Algumas Palavras Sobre as Divergências no Partido[N27]

J. V. Stálin

Maio de 1905


Primeira Edição: Publicado conforme o texto do folheto editado pelo Comitê da União Causásica do P.O.S.D.R., em maio de 1905.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 1º vol., pg. 69 a 71. Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo.
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A social-democracia é a união do movimento operário com o socialismo.
Carlos Kautsky

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Como são monótonos os nossos "mencheviques" ! Falo dos "mencheviques "de Tíflis. Ouviram dizer que há divergências no Partido e começaram a repetir: queiram ou não queiram, falaremos sempre e em toda parte de divergências; queiram ou não queiram, insultaremos a torto e a direito os "bolcheviques"! E passaram a insultar a todo o pano, completamente obcecados. Em todos os grupos, entre eles ou entre estranhos, numa palavra, onde podem, cantam sempre a mesma cantiga: livrai-vos dos da "maioria", são estranhos a nós, são falsos! Não satisfeitos com o terreno "habitual", transferiram a "questão" para a imprensa legal e, mais uma vez, mostraram ao mundo sua... monotonia.

De que se tornou culpada a "maioria"? Por que tanto "se irrita" a nossa "minoria"?

Voltemo-nos para a história.

A "maioria" e a "minoria" formaram-se pela primeira vez no segundo Congresso do Partido (1903). Era o Congresso em que as nossas forças dispersas deveriam unir-se num partido poderoso e único. Nós, militantes do Partido, depositávamos grandes esperanças nesse Congresso. Finalmente — exclamávamos com alegria — também nós alcançaremos a unificação num só partido e teremos possibilidade de agir segundo um plano único... Mesmo, antes, é evidente, nós já estávamos agindo; mas nossas atividades eram dispersas e desorganizadas. Mesmo antes desse Congresso, é evidente, procurávamos unir-nos; justamente para esse fim, havíamos convocado o primeiro Congresso do Partido (1898) e parecia que estávamos, mesmo, "unificados"; essa unidade, porém, só existia em palavras: o Partido achava-se ainda retalhado em grupos separados, suas forças permaneciam pulverizadas e tínhamos necessidade de unificação. Assim, o segundo Congresso do Partido deveria reunir as forças dispersas e juntá-las num todo único. Devíamos criar um partido único.

Mas os fatos demonstraram que nossas esperanças eram em grande parte prematuras. O Congresso não nos pôde dar um partido único e indiviso; apenas lançou os fundamentos de semelhante partido. Por outro lado, o Congresso mostrou-nos claramente que existiam duas tendências no Partido: a tendência da Iskra (trata-se da velha Iskra)[N28] e a tendência de seus adversários. De conformidade com isso, o Congresso dividiu-se em duas partes: em "maioria" e "minoria". A primeira aderiu à tendência da Iskra, e uniu-se em torno dela; a segunda, como adversária da Iskra, tomou a posição oposta.

Assim, a Iskra tornou-se a bandeira da "maioria" do — Partido e a posição da Iskra, a posição da "maioria". Em que caminho marchava a Iskra, o que apoiava?

Para compreendê-lo, é necessário conhecer as condições em que surgira na história.

A Iskra começou a aparecer em dezembro de 1900. Era a época em que se manifestava uma crise na indústria russa. À pletora industrial, acompanhada de uma serie de greves econômicas (1896-1898), substituia-se gradualmente uma crise. Essa crise aguçava-se de dia para dia, e se transformava num obstáculo para as greves econômicas. Apesar disso, o movimento operário abria caminho e marchava para a frente: os riachos separados fundiam-se numa só torrente, o movimento adquiria um caráter de classe e colocava-se gradualmente no caminho da luta política. O movimento operário crescia com impressionante rapidez. Só não se via o destacamento de vanguarda, a social-democracia(1), capaz de levar a esse movimento a consciência socialista, de uni-lo com o socialismo e de dar, assim, à luta do proletariado um caráter social-democrático.

Que faziam os "social-democratas" de então (os chamados "economistas")'? Queimavam incenso ao movimento, espontâneo, e sustentavam com desenvoltura que a consciência socialista, não é assim tão necessária ao movimento operário; que este atingirá com sucesso sua meta mesmo sem essa consciência, que a essência da questão está no próprio movimento. O movimento é tudo; a consciência é ninharia. O movimento sem o socialismo, eis para que tendiam eles.

A que se reduz, nesse caso, a missão da social-democracia da Rússia? Deve ser um instrumento dócil do movimento espontâneo — sustentavam eles. — Não é obrigação nossa levar a consciência socialista ao movimento operário, não é nossa obrigação dirigir esse movimento; isto significaria um esforço infrutífero; nosso dever é apenas prestar atenção ao movimento e observar exatamente o que acontece na vida social; devemos arrastar-nos a reboque do movimento espontâneo(2). Numa palavra, a social-democracia, era representada como um peso supérfluo no movimento.

Quem não reconhece a social-democracia não deverá tampouco reconhecer o Partido Social-Democrata. Justamente por isso os "economistas" sustentavam com tanta obstinação que era impossível a existência, na Rússia, de um partido político do proletariado. Ocupem-se os liberais da luta política, o que a eles melhor se adapta — diziam os economistas. Porém, que devemos fazer, nós, os social-democratas? Devemos existir, do mesmo modo que no passado, como círculos separados, e agir isoladamente, cada qual no seu próprio canto.

Não um partido, mas o círculo! — diziam eles.

Assim, o movimento operário, por um lado, desenvolvia-se e tinha necessidade de um destacamento dirigente de vanguarda; por outro lado, a "social-democracia", representada pelos "economistas", em vez de dirigir o movimento, negava a si mesma e arrastava-se a reboque do movimento.

Era necessário exprimir publicamente o pensamento de que o movimento operário espontâneo, sem o socialismo, é um tatear no escuro; que, mesmo podendo, às vezes, conduzir ao objetivo, ninguém sabe quando o alcançará, e ao preço de que sofrimentos; que a consciência socialista, por conseguinte, tem uma importância enorme para o movimento operário.

Era também necessário dizer que a social-democracia, portadora dessa consciência, deve infundir a consciência socialista no movimento operário, deve estar sempre à testa do movimento, nunca olhar o movimento operário espontâneo permanecendo à sua margem, nem arrastar-se a reboque desse movimento.

Era necessário ainda exprimir o pensamento de que o dever imediato da social-democracia da Rússia é aglutinar os destacamentos isolados da vanguarda do proletariado, uni-los em um partido único e acabar, assim, de uma vez para sempre, com a dispersão do Partido.

A Iskra dedicou-se, precisamente, à elaboração dessas tarefas.

Eis o que diz a Iskra no seu artigo programático (vide n.° 1 desse jornal): "A social-democracia é a união do movimento operário com o socialismo"[N31], o que significa que o movimento, sem o socialismo, ou o socialismo que se mantém à margem do movimento, são um fato indesejável, que a social-democracia deve combater. Mas, como os "economistas e adeptos do Rabótcheie Dielo" se inclinavam diante do movimento espontâneo, e rebaixavam a significação do socialismo, a Iskra declarava:

"O movimento operário, separado da social-democracia, torna-se coisa mesquinha e cai necessariamente no aburguesamento".

Portanto, é dever da social-democracia:

"indicar a esse movimento sua meta final e suas tarefas políticas, salvaguardar sua autonomia política e ideológica." Quais os deveres que incumbem à social-democracia russa? Daí deriva evidentemente a tarefa — continua a Iskra — que a social-democracia é chamada a realizar: infundir as idéias socialistas e a consciência política na massa do proletariado, e organizar um partido revolucionário indissolúvelmente ligado ao movimento operário espontâneo; isto é, ela deve colocar-se permanentemente à testa do movimento e seu dever essencial é o de fundir num partido único as forças social-democráticas do movimento operário."

É dessa forma que a redação da Iskra(3) fundamenta o seu programa.

Todos conhecem a abnegação com que ela traduziu na prática essas idéias de fundamental importância. Isso foi claramente demonstrado no segundo Congresso do Partido que, por 35 votos de maioria, reconheceu a Iskra como órgão central do próprio Partido.

Depois disso não é ridículo ver alguns marxistas de fancaria meterem-se a "reprovar" a velha Iskra?

Eis o que sobre a Iskra escreve o menchevique Sotzial-Demokrat:

"Ela (a Iskra) devia analisar as idéias do "economismo", refutar suas opiniões errôneas, acolher as justas e conduzí-lo a uma nova linha... Mas não é isso que acontece. A luta contra o "economismo" suscitou o extremo oposto: a subestimação da luta econômica, o desprezo por esta última e o reconhcimento do valor predominante da luta política, Política sem economia (dever-se-ia dizer: "sem ciência econômica") eis a nova orientação" (vide Sotzial-Demokrat, n.° 1, Maioria ou minoria?).

Mas onde, quando, em que país se verificou tudo isso egrégio "crítico"? Que fizeram Plekhánov. Zassulitch. Mártov, Starover;[N32] por que não orientaram eles a Iskra no caminho da "verdade"? Não constituíam a maioria da redação? E vós mesmos onde estivestes até agora, egrégio senhor, por que não alertastes o segundo Congresso do Partido? Este não teria reconhecido, então, a Iskra como seu órgão central.

Mas deixemos o "crítico".

O caso é que a Iskra indicou com justeza as "questões de atualidade", colocou-se precisamente no caminho a que me referi acima, e traduziu com abnegação, na prática, o seu programa.

De forma ainda mais precisa e convincente foi caracterizada por Lênin a posição da Iskra em seu notável livro Que fazer? Detenhamo-nos nesse livro.

Os "economistas" inclinavam-se perante o movimento operário espontâneo; mas quem não sabe que o movimento espontâneo é movimento sem socialismo, "é tradeunionismo",(4) que não quer ver nada além dos limites do capitalismo? Quem não sabe que o movimento operário sem o socialismo é um marcar passo no âmbito do capitalismo, um andar às cegas em torno da propriedade privada, que talvez leve um dia à revolução social, mas quem sabe quando e ao preço de que sofrimento? Será acaso indiferente para os operários entrar na "terra prometida" num prazo breve ou após um longo espaço de tempo, por uma estrada fácil ou difícil? É evidente que "quem quer que coloque acima de tudo o movimento espontâneo e se incline diante dele, estará, mesmo sem querer, cavando um abismo entre o socialismo e o movimento operário, reduzindo o valor da ideologia socialista, colocando-a fora da vida, e, embora sem querer, estará submetendo os operários a uma ideologia burguesa, já que não compreende que a "social-democracia é a união do movimento operário com o socialismo"(5) que "toda submissão à espontaneidade do movimento operário, toda redução da função do "elemento consciente", da função da social-democracia, significa, queiram ou não queiram, um fortalecimento da influência da ideologia burguesa sobre os operários".(6)

Expliquemos melhor. Hoje só podem existir duas ideologias: a ideologia burguesa e a ideologia socialista. A diferença entre as duas consiste, entre outras coisas, no fato de que a primeira, isto é, a ideologia burguesa, é muito mais velha, mais difundida e profundamente radicada na vida do que a segunda"; no fato de que nos defrontamos sempre, e por toda a parte, com os princípios burgueses, em nosso próprio ambiente e nos ambientes estranhos, enquanto que a ideologia socialista se acha ainda em seus primeiros passos, apenas abre caminho. Inútil é dizer que, quanto à difusão das idéias, a ideologia burguesa, isto é, a consciência tradeunionista, espalha-se muito mais facilmente e abrange o movimento operário espontâneo com uma amplitude muito maior do que a ideologia socialista, a qual mal começa a dar seus primeiros passos. Isso é tanto mais verdadeiro quanto o movimento espontâneo — o movimento sem socialismo — mesmo assim "conduz à subordinação à ideologia burguesa." Mas subordinação à ideologia burguesa significa abjurar a ideologia socialista, porquanto uma é a negação da outra.

Como? — perguntam-nos. — Então a classe operária não tende para o socialismo? — Sim, ela tende para o socialismo. Se assim não fosse, a atividade da social-democracia seria infecunda. Mas é também verdadeiro que essa tendência é contrariada e dificultada por uma outra tendência, pela tendência à ideologia burguesa.

Acabo de dizer que nossa vida social está impregnada de idéias burguesas, e que, por isso, é muito mais fácil difundir a ideologia burguesa do que a socialista. Não se deve esquecer que enquanto isso os ideólogos burgueses não dormem; eles se mascaram, a seu modo, de socialistas, e tentam incansavelmente submeter a classe operária à ideologia burguesa. Se, além disso, também os social-democratas, como os "economistas", perdessem o tempo e se arrastassem a reboque do movimento espontâneo (e o movimento operário é espontâneo na medida em que é esse o comportamento da social-democracia), então é evidente, por si mesmo, que o movimento operário espontâneo prosseguirá por esse caminho aplainado e se submeterá à ideologia burguesa, até que, como se percebe, os longos desvios e os sofrimentos o constranjam a romper as ligações com a ideologia burguesa e a tender para a revolução social.

É precisamente isso o que se chama tendência para a ideologia burguesa.

Eis o que diz Lênin:

"A classe operária encaminha-se espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa, que é a mais difundida (e que ressuscita constantemente sob as mais variadas formas), continua sendo sempre a ideologia que espontaneamente e acima de tudo se impõe ao operário."(7) "Justamente por isso o movimento operário espontâneo, enquanto permanece espontâneo, enquanto não se une à consciência socialista, submete-se à ideologia burguesa e tende para essa subordinação."(8). Se assim não fosse, a crítica social-democrática se tomaria supérflua, e seria também supérflua a "união do movimento operário com o socialismo."

A social-democracia deve lutar contra essa tendência à ideologia burguesa e favorecer a outra, a tendência para o socialismo. Certamente, cedo ou tarde, o movimento espontâneo, mesmo sem o auxílio da social-democracia, após longos desvios e sofrimentos, logrará êxito, atingirá o limiar da revolução social, uma vez que "a classe operária se dirige espontaneamente para o socialismo".(9) Mas como nos devemos comportar até lá, que devemos fazer até lá? Cruzar os braços, como os "economistas" e ceder o passo aos Struve e aos Zubatov? Repelir a social-democracia e, assim, favorecer o predomínio da ideologia burguesa, tradeunionista? Esquecer o marxismo e deixar de "unir o socialismo com o movimento operário"?

Não! A social-democracia é o destacamento de vanguarda do proletariado, e seu dever é marchar sempre à frente do proletariado, seu dever é

"afastar o movimento operário dessa tendência espontânea do tradeunionismo no sentido de se refugiar debaixo das asas da burguesia, "e atraí-lo para debaixo das asas da social-democracia revolucionária".(10)

É dever da social-democracia infundir a consciência socialista no movimento operário espontâneo, unir o movimento operário ao socialismo e dar, assim, à luta do proletariado, um caráter social-democrático.

Diz-se que em alguns países a classe operária elaborou, por si só, a ideologia socialista (socialismo científico) e que por si sô a elabora também nos demais países, sendo, por isso, totalmente supérfluo trazer de fora a consciência socialista para o movimento operário. Mas isto é um erro profundo. Para elaborar o socialismo científico é necessário estar à vanguarda da ciência, estar armado de conhecimentos científicos e saber pesquisar profundamente as leis do desenvolvimento histórico. Mas a classe operária, enquanto permanecer classe operária, não está em condições de se colocar à frente da ciência, de fazê-la progredir e de pesquisar cientificamente as leis históricas; não tem, para a realização dessa tarefa, nem tempo nem meios. O socialismo científico "só pode surgir sobre as bases de um profundo conhecimento científico..." — diz C. Kautsky

— "... O detentor da ciência não é o proletariado, mas a intelectualidade burguesa (grifado por C. Kautsky). Também o socialismo contemporâneo nasceu do cérebro de alguns membros dessa camada e foi por eles comunicado aos proletários mais evoluídos em seu desenvolvimento intelectual..."(11)

Com referência a isso, diz Lênin que todos aqueles que se inclinam perante o movimento operário espontâneo e, de braços cruzados, ficam a observá-lo conservando-se à parte, todos aqueles que diminuem constantemente o valor da social-democracia e cedem lugar aos Zubatov, todos esses imaginam que é esse próprio movimento que elabora o socialismo científico. "Mas isto é um erro profundo".(12) Alguns supõem que os operários de Petersburgo que faziam greves desde 1890 tivessem uma consciência social-democrática, mas também isso é um erro. Não tinham semelhante consciência, nem podiam possuí-la ainda... Esta (a consciência social-democrática) só lhes podia ser trazida do exterior. A história de todos os países atesta que a classe operária, apenas com suas próprias forças, só está em condições de elaborar uma consciência tradeunionista, isto é, a convicção da necessidade de se unir em sindicatos, de travar a luta contra os patrões, de reclamar do governo esta ou aquela lei necessária aos operários, etc. A doutrina do socialismo, ao invés, surgiu daquelas teorias filosóficas, históricas, econômicas que foram elaboradas pelos representantes cultos das classes possuidoras: os intelectuais. Do ponto de vista de sua posição social, os fundadores do socialismo científico contemporâneo, Marx e Engels, eram intelectuais burgueses.(13) Isto não quer dizer, evidentemente, continua Lênin,

"que os operários não participem dessa elaboração. Mas não participam como operários, e sim como teóricos do socialismo, como os Proudhon e os Weitling (eram ambos operários), em outras palavras, só participam dessa elaboração na medida em que conseguem adquirir mais ou menos completamente os conhecimentos de sua época e fazê-los progredir".(14)

Podemos em resumo apresentar tudo isso do seguinte modo. Existe a ordem capitalista. Existem operários e patrões. Entre eles há luta. O socialismo científico, por enquanto, não aparece em parte alguma. Em parte alguma existe o mínimo traço do socialismo científico quando já os operários lutavam... Sim, os operários lutam. Mas lutam contra seus patrões de modo dispersivo, chocam-se com suas autoridades locais: num lugar organizam greves, noutro acorrem aos comícios e às manifestações; num lugar reivindicam direitos junto às autoridades, noutros declaram o boicote; uns falam em luta política, outros em luta econômica, etc. Todavia isto não quer ainda dizer que os operários possuam uma consciência social-democrática; isto não quer ainda dizer que o objetivo de seu movimento seja a destruição da ordem capitalista, que eles estejam tão seguros da derrubada do capitalismo e da instauração de uma ordem socialista como o estão da inevitabilidade do nascer do sol, que considerem a conquista de seu próprio domínio político (da ditadura do proletariado) arma necessária para a vitória do socialismo, etc.

Ao mesmo tempo desenvolve-se a ciência. O movimento operário atrai pouco a pouco sua atenção. A maior parte dos eruditos chega à conclusão de que o movimento operário é uma revolta de desordeiros que conviria reconduzir à razão por meio do chicote. Outros afirmam que é dever dos ricos lançar algumas migalhas aos pobres, isto é, que o movimento operário é um movimento de pobres, cujo objetivo é obter uma esmola. E em mil desses eruditos pode ocorrer que apenas um esteja em condições de considerar cientificamente o movimento operário e pesquisar cientificamente toda a vida social, seguir os conflitos de classe, prestar atenção ao murmurar da classe operária e demonstrar, enfim, cientificamente, que a ordem capitalista não é, em absoluto, uma coisa eterna, que é transitória do mesmo modo que o feudalismo, que a essa ordem deve inevitavelmente suceder a ordem socialista, a qual é a sua própria negação, e que só pode ser instaurada pelo proletariado, mediante a revolução social. Em uma palavra, elabora-se o socialismo científico.

Compreende-se que, se não existissem o capitalismo e a luta de classes, não teria havido também o socialismo científico. Mas também é verdade, que aqueles poucos — referimo-nos a Marx e Engels — não teriam elaborado o socialismo científico se não tivessem possuído conhecimentos científicos.

Que é o socialismo científico sem o movimento operário é uma bússola que, deixada sem funcionar, só pode enferrujar-se e deve então ser jogada fora.

Que é o movimento operário sem o socialismo? É uma nau sem bússola, que mesmo assim pode aportar na outra margem, mas que, se tivesse uma bússola, chegaria lá muito mais depressa e sem enfrentar tantos perigos.

Uni essas duas coisas, e tereis uma nau magnífica, que singrará diretamente para a outra margem e chegará ao porto sem avarias.

Uni o movimento operário ao socialismo, e tereis o movimento social-democrático, que por via direta atingirá a "terra prometida".

Eis por que o dever da social-democracia, (e não só dos intelectuais social-democráticos) é unir o socialismo ao movimento operário, imprimir ao movimento a consciência socialista e dar, desse modo, um caráter social-democrático ao movimento operário espontâneo.

Assim diz Lênin.

Alguns sustentam que, segundo a opinião de Lênin e da "maioria", o movimento operário, se não se ligar à ideologia socialista, caminhará para a ruína e não chegará à revolução social. Mas isso é uma fantasia, uma fantasia de ociosos, que só pode ter nascido na cabeça dos marxistas de fancaria do gênero de An (vide Que é o Partido?, Mogzauri[N34], n.° 6).

Lênin afirma com precisão que "a classe operária vai espontaneamente para o socialismo",(15) e se não insiste demoradamente sobre isso, é apenas porque considera supérfluo demonstrar o que já está demonstrado de sobra. Além disso, Lênin em absoluto não se traçou a tarefa de pesquisar o movimento espontâneo, mas quis somente demonstrar aos organizadores do partido aquilo que devem fazer conscientemente.

Eis o que diz Lênin num outro trecho, em polêmica com Mártov:

"Nosso Partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente". É justamente isso, e é por isso mesmo que seria errado querer que "todo grevista" possa chamar-se membro do Partido, pois que, se "toda greve" não fosse simplesmente a expressão espontânea de um poderoso instinto proletário e da luta de classe, que conduz inevitavelmente à revolução social, mas a expressão consciente desse processo..., então nosso Partido... de um só golpe daria cabo de toda a sociedade burguesa".(16)

Como vedes, segundo Lênin, mesmo as lutas de classe e os conflitos de classe, que não podem ser chamados social-democráticos, conduzem entretanto, inevitavelmente, a classe operária à revolução social.

Se vos interessa também a opinião de outros representantes da "maioria", então ouvi. Eis o que diz um deles, o camarada Gorin, no segundo Congresso do Partido:

"Como andariam as coisas se se abandonasse o proletariado a si mesmo? As coisas andariam de modo análogo ao que aconteceu às vésperas da revolução burguesa. Os revolucionários burgueses não possuíam nenhuma ideologia científica e, apesar disso, surgiu a ordem burguesa. Certamente, em última análise, o proletariado, mesmo sem ideologia, trabalharia pela revolução social, mas de modo instintivo... O proletariado praticaria, embora de modo instintivo, o socialismo, mas não teria uma teoria socialista. O processo seria apenas lento e mais doloroso".(17)

São supérfluos os esclarecimentos.

Assim, o movimento operário espontâneo, o movimento operário sem o socialismo, inevitavelmente se empobrece e adquire um caráter tradeunionista, submetendo-se à ideologia burguesa. Daí se pode deduzir que o socialismo é tudo e o movimento operário nada? Não, por certo! Assim falam somente os idealistas. Um dia, dentro de muito, muito tempo, o desenvolvimento econômico levará inevitavelmente a classe operária à revolução social e por conseguinte a obrigará a romper todos os laços com a ideologia burguesa. O que acontece, porém, é que e esse caminho será muito longo e penoso.

Por outro lado, o socialismo sem movimento operário, qualquer que seja o terreno científico em que tenha nascido, permanece sempre uma frase oca e perde seu valor. Daí se pode deduzir que o movimento é tudo e o socialismo nada? Não, por certo! Assim julgam somente os marxistas de fancaria, para os quais a consciência não tem qualquer significação, pois ela nasce da própria vida social. É possível unir o socialismo ao movimento operário e, desse modo, transformá-lo de uma frase oca numa arma afiada.

A conclusão é a seguinte: o movimento operário deve unir-se ao socialismo, a atividade prática e o pensamento teórico devem fundir-se, dando assim ao movimento operário espontâneo um caráter social-democrático, já que

"A social democracia é a união do movimento operário com o socialismo".(18)

Então o socialismo, unido ao movimento operário, se transformará nas mãos dos operários de frase oca em força poderosa. Então, o movimento espontâneo, tornado social-democrático, atingirá a ordem socialista a passos rápidos e pelo caminho certo.

Em que consiste, portanto, a missão da social-democracia da Rússia? Que nos cumpre fazer?

Nosso dever, o dever da social-democracia, consiste em afastar o movimento operário espontâneo do caminho tradeuníonista e em colocá-lo no caminho social-democrático. Nosso dever consiste em levar a esse movimento a consciência socialista(19) e em congregar as forças de vanguarda da classe operária num partido centralizado. Nossa tarefa está em caminhar sempre à testa do movimento e em combater infatigàvelmente todos aqueles — sejam eles inimigos ou "amigos" — que opuserem obstáculos à realização dessa tarefa.

Essa, de modo geral, é a posição da "maioria".

Não agrada à nossa "minoria" a posição da "maioria"; esta "não é marxista", esta "contradiz substancialmente" o marxismo! Deveras, egrégios senhores? Mas onde, quando, em que planeta? Lede os nossos artigos dizem eles, e ficareis convencidos de que temos razão. Pois bem, leiamos tais artigos.

Temos em mãos o artigo "Que é o Partido" (vide Mogzauri, n.° 6). De que acusa o "crítico" An a "maioria" do Partido? "Esta" (a "maioria") "... declara ser dirigente do Partido... e exige obediência por parte dos outros... e, para justificar sua conduta, imagina freqüentemente até novas teorias, como, por exemplo: o povo trabalhador não pode com suas forças assimilar (grifado por mim) "os altos ideais", etc."(20)

E agora perguntamos: a maioria defende ou jamais defendeu semelhante teoria? Nunca, em parte alguma! Ao contrário, o representante da ideologia da "maioria", o camarada Lênin, diz com absoluta precisão que a classe operária assimila muito facilmente os "altos ideais", assimila muito facilmente o socialismo. Escutai:

"Diz-se freqüentemente: a classe operária marcha espontaneamente para o socialismo.. Isso é perfeitamente justo no sentido de que, mais profunda e mais exatamente do que todas as outras, a teoria socialista estabelece as causas dos males da classe operária e, por isso, os operários a assimilam tão facilmente".(21)

Conforme se verifica, segundo a "maioria", os operários assimilam facilmente esses "altos ideais" que se chamam socialismo.

Que sutilezas, pois, pretende estabelecer An, de onde desencavou ele a sua estranha "descoberta"? O fato, leitor, é que o "crítico" An visava coisa muito diversa. Tinha ele em mira aquele trecho do livro Que fazer?, no qual Lênin fala da elaboração do socialismo, e onde sustenta que a classe operária não pode elaborar com suas próprias forças o socialismo científico.(22) E então? — direis. Uma coisa é a elaboração do socialismo e outra é a sua assimilação. Por que se esqueceu An das palavras de Lênin que tão claramente falam em assimilação dos "altos ideais"? Tendes razão, leitor, mas que pode fazer An, se tem tanto desejo de fazer-se de "crítico"? Pensai só, que empresa heróica: inventar uma "teoria" própria, atribuí-la ao adversário, e em seguida bombardear o fruto da própria fantasia. Que espécie de crítica! Em todo o caso, não há dúvida de que An "não conseguiu assimilar com suas próprias forças" o livro de Lênin Que fazer?

Examinemos agora o chamado Sotzial-Demokrat. Que diz o autor do artigo Maioria ou minoria? (vide Sotzial-Demokrat, n.° 1).

Enchendo-se de coragem, arremete ruidosamente contra Lênin, porque, na sua opinião, "o desenvolvimento natural (deveria dizer "espontâneo") do movimento operário não marcha para o socialismo, mas para a ideologia burguesa".(23) O autor, como se vê, não compreende que o movimento operário espontâneo é um movimento sem o socialismo (demonstre o autor que não é assim), e que este movimento se submete infalivelmente à ideologia burguesa tradeunionista, tende para ela, já que em nossa época só podem existir duas ideologias, a socialista e a burguesa, e onde não há a primiera, a segunda surge infalivelmente, e ocupa o seu lugar (demonstrai o contrário!). Sim, Lênin diz justamente isso. Mas ao mesmo tempo ele não esquece a outra tendência inata ao movimento operário, a tendência para o socialismo, que só até um certo ponto é ofuscada pela tendência à ideologia burguesa. Lênin afirma simplesmente que "a classe operária marcha espontaneamente para o socialismo"(24) e observa com justeza que é tarefa da social-democracia apressar a vitória desta, tendência, entre outras coisas, também mediante a luta contra os "economistas". Por que então, egrégio crítico, não vos referistes, em vosso artigo, a estas palavras de Lênin? Não pertencem elas ao próprio Lênin? Isso não vos convinha, não é verdade?

"Segundo Lênin... o operário, pela sua situação (o grifo é meu) é mais burguês do que socialista"(25) — continua o autor. Eis uma tolice que eu não esperava nem sequer de semelhante autor! Trata Lênin, por acaso, da situação do operário, afirma ele, por acaso, que o operário é, pela sua situação, um burguês? Qual o tolo capaz de afirmar que o operário seja burguês pela sua situação, quando ele é privado dos instrumentos de produção e vive da venda de sua força de trabalho? Não! Lênin diz coisa completamente diversa. O fato é que eu posso não ser burguês, mas proletário pela minha situação, sem ter, entretanto, consciência de minha situação, submetendo-me, por isso, à ideologia burguesa. É justamente o que acontece neste caso, quanto à classe operária. Mas isto significa uma coisa inteiramente diversa.

Em geral, o autor gosta de atacar com frases vazias, pega a disparar sem pensar no que está fazendo. Afirma, por exemplo, com obstinação, que o "leninismo contradiz radicalmente o marxismo"(26) e faz essa observação sem compreender aonde esta idéia o conduzirá. Concedamos, por um instante, que o leninismo de fato "contradiz radicalmente o marxismo". E então? Que resulta disso? Aí está: "O leninismo se fêz seguir pela Iskra (a velha Iskra) — o que o próprio autor não nega — e, por conseguinte, também a Iskra "contradiz radicalmente o marxismo." O segundo Congresso do Partido reconheceu a Iskra como órgão central do Partido por uma maioria de 35 votos e acentuou-lhe os méritos com grandes elogios(27). Por conseguinte, também esse Congresso, seu programa e sua tática "contradizem radicalmente o marxismo"... Ridículo, não é verdade, leitor?

Mas, prossegue o autor: "Segundo Lênin, o movimento operário espontâneo marcha para a união com a burguesia". Sim, de fato, o autor marcha indubitavelmente para a união com a cretinice, e seria bom que abandonasse esse caminho.

Deixemos, entretanto, o "crítico". Voltemo-nos para o marxismo.

O respeitável "crítico" afirma obstinadamente que a posição da "maioria" e do seu representante, Lênin, contradiz radicalmente o marxismo porque tanto Kautsky quanto Marx e Engels afirmam — diz ele — o contrário do que Lênin sustenta! Mas será mesmo assim? Vejamos!

"C. Kautsky — informa-nos o autor — escreve no seu Programa de Erfurt:

"Os interesses do proletariado e os da burguesia são por tal forma opostos, que as aspirações dessas duas classes não podem unir-se por um período mais ou menos longo. Em todo país de produção capitalista, a participação da classe operária na política leva, cedo ou tarde, como conseqüência, a própria classe operária a separar-se dos partidos burgueses e a formar um partido operário autônomo."

Que se conclui daí? Apenas que os interesses da burguesia e os do proletariado se contradizem mutuamente, que "cedo ou tarde" o proletariado se separa da burguesia criando um partido operário autônomo (note-se: partido operário e não partido operário social-democrático). O autor supõe que Kautsky esteja, aí, em desacordo com Lênin, quando Lênin diz que cedo ou tarde o proletariado não só se separa da burguesia, mas realiza também a revolução social, isto é, derruba a burguesia.(28) A tarefa da social-democracia — acrescenta ele — é esforçar-se por que isso se realize o mais depressa possível e de modo consciente. Sim, de modo consciente e não espontaneamente, pois é precisamente a respeito dessa consciência que Lênin escreve.

"... Onde quer que se tenha chegado à formação de um partido operário autônomo — o "crítico" continua a citar o livro de Kautsky — este último deve, cedo ou tarde, por natural necessidade, assimilar tendências socialistas, se não estiver, desde o princípio, animado por elas, deve tornar-se, por fim, um partido operário socialista, isto é, a social-democracia".(29)

Que significa isto? Apenas que o partido operário assimila tendências socialistas. Mas acaso Lênin nega isso? De modo algum! Lênin afirma claramente que não só o partido operário, mas toda a classe operária assimila o socialismo.(30) Que absurdo descobrem, pois, o Sotzial-Demokrat e o seu ferrabrás? Por que amontoam tolices? Como se costuma dizer: ouviu cantar o galo, mas não sabe onde. Foi justamente isso o que aconteceu ao nosso autor, que acabou ficando atrapalhado.

Como se verifica, Kautsky não diverge, aqui, em uma só vírgula de Lênin. Ao contrário, tudo isso demonstra com excepcional clareza a inconsistência do autor.

Diz Kautsky qualquer coisa a favor da posição da "maioria"? Eis o que ele escreve num dos seus notáveis artigos, em que analisa o projeto de programa da social-democracia austríaca:

"Vários de nossos críticos revisionistas (seguidores de Bernstein) imaginam ter Marx afirmado que o desenvolvimento econômico e a luta de classes não só criam as condições da produção socialista, como também geram, diretamente, a consciência (grifado por C. Kautsky) de sua necessidade. E eis estes críticos a objetar que o país de mais adiantado desenvolvimento capitalista, a Inglaterra, é o mais alheio a essa consciência. Em relação ao projeto (austríaco) poder-se-ia crer que também a comissão que elaborou o programa austríaco compartilhe desse ponto de vista... Diz o projeto: "quanto mais o desenvolvimento capitalista fortalece o proletariado, tanto mais este se vê constrangido e tem a possibilidade de lutar contra o capitalismo. O proletariado chega a adquirir consciência" da possibilidade e da necessidade do socialismo. A consciência socialista seria o resultado necessário, direto, da luta de classe do proletariado. Mas isso é completamente falso... A consciência socialista contemporânea não pode surgir senão à base de um profundo conhecimento científico... O detentor da ciência não é o proletariado, mas os intelectuais burgueses (grifado por C. Kautsky). Também o socialismo contemporâneo nasceu no cérebro de alguns membros dessa camada, e foi por eles comunicado (o socialismo científico) aos proletários mais evoluídos por seu desenvolvimento intelectual, os quais, em seguida, o introduziram na luta de classe do proletariado... Assim, portanto, a consciência socialista é um elemento importado do exterior para a luta de classe do proletariado e não uma coisa que tenha surgido espontaneamente. O velho programa de Hainfeld[N35] dizia, pois, com muita justeza, que a tarefa da social-democracia é introduzir no proletariado a consciência de sua situação e de sua missão..."(31)

Não vos lembrais, leitor, dos pensamentos análogos de Lênin sobre essa questão, não vos recordais da conhecida posição da "maioria"? Por que o "comitê de Tíflis" e seu Sotzial-Demokrat esconderam a verdade, por que o respeitável senhor "crítico", falando de Kautsky, não citou em seu artigo estas palavras de Kautsky? A quem esses egrégios senhores pretendem enganar, por que "se comportam" com tanto "desprezo" para com o leitor? Não será talvez porque... temem a verdade, escondem-se dela e pensam que é também possível esconder a verdade? Parecem aquela ave que esconde a cabeça debaixo da asa e acha que ninguém a vê! Mas enganam-se tanto quanto aquela ave.

Se a consciência socialista é elaborada no plano científico, se esta consciência é trazida ao movimento operário, do exterior, graças aos esforços da social-democracia,(32) é claro que tudo isso acontece porque a classe operária, enquanto permanece classe operária, não pode colocar-se à frente da ciência e elaborar com suas próprias forças o socialismo científico: para fazê-lo, faltam-lhe tempo e meios.

Eis o que diz Kautsky em seu Programa de Erfurt:

"... O proletário pode, no melhor dos casos, assimilar uma parte dos conhecimentos elaborados pela sabedoria burguesa, e adaptá-los aos próprios fins e necessidades, mas enquanto permanecer proletário faltam-lhe as oportunidades e os meios para elaborar de modo independente a ciência além dos limites atingidos pelos pensadores burgueses. Por isso também o socialismo operário de origem devia trazer todas as marcas essenciais do utopismo"(33) (o utopismo é uma teoria falsa, não científica).

O socialismo utópico desse gênero freqüentemente adquire — continua Kautsky — um caráter anárquico, mas, "como é sabido... onde quer que o movimento anarquista (subentende-se o utopismo proletário. C. Kautsky) tenha penetrado efetivamente nas massas e se tenha tornado classista, cedo ou tarde, apesar de seu radicalismo aparente, sempre acabou por transformar-se no mais restrito movimento puramente sindical"(34)

Em outros termos, se o movimento operário não se une ao socialismo científico, inevitavelmente se torna mesquinho, adquire um caráter "estreitamente sindical" e, por conseguinte, submete-se à ideologia tradeunionista.

"Esta é uma subestimação dos operários, uma exaltação dos intelectuais!" — exclamam o nosso "crítico" e o seu Sotzial-Demokrat... Pobre "crítico", infeliz Sotzial-Demokrat.... Julgam que o proletariado seja uma senhorita caprichosa, a quem não se deve dizer a verdade, à qual é necessário fazer eternamente elogios, a fim de que não fuja! Não, egrégios senhores! Estamos certos de que o proletariado mostrará mais firmeza do que acreditais. Estamos certos de que ele não terá medo da verdade! Mas vós... Que dizer, quanto a vós? Apenas isto: também agora tivestes medo da verdade e em vosso artigo não destes ao conhecimento do leitor o verdadeiro pensamento de Kautsky...

O socialismo científico sem o movimento operário é, portanto, uma frase vazia, sempre fácil de dissipar-se ao vento.

Por outro lado, o movimento operário sem o socialismo é um andar às cegas tradeunionista que, cedo ou tarde, é certo, levará à revolução social, mas ao preço de longos sofrimentos e dores.

Qual a conclusão?

"O movimento operário deve unir-se ao socialismo"; "a social-democracia é a união do movimento operário com o socialismo".(35)

Assim diz Kautsky. teórico do marxismo.

Vimos que a mesma coisa dizem a Iskra (a velha) e a "maioria".

Vimos que o camarada Lênin se encontra nessa mesma posição.

A "maioria" acha-se, portanto, sòlidamente, nas posições marxistas.

É claro que "a atitude de desprezo em relação aos operários", "a exaltação dos intelectuais", a "posição não marxista da maioria" e outras tantas pérolas que os "críticos" mencheviques espalham a mancheias, não passam de palavras bombásticas e fantasias dos "mencheviques" de Tíflis.

Veremos, ao contrário, que com efeito a própria "minoria" de Tíflis, o "Comitê de Tíflis" e o seu Sotzial-Demokrat é que "contradizem radicalmente o marxismo". Mas trataremos disso depois. Por enquanto, voltemos a atenção para o que segue.

Para confirmacão de seus argumentos, o autor do artigo Maioria ou minoria? cita as palavras de Marx (?):

"O teórico desta ou daquela classe chega teoricamente à conclusão em direção à qual a própria classe já chegou na prática".(36)

Das duas uma: ou o autor não conhece a língua georgiana, ou houve um erro do tipógrafo. Ninguém que saiba ler e escrever dirá: "em direção à qual chegou". O certo seria dizer: "à qual já chegou", ou então: "em direção à qual marcha". Se o autor quer dizer esta última coisa, (em direção à qual marcha) convém então acentuar que está traduzindo erradamente as palavras de Marx; Marx nunca disse nada semelhante. Mas se o autor quer dizer a segunda fórmula, então a frase por ele citada deverá apresentar-se assim: "O teórico desta ou daquela classe chega teoricamente à conclusão à qual a própria classe já chegou na prática." Em outras palavras, se Marx e Engels chegaram teoricamente à conclusão de que a destruição do capitalismo e a edificação do socialismo são inevitáveis, isto significa que o proletariado repudiou o capitalismo na prática, já derrubou o capitalismo e construiu em seu lugar uma vida socialista.

Pobre Marx! Quem sabe quantos absurdos lhe atribuirão ainda os nossos marxistas de fancaria!

Mas diz Marx efetivamente isso? Eis o que ele diz na realidade: os representantes teóricos da pequena-burguesia

"chegam no campo da teoria aos mesmos problemas e às mesmas soluções a que, pelo interesse material e pela situação social, chega o pequeno burguês na prática, Tal é, em geral, a relação que existe entre os representantes políticos e literários de uma classe e a classe que representam".(37)

Como se verifica, Marx absolutamente não diz "já chegou". Estas palavras "filosóficas" foram inventadas pelo egrégio senhor "crítico".

Nesse caso, as palavras de Marx adquirem uma significação completamente diversa.

Que pensamento Marx desenvolve na proposição citada? Só o de que o teórico desta ou daquela classe não pode criar um ideal cujos elementos não existam na vida que só pode indicar os elementos do futuro e, nessa base, criar teoricamente o ideal, ao qual esta ou aquela classe chega praticamente. A diferença é que o teórico precede a classe e indica antes desta os germes do futuro. A isto se chama "chegar teoricamente a qualquer coisa".

Eis o que dizem Marx e Engels em seu Manifesto:

"Na prática, portanto, os comunistas (isto é, os social-democratas) são a parte mais resoluta dos partidos operários de todos os países, a que sempre impele para diante; do ponto de vista da teoria, eles têm uma vantagem sobre o resto da massa do proletariado, pelo fato de conhecerem as condições, o andamento e os resultados gerais do movimento proletário.

Sim, os ideólogos "impelem para diante", eles vêem muito além do que o "resto da massa do proletariado" e aqui está toda a essência. Os ideólogos impelem para diante e, justamente por isto, a idéia, a consciência tem uma grande importância para o movimento.

Depois disso, ainda atacareis a "maioria", egrégio senhor "crítico"? Dizei, então, adeus ao marxismo, e ficai certo de que a "maioria" se sente orgulhosa de sua posição marxista.

A posição da "maioria" no caso em apreço recorda, sob muitos aspectos, a posição de Engels após 1890.

A idéia é a fonte da vida social, sustentavam os idealistas. Segundo eles, a consciência social é a base sobre a qual se constrói a vida da sociedade. Por isso eram chamados de idealistas.

Era necessário demonstrar que as idéias não caem do céu, que são geradas pela própria vida.

Marx e Engels entraram na cena da história e executaram admiràvelmente essa tarefa. Demonstraram eles que a vida social é a fonte das idéias, porque a vida da sociedade é a base sobre a qual se edifica a consciência social. Graças a isso, cavaram a cova do idealismo e aplainaram o caminho para o materialismo.

Alguns semimarxistas interpretaram este fato no sentido de que a consciência, as idéias, teriam uma importância muito pequena na vida.

Era necessário demonstrar a grande importância das idéias.

Então Engels intervém, acentuando nas suas cartas (1891-1894) que as idéias, na verdade, não caem do céu, mas nascem da própria vida; que, entretanto, uma vez nascidas, adquirem grande importância, unem os homens, os organizam e imprimem sua marca na vida social que as gerou; as idéias têm uma grande importância no movimento histórico.

"Isto não é marxismo, mas traição ao marxismo" — começaram a gritar Bernstein e seus êmulos. Os marxistas limitavam-se a sorrir...

Havia, na Rússia, semimarxistas: os "economistas". Eles sustentavam que, já que as idéias nascem da vida social, a consciência socialista tem uma importância muito secundária para o movimento operário.

Era necessário demonstrar que a consciência socialista tem uma grande importância para o movimento operário, que sem ela o movimento é um tatear tradeunionista, do qual não se sabe quando o proletariado se libertará para chegar à revolução social.

Surgiu, então, a Iskra, que realizou esplendidamente essa tarefa. Aparece o livro Que fazer?, no qual Lênin acentua a grande importância da consciência socialista.

Forma-se a "maioria" do Partido, que toma firmemente esse caminho.

Apresentam-se aí os pequenos Bernstein e começam a gritar: "Isso contradiz radicalmente o marxismo!".

Mas sabeis, pequenos "economistas", o que é o marxismo?

Surpreendente! — dirá o leitor. De que se trata? — perguntará. Então por que Plekhánov escreveu seu artigo de crítica contra Lênin (vide a nova Iskra nºs. 70-71); por que critica a "maioria"? Será que os marxistas de fancaria de Tíflis e seu Sotzial-Demokrat não repetem as idéias expressas por Plekhánov? Sim, repetem-nas, mas de forma tão inábil que causa. dó. Sim, Plekhánov formulou críticas. Mas sabeis do que se trata? Plekhánov não está em desacordo com a "maioria" e com Lênin. E não só Plekhánov, mas também Mártov, Zassulitch e Axelrod. Efetivamente, sobre a questão de que tratamos acima, os chefes da "minoria" não estão em desacordo com a velha Iskra. No entanto, a velha Iskra é bandeira da "maioria". Não vos espanteis! Eis os fatos.

Conheoemos o artigo programático da velha Iskra (vide acima). Sabemos que nesse artigo é expressa de modo total a posição da "maioria". De quem é esse artigo? Da redação da Iskra daquela época. Quem fazia parte dessa redação? Lênin, Plekhánov, Axelrod, Mártov, Zassulitch e Starover. Destes, hoje apenas Lênin faz parte da "maioria", os outros cinco dirigem a "minoria"; mas o fato permanece o mesmo: o artigo programático da Iskra saiu sob a responsabilidade deles, que não deveriam renegar suas palavras, pois evidentemente acreditavam naquilo que escreviam.

Mas se vos agrada, deixemos a Iskra.

Eis o que escreve Mártov:

"Desse modo, a idéia do socialismo não nasceu pela primeira vez entre as massas operárias, mas sim nos gabinetes dos intelectuais provenientes da burguesia".(38)

E eis o que escreve Vera Zassulitch:

"Até mesmo a idéia da solidariedade de classe de todo o proletariado... não é assim tão simples que possa surgir de modo autônomo no cérebro de cada operário... O socialismo... não se desenvolve efetivamente "por si" no cérebro dos operários... A teoria socialista foi preparada por todo o desenvolvimento tanto da vida como da ciência... e foi criada por uma inteligência, armada dessa ciência. Mesmo o início da difusão das idéias do socialismo entre os operários foi em todo o continente europeu obra de socialistas que tinham sido instruídos nas escolas destinadas às classes superiores".(39)

Ouçamos agora Plekhánov, que com tanta importância e solenidade atacou Lênin na nova Iskra (nºs 70-71).

Estamos no segundo Congresso do Partido. Plekhánov polemiza com Martínov e defende Lênin. Censura Martínov, o qual, agarrando-se a uma frase de Lênin, não tomava em consideração todo o Que fazer? e prossegue:

"O método do camarada Martínov me faz lembrar um censor que dizia: "Dai-me o Pater Noster, deixai-me tirar-lhe uma frase, e eu vos demonstrarei que o autor deve ser enforcado". Mas todas as censuras dirigidas contra esta infeliz frase (de Lênin), não só pelo camarada Martínov, mas por muitos e muitos outros, repousam num mal-entendido.

O camarada Martínov cita as palavras de Engels:

"O socialismo contemporâneo é a expressão teórica do movimento operário contemporâneo". O camarada Lênin também está de acordo com Engels... Mas, na realidade, as palavras de Engels são tese geral. Trata-se de verificar quem é o primeiro a formular essa expressão teórica. Lênin não estava escrevendo um tratado de filosofia da história, mas um artigo polêmico contra os "economistas" que afirmavam: devemos ver até que ponto chegará a classe operária, por si só, sem a ajuda do "bacilo revolucionário" (isto é, sem a Social-democracia). A esta se proibia dizer fosse o que fosse aos operários, justamente porque ela é um "bacilo revolucionário", isto é, porque possui uma consciência teórica. Todavia, se eliminardes o "bacilo", restará apenas uma massa inconsciente, para a qual a consciência deve ser trazida de fora. Se quiserdes fazer justiça a Lênin, e lerdes com atenção o seu livro, verifieareis que Lênin disse exatamente isso".(40)

Assim falava Plekhánov no segundo Congresso do Partido.

E eis que o mesmo Plekhánov, instigado por esses mesmos Mártov, Axelrod Zassulitch, Starover e outros, passados alguns meses intervém novamente e, apegando-se àquela mesma frase de Lênin, a qual defendera no Congresso, afirma: Lênin e a "maioria" não são marxistas. Ele sabe que, mesmo se se tomar uma frase do Pater Noster e se a interpretar isoladamente do texto o seu autor pode vir a ser enforcado por apostasia. Sabe que isso seria injusto, que um crítico imparcial não age assim, mas, não obstante, destaca essa frase do livro de Lênin, comporta-se de modo injusto e se enlameia publicamente. E Mártov, Zassulitch, Axelrod e Starover aprovam-no, publicando na nova Iskra, por eles dirigida, o artigo de Plekhánov (nºs. 70-71); e assim se desonram mais uma vez.

Por que deram prova de tanta falta de caráter, por que esses chefes da "minoria" se enlamearam, por que: renegaram o artigo programático da Iskra por eles subscrito, por que renegaram suas próprias palavras? Já se ouviu falar em semelhante falsidade no partido Social-Democrata?

Que aconteceu durante estes poucos meses que transcorreram entre o segundo Congresso e a publicação do artigo de Plekhánov?

Eis o que houve. Dos seis redatores, o segundo Congresso confirmou como redatores da Iskra apenas três: Plekhánov, Lênin e Mártov. No que se refere a Axelrod, Starover e Zassulitch, o Congresso transferiu-os para outros postos. O Congresso, evidentemente, tinha o direito de fazê-lo e todos eram obrigados a submeter-se a isso; o Congresso é a expressão da vontade do Partido, o órgão supremo do Partido, e quem contraria suas decisões calca, aos pés a vontade do Partido.

Mas esses obstinados redatores não se submeteram à vontade do Partido, à disciplina do Partido (a disciplina do Partido é a própria vontade do Partido). Ao que parece, a disciplina do Partido foi inventada para simples trabalhadores como nós! Irritaram-se contra o Congresso porque não foram eleitos redatores, afastaram-se, arrastaram-se a reboque de Mártov e constituíram a oposição. Declararam boicote ao Partido, recusaram-se a executar qualquer trabalho do Partido e começaram a ameaçar o Partido: elegei-nos para a redação, para o Comitê Central, para o Conselho do Partido, ou do contrário iremos à cisão. E começou a cisão. Calcaram aos pés, assim, mais uma vez, a vontade do Partido.

Eis as reivindicações dos redatores em greve:

"Que seja reconstituída a velha redação da Iskra (isto é, dai-nos três lugares na redação).

"Que seja introduzido no Comitê Central um determinado número de membros da oposição (isto é, da "minoria").

"Que sejam reservados dois lugares no Conselho do Partido para os membros da oposição, etc....

"Consideramos estas condições como as únicas capazes de assegurar ao Partido a possibilidade de evitar um conflito, que ameaça a própria existência do Partido" (isto é, dai-nos satisfação, ou do contrário faremos uma grande cisão no Partido).(41)

Que lhes respondeu o Partido?

O Comitê Central, que representa o Partido, e outros companheiros lhes declararam: não nos podemos colocar contra o Congresso do Partido, as eleições são atribuição do Congresso; entretanto, procuramos conseguir a Paz e a harmonia, embora, para falar com justeza, seja uma vergonha lutar para reaver postos; por causa de postos quereis cindir o Partido, etc.

Os redatores em greve ofenderam-se, sentiram-se em posição incômoda — na realidade, acontecera que tinham começado a luta para reaver os postos — atraíram para seu lado Plekhánov(42) e começaram sua heróica empresa. Era-lhes necessário descobrir qualquer divergência maior entre a "maioria" e a "minoria" e demonstrar com isso que não lutam por lugares. Procura daqui, procura dali, e encontraram uma passagem de Lênin, em torno da qual é efetivamente possível fazer chicana se ela for tirada do texto e interpretada isoladamente. Idéia feliz — pensaram os chefes da "minoria" — Lênin é o dirigente da "maioria", difamaremos Lênin e assim faremos com que o Partido penda para o nosso lado. Desse modo começaram as declamações ocas de Plekhánov, segundo as quais "Lênin e seus partidários não são marxistas". Na verdade, defendiam ontem ainda esse mesmo pensamento do livro de Lênin, contra o qual arremetem hoje, mas — que fazer? — o oportunista chama-se oportunista justamente porque não tem o mínimo respeito aos princípios.

Eis por que eles se sujam de lama; eis onde se esconde a origem da falsidade. Mas não é só.

Passou-se algum tempo. Viram que ninguém, exceto alguns ingênuos, dava ouvidos à sua agitação contra a "maioria" e contra Lênin; viram que os "negócios" iam mal e decidiram pintar-se mais uma vez de cores novas. Os mesmos Plekhánov, Mártov e Axelrod propuseram, a 10 de março de 1905, uma resolução em nome do Conselho do Partido em que se diz, entre outras coisas:

"Camaradas! (dirigem-se à "maioria")... As duas partes (isto é, a "maioria" e a "minoria") exprimiram, mais de uma vez, suas convicções de que as divergências táticas e orgânicas existentes não são de molde a tornar impossível um trabalho no âmbito de uma organização partidária única";(43) convoquemos, portanto — diziam — um tribunal de camaradas (com a participação de Bebel e outros) e solucionemos nosso pequeno litígio."

Em uma palavra, as divergências do Partido são apenas um desentendimento que será resolvido por um tribunal de camaradas, mas, contudo, somos um todo único.

Como assim? Chamam-nos a nós, os "não marxistas", para as organizações do Partido; somos um "todo único" e assim por diante... Que quer dizer isso? É uma traição ao Partido de vossa parte, senhores chefes da "minoria"! Pode-se então colocar "não marxistas" à testa do Partido? Há, porventura, lugar para "não marxistas" no Partido Social-Democata? Ou, quem sabe, vós também traistes o marxismo e por isso mudastes de cara?

Seria ingênuo esperar resposta. O fato é que esses chefes singulares trazem no bolso certo número de "princípios" e os tiram para fora quando deles precisam. Como se diz em russo, eles são desses que têm sete sextas-feiras na semana!

São assim os chefes da chamada "minoria".

É fácil imaginar o que devem ser os seguidores de tais chefes, isto é, a "minoria" de Tíflis... Além disso, quer a má sorte que muitas vezes a cauda não ouça a cabeça, e deixe de obedecer. Assim é que, por exemplo, enquanto os dirigentes da "minoria" consideram possível a conciliação e conclamam os militantes do Partido ao acordo, a "minoria" de Tíflis e seu Sotzial-Demokrat continuam a espumar de fúria: entre "maioria" e "minoria", declaram eles, "a luta é de morte"(44) e devemos destruir-nos uns aos outros! Cada qual age por conta própria.

Os da "minoria" se lamentam pelo fato de os chamarmos de "oportunistas" (homens sem princípios). Mas como chamar de outra forma, se não de oportunismo, o fato de renegarem suas próprias palavras, de mudarem constantemente de posição, de hesitarem e vacilarem eternamente? É possível que um verdadeiro social-democrata não faça outra coisa senão mudar de convicções? Mudam mais depressa de idéias do que de camisa.

Nossos marxistas de fancaria sustentam obstinadamente que a "minoria" tem um caráter verdadeiramente proletário. Será verdade? Pois bem, vejamos.

Kautsky diz que

"é mais fácil a um proletário aceitar os princípios do Partido; ele tende a uma política de princípios, independentemente das disposições do momento, dos interesses pessoais ou locais".(45)

E a "minoria"? Tende a semelhante política, independente das disposições do momento e do resto? Ao contrário: hesita continuamente; vacila eternamente; repele uma firme política de princípios; prefere a falta de princípios; segue as disposições do momento. Já conhecemos os fatos.

Kautsky diz que o proletário ama a disciplina, partidária;

"O proletário nada é enquanto permanece um indivíduo isolado. Toda a sua força, toda a sua capacidade de progredir, todas as suas esperanças e as suas expectativas, ele as haure da organização..." Justamente por isso, não se deixa seduzir nem por vantagens pessoais, nem pela glória pessoal; "cumpre o seu dever em todos os lugares onde o colocam, submetendo-se voluntariamente à disciplina, que anima todo o seu sentimento, todo o seu pensamento".(46)

E a "minoria"? Estará ela também tão impregnada de disciplina? Ao contrário: despreza a disciplina partidária e a ridiculariza.(47) O primeiro exemplo de violação da disciplina partidária foi dado pelos chefes da "minoria". Recordemos Axelrod, Zassulitch, Starover, Mártov e os outros, que não se submeteram à decisão do segundo Congresso.

"As coisas são completamente diversas em relação ao intelectual" — continua Kautsky. Com grande esforço ele se submete à disciplina do Partido, e de certo modo só o faz constrangido e não de boa vontade. "Ele reconhece a necessidade da disciplina apenas para a massa e não para os espíritos eleitos. Subentende-se que ele se coloca a si próprio entre os espíritos eleitos... Um modelo ideal de intelectual inteiramente impregnado de espírito proletário, que trabalhava em qualquer lugar que lhe fosse destinado, que se submetia inteiramente à nossa grande causa e desdenhava as lamúrias dos fracos... as quais tantas vezes os intelectuais nos fazem ouvir... Quando lhes acontece ficar em minoria; um modelo ideal desse intelectual... era Liebknecht. Aqui também se pode mencionar Marx, que nunca se colocava no primeiro lugar e que se submetia, exemplarmente à disciplina do partido na Internacional, onde ficou várias vezes em minoria".(48)

E a "minoria"? Manifestou-se nessa "minoria", em alguma circunstância, o espírito "proletário"? Assememelha-se o seu comportamento ao de Liebknecht e de Marx? Ao contrário; já vimos que os chefes da "minoria" não submeteram o próprio "eu" à nossa causa sagrada, já vimos que esses mesmos chefes se deram a "choradeiras de molengas quando ficaram em minoria" no segundo Congresso, já vimos que depois do Congresso esses mesmos chefes ansiavam pelos "primeiros lugares" e que por esses lugares tramaram a cisão do Partido...

Será esse o vosso "caráter proletário", egrégios senhores mencheviques?

Então, por que em algumas cidades os operários estão de nosso lado? — perguntam-nos os mencheviques.

Sim, é verdade, em algumas cidades os operários estão ao lado da "minoria", mas isso não demonstra coisa alguma. Os operários, em algumas cidades, também seguem os revisionistas (oportunistas da Alemanha), mas isso ainda não significa que a posição destes últimos seja proletária, isso ainda não significa que eles não sejam oportunistas. Certa vez também um corvo encontrou uma rosa, mas isso ainda não quer dizer que o corvo seja um rouxinol. Não é à-toa que se costuma dizer: Quando o corvo acha uma rosa já se julga um rouxinol.

Fica evidenciado, agora, o terreno em que surgiram as divergências no Partido. Como se verifica, surgiram tendências em nosso Partido: a tendência da firmeza proletária e a tendência da instabilidade própria de intelectuais. E a atual "minoria" é precisamente a expressão desta instabilidade própria de intelectuais. O "comitê" de Tíflis e seu Sotzial-Demokrat são os escravos dóceis dessa "minoria"! Eis tudo.

Para falar a verdade, os nossos marxistas de fancaria gritam muitas vezes que são contra a "psicologia dos intelectuais"^ tentam finalmente culpar a "maioria" de "instabilidade própria de intelectuais", mas isso faz lembrar o caso do ladrão, que depois de ter roubado o dinheiro, começou a gritar: "Pega ladrão"!

Ademais, é coisa sabida: A língua bate onde o dente dói.


Notas de rodapé:

(*) A social-democracia é o destacamento de vanguarda do proletariado. Nesse destacamento entra qualquer combatente soeial-democrático, seja ele operário ou intelectual. (retornar ao texto)

(2) Ateou-se em nosso "Sotzial-Demokrat"[N29] a paixão pela "crítica" (vide o n.° 1, "Maioria ou minoria?"), mas devo acentuar que isso caracteriza erroneamente os "economistas" e "os adeptos do "Rabótcheie Dielo" (eles diferem algo uns dos outros). A questão não está em que "descuidassem os problemas políticos", mas em que se arrastavam a reboque do movimento e repetiam o que o movimento lhes sugeria. Houve um período em que só havia greves. Eles pregavam, então, ajuta econômica. Começou o período das demonstrações (1901), correu sangue, começou a desilusão e os operários recorreram ao terror, pensando que isso poderia salvá-los dos tiranos. Então, também os "economistas e os adeptos do "Rabótcheie Dielo" uniram-se ao coro geral e declinaram com grande ênfase: — chegou a hora de recorrer ao terror, de assaltar os cárceres, de libertar os companheiros, etc, (vide "A virada histórica, Rabótcheie Dielo"[N30]. Como se verifica, isso não quer dizer que "descurassem as questões políticas". O autor tomou a Martínov por empréstimo sua "crítica", mas teria sido mais útil que tivesse tomado conhecimento da história. (retornar ao texto)

(3) A redação da "Iskra" era então composta de seis pessoas: Plekhánov, Axelrod, Zassulitch, Mártov, Starover[N32] e Lênin. (retornar ao texto)

(4) Lênin, "Que fazer?", pág. 50, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(5) Kautsky, "O programa de Erfurt", edição do Comitê Central, pág. 94. (retornar ao texto)

(6) Lênin, "Que fazer?", pá.gs. 47-48, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(7) Lênin, "Que fazer?", pág. 52, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(8) Lênin, ibidem, pág. 50, idem, idem. (retornar ao texto)

(9) Lênin, ibidem, pág. 52, idem, idem. (retornar ao texto)

(10) Lênin, ibidem, pág. 51, idem, idem. (retornar ao texto)

(11)Lênin, "Que fazer?", pág. 49, Editorial Vitória, Rio, 1946, onde são reproduzidas essas linhas de Kautsky, do seu conhecido artigo sobre a "Neue Zeit"[N33], 1901-1902, n.° 3, pág. 79. (retornar ao texto)

(12) Lênin, ibidem, pág. 48, idem, idem. (retornar ao texto)

(13) Lênin, ibidem, pág. 39, idem, idem. (retornar ao texto)

(14) Lênin, ibidem, pág. 50, idem, idem. (retornar ao texto)

(15) Lênin, "Que fazer?", pág. 52, Editorial Vitória, Rio, 1946 (retornar ao texto)

(16) Lênin, "Um passo adiante, dois passos atrás", Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(17) "Atas do II Congresso do Partido", pág. 129. (retornar ao texto)

(18) "Programa de Erfurt", edição do Comitê Central, pág. 94. (retornar ao texto)

(19) Elaborada por Marx e Engels. (retornar ao texto)

(20) "Mogzauri", n.° 6, pág. 71. (retornar ao texto)

(21) Lênin, "Que fazer?", pág. 52, Editorial Vitória, Rio, 1946 (retornar ao texto)

(22) Lênin, "Que fazer?", pág. 39, Editorial Vitória, Rio, 1946 (retornar ao texto)

(23) "Sotzial-Demokrat", n.° 1, pág. 14. (retornar ao texto)

(24) Lênin, "Que fazer?", pág. 52, Editorial Vitória, Rio, 1946 (retornar ao texto)

(25) "Sotzial-Demokrat", n.° 1, pág. 14. (retornar ao texto)

(26) Ibidem, pág. 15. (retornar ao texto)

(27) Vide as Atas do II Congresso do Partido, pág. 174. Aí efetivamente se encontra a resolução em que a Iskra é chamada de efetiva salvaguarda dos princípios da social-democracia. (retornar ao texto)

(28) Lênin, "Um passo adiante, dois passos atrás", pág. 82, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(29) "Sotzial-Demokrat", n.° 1, pág. 15. (retornar ao texto)

(30) Lênin, "Que fazer?", pág. 52, Editorial Vitória, Rio, (retornar ao texto)

(31) "Neue Zeit", 1901-1902, XX, nº 3. Este notável artigo de Kautsky foi reproduzido no Lênin no "Que fazer?", págs. 48-49-50, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(32) E não apenas dos intelectuais social-democratas. (retornar ao texto)

(33) Programa de Erfurt, Edição do Comitê Central pág. 93 (retornar ao texto)

(34) Ibidem, pág. 94 (retornar ao texto)

(35) Programa de Erfurt, pág. 94. (retornar ao texto)

(36) "Sotzial-Demokrat", n.° 1, pág. 15. (retornar ao texto)

(37) Se não dispuserdes do "18 de Brumário", vêde as "Atas do II Congresso do Partido" onde se encontram essas palavras de Marx. (retornar ao texto)

(38) Mártov, "Bandeira Vermelha", pág. 3. (retornar ao texto)

(39) Zariá,[N36], n.° 4, págs. 79-80. (retornar ao texto)

(40) "Atas do segundo Congresso do Partido", pág. 123. (retornar ao texto)

(41) Comentário das Atas da Liga, pág. 26. (retornar ao texto)

(42) O leitor perguntará, provavelmente, como pode ter acontecido que Plekhánov passasse para a "minoria", esse mesmo Plekhánov que era um partidário ardoroso da "maioria". O fato é que surgira uma divergência entre ele e Lênin. Quando a "minoria" se enfureceu e declarou o boicote, Plekhánov era de opinião que seria necessária uma retirada total. Lênin não concordou. Plekhánov começou gradualmente a pender para a "minoria". Cresceram mais ainda as divergências entre eles e por fim as coisas chegaram a tal ponto que um belo dia Plekhánov se transformou em adversário de Lênin e da "maioria". Eis o que escreve Lênin a esse respeito...
"... Há alguns dias, efetivamente, abordei Plekhánov, juntamente com um membro do Conselho, e nossa conversa com Plekhánov assumiu o seguinte tom:"Existem às vezes certas mulheres tão amantes do escândalo (isto é, a "minoria") — disse Plekhánov, — que se torna necessário fazer-lhes concessões a fim de evitar cenas e um grande escândalo em público.
"É possível — respondi eu — mas é necessário que as concessões a serem feitas nos conservem a força de não permitir um "escândalo" ainda maior" (vide Comentário das Atas da Liga, pág. 37, onde vem transcrita a carta de Lênin)[N37].
Lênin e Plekhánov não chegaram a um acordo. Teve início, nesse momento, a passagem de Plekhánov para a "minoria".
Soubemos, de fonte fidedigna, que Plekhánov abandona também a "minoria" e já fundou um jornal próprio, o "Dniévnik Sotzial-Demokrata".[N38] (retornar ao texto)

(43) "Iskra", n.° 91, pág. 3. (retornar ao texto)

(44) Vide "Sotzial-Demokrat", n.° 1. (retornar ao texto)

(45) Programa de Erfurt, Edição do Comitê Central, pág. 88. (retornar ao texto)

(46) Vide Lênin, "Um passo adiante, dois passos atrás", Pag. 139, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto) (retornar ao texto)

(47) Vide "Atas da Liga". (retornar ao texto)

(48) Vide Lênin, 'Um passo adiante, dois passos atrás', pág. 139, Editorial Vitória, Rio, 1946, onde são citadas estas lihas de Kautsky." (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N27] O folheto "Algumas palavras sobre as divergências no Partido" foi escrito em fins de abril de 1905 em resposta aos artigos de Noé Jordânia "Maioria ou Minoria", no "Sotzial-Demokrat", "Que é o Partido?", no Mogzauri", etc. O centro exterior bolchevique ficou logo a par da publicação do folheto e a 18 de julho de 1905, N. K. Krúpskaia, em uma carta ao Comitê da União Caucásica do P.O.S.D.R. teve ampla difusão nos organismos bolcheviques do Cáucaso; os operários de vanguarda conheceram por meio dele as divergências internas do Partido e a posição de Lênin e dos boleheviques. O folheto foi impresso na tipografia ilegal (de Avlabar) da União Caucásica do P.O.S.D.R., em maio de 1905, em língua georgiana, era junho em língua russa e armênia, com uma tiragem de 1.500 a 2.000 exemplares para cada língua. (retornar ao texto)

[N28] Iskra (A Centelha), primeiro jornal ilegal marxista para toda a Essia, fundado por Lênin em 1900. O primeiro número da Iskra leninista saiu a 11 (24) de dezembro de 1900 em Leipzig, os números sucessivos saíram em Munich, desde abril de 1902 em Londres e a partir da primavera de 1903, em Genebra. Em várias cidades da Eússia (Petersburgo, Moscou, etc), foram fundados grupos e comitês do P.O.S.D.E. da tendência iskrista-leninista. Na Transcaucásia o jornal ilegal Brdzola (A Luta), órgão da social-democracia revolucionária georgiana, defendia as idéias da Iskra. (Sobre a significação e o papel da Iskra,, vide História do P.C. (b) da URSS, Com­pêndio, págs. 30-42, Edições em línguas estrangeiras, Moscou, 1948). (retornar ao texto)

[N29] Sotzial-Demokrat (O Social-Domocrata), jornal ilegal dos mencheviques do Cáucaso; saiu em língua georgiana, em Tíflis, de abril a novembro de 1905. O jornal era dirigido por Jordânia. O primeiro número do Sotzial-Demokrat saiu como "órgão do Comitê de Tíflis do P.O.S.D.R."; em seguida chamou-se "órgão das organizações operárias social-democratas do Cáucaso". (retornar ao texto)

[N30] Rabótchele Dielo (A Causa Operária), órgão não periódico da União dos social-democratas russos no exterior ("economistas"). A revista foi publicada em Genebra de 1899 a 1902. (retornar ao texto)

[N31] Lênin, Obras cit., vol. 4, pág. 343. (retornar ao texto)

[N32] Starover, pseudônimo de A. N. Potressov (retornar ao texto)

[N33] Die Neue Zeit (Tempos Novos), revista da social-democracia alemã, publicada em Stuttgart de 1883 a 1923. (retornar ao texto)

[N34] Mogzauri (O Viajante), revista histórico-arqueológiea e geográfico-enográfica; publicou-se em Tíflis de 1901 a novembro de 1905. A partir de janeiro de 1905 o Mogzauri tornou-se um semanário político-literário dos social-democratas georgianos, dirigido por F. Makharadze. No Mogzauri, juntamente com artigos de autores bolcheviques, publicavam-se também artigos de mencheviques. (retornar ao texto)

[N35] O programa de Hainfeld, aprovado no Congresso de fundação da social-democracia austríaca, de 1888, na cidade de Hainfeld, era baseado numa justa apreciação do curso do desenvolvimento social e das tarefas do proletariado e do partido proletário. Mais tarde, no Congresso de Viena, em 1901, o programa de Hainfeld foi substituído por um novo programa fortemente influenciado pelas teorias revisionistas. (retornar ao texto)

[N36] Zariá (A Aurora), revista teórica da social-democracia russa, fundada por Lênin. Saiu simultaneamente com o jornal Iskra, tendo o mesmo corpo de redação. A revista foi publicada em Stuttgart de abril de 1901 a agosto de 1902. (retornar ao texto)

[N37] Vide Lênin, Obras cit., vol. 7, pág. 177. (retornar ao texto)

[N38] Dniévnik Sotzial-Demokrata (O Diário do Social-Democrata), revista não periódica publicada em Genebra por Plekhánov de março de 1905 a abril de 1912. Ao todo foram publicados 16 números. Em 1916 saiu mais um número. (retornar ao texto)

pcr
Inclusão 15/12/2010