Camponeses de Barcouço:
Não vamos morrer agarrados à enxada

José A. Salvador


De como os camponeses de Barcouço tentaram «o salto» disfarçados de futebolistas

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Quem, vindo de Santa Luzia, no cruzamento com a estrada nacional Porto/Lisboa, entrar em Barcouço descobre logo dois tipos de casas: as dos que nunca sairam da terra, e as dos emigrantes.

As cores e os materiais utilizados na sua construção, mais do que a arquitectura, marcam claramente as distinções.

As casas antigas são feitas de granito, todo ele visível nas paredes e escadas exteriores, enquanto as casas mais modernas (na sua maioria pertencentes a emigrantes) foram construídas com tijolo, cimento e cobertas com tintas coloridas. No aspecto arquitectónico há bastante semelhança entre estes tipos de construção: normalmente dispõem de dois pisos, sendo o superior (1.º andar) destinado aos quartos de dormir, e o inferior a cozinha, e em muitos casos a adega.

Os currais ficam geralmente ligados às casas de habitação em pequenos pátios interiores, mas não necessariamente no mesmo prédio (como sucede por exemplo no Minho).

Outro facto que diferencia estas casas: as mais antigas ocupadas pelos camponeses que se mantiveram em Barcouço têm a porta da rua aberta durante o dia, em clara afirmação de confiança entre as gentes da aldeia; as dos emigrantes mantêm-se com as portas fechadas, pois são diversos os casos em que os seus proprietáriaos estão ausentes.

Quem, desde os primeiros dias de Dezembro último, entrasse em Barcouço descobria inúmeras viaturas com matrícula francesa. Algumas do próprio lugar, outras das aldeias vizinhas.

«Antigamente a emigração era para o Brasil. Nos anos 30, 40 e até 50. Depois mais tarde veio a emigração para França. À guerra em África fez o maior surto. Rapazes que fugiam à guerra eram autênticos dramas. Muitos fugiam a salto. Rapazes da freguesia de Barcouço foram presos em Vilar Formoso. Houve até um caso muito falado aqui no lugar. Um grupo de rapazes foi preso em Vigo, depois de atravessar o Rio Minho de barco. Iam como membros duma equipa de futebol embarcar em Vigo de avião. Um funcionário desconfiou, telefonou para Lisboa para a Federação de Futebol e ainda os mandou deter. Chegaram a casa passado um mês. Mais tarde foram doutro modo. Ficaram cá as mulheres e meia dúzia de homens. A juventude não quer isto. Há uma série de rapazes na construção civil, outros nos correios ou nas Caixas de Previdência. Os que andam a estudar? Muitos param no sétimo ano. Outra coisa que provocou emigração de camponeses e trabalhadores rurais foi a crise vinícola dos anos sessenta.»

Quem, vindo de Santa Luzia em direcção a Barcouço, descobrir as inúmeras viaturas com matrícula francesa de proprietários portugueses é capaz de verificar que isso acontece devido à proximidade do Natal. Do mesmo modo descobrirá que são vários os cidadãos que por esta época se deslocam de barco ao Brasil a convite dos filhos, agora abastados, que por lá ficaram.

Barcouço sofreu as agruras da emigração.

Para já: a palavra de um camponês que nunca emigrou. As páginas que se seguem pertencem-lhe.


Inclusão 14/06/2019