadoras e reacionárias de latifundiários, capitalistas e agentes do imperialismo, que apesar das conquistas democráticas de 1945, nada perderam e conservam intacta sua base econômica, particularmente o monopólio da terra, reagrupam suas fôrças e desde o início do governo do sr. Dutra tratam de levantar a cabeça e de passar à ofensiva contra as classes trabalhadoras e contra a democracia. Nesse sentido, o golpe militar de 29-10-45 foi a primeira manifestação mais clara e categórica, porque, como disse na época nosso Partido, a fraseologia contra Vargas mal encobria as verdadeiras intenções dos generais fascistas contra a democracia, contra as classes trabalhadoras e seu Partido de vanguarda.

Essa ofensiva reacionária se manifesta hoje em todos os terrenos, econômico, político e ideológico. Servindo-se em geral da mascara do anticomunismo, dirigiram seu ataque desde o início e em primeiro lugar contra as organizações operárias e suas conquistas e mais particularmente contra o Partido de vanguarda do proletariado com a campanha de calúnias sobre a posição dos comunistas em caso de uma guerra imperialista, já em marco de 1946.

No terreno propriamente econômico, a política das classes dominantes vem sendo sistematicamente orientada no sentido de uma exploração cada vez maior das grandes massas trabalhadoras, através o encarecimento crescente do custo da vida, a ofensiva patronal contra os salários e as principais conquistas da legislação trabalhista e o forçado congelamento de salários, por ordem do Ministério do Trabalho, entregue ao sr. Morvan, defensor intransigente dos interesses dos maiores industriais paulistas, cujos lucros continuaram no após guerra a crescer no mesmo ritmo dos anos de guerra e de lucros extraordinários. Os trabalhadores rurais, desde o médio e pequeno sitiante até o arrendatário, o agregado, o colono e o assalariado, todos sofrem cada vez mais com a disparidade crescente entre os preços em continuado aumento e os rendimentos e salários sempre aquém das necessidades mínimas da subsistência da família, em consequência da desvalorização da moeda, dos impostos indiretos, sempre em aumento, das dificuldades de transporte, da falta de crédito e suas consequências, a expansão do cambio negro, da especulação, da usura, de toda sorte enfim de exploração pelos intermediários os mais diversos.

Mas a política econômica e financeira do governo Dutra, se significa uma brutal ofensiva contra os interesses das classes trabalhadoras, subordinada como está à direção dos banqueiros e monopólios norte-americanos, atinge também os interesses de diversos setores da burguesia nacional, especialmente dos produtores menos abastados e dependentes do capital financeiro e bancário. Não cresce por isso e, mesmo, chega a diminuir a produção agrária nacional, particularmente daqueles artigos de consumo interno. A indústria nacional sente cada vez mais as consequências da concorrência da industria norte- americana e até o pequeno comércio se vê cada vez mais ameaçado pelos grandes monopólios imperialistas. Segundo nota oficial do Escritório de Expansão Comercial do Brasil em Nova York,

«todas as nações que tomaram parte na Conferência de Genebra reconheceram que o Brasil era um país cujas tarifas de importação figuravam entre as mais baixas presentemente em vigor no mundo» (Jornal do Comércio, 20-11-47),

mas o governo Dutra aceita o Plano Clayton que visa a diminuição de tarifas em proveito da indústria norte-americana e facilita assim o aniquilamento de setores importantes da industria nacional, através da coocorrência dos grandes monopólios imperialistas, que também se manifesta pela aquisição de fábricas nacionais pelo capital norte-americano, fábricas obrigadas a fechar em consequência da falta de crédito ou da própria concorrência imperialista.

Nestas condições aumentam e tornam-se cada vez mais graves as contradições que dividem as classes dominantes do país, com reflexos bem visíveis na vida de todas as suas agrupações políticas. Essas contradições são inerentes à nossa própria estrutura econômica de país semi-feudal e atrasado, com grande desigualdade de desenvolvimento econômico das diversas regiões, sem mercado interno capaz de absorver uma produção industrial em crescimento, com indústria secundária sem a correspondente indústria pesada e a produção de combustíveis ainda precária, com grandes centros urbanos cujo abastecimento exige a compra de trigo no estrangeiro, etc., etc. Todas essas contradições são agora agravadas com a política econômica e financeira antinacional do governo Dutra, política a serviço dos interesses das classes dominantes, ligados à grande propriedade da terra e ao comércio de exportação. Convêm, além disso, não esquecer que também se manifesta no país a contradição anglo-americana, que, ao que tudo indica, tende a crescer e aprofundar-se, com reflexos inevitáveis em nossa política interna. Os elementos mais ligados aos interesses do imperialismo inglês, ainda vultosos no país, especialmente em São Paulo, na defesa de seus interesses, chegam a tomar posição contra a política econômico-financeira do governo Dutra, reclamam maior proteção à industria nacional, manifestam-se contra o Plano Clayton e são favoráveis aos tratados bilaterais de trocas comerciais com os países de moeda não arbitrável da área da libra esterlina e batem-se pela desvalorização do cruzeiro com o objetivo principal de opor uma barragem à invasão do país pelos produtos da indústria norte-americana.

Tudo isso gera um mal estar generalizado e manifestações de descontentamento com reflexos evidentes na vida de todos os partidos políticos das classes dominantes em permanente processo de recomposição, com cisões e traições que se repetem, com divisões e subdivisões cada vez mais frequentes e desmoralizadoras. Agrupações heterogêneas sem programa, sem estrutura orgânica definida, resultantes em geral de eventuais alianças de véspera de eleição, estão todos esses partidos sob a direção de velhos políticos das classes dominantes sempre ávidos pelo poder, a cuja sombra sempre viveram e da qual não podem se afastar senão por pouco tempo e para simples efeitos demagógicos às vésperas de eleição. Agrupações heterogêneas, sem dúvida, em que há de tudo, e que portanto, se equivalem, por ir ais diferentes e demagógicos que sejam seus títulos, por mais diversos que sejam os processos que empregam para enganar as massas, todos eles defendem os interesses dos elementos mais reacionários das classes dominantes, são partidos políticos dos grandes proprietários de terras, dos grandes industriais e banqueiros, dos agentes do imperialismo. São partidos políticos que defendem no fundamental os interesses

«de uma elite saída das classes beneficiadas pela situação atual..., todos nós ou pelo menos nossos parentes saíram das classes agrárias»,

para empregar a expressão do sr. Aliomar Baleeiro ao caracterizar a composição social da Assembleia Constituinte. É essa cara verdadeira, de partidos da classe dominante, que aparece agora, com clareza cada vez maior, à medida que se agrava a situação econômica do país e crescem e se aprofundam as contradições, obrigando a todos a tomar posição de um lado ou de outro, num ou noutro dos dois campos em que se divide o mundo, o das forças da democracia e do progresso e o da reação imperialista. Nesse sentido é bem elucidativo, para não falar nas cisões e recomposições do PSD e do PTB, a evolução política da UDN, que, da oposição demagógica ao governo Vargas em 1945, marchou rapidamente para a colaboração aberta e descarada com a atual ditadura de Dutra, cuja orientação no fundamental, sempre apoiou, mesmo nas medidas mais reacionárias contra a democracia, contra os trabalhadores e os interesses nacionais. E aqui, quando falamos de governo Dutra, podemos agregar os dos diversos Estados da Federação, porque todos eles, com excepções raras e ocasionais, fazem a mesma política do governo central: logo depois de empossados puseram de lado os programas demagógicos com que concorreram às eleições, passaram a atacar as classes trabalhadoras, como o sr. Ademar de Barros, a negar o direito de reunião, a perseguir a imprensa, a prender e torturar e assassinar trabalhadores, tanto os governantes pessedistas como os udenistas, em Sergipe ou na Bahia, no Pará como no Ceará, etc. Mesmo em Minas Gerais, as aparências liberais do governo Milton Campos mal encobrem o caráter demagógico de seu Plano de reconstrução econômica, simples pretexto para uma maior penetração do imperialismo norte-americano no Estado, ao mesmo tempo que se agrava dia a dia a situação de. miséria das massas trabalhadoras, literalmente esfomeadas nas fazendas, nas usinas, nas minas de ouro, nas estradas de ferro, etc. O caso de São Paulo é particularmente elucidativo, porque se de um lado desmascara-se a demagogia de Ademar de Barros e dos políticos e partidos que a ele se aliam, de outro, seus adversários com a UDN à frente, não se voltam para o povo paulista e sim para a ditadura terrorista de Dutra, para o seu governo de negocistas, num pedido insistente pela intervenção federal no Estado. É, assim, em São Paulo, mais de que em qualquer outro Estado, que melhor se revela agora o verdadeiro caráter de classe dos diversos partidos políticos, desde a UDN, dos srs. Waldemar Ferreira e Plínio Barreto, até o PTN, de Borghi, do PSD de Noveli ou Macedo Soares ao PSP ademarista, todos partidos a serviço do imperialismo, dos grandes fazendeiros, dos grandes industriais e banqueiros que, ou estão do lado das negociatas e do terror policial ademarista, ou, no caso contrário, reclamam para São Paulo um interventor, representante direto da ditadura terrorista de Dutra.

É evidente a traição à causa democrática dos políticos das classes dominantes que ainda ontem falavam em «eterna vigilância» e que agora formam em torno da bandeira do anticomunismo, a mesma bandeira do Plano Cohen de 1937, e se transformam em instrumento direto do imperialismo norte-americano e do pequeno grupo reacionário e fascista de generais, do alto clero, de grandes fazendeiros, grandes industriais e banqueiros em que se apoia o governo Dutra.

O conjunto da ação de todos esses partidos políticos, quaisquer que sejam os nossos mais ou menos «democráticos», «socialistas», «progressistas» ou «trabalhistas», de seus diferentes partidos, constitui na prática, traição aberta à causa democrática e à independência nacional, e a denuncia persistente dessa traição e a luta contra essa gente, o sistemático desmascaramento de todos eles, torna-se o dever principal das fôrças avançadas da democracia. Será essa a maneira de ganhar para o campo da democracia, da independência e do progresso nacional, os democratas e patriotas honestos que ainda vacilam e se deixam levar pela demagogia ou enganar pela propaganda ideológica do imperialismo. O governo antidemocrático, antissocial e antinacional de Dutra utiliza-se dessa traição e das vacilações dos demais políticos da classe dominante para tentar ampliar a base política de seu governo ou em torno dele unificar, em «união sagrada», com a bandeira do anticomunismo, todas as fôrças da reação, contrárias na prática à democracia, ao progresso e às reivindicações das classes trabalhadoras e serviçais do imperialismo, especialmente do norte-americano. Esta a significação verdadeira do acordo interpartidário. A fraseologia demagógica do sr. José Américo não consegue esconder o conteúdo verdadeiro desse conluio contra o povo e os mais altos interesses da Nação, em que os senhores das classes dominantes, os politiqueiros a serviço dos exploradores do povo, latifundiários, grandes industriais e banqueiros, pensam poder «de cima», como disse o sr. José Américo, lançar ainda areia nos olhos do povo, apaziguá-lo com a ditadura terrorista, para que esta amplie sua base política e prossiga na sua tarefa de liquidar a democracia no país, afim de mais facilmente entregá-lo, de pés e mãos atados, à exploração dos monopólios norte-americanos e de transformar nossa pátria em base militar do imperialismo e fazer de nosso povo carne para canhão para suas aventuras guerreiras. É evidente que com tais fins todos esses senhores se entendem entre si, com Dutra e Truman, porque como confessa ainda o sr. José Américo,

«encontramo-nos num plano em que todos podemos nos entender porque neste ponto todos desejamos as mesmas cousas»,

isto é, a submissão ao imperialismo, a entrega de nossas riquezas naturais, a começar pelo petróleo, aos monopólios norte-americanos.

É consequência inevitável dessa unificação de forças reacionárias, do acordo político em torno de Dutra, um mais rápido ressurgimento do fascismo no país. Os restos do fascismo no país, que se haviam ocultado por algum tempo e tentado mascarar-se de democratas, aproveitam a traição à democracia dos politiqueiros da «eterna vigilância» para tentar reorganizar suas próprias fileiras, utilizando todas as possibilidades legais de organização, inclusive de organização clandestina, e a liberdade de imprensa, direitos negados aos trabalhadores e democratas, mas que são concedidos pelo atual regime e o governo Dutra, com sua maioria parlamentar e seus procuradores e juízes, a imprensa venal, o alto clero católico, e o pequeno grupo de generais fascistas, em que se apoia e utiliza como arma de intimidação.

É certo que com os golpes cada vez mais sérios contra a democracia, o perigo fascista que jamais deixou de estar presente, já que não foram destruídas e nem mesmo de leve golpeadas suas raízes objetivas, torna-se hoje particularmente agudo no país. Este perigo cresce e se torna um perigo potencial à medida que a reação também cresce nos Estados Unidos. Não é por acaso que os nazistas e integralistas, anti-ianques furiosos no tempo da guerra contra o nazismo, são hoje os maiores partidários e defensores da política de Truman e da submissão do Brasil aos monopólios norte-americanos. É com esse objetivo e usando ainda, na medida do necessário, a mascara de democratas, tratam de infiltrar-se em todas as organizações particularmente nas posições políticas mais decisivas e estratégicas, consolidam suas posições na Polícia, nos altos comandos, nos Estados Maiores das Fôrças Armadas, no Ministério do Exterior, nas embaixadas do Brasil no estrangeiro, etc. Essa tática de infiltração fascista é, aliás, empregada por toda parte, ajudada e estimulada pelo governo Dutra e conta, cada vez mais, com a displicência criminosa dos pseudo-democratas, ex-oposicionistas agora solidários com Dutra nessa insidiosa reorganização do nazi-integralismo no país.

Desse estado de coisas decorre a profunda crise por que estão passando todos os partidos políticos da classe dominante, cujos dirigentes rapidamente se desprestigiam diante das grandes massas trabalhadoras e dificilmente conseguem manter sob sua influência as camadas mais pobres e desesperadas das classes médias e da burguesia menos abastada, camadas naturalmente vacilantes, que só poderão ser organizadas através de uma ação energia dos democratas mais esclarecidos e avançados e, em particular, das fôrças de vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores.

Na situação presente torna-se cada vez mais ciara a fraqueza do movimento democrático brasileiro, movimento que se desenvolveu sob as difíceis condições da ditadura getulista, que cresceu com o decorrer da guerra contra o nazismo e que afinal alcançou as vitórias políticas de 1945 com a liberdade de imprensa, o direito de reunião, a libertação dos presos políticos, a legalidade do PCB, a convocação da Constituinte e as eleições de 2 de dezembro.

Elemento sumamente prejudicial ao desenvolvimento das fôrças democráticas no país, está, sem dúvida, na posição dirigente e hegemônica que ocupam nas fôrças armadas os generais mais reacionários, alguns deles fascistas conhecidos que sempre apoiaram a Hitler e Mussolini e que até 1942 não pouparam esforços para colocar o Brasil ao lado das nações do Eixo, como nos casos de Dutra, Newton Cavalcanti, Góis Monteiro, Alcio Souto, Canrobert, Mendes de Morais, Gustavo Cordeiro de Faria, Zenóbio da Costa, Mazza e outros mais inclusive da Marinha e Aeronáutica, todos hoje partidários da política de Truman e da completa submissão do país aos bancos e monopólios norte-americanos. Desde a guerra que o imperialismo ianque vem colocando junto aos generais brasileiros seus agentes especializados e dessa forma exerce hoje no meio deles, entre os mais reacionários, influência decisiva que os transforma, como no caso dos anteriormente citados, em instrumento dócil da política norte-americana no Brasil e no Continente.

Essa gente consegue, falando sempre em nome das forças armadas e, mais particularmente, do conjunto da oficialidade, influir de maneira decisiva na vida política da nação, intimidar os vacilantes, golpear continuadamente as fôrças da democracia, desorganizá-las e, simultaneamente, encorajar a retomada da ofensiva da reação, dos grupos capitalistas e feudais mais conservadores e particularmente dos remanescentes do fascismo.

As fôrças armadas do país, particularmente o Exército e a Aeronáutica, são de composição democrática, seu corpo de oficiais é, no conjunto dos mais democráticos da América, mas se encontram ainda sob a hegemonia de um pequeno grupo de generais reacionários e fascistas, de conhecidos integralistas que conservam a iniciativa, ocupam os mais importantes postos de comando e exercem forte pressão política sobre os diversos órgãos do governo, ameaçando-os constantemente com golpes de Estado, como o realizado contra o sr. Getúlio Vargas em outubro de 1945, festejado pela reação e sempre lembrado com fins evidentes de intimidação pelos generais fascistas, os Góis, os Dutra, os Canrobert e Zenóbio, nos momentos decisivos, como ainda há pouco, nas vésperas da votação pela Câmara dos Deputados do Projeto Ivo d’Aquino.

Essa intervenção dos generais fascistas assume formas diretas e indiretas, como sejam medidas reacionárias, desde a época da guerra para impedir a mobilização das grandes massas populares, para impedir a consolidação de novas formas de democracia, proteção mais ou menos aberta ou mascarada, assim como favores aos grupos e partidos reacionários, sabotagem de todas as medidas efetivamente democráticas e capazes de limitar o poder das camadas mais reacionárias das classes dominantes, atividade permanente de provocação anticomunista acompanhada de campanha ideológica sistemática contra o comunismo e a União Soviética, etc., etc., e, sem dúvida, exerceu, e ainda exerce, uma influência profunda em toda a evolução da política brasileira. É conhecida ainda a pressão exercida pelos generais fascistas sobre o Parlamento, ao exigir leis de excepção contra os militares, a cassação da autonomia municipal das principais cidades do país, e outras medidas reacionárias.

É necessário reconhecer que as fôrças da democracia, em ascenso no Brasil desde o fim da guerra contra o nazismo, não foram capazes de se opôr a toda essa atividade desagregadora e de intimidação e que, por isso, perderam muitas das posições conquistadas. De resto, a ação antidemocrática dos generais fascistas foi desde o início apoiada por quase todos os partidos e homens dirigentes das classes dominantes, mesmo por aqueles que faziam maior demagogia democrática e antifascista, como a UDN, enquanto o nosso Partido, como único Partido das classes trabalhadoras, não foi capaz nem estava em condições de responder com eficácia à ofensiva combinada da reação internacional e das fôrças mais reacionárias do interior do país.

É certo que as forças democráticas, desde o fim da guerra, especialmente no ano de 1945, conseguiram avançar no país e obtiveram algumas conquistas de importância histórica como a liberdade dos presos políticos e a legalidade do PCB, entre outras, mas essas vitorias não trouxeram, na verdade nenhuma modificação profunda na ordem política e social brasileira que não saiu dos limites do velho regime da democracia capitalista em país semi-feudal e semi-colonial, conservadas como foram nas mãos das nossas classes, de grandes proprietários de terras, grandes banqueiros, industrias e comerciantes, de agentes do imperialismo as principais alavancas da economia nacional. A Assembleia Constituinte, de seu lado, dada sua composição sumamente reacionária, não podia modificar esse estado de coisas. Submeteu-se desde o início à vontade dos generais fascistas e não tocou nos privilégios dos banqueiros e monopólios imperialistas, no monopólio da terra, que foi conservado e defendido, na estrutura econômica, enfim, da nação, que foi cuidadosamente mantida. Na organização do Estado foi mantida a forma presidencialista e a ilusória separação dos poderes, favorável ao predomínio do poder executivo e à ditadura pessoal do seu mandatário. Mesmo os direitos do cidadão e as conquistas populares registradas na nova Constituição de forma clara e categórica foram dispostos de maneira a poderem ser burlados pelas classes dominantes e os poderes do Estado, e as conquistas dos trabalhadores, sujeitas a legislação ulterior e sem que tenham sido indicadas as medidas concretas capazes de assegurá-las, não passam da letra da lei e não significam nenhum avanço social efetivamente favorável aos trabalhadores.

Em suma, nenhuma das conquistas realizadas pelos trabalhadores, pelas forças efetivamente democráticas, conseguiram até agora modificar a estrutura econômica do país, que continua semi-feudal e semi-colonial. Ao contrário, a politica do atual governo vem sendo persistente e sistematicamente orientada no sentido de reforçar as posições dos grupos monopolistas e especuladores, nacionais e estrangeiros, especialmente norte-americanos, é uma política que aprofunda o abismo que separa as camadas possuidoras da grande massa popular trabalhadora. E a essa política não foi dado oferecer a necessária resistência em consequência da falta de organização das fôrças populares, da debilidade ou quase inexistência de um verdadeiro movimento sindical, da falta ou inconsistência orgânica, de associações populares, urbanas ou rurais, de associações femininas ou juvenis. Não pode haver dúvida de que foi a fraqueza orgânica das fôrças democráticas que facilitou o avanço da reação, a reorganização de suas fôrças que passaram à ofensiva, assim como a própria traição política da oposição e de todos os vacilantes e é por isso que se deverá concentrar agora na eliminação dessa fraqueza, orgânica das fôrças da democracia o esforço dos trabalhadores, de todos os patriotas e democratas, da classe operária e do seu Partido de vanguarda.

II — Apreciação Autocrítica

Os últimos acontecimentos políticos e particularmente a análise mais aprofundada, tanto da situação mundial como da nacional, nos levaram a compreender a necessidade de uma viragem em nossa linha política. Mas para que seja isto possível, para que todo o Partido possa compreender a necessidade dessa viragem, bem como no que deve praticamente consistir, torna-se necessário fazer uma apreciação crítica e autocrítica de algumas de nossas posições políticas anteriores.

Na verdade, nesses dois anos de governo Dutra, de ataques sucessivos e cada vez mais sérios às conquistas democráticas de nosso povo, e à própria vida das classes trabalhadoras, não tem sido oferecida a necessária resistência, uma resistência eficaz ao avanço da reação que retomou a ofensiva e está ainda de posse da iniciativa. Falta organização de massas, desapareceram pouco a pouco os Comitês democráticos e populares fundados em 1945, não há organização sindical, falta qualquer organização ponderável de grandes massas de trabalhadores rurais, nem as mulheres nem os jovens possuem organizações específicas para a defesa de seus interesses, em resumo, é alarmante a fraqueza orgânica das fôrças populares e democráticas do país.

A resposta a tais perguntas deve levar-nos ao mesmo autocrítico aprofundado de nossos erros e das causas da debilidade com que ainda hoje fazemos a política de oposição ao governo Dutra e resistimos ao avanço da reação no país. Antes de tudo devemos reconhecer que durante muito tempo, de frente àquelas indagações, nos satisfizemos com explicações superficiais e simplistas, perdido na verdade o espírito crítico em todo o Partido, de cima para baixo, e perigosamente embotada a nossa capacidade autocrítica, qualidade fundamental de qualquer Partido revolucionário, sem a qual jamais estará em condições de exercer a sua grande missão de vanguarda esclarecida da classe operária. Tudo indica que as nossas grandes vitórias de 1945 e, especialmente, as grandes vitorias eleitorais obtidas pelo nosso Partido nos pleitos de 2 de dezembro e 19 de janeiro, e a vitória alcançada na memorável campanha pró-imprensa popular, fizeram com que nos subissem à cabeça os êxitos e perdêssemos em grande parte o sentido da realidade e a capacidade crítica e autocrítica, porque, como diz Stalin

«os êxitos têm também seu lado negativo, sobretudo quando se conseguem com relativa «facilidade», de um modo «inesperado», por assim dizer, tais êxitos levam por vezes à presunção e à fanfarronice... sobem muitas vezes à cabeça da gente, que começa a tontear à fôrça de êxitos, perdendo o sentido da medida e a capacidade de compreensão da realidade, tendendo a exagerar suas próprias fôrças e a menosprezar as fôrças do adversário...» (Stalin, pg. 361).

E foi isto, sem dúvida, que em grande parte, ao lado de perigosas tendências oportunistas, ao espontaneísmo e ao reformismo que adiante examinaremos, foi, sem dúvida, a falta de um espírito crítico mais agudo, a incapacidade de levar mais a fundo, sem pretensão nem vaidade, o estudo da realidade, que não nos permitiu sentir e assinalar as grandes modificações havidas na situação interna e na situação mundial desde o início de 1946. O golpe reacionário de 29 de outubro com a deposição de Vargas já foi como que o primeiro grande embate em que as forças da reação tentavam retomar a iniciativa, passar à ofensiva e inverter o sentido em que desde o fim da guerra vinham evoluindo os acontecimentos no país. Com a eleição e a posse de Dutra a reação levantou efetivamente a cabeça e desde então começou a golpear as posições democráticas, impedindo a campanha contra a Carta fascista de 37, proibindo as manifestações de 1.º de maio, com a chacina do Largo da Carioca, a suspensão da «Tribuna Popular», o «quebra-quebra» de agosto de 1945 etc. Manifestações ainda de que a reação, apoiada pelo imperialismo norte-americano, retomava a ofensiva, nós a temos na campanha sistemática contra o comunismo, através do despacho atrevido do ministro da Guerra contra os oficiais anistiados e na campanha terrorista e de calúnias a respeito da posição dos comunistas em caso de guerra imperialista.

Na verdade não assinalamos na época com fôrça suficiente tais modificações na situação nacional e mantivemos no fundamental a mesma linha política anterior que nos levou ao sucesso eleitoral de 2 de dezembro, insistindo, em condições já bem diferentes daquelas de 1945, na mesma preocupação de ordem e tranquilidade, de mão estendida ao governo, etc. Nessas circunstancias, e, diante das ameaças cada vez mais fortes da reação, fomos silenciando cada vez mais a respeito de nossos objetivos revolucionários e caindo insensivelmente nos limites de um quadro estritamente legal e de pequenas manobras. Estas tendências foram particularmente sensíveis em S. Paulo onde nosso apoio à candidatura vitoriosa de Ademar de Barros, criou nas massas ilusões perigosas que nosso Partido não soube em tempo liquidar, tendo ao contrário alimentado através do «Plano de realizações» que chegou a formular e do silêncio criminoso que durante meses manteve diante de todas as arbitrariedades do governo paulista e da descarada traição de Ademar ao povo de São Paulo. Essa tendência direitista se caracteriza ainda pela sistemática contenção da luta das massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a «burguesia-progressista», assim como pela pouca atenção dada às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio, o que significa a subestimação na prática da massa camponesa como principal aliado do proletariado.

Evitamos, de fato, falar sobre nossos objetivos estratégicos ou, mesmo quando a eles nos referíamos, como no caso do nosso discurso sobre a guerra imperialista, não eramos suficientemente consequentes para atacar a reação e manter uma atitude firme de oposição ao governo Dutra, mero instrumento da reação e do imperialismo norte-americano. E por isso não fomos também capazes de desmascarar a composição de classe tremendamente reacionária da Assembleia Constituinte que não quis abolir a Carta de 1937 e, alimentando nas massas ilusões a seu respeito, não soubemos também demonstrar com o vigor necessário o cunho retrógrado da nova Carta Constitucional de 18 de setembro.

Simultaneamente, não soubemos assinalar em tempo as grandes modificações que se vinham dando no cenário mundial desde o fim da guerra, insistindo na possibilidade de paz através do acordo dos três grandes, sem ver a divisão do mundo em dois campos e a consequente necessidade de lutar pela paz através da resistência das forças democráticas ao avanço e aos golpes das forças da reação lideradas pelo imperialismo norte-americano. Se bem que tivéssemos assinalado em tempo a agressividade do imperialismo ianque e não deixado jamais de lutar contra sua intervenção em nossos negócios internos, exigido e alcançado também o afastamento de nossas bases militares, aéreas e navais, dor. soldados do imperialismo ianque e a entrega delas ao governo do país, manifestaram-se em nossas fileiras tendências ao espontaneísmo na luta pela paz e o desenvolvimento pacífico, desvio direitista que nos levava a transformar possibilidade em realidade, a subestimar as lutas de massas e a própria necessidade da atividade do Partido. E foi isso que, em grande parte, nos desarmou para a luta em prol da legalidade do Partido, tornando praticamente impossível a mobilização de massas reclamada em nossos documentos. Como mobilizar massas contra a reação se dizíamos que

«todas as tentativas de reviver os métodos do Estado Novo, todos os manejos reacionários, estão fadados ao mais completo fracasso, porque não estamos mais em 1937 e o mundo que emergiu da guerra de libertação dos povos não pode mais retornar aos dias sombrios de ascensão do fascismo»? (Manifesto do C.N., de 1.°/3/47).

É claro que essa preocupação de ordem e tranquilidade as grandes ilusões reformistas em conquistas parlamentares ou dentro dos estreitos limites da democracia burguesa em país atrasado, semi-feudal e semi-colonial, levaram nosso Partido a se ver privado na prática do uso das grandes’ armas de luta do proletariado, particularmente da greve, e a só utilizar os métodos de luta quase idílicos de conferências, sabatinas, comícios, memoriais, festas, etc., quando o governo usava com insistência cada vez maior as armas do arbítrio e da violência policial. Uma tal atitude não podia deixar de nos separar cada vez mais das grandes massas. Com a legalidade de nosso Partido grandes foram as esperanças das massas nos resultados de nossa atividade, mas na verdade estas, no terreno propriamente econômico, quase nada de prático, de útil ou proveitoso conseguiram por nosso intermédio, e desde que com o governo Dutra a reação retomou a ofensiva, é evidente que só com outros métodos de luta, que não os pacíficos ou os idílicos acima referidos, seriamos capazes de mobilizar e organizar as massas para a luta por seus interesses. Era praticamente impossível, frente à ofensiva da reação, às violências e ao arbítrio policial crescentes, mobilizar grandes massas através de simples comícios e para protestos platônicos e entregas de memoriais que as massas sentiam já nada lhes poder trazer de útil ou prático. Insistíamos, já sem nenhuma razão de ser, em formas de luta «rigorosamente dentro da lei», da mesma lei que as classes dominantes há muito haviam, deixado de respeitar e reconhecer.

Caímos no exagero de ver em qualquer greve ou movimento de massas espontâneo uma provocação perigosa e sempre contrária aos interesses do proletariado. Falavamos por vezes em resistir, em lutar mesmo contra a reação, contra a carestia e as brutalidades policiais, em «formas de luta cada vez mais altas e vigorosas», mas, como no caso do «quebra-bonde» em São Paulo ou do comício de 18 de setembro de 1947, também em São Paulo, quando as massas espontaneamente se lançavam à luta, eram os comunistas que delas fugiam ou as afastavam da luta em nome da ordem, para evitar «provocações», ou, como nos casos paulistas, em consequência de forte desvio reformista, para evitar o suposto «mal maior» uma intervenção federal no Estado.

Tudo isso alimentou em nossas fileiras a tendência à passividade, à apatia, trouxe uma certa confusão, e dificultava cada vez mais a mobilização de massas. Se bem que ainda tenhamos conseguido desenvolver agitação de massas como a feita em prol da imprensa popular e, depois, para as eleições de 19 de janeiro, é certo que nossa atividade se restringia cada vez mais ao âmbito estreito do próprio Partido e de seus simpatizantes, sem conseguir alcançar novas e mais amplas camadas sociais.

Foi neste estado de coisas que nos encontrou a decisão de 7 de maio de 1947 do TSE cassando o registro eleitoral de nosso Partido. Apesar da brutalidade do golpe recebido, ainda aqui não fomos capazes de uma análise mais aprofundada da situação, nossa atenção se volta para o secundário e esquece o fundamental, o revolucionário, a luta pela modificação necessária da estrutura econômica do país e a substituição do governo da reação e do imperialismo ianque por um governo efetivamente popular, democrático e progressista. É a influência de ideologia estranha ao proletariado, de tendências pequeno-burguesas «tenentistas» que se manifestam então no Partido, mesmo em sua direção como no caso da palavra de ordem exigindo a renuncia de Dutra, que, embora tendo lados positivos, reduzia nossa oposição a uma luta de palavras dentro do quadro estritamente constitucional, além de alimentar tendências golpistas.

Mais tarde, ao retirarmos, em 5 de agosto de 1947, diante das provocações do inimigo, a palavra de ordem de renuncia de Dutra, não fomos capazes de fazer a necessária autocrítica e, nem mesmo, sentir a necessidade de uma análise aprofundada da situação nacional e internacional a fim de buscar as causas verdadeiras de nossos insucessos e do incontestável avanço da reação, persistindo nas explicações superficiais, nas justificações fáceis, como tendências a ver nas massas, em seu atraso político, naquilo que chamávamos reformismo e apatia das massas a causa das derrotas, em vez de procurá-las em nós mesmos, na orientação política do Partido.

Esse perigoso e desastroso embotamento do sentido autocritico em nossas fileiras nos impediu, mesmo após a publicação das memoráveis Resoluções da Conferencia de Varsóvia, de examinar nossos erros e de buscar as causas do continuado avanço da reação e da penetração imperialistas no país. Aplicamos de maneira mecânica a palavra de ordem de resistência ao avanço da reação, mas não conseguimos com ela quebrar a apatia e a passividade que ganhavam nossas fileiras, nem muito menos mobilizar as massas, tão grande a confusão que se estabeleceu no Partido. E, isto, porque não apresentamos desde então uma perspectiva política clara para o Partido. Fomos conduzidos a essas posições por tendências reformistas, o que nos levou a ceder demais à reação. Não soubemos em tempo, ou há mais tempo, utilizar a grande experiência leninista de que

«com a combinação das formas de luta legais e ilegais, parlamentares e extraparlamentares, é às vezes vantajoso e, mesmo, obrigatório saber renunciar às formas parlamentares» (Lenin, IV. pg. 337).

Sem dúvida, a atuação dos representantes comunistas nas diversas assembleias parlamentares desde a Assembleia Constituinte não foi negativa nem nula, foi, pelo contrário positiva, se bem que pudesse ter sido mais proveitosa, e serviu afinal para desmascarar definitivamente o caráter de classe dessas assembleias que não vacilaram em violar abertamente a própria Constituição para afastar de seu seio os representantes comunistas. São úteis e, por vezes necessários os compromissos políticos, mas no caso brasileiro levamos longe demais a preocupação de manter nossa luta dentro de formas estritamente legais e subestimamos as lutas extraparlamentares na preocupação de salvar ou conservar por alguns meses mais nossos lugares nas assembleias parlamentares. Por outro lado, uma forte tendência ao espontaneísmo, a apresentar como realidade aquilo que não passava dos nossos desejos ou constituía mera possibilidade.

Apesar dos erros cometidos, tivemos êxitos e vitórias que explicam o nosso crescimento e o nosso prestígio junto às massas. Por isso mesmo fomos e somos perseguidos pela reação, que desespera, porque não consegue quebrar a unidade de nosso Partido nem separá-lo das grandes massas. Como reconhecemos anteriormente, sente-se em nossas fileiras uma certa desorientação ou confusão política, determinada pelos erros já analisados, mas as bases aguardam a palavra de seus dirigentes e as massas voltam-se para o nosso Partido como sua única esperança. É o que nos mostram as últimas eleições municipais, especialmente em São Paulo, Pernambuco, Ceará e Bahia, que nos trouxeram incontestáveis vitórias. As massas querem lutar e já mostraram que aguardam simplesmente a direção dos comunistas para enfrentar com decisão e coragem a violência policial, como no caso do comício do Largo da Concórdia em São Paulo, que se realizou apesar de todas as provocações e ameaças da polícia e no qual os comunistas se dispuseram a enfrentar a reação e a defender seus oradores com a mesma bravura com que mais tarde defenderam em São Paulo e no Rio as máquinas e as oficinas de seus jornais obtidas e construídas com o dinheiro do povo.

Na busca das causas profundas de nossos erros e no esforço para corrigi-los na prática, precisamos, no entanto, estar vigilantes contra tendências esquerdistas opostas a não permitir o exagero de querer ver nos nossos erros e fraquezas a causa exclusiva do avanço da reação no país. A apreciação autocrítica que vimos de fazer não deve ser a preocupação fundamental de nosso trabalho atual que, em vez de ser orientado para o passado, precisa hoje, mais do que nunca, ser concentrada nas tarefas imediatas de nosso Partido. Essa análise autocrítica tem, no entanto, a utilidade e a importância de mostrar a vitalidade de nosso Partido e ao mesmo tempo que serve para nos dar a todos uma melhor compreensão da atual situação política e da orientação que frente a ela devemos tomar.

III — Perspectiva e Tarefas Políticas

Aprofunda-se no mundo inteiro a luta gigantesca das forças do progresso e da democracia com as da reação e do imperialismo. Estas se tornam cada vez mais desesperadas e agressivas, em particular o imperialismo norte- americano, como dirigente atual da reação mundial, que golpeado e batido na China, na Europa Oriental, em toda parte onde as fôrças da democracia estão vigilantes e organizadas, vai tratando de dominar os povos fracos e desorganizados com o objetivo persistentemente seguido de criar condições para uma nova guerra mundial. Essa agressividade do imperialismo norte-americano é particularmente sensível nos países semicoloniais da América Latina, onde governos de latifundiários e grandes exploradores, governos de traição nacional, como o de Dutra, tudo cedem aos patrões estrangeiros e empregam contra o povo todas as armas da reação. Esta, no Brasil, tende hoje, a aumentar sob o controle do imperialismo norte-americano. Por outro lado, crescem também a miséria e a fome no seio das grandes massas trabalhadoras sobre cujos ombros tentam descarregar as classes dominantes a maior parte das consequências da situação cada dia mais difícil da economia nacional. Marchamos assim para a agravação crescente da situação de miséria em que já se debate a maioria da população do país.

Estes os problemas que devemos agora enfrentar nós, comunistas, e todos os democratas e patriotas, todos os que se preocupam com o futuro da pátria e não estão dispostos a aceitar o terror policial de uma ditadura a serviço do imperialismo norte-americano.

É possível barrar a reação e resistir a seus golpes, obrigá-la enfim a retroceder.

«O perigo principal, diz Zhdanov, para a classe operária consiste, atualmente, na subestimação das próprias fôrças e na superestimação da fôrça do adversário. Como no passado, a política de Munich encorajou a agressão hitlerista, também hoje as concessões à nova política dos Estados Unidos da América e do campo imperialista podem tornar os seus inspiradores ainda mais insolentes e agressivos. Por isso. os Partidos Comunistas devem pôr-se à frente da resistência aos planos imperialistas de expansão e de opressão em todos os campos: governativo, político, econômico e ideológico. Eles devem cerrar fileiras, unir os seus esforços na base de uma plataforma anti-imperialista e democrática comum e reunir em torno de si as forças democráticas e patrióticas do povo». (Problemas, n. 5, pg. 43)

Mas, se o avanço da reação resulta fundamentalmente do fato de não ter sido nem de leve tocada sua base econômica, da persistência no país de uma estrutura econômica, atrasada, semi-feudal e semi-colonial,que constitui obstáculo principal ao progresso nacional, é contra isto que precisamos lutar levantando com coragem e audácia a solução dos problemas fundamentais da revolução agrária e anti-imperialista em nossa Pátria.

Este o nosso objetivo estratégico. Precisamos explicar pacientemente às massas que a causa fundamental da miséria, do atraso, da ignorância em que se debatem, está no atraso de nossa economia, na miséria da renda nacional, nos restos feudais que ainda impedem a penetração do capitalismo na agricultura, na exploração do nosso povo pelos trustes e monopólios estrangeiros.

A reação pode ser barrada, mas para isso precisamos atacá-la em sua base econômica, no monopólio da terra, lutando pela sua distribuição às grandes massas camponesas para que as trabalhem e possam livremente dispor da produção, bem como atacá-la nas posições do imperialismo, lutando pela nacionalização dos serviços públicos e anulação de concessões e privilégios dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros.

É com esse programa positivo, visando a solução dos problemas da revolução agrária e anti-imperialista, que conseguiremos mobilizar as massas a fim de que resistam à reação e lutem pela derrubada do atual governo de traição nacional, pela instauração no país de um governo popular, democrático e progressista, único capaz de salvar o país da miséria, do aniquilamento, da perda total de sua soberania.

A instauração no país de um governo efetivamente democrático e progressista, capaz de iniciar a solução dos grandes problemas da revolução agrária e anti-imperialista — este o nosso objetivo estratégico e fundamental, que só poderá ser alcançado através da criação de um amplo e sólido bloco das fôrças democráticas a populares, bloco capaz de resistir à reação, de fazê-la realmente parar e de conseguir em seguida golpeá-la em sua base econômica, no monopólio da terra, nos privilégios e concessões ao imperialismo, e imprimir uma nova direção democrática e progressista à atividade governamental em nossa terra.

As condições objetivas são cada vez mais favoráveis à unidade popular e democrática, pois não só se agrava dia a dia a situação econômica das massas, como crescem se a contradição anglo-americana no país, são, além disso, se a contradição anglo-americana no país, são, além disso, cada dia mais evidentes a fraqueza e o desespero do governo Dutra e dos elementos reacionários em que se apoia. E tudo isso significa que se desenvolvem as condições favoráveis à grande batalha política capaz de nos levar à instauração no país de um governo de que participem todas as fôrças populares e democráticas. Sem subestimar as alianças por cima, com todas as correntes e partidos políticos que queiram lutar contra a ditadura e a traição nacional do governo Dutra, é para a unidade pela base das organizações de massa que se deve principalmente orientar toda nossa atividade visando organizar o mais amplo bloco das fôrças populares e democráticas.

Mas não se poderá chegar a esse resultado senão através do esforço mais sistemático e persistente por organizar e pôr em movimento amplas camadas populares, enquanto não se convence praticamente as massas e as fôrças democráticas que as enquadram de que não pode haver democracia, liberdade e progresso sem a participação e a colaboração ativa dos representantes mais diretos das classes trabalhadoras, isto é, dos comunistas. E é para alcançar esse objetivo que deve ser feito todo o trabalho de nosso Partido. Sem a sua contribuição decisiva não será possível atingi-lo.

Estamos em oposição ao governo, a Dutra e seu Ministério de negocistas, a um governo de traição nacional, antidemocrático e antissocial e é, por isso, necessário, antes e acima de tudo, que penetre em todo o Partido a convicção de que estar na oposição não significa ficar calmamente e pacificamente à espera de que o governo venha abaixo ou modifique sua orientação por si mesmo ou graças a simples combinações políticas e parlamentares das diversas correntes e partidos políticos. É indispensável colocar de maneira constante diante do país os motivos de nossa oposição, mas fazer isto de maneira concreta, de forma que sejam aceitos pela maioria da população; e baseados em tais motivos devemos orientar e desencadear a agitação, e realizar lutas efetivas que impressionem e abalem a todo o país, e coloquem e joguem a maioria da população contra o governo.

É evidente que o nosso principal terreno de luta é o das lutas pelas reivindicações mais sentidas e imediatas do trabalhador na fábrica e daí a necessidade de consagrar a maior atenção e o máximo de nossas forças a esse terreno que poderemos chamar de lutas sindicais, porque através delas deve ser organizado o movimento sindical dentro das organizações já existentes, ou, no caso de ser isso impossível, por meio de novas organizações profissionais nos próprios locais de trabalho. Nesse sentido é dever dos comunistas tomar a iniciativa e não poupar esforços a fim de organizar as massas trabalhadoras, não só em associações profissionais nos locais de trabalho, nas fábricas e nas fazendas, como também em associações populares de toda a espécie nos bairros e nos povoados, em colonos, meieiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações imediatas. Merece especial destaque a organização dos trabalhadores rurais, camponeses, sitiantes, colonos, meeiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações mais sentidas e imediatas. Só se chegará a uma verdadeira frente democrática e anti-imperialista através da criação do maior número possível de organismos de massas de todos os tipos, entre as mais diversas camadas sociais e de todas as categorias de cidadãos das classes trabalhadoras. Mas além desse terreno, de luta pelas reivindicações imediatas, são numerosos os argumentos que devem servir para a organização de um amplo movimento de oposição ao governo, entre outros os que passamos a indicar:

  1. a defesa da independência nacional contra a intervenção imperialista e o Plano Truman, assim como a defesa de nossas riquezas naturais, particularmente o petróleo, contra as concessões aos monopólios norte-americanos;
  2. a defesa das liberdades populares e das conquistas democráticas que o governo procura de todas as maneiras eliminar e, ao lado disso, a luta pela liberdade dos perseguidos políticos, presos e condenados;
  3. a defesa do nível de vida das massas trabalhadoras, contra a desvalorizarão do cruzeiro e o mercado negro, em defesa do poder aquisitivo do salário, contra a carestia da vida;
  4. a defesa dos interesses dos camponeses, desde os colonos e arrendatários até os sitiantes e pequenos proprietários por meio de melhores condições de arrendamento, contra os impostos crescentes, por ferramentas, adubos e sementes mais baratos, por crédito mais fácil, por transportes, pelo livre comércio, etc.;
  5. a defesa da indústria nacional contra a concorrência imperialista, pela industrialização do país e maior facilidade de crédito aos pequenos e médios industriais;
  6. a defesa do povo contra a injustiça, a desigualdade crescente, a corrupção, todas as fôrças enfim de exploração econômica e de especulação, assim como contra todas as decisões reacionárias e demagógicas que visam impedir qualquer medida que leve à reforma da estrutura econômica do país, como são a reforma agrária, nacionalização e controle dos bancos, do comércio externo, anulação das concessões ao capital estrangeiro monopolista, etc.

Seria impossível enumerar ou, mesmo, indicar todos os motivos concretos de oposição e de luta, pois é suficientemente claro que são eles inúmeros e se apresentam vários em cada região ou localidade e para cada setor social ou cada categoria de cidadão. O importante é não só buscá-los e descobri-los, mas com eles e em torno deles saber fazer a necessária e sistemática agitação e desenvolver uma luta contínua e persistente, enérgica e corajosa e, isto não somente entre nossos militantes e simpatizantes, como muito especialmente junto com todas as outras camadas sociais e categorias de cidadãos.

Mas para tanto é indispensável saber viver e atuar entre as massas, as massas em geral, especialmente as massas não comunistas. Ao contrário do que geralmente acontece, precisam os comunistas saber confundir-se com a massa no local do trabalho ou nos bairros de suas residências, saber descer ao nível da massa, usar sua linguagem, interessar-se por aquilo que a interessa, penetrar e participar de suas organizações, porque só assim conseguirá conhecer suas reivindicações mais sentidas e imediatas, a fim de formulá-las com precisão e ser capaz de organizar a luta por elas, porque só assim será igualmente capaz de organizar e dirigir movimentos de solidariedade, de mostrar na prática sua dedicação à massa, sua capacidade de levá-la à vitória, de fazer-se enfim o dirigente, o líder de massa que tem obrigação de ser cada militante de nosso Partido. Esse trabalho de ligação com a massa é dever de todo comunista, mas deve e precisa ser orientado, deve ser um trabalho organizado e metódico, dirigido para as maiores e mais importantes concentrações de massa dentro de cada circunscrição territorial em que atua nosso Partido.

Nesta tarefa de estabelecer ligações com as massas podem e devem ser particularmente aproveitados os vereadores comunistas que precisam conhecer praticamente os problemas principais do município e bem ligar sua atividade dentro da Câmara Municipal com a organização do povo para a luta por suas reivindicações mais sentidas. É este um trabalho que merece especial atenção dos organismos estaduais e municipais que não devem também esquecer do importante papel de agitadores políticos a ser exercido pelos vereadores da tribuna de que dispõem.

Enfim, a penetração organizada do Partido em todas as direções e em todas as camadas sociais é a condição fundamental para que nessa luta contra o governo e a reação, nossa resistência democrática possam atingir o nível mais alto de uma luta aberta e decidida e em que empreguemos métodos de luta cada vez mais altos e vigorosos. Precisamos ir muito além dos discursos e dos comícios, da simples agitação sindical e utilizar cada vez mais outras formas de mobilização de massas, desde as greves econômicas e políticas até as lutas práticas contra a miséria, o cambio negro, as violências policiais, as arbitrariedades dos fazendeiros, sem medo que tais lutas levem até mesmo a choques violentos com a polícia. É claro que essas formas de luta são mais difíceis de realizar do que simples comícios e manifestações de protesto, já que exigem uma maior ligação com a massa, porque para sua realização é indispensável arrastar todos ou quase todos os membros de uma determinada categoria, todos ou quase todos os interessados na solução do problema, todos ou quase todos os habitantes de uma cidade ou de uma região, etc..

Em nossa resistência ativa, à marcha da reação, na defesa ativa da democracia, é também indispensável organizar lutas de massa persistentes e sistemáticas contra as organizações fascistas e reacionárias terroristas, bem como fazer o desmascaramento sistemático da imprensa reacionária a serviço do fascismo, da reação e do imperialismo.

É assim, na prática, no emprego de novos métodos de luta, que faremos a viragem reclamada a fim de barrarmos a reação, salvar o país da miséria, do aniquilamento e da perda total de sua soberania, para retomarmos enfim a iniciativa para as fôrças da democracia e do progresso. E para atingir esses objetivos, todas as formas de lutas de massas são boas, justas e necessárias. Em vez de telegramas, abaixo-assinados e memoriais, precisamos apelar para formas de luta mais altas, para as ações e demonstrações de massas, para as greves de protesto, etc., afim de atingir nossos objetivos e, em vez de ilusões no parlamentarismo burguês, nossa tática comunista de ação de massas, de lutas das massas trabalhadoras por suas reivindicações e em defesa das liberdades democráticas, contra a agressão do imperialismo ianque e a traição de seus agentes brasileiros.

O essencial no momento é que a intervenção das massas trabalhadoras consiga restituir a iniciativa às forças democráticas, intimidar e bater a reação, criar enfim as premissas e condições de uma nova situação política que assegure a evolução no sentido democrático e progressista através da solução dos problemas da revolução agrária e anti-imperialista. Será essa enfim, a maneira de cumprirmos nós, os comunistas brasileiros, a nossa tarefa histórica, a mesma tarefa de todos os partidos comunistas, como foi proclamada na memorável reunião de Varsóvia em setembro último:

«tomar em suas mãos a bandeira da defesa da independência de seus países», «permanecer firmemente em suas posições», «não se deixar intimidar», «permanecer corajosamente na defesa da democracia, da soberania nacional, da liberdade e da independência de seus países», «na luta contra as tentativas de escravização econômica e política de seus países saber colocar-se à frente de todas as fôrças que estiverem dispostas a defender a causa da honra e da independência nacional».

À frente das grandes massas trabalhadoras na luta pela independência e o progresso da Pátria acentuaremos cada vez mais o caráter revolucionário de nosso Partido e mostraremos na prática que somos o único partido realmente de oposição no país, o único partido capaz de lutar consequentemente contra a ditadura de Dutra e de seu ministério de negocistas, contra o terror policial, contra Ademar de Barros e demais governadores reacionários, contra o imperialismo norte-americano e a colonização total do Brasil. Organizando e dirigindo as grandes massas nessa luta, devemos estar preparados para, em qualquer eventualidade, nos sabermos sempre colocar à frente do povo, em condições de dirigir as lutas espontâneas que irão surgindo em consequência das próprias condições objetivas e da situação que atravessamos.

Para o cumprimento de tão grandiosas tarefas precisamos agora, mais do que nunca, de um forte Partido Comunista, vanguarda do proletariado, bem ligado às massas, unido como um bloco de granito em torno de seu Comitê Nacional e de sua Comissão Executiva.


Notas de rodapé:

(1) vide citação de Marighella a essa publicação em editoriais da Revista Problemas de julho e de setembro de 1948. (retornar ao texto)

Inclusão 02/11/2014