Trotskismos

Daniel Bensaïd


Capítulo IV - As Tribos Dispersas


Como as profecias dos antigos profetas (sob o modo "se..., então..."), as previsões de Trotsky não são adivinhatórias, mas condicionais. Elas não anunciam o que irá certamente acontecer mas formulam hipóteses estratégicas para a acção. Assim, numa entrevista de Fevereiro de 1940, Trotsky afirma que a guerra se estenderá até que tenha esgotado todos os recursos da civilização, ou então até que parta a cabeça contra a revolução". Se, se, ou então, ou então.

Entre estes ramos da alternativa, o leque dos possíveis está largamente aberto. Em Agosto de 1937, Trotsky anunciava:

"Tudo permite supor que se a humanidade inteira não for lançada na barbárie, as bases sociais do regime soviético (as novas formas de propriedade e de economia planificada) resistirão à prova da guerra e sairão mesmo fortalecidas".

Em Outubro de 1938, no seguimento de Munique, ele antevia outro cenário:

"Está claro que, se a nova guerra terminar com a vitória única deste ou daquele campo imperialista; se a guerra não provocar nenhuma insurreição revolucionária nem nenhuma vitória do proletariado; se uma nova paz imperialista, mais terrível do que a de Versailles, sobrecarregar os povos com novas correntes por dezenas de anos; se a infeliz humanidade suportar tudo isto — então a espantosa desagregação futura do capitalismo fará regredir todos os povos por longas dezenas de anos. Seguramente, caso se realizasse esta perspectiva de passividade, de capitulação, de derrota e de declínio, as massas oprimidas e povos inteiros seriam constrangidos a percorrer de novo de joelhos o caminho histórico já antes percorrido."

Mais tarde, em A Rússia em Guerra, ele imagina outras hipóteses:

"A incapacidade do proletariado para assumir nas suas mãos o comando da sociedade podia, efectivamente, levar à emergência de uma nova classe exploradora saída da burocracia bonapartista e fascista. Seria, ao que tudo indicava, um regime de decadência que significaria o crepúsculo da civilização. Chegaríamos a um resultado análogo no caso em que o proletariado dos países capitalistas avançados, tendo conquistado o poder, se tornasse incapaz de o conservar e o abandonasse, como na URSS, a uma burocracia privilegiada. Seríamos então constrangidos a admitir que a queda burocrática não se deveu ao atraso do país e ao cerco capitalista, mas sim à incapacidade orgânica do proletariado para se tornar uma classe dirigente. Seria então preciso estabelecer retrospectivamente que, nos seus traços fundamentais, a URSS actual é precursora de um novo regime de exploração à escala internacional."

O colectivismo burocrático constitui assim uma perspectiva concebível cuja realização deveria implicar, segundo ele, um abandono radical do paradigma marxista. Estamos bem longe de uma visão teleológica da história de sentido único:

"(...) Ou o regime estalinista não é mais do que uma inversão execrável no processo de transformação da sociedade burguesa em sociedade socialista, ou é a primeira etapa de uma nova sociedade de exploração".

Então, os nossos descendentes, diz ele, deverão definir uma política numa situação radicalmente nova.

Estas profecias dialécticas de Trotsky não foram menos debatidas e interpretadas no microcosmos trotskista, do que as de Nostrada-mus nos círculos esotéricos. No pós-guerra, os seus herdeiros foram de facto confrontados com questões maiores.

1. A da avaliação do período anterior.

Embora não exercendo influência significativa, as teses avançadas durante a guerra por dois dirigentes da secção alemã são sintomáticas da desmoralização que ameaça. Eles prognosticam uma guerra longa que destruirá a civilização. Nessas condições, as nações europeias desenvolvidas sofreriam por sua vez uma opressão nacional que as levaria a um nível inferior ao da Índia. A perspectiva revolucionária perde-se então num futuro longínquo e a tarefa imediata reduz-se à defesa das conquistas democráticas. Um tal pessimismo histórico não pode desembocar senão numa política do mal menor, alinhada seja sob as democracias ocidentais, seja sob a burocracia do Kremlin.
Mais do que rever as análises de antes da guerra à luz dos factores imprevisíveis como o equilíbrio do terror atómico, a atitude que predomina entre os dirigentes da Internacional, na Europa ou nos Estados Unidos, consiste em considerar o pós-guerra como uma pausa ou um interlúdio numa guerra que vai continuar sob outras formas. Não há, portanto, lugar à modificação das hipóteses estratégicas anteriores. O dirigente americano Felix Morrow sublinha já o erro que consiste em pôr a tónica exclusivamente nas condições "objectivamente" revolucionárias: a ausência de um partido revolucionário de massas não é a peça que falta num puzzle, ela transforma qualitativamente as "condições que noutro contexto seriam revolucionárias". Esta observação coloca em causa uma fórmula do programa de transição, segundo a qual a crise da humanidade se reduziria à crise da sua direcção revolucionária. Esta podia ter tido uma pertinência relativa nos anos 1930, quando existia um movimento operário poderoso e a dinâmica de Outubro não tinha esgotado os seus efeitos. Mas a dialéctica cumulativa das derrotas acabou por modificar as próprias condições objectivas.

Em 1947, o jovem economista belga Ernest Mandel mantém a ideia segundo a qual o boom seria de curta duração, antes de um novo desenvolvimento revolucionário. Enquanto que, em seguida, ele analisará os factores da onda longa e expansiva da economia mundial, outros — como a corrente lambertista — irão cismar, para continuarem fiéis a uma fórmula conjuntural do programa de transição, em apoiar, contra toda a verosimilhança, em plena revolução tecnológica e em pleno crescimento da produtividade do trabalho, que "as forças produtivas pararam de crescer". Desde 1947, alguns estão mais perplexos. Fundador da corrente International Socialism (Socialismo Internacional), Tony Cliff conta nas suas memórias que, judeu da Palestina desembarcado em Londres em 1946, ele foi surpreendido pela prosperidade relativa do país. Os delegados da secção britânica ao II Congresso Mundial de 1948 apresentarão emendas comuns com o delegado argentino Nahuel Moreno, constatando os efeitos do plano Marshall sobre o restabelecimento da produção e a estabilização das relações de forças na Europa. Mas a maioria da direcção internacional receava que as especulações sobre uma nova fase de expansão levassem a uma capitulação de direita. Sem uma explicação adequada de um dinamismo contrastante com o marasmo dos anos 1930, desenhava-se com efeito a tentação de abandonar a crítica do marxismo em detrimento das receitas keinesianas.

2. A "questão russa" é a mais explosiva.

Estabelecendo um paralelo com as guerras napoleónicas, Trotsky tinha previsto que a ocupação da Polónia, da Finlândia e dos Países Bálticos pelo Exército Vermelho terminaria provavelmente com a sua "assimilação estrutural" nas relações sociais da União Soviética. A estatização da propriedade seria relativamente progressista, mas de forma contraditória na medida em que resultaria de decisões autoritárias opostas a uma mobilização autónoma do proletariado. A manutenção da burocracia no poder após a guerra significaria então "um regime de declínio marcando o eclipse da civilização" e não a aproximação de um novo modo progressista de produção. No fim dos anos 1940, estava claro que o regime estalinista tinha sobrevivido. Uma nova explicação torna-se necessária. A IV Internacional ressuscitada agarra-se à letra dos textos anteriores à guerra, caracterizando a União Soviética como um Estado operário degenerado. Quanto aos Estados da Europa Oriental, eram considerados em 1948 como países capitalistas sob uma ditadura policial. As teses sobre a União Soviética e o estalinismo consideravam que "o que subsiste das conquistas de Outubro diminui sem parar". A parasitagem burocrática minava de dia para dia as relações sociais herdadas da revolução. O jugo que pesava sobre os trabalhadores comportava uma diminuição relativa da produtividade do trabalho. Era preciso pensar essas contradições reais em vez de as negar em prol de simplificações. Para o II Congresso de 1948, a URSS era portanto uma sociedade em transformação entre capitalismo e socialismo. A fórmula tem o inconveniente de se inscrever numa visão linear da história e numa lógica de exclusão de partes em vez de se compreender uma realidade social singular. A definição da União Soviética como "pós-capitalista" faz parte da mesma lógica. Do ponto de vista da totalidade das relações sociais mundiais, o regime burocrático não vem "depois" do capitalismo ele é, pelo contrário, contemporâneo, parte integrante do seu espaço-tempo e dependente da sua lógica imperialista.

Conscientes das dificuldades teóricas, os redactores dos documentos do congresso tomam as precauções terminológicas, recomendando o afastar de formulações cheias de ilusões, como as que qualificavam a URSS como "último bastião da revolução" e caracterizavam a sua economia como "economia socialista". Eles recusam da mesma forma as analogias superficiais contidas em noções tão aproximativas como o "fascismo vermelho" ou o "imperialismo soviético".

3. A terceira grande questão levantada pelo pós-guerra é saber porque é que a IV Internacional não conheceu o desenvolvimento esperado.

Trotsky tinha prognosticado que ela seria a força revolucionária decisiva no mundo por altura dos 100 anos do Manifesto Comunista, ou seja, em 1948. A conferência europeia de Fevereiro de 1944 tinha no entanto constatado o desgaste ligado à sua imaturidade política:

"As crises frequentes, o intelectualismo, o fraccionismo, que marcaram frequentemente o desenvolvimento deste movimento, são em parte consequência de uma composição social defeituosa que impede por muito tempo a exploração vantajosa das possibilidades objectivas reais. Olhando ainda o lado puramente político do seu trabalho crítico do estalinismo e das outras tendências oportunistas do movimento operário, o nosso movimento perdeu muitas vezes de vista os problemas ligados à sua própria organização, à nossa composição social, ao nosso trabalho prático constante, ao recrutamento e à educação dos membros, aos métodos de funcionamento e de organização."

Interiorizando a sua marginalidade, as secções viviam-se, com frequência, como interinas, em detrimento de um trabalho paciente inscrito na duração. A este mal recorrente, responde o fetichismo da "metodologia organizativa", com lugar, por vezes, de orientação política em organizações como o Socialist Workers Party dos Estados Unidos, ou a Lutte Ouvrière em França.

Relativamente correcta num contexto determinado, a fórmula ritual do Programa de Transição segundo a qual a crise da humanidade se reduz à sua crise de direcção revolucionária, erigida a generalidade atemporal, torna-se fonte de uma paranóia política: se as condições objectivas decretadas excelentes não levam a sucessos significativos, é preciso procurar a razão nas capitulações ou nas traições da vanguarda. A política da suspeita, a obsessão da traição, o processo de intenções sistemático, produzem então efeitos devastadores.

No pós-guerra, os acontecimentos precipitam-se. Após a capitulação alemã e o pacto de Ialta, são largadas bombas atómicas sobre o Japão; em 1947, têm lugar a guerra civil na Grécia, a expulsão dos partidos comunistas dos governos em França e na Itália, as cisões sindicais, a formação do Kominform, a adopção do plano Marshall; em 1948, o "golpe de Praga", o divórcio público entre Estaline e Tito; em 1949, a vitória da revolução chinesa, a proclamação de uma República da Alemanha Oriental, a formação do Pacto Atlântico e do Mercado Comum do carvão e do aço. Confirmando parcialmente os prognósticos anteriores à guerra, o mundo é abalado por convulsões, em França, na Itália em 1948, na Grécia, na China e na Jugoslávia, sobretudo. A revolução colonial desenvolve-se no Vietname, na Indonésia, na Índia. Os países industriais desenvolvidos ficam, em contrapartida, prisioneiros da grande "partilha" de Ialta, à qual a negociação com Estaline, relatada nas memórias de Churchill, dá um sentido literal e matemático. Constrangidos a depor as armas, em virtude dos acordos de Varkiza, os comunistas gregos são as primeiras vítimas.

As confirmações parciais da hipótese estratégica anterior à guerra, não podiam mascarar no entanto a sua infirmação global. Esmagado ou decapitado por Hitler, morto pelos bombardeamentos aliados, neutralizado pela partilha da Alemanha, o proletariado alemão não se tinha levantado. O regime soviético tinha sobrevivido impondo aos povos e ao proletariado uma terrível sangria. As economias imperialistas remediavam-se na dor, em vez de se afundarem numa decomposição sem saída. Longe de desaparecerem, os velhos partidos sociais-democratas e estalinistas reapareciam em cena. Esta situação explica-se politicamente pelo compromisso entre imperialistas vitoriosos e a burocracia estalinista, pela partilha da Europa em zonas de influência, pelas concessões arrancadas às classes burguesas aterrorizadas em favor de um novo compromisso social, pelo aligeirar do fardo em certas colónias, que contribuem para conter a primeira vaga revolucionária. O que não impede que os trotskistas se encontrem frente a uma situação imprevista.

A conferência internacional que teve lugar em Paris em Abril de 1946 renova os laços da Internacional dispersa. Ela mantém a previsão de um marasmo económico durável, apesar de um breve intervalo. A perspectiva de uma revolução iminente foi igualmente mantida, ainda que diferida. Os elementos de autocrítica recaíam sobre "os ritmos e não sobre a natureza do período":

"Só um espírito superficial e capitulador pequeno-burguês poderia ver um desmentido da nossa perspectiva revolucionária no facto de a guerra não ter imediatamente determinado a revolução na Europa; de a revolução alemã não ter tido lugar; de as organizações tradicionais, e em primeiro lugar os partidos estalinistas, terem conhecido um novo e potente desenvolvimento. Reconhecendo que esses factos são derrotas para o proletariado revolucionário, a IV Internacional não pode esquecer um só instante que a crise mortal do capitalismo, a destruição do seu equilíbrio, o agravamento das suas contradições fundamentais, constituem factos ainda mais importantes sobre os quais repousam a nossa perspectiva revolucionária e as nossas possibilidades, maiores do que nunca, de construir o partido da revolução."

A viragem imprevista da situação mundial em 1947-1948 teria exigido uma redefinição mais radical do projecto da Internacional. Esta questão não resolvida esteve na raiz das dinâmicas centrífugas que o movimento trotskista internacional conheceu então. Ela assombra o Congresso Mundial de 1948, reunido mesmo no início da Guerra Fria, logo a seguir ao "Golpe de Praga", na véspera da ruptura soviético-jugoslava e da vitória da revolução chinesa. Se as apreciações divergiam sobre a possibilidade de rectificação das economias capitalistas, ninguém imaginava ainda a longa prosperidade económica dos "Trinta Gloriosos". Retomando a teoria dos ciclos e das ondas longas (então bem esquecida), Ernest Mandel consagrará a melhor parte da sua obra (o Tratado de Economia Marxista, em 1962, e a Terceira idade do capitalismo, em 1976) a elucidar o segredo desse dinamismo capitalista reencontrado. Quanto à guerra iminente, na véspera da revolução chinesa e da guerra da Coreia, no momento em que a União Soviética está a ponto de possuir a arma atómica, ela não parece um devaneio de Cassandra(1), mas sim uma eventualidade seriamente previsível.

Contudo, as discussões do Congresso abordaram sobretudo os acontecimentos na Europa do Leste e o carácter dos Estados sob tutela soviética. A Guerra Fria empurrava a URSS para a "assimilação estrutural" dos países ocupados, ou seja, a alinhar à força as suas relações sociais com as da União Soviética. A maioria do Congresso considerava estes países como países capitalistas ocupados por uma ditadura policial. Um ano mais tarde, em 1949, eles estão "em vias de assimilação estrutural inacabada". O embaraço da fórmula testemunha uma dificuldade evidente. Entre 1948 e 1950, a situação precipita-se. Em Junho de 1948, a ruptura entre Estaline e Tito torna-se pública. Em reacção aos projectos de federação balcânica, susceptível de afirmar uma independência relativa face ao Kremlin, a assimilação estrutural precisa-se. Em Abril de 1950, Ernest Mandel junta-se à caracterização da Jugoslávia como Estado operário, mas mantém no resto a categoria de "Estados burgueses degenerados". O Partido Comunista chinês continua definido como "um movimento camponês dirigido por estalinistas".

Na URSS, os trinta anos decorridos após a revolução provariam a "extraordinária solidez das novas relações sociais". Este julgamento fortemente discutível, traduz bem a perplexidade dos delegados do II Congresso perante a resistência inesperada do regime estalinista, enquanto a "degenerescência e a reacção atingem um nível monstruoso". Uma Europa unida e socialista aparecia como a única alternativa progressista ao plano Marshall e à partilha do continente. O Congresso pronuncia-se então pela unidade incondicional da Alemanha, e pela retirada das tropas soviéticas. Ele considera que Washington prepara a guerra contra a URSS, não para lhe introduzir a democracia política, mas para restaurar o capitalismo. O título do seu Manifesto resume bem a orientação geral do congresso: "Contra Wall Street e o Kremlin!"

As desilusões arrastam então as primeiras partidas significativas do movimento trotskista. Após 1947, David Rousset afastou-se para fundar, com Jean-Paul Sartre o efémero Rassemblement Révolutionnaire Démocratique (Agrupamento Revolucionário Democrático), que se desintegra rapidamente depois de ter organizado em Abril de 1948 uma reunião contra a ditadura e a guerra, na qual o convidado americano saudou os efeitos dissuasivos da arma atómica contra o expansionismo soviético. A cisão conduzida por David Rousset e Jean-René Chauvin não arrasta mais de um terço dos efectivos da secção francesa.

O II Congresso tomou em seguida conhecimento da carta enviada pela viúva de Trotsky, Natalia Sedova e pelo poeta Benjamin Péret, reveladora das interrogações que torturam os militantes:

"A política da Rússia e do estalinismo abate-se sobre as esperanças humanas bem mais pesadamente do que o capitalismo financeiro de Wall Street."

A defesa da URSS traz, portanto, prejuízo à revolução mundial mais do que contribui para ela. Esta fidelidade destrutiva "deve ser abandonada. É a mais importante questão em litígio no nosso movimento": "Abaixo o conservadorismo trotskista! Abaixo o fetichismo trotskista!", concluem os dois signatários, que romperão com a Internacional em 1951.

Delegado ao Congresso, Max Schachtman vai também afastar-se definitivamente. Desde 1947, ele julgava o estalinismo pior do que o capitalismo e considerava a social-democracia como um mal menor. Esta evolução conduzi-lo-á, no final dos anos 1940, ao apoio à Aliança Atlântica, e a derivar para um "anti-totalitarismo liberal" ou um "anti-comunismo liberal" (e já não anti-estalinista). Ele acaba por se juntar ao Partido Democrata e apoiar a intervenção no Vietname. Uma minoria da sua corrente resistirá a esta trajectória para fundar em 1964 os Clubes Socialistas Independentes, antes de se juntar ao International Socialism, em 1969, e depois à rede Solidarity, em 1985. Quanto a Burnham, prossegue a sua evolução aderindo à ideia de guerra nuclear preventiva contra a URSS durante a Guerra Fria e depois ao apoio à intervenção americana no Vietname. Como havia previsto Trotsky, uma constatação da impotência do proletariado tinha-o conduzido à rejeição do marxismo em geral como sendo utópico.

Tendo deixado em 1940 o SWP de Cannon, pelo Workers Party de Schachtman, a corrente animada por Johnson e Forrest (pseudónimos respectivos de C.L.R. James e de Raya Dunayesvskaya) fez o percurso inverso em 1949. Originário de Trinidad, James tinha-se instalado no Estados Unidos em 1938. A pequena burguesia na época do capitalismo de Estado constituía, a seus olhos, a base social do estalinismo. Não se tratava de um fenómeno próprio da União Soviética, mas de uma tendência universal que respondia à nova organização da produção e à convergência tendencial dos sistemas sociais do Leste e do Oeste. No seu projecto de resolução para o II Congresso, Johnson e Forrest afirmavam que a IV Internacional, apesar do heroísmo dos seus militantes, estava resumida a uma seita repartida entre estalinofobia e estalinofilia. Alimentando ilusões keinesianas sobre a possibilidade de regulação estatal do mercado, as nacionalizações do pós-guerra desorientavam a classe operária. A estas pesadas tendências, eles opunham as formas espontâneas de auto-organização.

Cornelius Castoriadis, que tinha rompido em 1942 com o PC grego, defendia igualmente, sob o pseudónimo de Chaulieu, uma posição minoritária no II Congresso. Ele considerava que a noção de Estado operário degenerado confundia relações de propriedade e relações de produção. As relações sociais na URSS continuavam a ser relações de exploração e de apropriação do capital pela burocracia dominante. A noção de Estado operário degenerado, que podia ter tido a sua justificação, tinha-se tornado falsa, pelo menos depois de 1928 e do primeiro Plano Quinquenal. Castoriadis conclui que a URSS realizava a fusão do capital e do Estado em direcção a uma dominação mundial de um Estado único, e que os PC se tornariam em agentes de uma terceira via, para lá da alternativa capitalismo—socialismo. Tal como C.L.R. James, do qual se sentia próximo, ele não considerava o estalinismo como um acidente histórico reflectindo a pressão do mercado mundial e do ambiente capitalista sobre um Estado operário, mas como uma nova fase do desenvolvimento capitalista. Ele preferia então falar de "capitalismo burocrático" que de "capitalismo de Estado", para melhor sublinhar que se tratava de uma nova etapa imprevista do desenvolvimento histórico. Procurava uma alternativa nas práticas conselhistas e de auto-gestão, colocando mais a tónica na invenção voluntarista de novas formas de organizações e de novas instituições, do que sobre a dialéctica das necessidades e sobre o dinamismo das contradições sociais. Opunha, finalmente, o derrotismo revolucionário em caso de guerra à posição tradicional de defesa da URSS.

Castoriadis deixa também a Internacional para fundar, no início de 1949 (com Claude Lefort, Jean-François Lyotard, Daniel Mothé), a revista Socialismo ou Barbárie e o círculo com o mesmo nome. O principal motivo para a ruptura era portanto a questão do estalinismo: porque é que a IV Internacional não soube romper radicalmente com ele, contentando-se com um papel de oposição subalterna, em lugar de afirmar um projecto realmente autónomo? Socialismo ou Barbárie rejeitava a política dita da "frente única operária" que constituiria essa adaptação, bem como a militância nos sindicatos em prol de um esforço por desenvolver dos comités unitários de base nos locais de trabalho. Condenava igualmente o apoio à revolução jugoslava e fixava-se como tarefa repensar a natureza dos Estados burocratizados. Apesar da sua radicalidade, o grupo não conseguiu sair da marginalidade. Desapareceu praticamente depois da sua auto-dissolução em 1966. Nos anos 80, encontramos um eco amplificado das suas teses iniciais no livro de Castoriadis, Perante a Guerra, no qual a toda-poderosa "estadocracia" soviética aparece como a ameaça principal para o futuro da humanidade. O totalitarismo burocrático parece então pior do que as ditaduras militares: estas últimas passam, enquanto o primeiro seria eterno.

Tony Cliff deixa igualmente a Internacional depois do congresso de 1948. Desenvolve uma análise alternativa do conjunto da nova situação, articulada em torno de três ideias: o capitalismo de Estado no Leste, o papel da economia permanente de armamento no mundo e a revolução permanente corrompida nos países coloniais.

  1. o Estado soviético não é operário, mas capitalista de Estado;
  2. o dinamismo económico reencontrado não significa o triunfo das receitas keinesianas; ele resulta de um crescimento apoiado pela economia permanente de armamento;
  3. nesse contexto internacional, a revolução permanente dos países coloniais é canalizada para a formação de economias estatizadas e dirigidas por novas elites burocráticas.

Cliff sistematiza a sua posição com a publicação, em 1955, de Capitalismo de Estado na Rússia. Outubro de 1917 permanecia, para ele, uma revolução autêntica, mas o Estado operário devia ser caracterizado pela organização do proletariado em classe dominante e não pela propriedade estatal dos meios de produção, pelo grau de auto-organização e de auto-actividade da classe e não pelas relações jurídicas de propriedade. Ele considerava que com a teoria da assimilação estrutural, a via "bismarckiana" da transformação estrutural das relações sociais a partir de cima, tendia a tornar-se a regra. Pode ainda falar-se de Estado operário quando os trabalhadores continuam separados de meios de produção? A fidelidade dogmática a fórmulas ultrapassadas decorria, segundo ele, de um fetichismo das relações de propriedade! Esta conduzia a conceber a revolução anti-burocrática não como uma nova revolução verdadeira, mas mais como uma auto-reforma do sistema burocrático. As relações de propriedade não podiam ser desligadas das relações de produção que as englobam. Daí a palavra de ordem: "Nem Moscovo, nem Washington! Socialismo internacional!" Esta teoria do capitalismo de Estado, que continua no terreno das categorias marxistas, insiste mais nas semelhanças do regime saído da contra-revolução burocrática com o capitalismo, do que nas suas diferenças estruturais. Ela desemboca então numa contradição: porque é que os partidos estalinistas, se são os agentes internacionais do capitalismo de Estado, são capazes de exercer uma influência importante sobre a classe operária? Será o sinal de que uma parte maioritária do proletariado prefere a segurança desta nova alienação às incertezas da auto-emancipação?

Estas controvérsias traduzem uma dificuldade teórica maior. Na União Soviética, a partir dos anos 1930, os trabalhadores não são certamente donos dos meios de produção, mas a sua força de trabalho também não é uma mercadoria do mesmo tipo que nos países capitalistas e o excesso de trabalho extorquido não é acumulado sob forma de capital mas consumido improdutivamente sob a forma de privilégios, de desperdício, ou de despesas de armamento. Para Tony Cliff, as características essenciais do modo de produção capitalista são a separação dos trabalhadores dos meios de produção e o facto de a força de trabalho funcionar como uma mercadoria. Estas duas condições teriam sido realizadas na União Soviética com o Plano Quinquenal de 1929-1932. Durante esse período, a URSS ter-se-ia tornado, portanto, capitalista de Estado. As purgas e os processos não teriam feito senão consolidar essa mutação. A burocracia transforma-se então em classe dirigente a tempo inteiro.

Da mesma forma, a teoria da revolução permanente devia ser submetida à prova da revolução chinesa e, mais tarde, da revolução cubana. Como definir os regimes saídos de uma tomada do poder por partidos que se opõem à autonomia dos movimentos sociais, como foi o caso na China com o apelo à calma nas cidades pela direcção maoísta no momento da ofensiva militar de 1949? E em parte o caso em Cuba, através das tensões entre a "selva" (a montanha) e o "llano" (a planície), relatadas por Carlos Franqui no seu diário da revolução cubana?

Principais animadores da maioria internacional, Michel Pablo e Ernest Mandel tentavam, pelo contrário, tomar nota dos novos acontecimentos continuando a observar de perto a ortodoxia. Tiravam argumento do desenvolvimento das forças produtivas na URSS, suposto provar a superioridade de uma socialização, mesmo que imperfeita, dos meios de produção. Este argumento parece duplamente polémico, porque os níveis de crescimento do período de acumulação extensiva foram postos em causa pela estagnação-regressão da era brejneviana. Indo mais longe, Isaac Deutscher previa, em 1956, que a URSS tinha ultrapassado em dez anos o nível de vida dos Estados Unidos. No final dos anos 50, em plena euforia do Sputnik, o tema do alcançar/ultrapassar os Estados Unidos no horizonte do novo século fazia parte da retórica khroutchteviana. Para Cliff, pelo contrário, a burocracia tinha-se tornado um travão quase absoluto. O desenvolvimento da produtividade do trabalho estava entravado não apenas pela má gestão burocrática, mas também pela resistência passiva a um trabalho alienado. A verificação postmortem desta tese teria sido, considerava ele nos seus últimos escritos, o abrandamento do crescimento dos anos 1970, pelo facto de os trabalhadores não terem defendido o que era suposto ser o seu Estado e pelo facto de a burocracia se ter reciclado no mercado mundial tornando-se na sua maioria um agente activo da restauração.

Estas controvérsias levantam várias questões quanto à estrutura da contra-revolução burocrática e quanto à caracterização directamente social de fenómenos políticos. Por um lado, a procura de um acontecimento simétrico ao acontecimento revolucionário, como se o tempo histórico fosse reversível, obstaculiza à compreensão de um processo original ou surgido do inédito e do inesperado. Por outro lado, quer se trate de Estados ou de partidos, qualificá-los de operários atribui-lhes uma substância social, em detrimento da especificidade dos fenómenos políticos que transfiguram as relações sociais. A caracterização directamente social das formas políticas torna-se então um jugo dogmático que envenena o pensamento. Sublinhemos enfim que, seja quais forem as caracterizações divergentes da União Soviética, Pablo como Castoriadis, Mandel como Cliff, Cannon como James, consideravam todos a revolução russa como uma revolução autêntica e não como um golpe de Estado. Todos datavam igualmente a viragem contra-revolucionária qualitativa no primeiro Plano Quinquenal e no grande terror dos anos 30.


Notas:

(1) N.T.: Cassandra é uma personagem mítica grega que tinha o dom da profecia (correcta) mas que foi condenada a que ninguém acreditasse nas suas profecias. (retornar ao texto)

Este texto foi uma colaboração
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Inclusão 03/04/2010
Última alteração 11/04/2014