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A REVOLUÇÃO DESFIGURADA
A Falsificação Estalinista da História

Leão Trotski

A Oposição, o Perigo de Guerra e os Problemas da Defesa
Discurso pronunciado na Assembléia Plenária do Comitê Central e da Comissão Central de Controle
1 de Agosto de 1927


O Presidium da Comissão Central de Controle, que examinou em Junho de 1927 a possível expulsão de Trotski e Zinoviev do Comitê Central do Partido, acabou por não tomar nenhuma decisão a este respeito. A questão não fora, ainda, bastante «preparada». A arte principal da estratégia estalinista consiste em saber dosificar com pé-de-chumbo as pancadas assestadas ao Partido. A oposição foi violentamente combatida durante Junho e Julho. O problema da eliminação dos oposicionistas das instituições superiores do Partido foi retardado até a assembléia plenária do Comitê Central e da Comissão Central de Controle, que reuniu em fins de Junho e princípio de Agosto. No Pleno o problema do perigo de guerra foi deliberadamente misturado com o da oposição para dar à luita ulterior um carácter mais peçonhento. Porém, o Pleno próprio não se decidiu ainda excluir Trotski e Zinoviev do Comitê Central. A fracção estalinista tinha a necessidade dumas semanas para efectuar uma campanha de agitação contra a oposição apresentando-a como «aliada» com Chamberlain.

Publicamos cá o discurso pronunciado polo autor deste livro em 1 de Agosto de 1927 sobre o perigo de guerra e os problemas da defesa.

* * *

Trotski — Concederam-me quarenta e cinco minutos. Falarei com a máxima concreção, dada a extensão do domínio que examinamos neste momento. As vossas teses afirmam que a oposição tem certa maneira «trotskista» de abordar os problemas da guerra e do «derrotismo». Essa é mais uma invenção. O artigo 13 das vossas teses é dedicado completamente a este absurdo. O conjunto da oposição não é de maneira nenhuma responsável polas divergências de apreciação, de todo secundárias, que tive, sobre este ponto, no passado com Lenine. Naquilo que me diz respeito podo responder aqui mesmo a essa parva insinuação. Ainda durante a guerra imperialista escrevi apelos, a respeito desta e da luita a conduzir contra ela, ao proletariado mundial no nome do primeiro Conselho dos Comissários do Povo e do Comitê Central do Partido. Fui eu que escrevi a parte do programa do nosso Partido, referente à guerra, a principal resolução sobre esse assunto do VIII Congresso do Partido, as resoluções de todo uma série de Congressos dos Sovietes, o manifesto do I Congresso da Internacional Comunista, consagrado em grande parte ao mesmo problema, e o manifesto-programa do II Congresso da Internacional Comunista, grande parte do que foi reservado à guerra, às suas conseqüências e às suas perspectivas. Fui eu quem redigiu as teses do III Congresso da Internacional Comunista sobre a situação internacional e as perspectivas da Revolução e da guerra. Fui eu indicado polo Comitê Central do Partido para apresentar no IV Congresso um informe sobre as perspectivas da Revolução internacional e da guerra. Para o V Congresso da Internacional Comunista (1924) escrevi um manifesto por ocasião do décimo aniversário da guerra imperialista. E não houve no Comitê Central qualquer divergência a respeito de todos estes documentos; foram aceites não só sem discussão, mas quase sem emendas. Quero saber, então, como é possível que o «desvio», de que são acusado, nunca se tenha feito sentir no intensivo trabalho que realizei na Internacional Comunista? Mas eis que se acha que, ao rechaçar em 1926 o «derrotismo económico», palavra de ordem estúpida e ignara, destinada por Molotov aos obreiros ingleses, eu teria rompido com o leninismo. Por que foi então, após a minha crítica, que Molotov meteu no bolso a sua absurda palavra de ordem?

Molotov — Não existiu nenhuma palavra de ordem.

Trotski — É precisamente o que estou a dizer: Expressaram-se parvadas e não uma palavra de ordem. É bem isso o que digo. (Risos). Por que razão foi preciso exagerar ao extremo antigas divergências, de resto há já tanto tempo liquidadas? Por quê? Para dissimular e escamotear as divergências reais, verdadeiras, de hoje. Poder-se-á apresentar num plano, seriamente, a questão da luita revolucionária contra a guerra e da verdadeira defesa da URSS, orientando-se ao mesmo tempo sobre o Comitê anglo-russo? Poder-se-á dirigir as massas obreiras para a greve geral e a insurreição durante a guerra e, simultaneamente, em direcção ao bloco com os Purcell, os Hicks e outros traidores? Pergunto-vos: será o nosso espírito de defesa bolchevique ou trade-unionista? Eis como se põe a questão!

Relembrarei, antes de mais, o que os actuais chefes ensinaram a este respeito ao proletariado de Moscovo durante todo o ano passado. Este é o ponto essencial. Vou ler textualmente as directivas do Comitê de Moscovo:

«O Comitê anglo-russo pode, deve representar e representará sem nenhuma dúvida um papel enorme na luita contra as intervenções de toda a espécie dirigidas contra a URSS. Este se tornará (o Comitê anglo-russo) o centro organizador das forças internacionais do proletariado na luita contra todas as tentativas da burguesia internacional para provocar uma nova guerra».

Molotov disse aqui: «Por intermédio do Comitê anglo-russo desagregamos Amsterdã». Isto quer dizer que não compreendeu, portanto, nadinha de nada, nem mesmo agora. Tendes desnorteado os operários de Moscovo, tal como os de todo o mundo, ao enganá-los sobre o dilema de saber quem era o seu amigo e quem o seu inimigo.

Skripnik — Que tom!

Trotski — O tom corresponde à importância da questão. Incrementastes a coesão a Amsterdã à custa do vosso próprio enfraquecimento. O Conselho Geral das trade-unions é agora mais unânime que nunca... contra nós!

Devo, contudo dizer que as escandalosas directivas do Comitê de Moscovo, que venho de ler, exprimem muito mais completamente, mais claramente e mais honradamente o verdadeiro ponto de vista dos partidários do Comitê anglo-russo do que os escolásticos «truques» de Bukharine.

O Comitê de Moscovo ensinava aos obreiros desta cidade, e o Buró Político aos da União Soviética, que em caso de perigo de guerra a nossa classe operária poderia agarrar-se à corda do Comitê anglo-russo. Era assim que a questão se punha do ponto de vista político. Mas esta corda mostrou ser um liame podre. O número do Pravda de sábado fala duma «frente única de traidores» no Conselho Geral das trade-unions. O próprio Arthur Cook, o querido benjamim de Tomski, calou. «É um silêncio totalmente incompreensível!» exclama o Pravda. Esse é o vosso eterno refrão: «totalmente incompreensível!» Começastes por apostar no grupo Tchang Kai Chek, por outras palavras, em Purcell e Hicks, e a seguir depositaram as vossas esperanças no «fiel Wang Tin Wei», isto é, em Arthur Cook. Mas Cook atraiçoou, tal como Wang Tin Wei tinha atraiçoado dous dias depois de Bukharine o ter registrado entre os fiéis. Entregastes o movimento da minoria, atados de pés e mãos, aos senhores do Conselho Geral. Não sabeis nem quereis opor, neste movimento, os verdadeiros revolucionários aos reformistas que se «infiltram». Repelistes um liame delgado, mas seguro, para preferir um mais grosso, mas totalmente podre. Quando se atravessa uma ponte estreita, pouco segura, um ponto de apoio pequeno, mas certo, pode ser a salvação. Mas desgraçado de quem se apóia a uma tábua podre, carcomida, que a queda será então inevitável. A vossa política actual, em todo o domínio internacional, é a das tábuas carunchosas. Haveis-vos colhido, sucessivamente, a Tchang Kai Chek, a Feng Iu Siang, a Ten Chan Tchi, a Wang Tin Wei, a Purcell, a Hicks, a Cook. Cada uma destas tábuas se quebrou no preciso momento em que era mais necessária. E de cada vez haveis começado por dizer: «É totalmente incompreensível!», como o faz o artigo de fundo do Pravda respeitode Cook, para acrescentar no dia seguinte: «Já o tínhamos previsto».

Como se desenvolveram as cousas na China?

Examinemos, no seu conjunto, toda a linha de conduta seguida na táctica, ou antes, na estratégia quanto à China.

O Kuomintang é o partido da burguesia liberal durante a Revolução, da burguesia liberal que arrasta atrás de si os obreiros e os camponeses para atraiçoá-los depois.

Conforme aos vossos mandatos, o Partido Comunista tem que se manter no Kuomintang, apesar de todas as traições, e submeter-se à disciplina burguesa deste.

O conjunto do Kuomintang entra na Internacional Comunista e não se submete à disciplina desta última; apenas trata de aproveitar-se do seu nome e da sua autoridade para enganar os operários e os lavradores chineses.

O Kuomintang dá cobertura aos generais agrários que controlam os soldados-agricultores.

No fim de Outubro último, Moscovo exigiu que a revolução agrária não se estendesse para não assustar os latifundiários que comandavam o exército. Este se transformou por isso numa sociedade de segurança mútua dos proprietários pequenos e grandes.

Os «senhores» não viam qualquer inconveniente em qualificar à sua campanha militar como nacional e revolucionária, contanto que o poder e a terra continuem nas suas mãos. O proletariado, que constitui uma força revolucionária jovem, potente, em nada inferior à do nosso proletariado em 1905, é perseguido até se submeter às ordens do Kuomintang.

Moscovo dá o seguinte conselho aos liberais chineses: «promulguem uma lei sobre a organização dum mínimo de milícias obreiras». E isto se passa em Março de 1927! Por que razão se dá às esferas superiores este conselho: «Concedam um mínino de armamento», e não esta palavra de ordem à base: «Armem-se o máximo possível»? Porquê um mínimo e não um máximo? Para não «assustar» a burguesia, para não provocar a guerra civil. Mas esta veio inevitavelmente e resultou infinitamente mais cruel; surpreendeu os obreiros sem armas e afogou-os em sangue.(1*)

Moscovo entreviu contra a criação de sovietes «à retaguarda do exército» (como se a Revolução fosse a retaguarda), para não desorganizar a retaguarda desses mesmos generais que, dous dias depois, machucavam os obreiros e lavradores.

Reforçamos nós a burguesia e os grandes latifundiários, obrigando os comunistas a submeterem-se ao Kuomintang e cobrindo a este com a autoridade da Internacional Comunista? Sim, reforçámo-los.

Debilitamos nós os lavradores, travando o desenvolvimento da revolução agrária e dos sovietes? Sim, enfraquecemo-los.

Diminuímos nós as forças dos obreiros pola palavra de ordem, por melhor dizer, antes polo conselho respeitoso dado às esferas superiores burguesas: «o mínimo de armamento» e «não aos sovietes»? Sim, diminuimo-las. Será de admirar que tenhamos sofrido uma derrota depois de ter feito tudo o que era possível para tornar a vitória mais difícil?

A explicação mais justa, mais conscienciosa e mais franca de toda esta política deu-a Vorochilov: «A revolução campesina — diz ele — poderia ter entravado a marcha dos generais para “o Norte”». Haveis, então, travado a Revolução no interesse duma campanha militar. Tchang Kai Chek também encarava as cousas precisamente assim. Certamente, a expansão da Revolução poderia ter refreado a campanha do general «nacional». Mas é a Revolução que é a verdadeira batalha dos oprimidos contra os opressores. Para favorecer a expedição do general, retardastes, enfreastes a marcha da Revolução e introduzido a desordem no seu seio. Por isso mesmo, a campanha dos generais voltou-se não só contra os operários e camponeses, mas também (e precisamente por essa razão) contra a Revolução nacional.

Se tivéssemos assegurado em devido tempo uma completa autonomia do Partido Comunista, se o tivéssemos ajudado a armar-se com a sua imprensa e uma táctica justa, se lhe tivéssemos dado como palavras de ordem: «armamento máximo dos trabalhadores», «expansão da guerra campesina no campo», o Partido Comunista teria medrado, não cada dia, mas cada hora e os seus quadros ter-se-iam temperado na chama da luita revolucionária. Deveria ter sido lançada a palavra de ordem dos sovietes desde os primeiros dias do movimento de massas. Dever-se-ia ter passado à instauração efectiva dos Sovietes onde houvesse a mínima possibilidade e ter, para eles, conduzido os soldados. A revolução agrária teria levado a desordem aos exércitos pseudo-revolucionários, mas, ao mesmo tempo, teria contaminado as tropas contra-revolucionárias do inimigo. É somente sobre esta base: revolução agrária e sovietes, que teria sido possível forjar gradualmente um exército verdadeiramente revolucionário, por outras palavras, um exército obreiro e campesino.

Camaradas: Ouvimos aqui um discurso de Vorochilov, não na sua qualidade de comissário do Povo para a Guerra e a Marinha, mas como membro do Buró Político. E eu digo: «Esse discurso é em si mesmo uma catástrofe e vale por uma batalha perdida».

Exclamações dos bancos da oposição — É exacto!

Trotski — Durante o último Pleno do Comitê Executivo da Internacional Comunista, que se realizou em Maio, após reconhecer oficialmente — por fim! — a passagem de Tchang Kai Chek para o campo da reacção, haveis transferido a vossa confiança para Wang Tin Wei e a seguir para Ten Chan Tchi, escrevi uma carta ao Comitê Executivo da Internacional Comunista. Isso se passava em 28 de Maio: «A quebra desta política é absolutamente inevitável». O que se propunha? Vou-vos ler textualmente o que escrevi a 28 de Maio:

«O Pleno teria actuado correctamente fazendo uma cruz sobre a resolução de Bukharine e substituindo-a por outra concebida nalgumas linhas:

  1. os agricultores e os obreiros não têm que ter confiança nos chefes da esquerda do Kuomintang, mas sim que instaurar os seus Sovietes unindo-se com os soldados;
  2. os sovietes devem armar os operários e camponeses avançados;
  3. o Partido Comunista deve assegurar a sua autonomia completa, criar a sua Imprensa diária, dirigir a criação dos sovietes;
  4. as terras dos grandes proprietários devem ser, sem demora, confiscadas;
  5. a burocracia reaccionária deve ser abolida imediatamente;
  6. os generais traidores e os contra-revolucionários em geral devem ser castigados no local;
  7. é preciso orientarem-se para o estabelecimento duma ditadura revolucionária através dos Conselhos de deputados obreiros e campesinos».

E agora comparai:

É isto bolchevismo? E dizer que a nossa atitude é classificada, polas teses do «Buró Político», de... menchevique! Após de ter virado de cima para baixo a vossa posição, decidistes firmemente chamar negro ao que é branco. Mas, a vossa desdita é que o menchevismo internacional, de Berlim a Nova Iorque, aprova a política chinesa de EstalineBukharine, e, com completo conhecimento de causa, solidariza-se com a vossa linha de conduta na questão chinesa.

Compreendam-me bem: Não se trata de modo nenhum de traições individuais de militantes chineses do Kuomintang, de condottieri(2*) chineses da direita ou da esquerda, dos funcionários sindicais ingleses, dos comunistas chineses ou ingleses. Quando se viaja de comboio parece que é a paisagem que se desloca. Toda a desgraça consiste em terem depositado a confiança naqueles que nunca vo-la deviam ter inspirado; em terem subestimado a educação revolucionária das massas, que exige, antes de tudo, que se lhes inculque a desconfiança para com os reformistas e os vagarosos centristas de «esquerda», tal como para com todo o espírito do justo meio, em geral. A virtude cardeal do bolchevismo consiste em possuir essa desconfiança em grau superlativo. Os partidos jovens devem ainda e polo de agora adquiri-la e assimilá-la. Mas vós operastes e continuais a agir num sentido diametralmente oposto. Inoculais nos partidos novos a esperança de que a burguesia liberal evoluirá mais para a esquerda, e a confiança nos politiqueiros liberais obreiros das Trade-Unions. Entravais a educação dos bolcheviques ingleses e chineses. É daí que provêm essas «traições» que vos apanham sempre desprevenidos.

Ao Redor do «Centrismo» e a Política das Tábuas Podres

A oposição tinha-vos advertido de que, sob a vossa direcção, o Partido Comunista chinês se orientaria, inevitavelmente, para uma política menchevique; isto valeu aos oposicionistas os piores insultos. Advertimos-vos agora, com segurança que o Partido Comunista inglês, sob a influência da política que lhe é imposta, envenena-se fatalmente polo centrismo e o colaboracionismo. De não mudardes radicalmente de orientação, as conseqüências para o Partido Comunista inglês não serão melhores do que o foram para o Partido Comunista chinês. O mesmo se aplica, de resto, com toda a Internacional Comunista.

É preciso compreender, finalmente, que o centrismo de BukharineEstaline não resiste à prova dos acontecimentos. Os mais grandes sucessos da história humana são a Revolução e a guerra. Pusemos à prova a política centrista na Revolução chinesa. Essa política exigiu que das conclusões acabadas fossem deduzidas directivas marcadas por um espírito centrista. O Partido Comunista chinês foi obrigado a tirar essas conclusões. Eis porque foi parar — e não podia ser de outro modo — ao menchevismo.

A inaudita falência da vossa direcção na China exige que renunciem duma vez a uma política que vos obriga, nas mais difíceis circunstâncias, a agarrarem-se a tábuas apodrecidas.

A prova mais grande da História, depois da Revolução, é a guerra. Adiantamos-vos desde já: em presença de possíveis acontecimentos bélicos, a política estalinista e bukhariniana, política de ziguezagues, de restrições mentais, de equívocos, política de centrismo, não pode prevalecer. E isto interessa a toda a direcção da Internacional Comunista. No presente, o único exame a que são submetidos os dirigentes dos partidos comunistas irmãos consiste perguntar-lhes: «Estão prontos a votar, noite e dia contra o «trotskismo»?». A guerra pô-los-á s em presença de acontecimentos que reclamaram maiores responsabilidades. Todavia, a política practicada para com o Kuomintang e o Comitê anglo-russo desviou claramente a sua atenção para as esferas superiores de Amsterdã e da social-democracia. Podeis argumentar já: a linha de conduta do Comitê anglo-russo foi a da esperança na tábua apodrecida da burocracia de Amsterdã, da qual o Conselho geral das Trade-Unions constitui actualmente a parte mais podre. Em caso de guerra esbarrareis com um «imprevisto» detrás de outro. As tábuas apodrecidas quebrar-se-ão sob os vossos pés. A guerra provocará uma diferenciação brutal entre os actuais dirigentes da Internacional Comunista. Parte deles adoptarão a atitude de Amsterdã, retomando a palavra de ordem: «Queremos defender verdadeiramente a URSS, mas não queremos ser um punhado de fanáticos». A outra parte dos comunistas europeus (acreditamos firmemente que será a maioria) tomará a posição de Lenine e a de Liebknecht, a que defendemos nós. Não haverá mais lugar para a postura intermédia de Estaline. Eis porque — seja-me permitido dizê-lo com toda a franqueza — as mexericadas sobre o punhado de oposicionistas, sobre os generais sem exército, etc., etc., parecem-nos simplesmente ridículas. Os bolcheviques já ouviram isso mais duma vez, em 1914 e em 1917. Vemos bem claramente o que será o amanhã, e preparamo-lo. Nunca tanto como agora existiu no seio da oposição uma certeza tão inquebrantável da sua posição, e uma unanimidade tal.

Zinoviev e Kamenev — Absolutamente certo!(3*)

Trotski — Do ponto de vista da política interna, o lento deslize do centrismo também não encontrará maior lugar em presença da guerra. As discussões condensar-se-ão, as contradições entre as classes acentuar-se-ão e apresentarão o seu lado mais cortante. E será necessário então dar respostas claras e precisas.

De que teremos necessidade em tempo de guerra: de «unidade revolucionária» ou de «união sagrada»? A burguesia inventou para os períodos de guerra ou de perigo de guerra, uma situação política específica qualificada de «armistício civil» ou de «união sagrada». O sentido desta concepção estritamente burguesa consiste em que as divergências e as querelas entre todos os partidos burgueses, incluindo a social-democracia, assim como as discussões no seio dos próprios partidos devem silenciar-se durante a guerra, para pasmar e enganar melhor as massas. A «união sagrada» é a forma suprema do complot dos dirigentes contra os dirigidos. É inútil acrescentar que se o nosso Partido nada tem a dissimular à classe obreira do ponto de vista político em tempos de paz, o mesmo deve suceder e com maior razão em tempos de guerra, quando a clareza e a pureza da linha de conduta política, o intenso da ligação com as massas constituem uma questão de vida ou de morte. Por isso precisamente, embora o nosso Partido tenha um carácter infinitamente mais centralizado que qualquer partido burguês, permitimos-nos nós discutir com rudeza em plena guerra civil, e resolver, pola aplicação da democracia no seio do Partido, todas as questões fundamentais da direção política. Foi essa uma das cousas indispensáveis, graças à qual o Partido elaborou, reforçou a sua linha de conduta justa e consolidou a sua unidade revolucionária. Há, ou falando mais exatamente, houve até há pouco, camaradas que pensavam que, depois da morte de Lenine, estava a tal ponto assegurada uma direcção totalmente justa, que não haveria necessidade de ser controlada polo Partido. Nós pensamos, polo contrário, e agora mais do que nunca, que a direcção deve ser modificada e controlada no decurso da história do nosso Partido. Necessitamos, não duma hipócrita «união sagrada», mas duma honesta unidade revolucionária.

A política centrista intermédia não pode manter-se em tempo de guerra. Deverá inclinar-se para a direita ou para a esquerda, por outras palavras: do ponto de vista de Termidor ou no da oposição. (Escândalo.)

Poder-se–á vencer em caso de guerra seguindo a via de Termidor? Se se examinarem as cousas dum ponto de vista geral, a vitória é possível. Para que isso acontecesse seria necessário: abolir, primeiro, o monopólio do comércio externo; dar ao kulak a possibilidade de importar e exportar duas vezes mais; permitir-lhe esmagar sob o seu peso o lavrador médio; obrigar o agricultor pobre a compreender não lhe resta outra saída que não seja a de se submeter ao kulak; realçar e consolidar a importância da burocracia e da administração; rejeitar as reivindicações obreiras apresentando-as como sendo de «espírito corporativo»; restringir a participação dos trabalhadores nos Sovietes, do ponto de vista político; restabelecer os decretos promulgados no último ano sobre as eleições e alargá-las gradualmente em proveito dos proprietários. Esta seria a via do Termidor. O seu verdadeiro nome é o retorno, por etapas, ao capitalismo.

Haveria então no comando do exército kulaks nos postos inferiores e intelectuais burgueses nos superiores. A vitória obtida por esta via significaria a acerelação do desvio no caminho burguês. É possível obter a vitória seguindo a via revolucionária do proletariado? Sim. Mais ainda. Todo o ambiente mundial indica que, em caso de guerra, o êxito melhor seria tomando, precisamente, este caminho. Mas para isso desde logo é necessário acabar com o crepúsculo político no qual todos os gatos som pardos. O kulak está à direita: é um inimigo. Os operários agrícolas e os campesinos pobres estão à esquerda: são os amigos. É preciso chegar, através do lavrador pobre ao camponês médio. É preciso criar um ambiente político em que a burguesia e a burocracia deixem de acotovelar os trabalhadores, dizendo-lhes: «Já não estamos em 1918!» É preciso que a classe obreira poda dizer-se: «Em 1927, não só tenho mais que comer, mas do ponto de vista político, são mais senhor do Estado que em 1918». Só ao fim deste caminho a vitória será, não só possível, mas seguramente garantida, pois é só seguindo esse caminho que teremos o apoio das massas populares da Polónia, da Roménia e de toda a Europa.

Poder-se-á obter êxito através da política centrista de Estaline, que oscila entre os dous campos, começa por satisfazer o kulak, por adoptar os seus filhos, por acarinhar os seus netos, passando em seguida e duvidosamente, à criação de grupos de lavradores pobres, alterando cada ano as instruções eleitorais, isto é, a Constituição soviética, primeiro em favor do kulak, a seguir contra ele, depois de novo a favor dele, como aconteceu no Cáucaso setentrional? Qual é o roteiro da sua política? Através da orientação que tem por guias Tchang Kai Chek e Wang Tin Wei, por Purcell e Cook, polos traidores da cúpula? Através da orientação que ditou ao nosso «Buró Político» a incrível directiva de 20 de Outubro de 1926 em relação à China, urgindo a não introdução da guerra civil nos campos chineses para não repelir os «companheiros de jornada» — a burguesia, os latifundiários e os generais — ou a outra directiva pedindo à burguesia liberal que se dê um mínimo (!!) de armamento aos obreiros? Esta orientação irrita e esfria uns e não conquista os outros; faz perder o «amigo» Wang Tin Wei e desorienta os comunistas. Esta orientação significa que vos aferrais continuamente às tábuas podres.

Em tempo de paz, uma política semelhante pode durar certo tempo. Mas em caso de guerra ou de revolução, o centrismo oscilará à força para a esquerda ou para a direita. Começa já por desagregar-se em alas de esquerda e de direita que, inevitavelmente, medram em detrimento do centro. Este processo acelerar-se-á inelutavelmente; e se a guerra nos for imposta, esta lhe daria um carácter febril. O centro estalinista desfar-se-á fatalmente. Nestas circunstâncias, o Partido teria necessidade mais do que nunca da oposição para corrigir a sua linha de conduta, para não quebrar ao mesmo tempo a sua unidade revolucionária e para não dispersar os quadros do Partido, que são o seu capital principal. Com efeito, a maioria dos quadros proletários realmente bolcheviques é capaz, em face duma política justa, seguindo uma linha de conduta clara, perante circunstâncias exteriores imperiosas, de renovar a política e de adoptar conscientemente, e não apenas formalmente, uma política firme, realmente revolucionária. Simplesmente é a isso que queremos chegar. Quanto à mentira sobre o carácter condicional do nosso espírito de defesa, sobre os dous partidos; quanto à mentira, mais nojenta ainda, sobre o insurreccionismo, atiramo-la com violência à cara dos nossos caluniadores.

Uma voz da oposição — É exacto!

Trotski — Mas, as críticas da oposição não diminuirão a autoridade da URSS no movimento obreiro mundial?

A maneira de colocar a questão não é nossa é a das pessoas da Igreja, dos cregos, dos dignatários e dos generais, quando levantam a questão da autoridade. A Igreja católica exige dos crentes que a sua autoridade seja reconhecida sem murmúrios. O revolucionário apóia criticando; quanto menos o seu direito à crítica é contestado, tanto maior é a sua abnegação para luitar a favor daquilo em que participa directamente, criando-o e reforçando-o. A crítica dos erros de Estaline pode, evidentemente, enfraquecer uma empolada autoridade estalinista «que nom admite murmúrios». Mas a Revolução e a República não podem basear-se nisso. Uma crítica franca, a verdadeira reparação dos erros, demonstrarão a todo o proletariado mundial a força interior do regime que, perante as mais penosas circunstâncias, contém em si mesmo garantias que lhe permitem encontrar o caminho justo. Nesse sentido, a crítica da oposição e as conseqüências que provoca já, e que provocará ainda amanhã numa medida muito maior não diminuem a autoridade da Revolução de Outubro, embora reforçam em última análise pola confiança, não cega, mas revolucionária, do proletariado mundial e aumentam por esse modo a nossa capacidade de defesa no domínio internacional.

O projecto de resolução apresentado polo «Buró Político» diz:

«A preparação da guerra contra a URSS significa simplesmente a renovação, numa base mais ampla, da luita de classes entre a burguesia imperialista e o proletariado triunfante».

Estará isto no certo? Totalmente. É mesmo absurdo pôr esta pergunta. Mas a resolução acrescenta: «Aquele que, como a oposição o faz no nosso Partido, põe em dúvida este carácter da guerra...», etc.

A oposição põe em dúvida este carácter geral de classe da guerra? É absurdo! Não o põe, de maneira nenhuma, em dúvida. Só aqueles que, depois de se terem atrapalhado a si próprios, tentam confundir os outros, podem afirmar o contrário. Significará isso, talvez, que o carácter geral de classe, que para todos nós é indiscutível, justifica todos os erros, todos os desvios? Não, não pode significar isso. Não, nem tudo deste modo fica a coberto. Se se admite antecipadamente, e duma vez por todas, que a direcção considerada é a única concebível, que é a direcção-nata, então toda a crítica a uma direcção que cometa erros pode ser apresentada como negando a defesa da pátria socialista, e como apelando ao insurrecionalismo. Semelhante atitude é muito simplesmente a negação do Partido. Então, segundo vós, por tal princípio, o Partido apenas serviria para a defesa e seria necessário mostrar-lhe como exercer essa defesa. Uma vez mais, muito breve e simplesmente: nós, oposição, contestamos acaso a defesa da pátria socialista? Não. Esperamos não só defendê-la, mas ensinar também alguns outros a fazê-lo. Pomos nós em dúvida a capacidade de Estaline para fixar uma linha de conduta justa na defesa da pátria socialista? Pomo-la, e no mais alto grau.

Num recente artigo do Pravda, Estaline faz a seguinte pergunta: «Será que a oposição está, verdadeiramente, contra a vitória da URSS nas futuras batalhas contra o imperialismo?» Repita isso: «Será que a oposição está, verdadeiramente, contra a vitória da URSS nas futuras batalhas contra o imperialismo?». Deixemos de lado a arrogância, a fachenda, da pergunta. Não voltaremos de momento, a nos ocupar dos termos, rigorosamente medidos, com que Lenine caracterizou os métodos estalinistas: «brutalidade» e «deslealdade». Tomemos a pergunta tal como ela é posta e dêmos-lhe uma resposta. Apenas os guardas-brancos podem ser «contra a vitória da URSS na guerra futura contra o imperialismo». A oposição é polo triunfo da URSS; provou-o e prová-lo-á por actos, tanto quanto outros. Mas para Estaline não se trata disso. No fundo, tem em mente outra pergunta que não se atreve a manifestar. É a seguinte: «Será que a oposição pensa, verdadeiramente, que a direcção de Estaline não é capaz de assegurar a vitória da URSS?» Pois bem: sim, isso pensa.

Zinoviev — Exacto!

Trotski — A oposição pensa que a direcção de Estaline tornará mais difícil a vitória.

Molotov — E onde está nisso o Partido?

Trotski — O Partido? O Partido foi estrangulado por vós! A oposição pensa que a direcção de Estaline torna a vitória mais difícil. Já tinha afirmado o mesmo respeito da Revolução chinesa. As suas advertências viram-se confirmadas de maneira espantosa polos acontecimentos. É preciso mudar de política sem aguardar que se produza uma confirmação por igual catastrófica no interior. Cada oposicionista verdadeiro, não falo dos pseudo-oposicionistas, ocupará, em caso de guerra, na frente ou na retaguarda, o posto que lhe for confiado polo Partido e cumprirá o seu dever até o fim. Mas nem um só oposicionista renunciará ao seu direito e ao seu dever, na véspera da guerra ou no decorrer desta, de luitar pola correcção da orientação do Partido (como sempre se passou no Partido) porque a mais importante condição do êxito consiste nisso. Em resumo: pola pátria socialista? Sim! Pola orientação estalinista? Não!

Duas palavras a propósito do exército. Todos os factores da economia, da política, da cultura, se combinam na defesa do país. Mas há um instrumento particular, imediato, da defesa: é o exército. O papel deste tem um carácter decisivo. O domínio militar é aquele que mais brutalmente reflecte os aspectos do regime; não só os aspectos fortes, mas também os frouxos, todas as deslocações da política, todas as suas faltas e os seus erros de cálculo. Ao mesmo tempo, é mais fácil deixarmos-nos enganar polas aparências, polo aparato polo «bluff», neste domínio do que em qualquer outro. Já mais duma vez na História o regime foi controlado através do exército. Mais vale exagerar aqui no sentido da crítica do que no duma confiança mística. Certos militantes do exército, sob a impressão duma ameaça possível de guerra, alteraram recentemente as suas opiniões sobre o estado das nossas forças armadas. Cada um deles não é menos abnegado à causa da República socialista do que qualquer um dos que estão aqui presentes. O resultado da sua discussão está exposto sob a forma dum documento que contém o programa das modificações necessárias para aumentar o nível revolucionário e a capacidade combativa do exército. Entregarei um exemplar desse documento ao Buró Político do Comitê Central por intermédio de Rikov.


Notas:

(1*) Trotski refere à matança feita polo Kuomintang em Xangai entre o 12-14 de Abril de 1927 que deu começo à caçada de comunistas, militantes sindicais e camponeses e para um regime de terror branco em toda a China. (Vede a obra de Harold Isaacs: The Tragedy of the Chinese Revolution. Stanford. Stanford University Press, 1958; ou numa tradução para o francês: La Tragédie de la révolution chinoise, Gallimard, Paris, 1967). André Malraux tem relatado os trágicos acontecimentos num romance obra-prima da literatura universal: La condition humaine (Gallimard, 1933 e 1946.) (retornar ao texto)

(2*) Chefe de soldados mercenários na Itália e, por ampliação, noutros países europeus durante a Idade Média e o Renascimento. Na Itália renascentista o guerreiro obrigava-se a combater baixo condotta, ‘contrato’. Aqui, mercenários. (retornar ao texto)

(3*) Zinoviev e Kamenev não resistiram muito tempo a prova. (retornar ao texto)

Inclusão 25/10/2007
Última alteração 15/12/2010