Pequena História do PCP e do Movimento Operário

Francisco Martins Rodrigues

Final dos anos 1960


Primeira Edição: vide notas de rodapé

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Capa de antiga edição

Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista em Portugal, surgiu e desenvolveu-se o proletariado, classe produtora que está reduzida a vender a sua força de trabalho como uma mercadoria. O proletariado é arrastado pela sua natureza de classe a tornar-se força motriz da revolução socialista, derrubando a burguesia e exercendo a ditadura sobre ela, por meio do seu instrumento político, o partido comunista.

Os comunistas não podem pretender conduzir o proletariado à revolução e à conquista do poder se não conhecerem a sua história e a experiência por ele acumulada, assim como as etapas que o Partido atravessou na sua construção gradual como guia da revolução.

A história do movimento operário português pode dividir-se em seis períodos:

I. Formação do proletariado (1860-1910)

II. A experiência anarquista (1910-1926)

III. A resistência antifascista (1926-1940)

IV. O movimento da guerra e o seu declínio (1940-1955)

V. A nova estrutura do proletariado e a degeneração revisionista do Partido (1955-1966)

VI. O ressurgimento da corrente comunista

VII. Algumas lições do nosso movimento operário.

I – Formação do proletariado (1860-1910)

1. Cerca de 1860, começa a desenhar-se, ao lado do artesanato tradicional, uma produção capitalista moderna. A partir de 1880, acentua-se o crescimento da burguesia industrial e surge uma classe operária nos sectores dos têxteis, conservas, vidros, tabacos, transportes. Até ao fim do século, não deixa de crescer o proletariado fabril, que contudo não passava a casa das dezenas de milhar e se resumia a duas zonas industriais, de Lisboa e Porto, isoladas num país camponês atrasado e dependente do imperialismo estrangeiro. O proletariado português era muito mais fraco que o dos países capitalistas avançados.

2. A grande massa do proletariado, arrebanhada nos campos, vivia numa miséria e numa ignorância enormes, não tinha consciência dos seus interesses de classe nem sabia defender-se da exploração. Os patrões, como não encontravam uma resistência organizada exploravam sem limites: jornadas de 12 a 14 horas, trabalho infantil, disciplina severa e castigos constantes, nenhumas medidas de segurança ou higiene. Nas “ilhas” e “pátios” operários grassava a tuberculose.

3. De forma espaçada e irregular, o proletariado começa a resistir à exploração capitalista. Como os sindicatos não eram autorizados, formam-se as associações de socorros mútuos, onde os operários iniciam a sua aprendizagem de organização; em Lisboa, destaca-se a Sociedade Promotora do Melhoramento das Classes Laboriosas. Estas sociedades tinham um carácter não político, e eram muitas vezes controladas por elementos burgueses (o general Sousa Brandão foi um desses “protectores” dos operários) mas nelas o proletariado começou a tomar consciência dos seus direitos, e as associações vão progressivamente evoluindo para um carácter sindical, apesar dos ataques do patronato.

4. Já desde 1860 se registavam greves em Lisboa, apesar de proibidas. Nos anos de 1871-72 dão-se greves de certa importância (a “Pavorosa”) e há choques com a polícia. O motivo das greves era em geral a luta por maiores salários e contra os castigos. Começam a distinguir-se no proletariado de Lisboa os tipógrafos, os metalúrgicos, os portuários e os tabaqueiros pela sua combatividade. No Porto, o ambiente era de muito maior atraso e desorganização e raramente se davam greves.

Até ao fim do século o movimento grevista tende a crescer lentamente. Ao entrar no século XX, as greves eram mais amplas e estendiam-se por vezes a ramos inteiros da indústria, mas dificilmente triunfavam: os operários não dispunham ainda de meios adequados de organização; além disso, os patrões respondiam à greve com o lockout (encerramento das fabricas) e a polícia intervinha com violência contra os grevistas.

Uma das maiores greves deste período é a dos operários de conservas de Setúbal e Algarve, em 1902-03 (?), contra a mecanização da indústria, que provocava despedimentos em massa; há manifestações e choques com a tropa, provocando mortos.

5. A acção de defesa económica faz surgir uma vanguarda do proletariado que compreende que a solução dos problemas da classe está na luta politica. Em 1871, sob efeito da agitação causada pela Comuna de Paris, o movimento operário dá um passo em frente: funda-se a associação Fraternidade Operária, que começa a publicar o jornal Pensamento Social e que estabelece contacto com a AlT (Associação Internacional dos Trabalhadores). A Fraternidade Operária, que se manteve poucos anos, ora animada por elementos não-proletários como José Fontana (empregado) e os intelectuais Antero de Quental, Oliveira Martins, etc.; isto mostra, apesar dos progressos do movimento, a falta de independência política do proletariado.

6. As ideias políticas que então dominavam os operários avançados de Lisboa (no Porto o movimento operário quase não existia) eram as ideias de Proudhon e Bakunine, que então inspiravam a AlT. O marxismo era então desconhecido em Portugal, apesar de já ter passado meio século sobre a publicação do Manifesto Comunista.

O proletariado português, muito recente, meio camponês, e em grande parte artesanal, não tinha ainda uma experiência que lhe permitisse assimilar a teoria marxista da revolução; tal como aconteceu na segunda metade do século XIX com a classe operária da Rússia, Itália, Espanha e Sul da França, os operários portugueses não estavam ainda ideologicamente amadurecidos para o marxismo e eram ideologicamente influenciados pelo anarquismo.

7. Depois de 1870 começa a debater-se a necessidade de um partido operário, mas a massa dos activistas, dominada pelo anarquismo, via com desconfiança qualquer intervenção organizada na política e centrava os seus esforços na propaganda, nas greves e na acção directa, originando leis repressivas do governo burguês contra as actividades “subversivas e anarquistas” (1896).

O Partido Socialista, criado em 1875 lançou-se a dirigir o movimento cooperativo e através dele ganhou bases entre o proletariado; pelo fim do século havia noventa cooperativas e realizou-se um congresso das cooperativas sob a direcção de Azedo Gneco. Mas o Partido Socialista caracterizou-se logo como um partido burguês para operários, um partido de reformas, que em breve se aproximou da monarquia e se tornou uma força reaccionária.

8. À medida que aumenta a propaganda republicana, surge uma forte corrente do proletariado avançado que, embora apoiando o sindicalismo e o cooperativismo, em política serve a causa republicana e espera da burguesia republicana a satisfação das suas reivindicações. A formação de um partido operário revolucionário é assim posta de lado e os operários aceitam a tutela burguesa, aderindo ao partido republicano.

Depois do Ultimato e da revolta fracassada de 1891, os operários mais politizados enfileiram no movimento burguês radical, ao longo de 20 anos de luta pela República (1890-1910). O movimento operário legal (associações culturais e recreativas como a Voz do Operário) é aproveitado para a propaganda da República. Muitos operários entram nas associações secretas (como a Carbonária) e participam em atentados e assaltos.

Desde 1906, o partido republicano lança-se a conquistar uma larga base operária, dando à sua propaganda acentos socialistas e federalistas (jornal O Mundo) que, embora vagos atraem muitos operários avançados. Aquando da ditadura de João Franco (1908), os trabalhadores participam em violentas manifestações de que resultam mortos. Finalmente, no 5 de Outubro, os operários de Lisboa tomam as armas ao lado dos marinheiros e soldados implantando a República. Um dos episódios bem conhecidos é o dos trabalhadores armados guardando o banco durante a revolução, a fim de garantirem a nova ordem estabelecida pela burguesia.

9. Características deste período – O proletariado nasce e cresce muito lentamente. No começo do século XX as famílias operárias representam uns 8 a 10 por cento da população. Grande parte do proletariado é de tipo artesanal, são raras as grandes fábricas. Uma camada apreciável do proletariado de Lisboa começa a entrar na luta económica e a recorrer à greve com certa frequência e êxito crescente. Contudo, a sua consciência política está ainda em embrião e o proletariado é um apêndice da burguesia radical, cuja direcção política aceita inteiramente. O proletariado não atingiu ainda a maioridade como classe.

II – A experiência anarquista (1910-1926)

1. A República é a segunda etapa da revolução burguesa em Portugal. A nova burguesia comercial, industrial e colonialista que crescia desde 1880, entra em choque com a burguesia intermediária (importadores-exportadores, agentes do imperialismo inglês) e com a nobreza latifundiária que entravavam a marcha do capitalismo.

Depois de tomar o poder do Estado, a burguesia amolda as instituições à medida dos seus interesses. O regime de democracia burguesa que triunfa em 1910 é o mais adequado aos interesses do capitalismo numa fase de crescimento e de livre concorrência.

2. O proletariado tem uma grande evolução no período da democracia burguesa e perde as ilusões que tinha posto nos dirigentes republicanos. As promessas demagógicas de melhor nível de vida para os trabalhadores (o “bacalhau a pataco”) não são cumpridas e o patronato não afrouxa a exploração. Quanto à “igualdade social” prometida pelos chefes republicanos manifesta-se só em beneficio da burguesia, que elimina os privilégios da nobreza e da igreja e domina duramente a classe operária; apenas dois meses depois do 5 de Outubro já o governo republicano reprime uma greve em Lisboa por meio da polícia.

3. A grande conquista conseguida pelo movimento operário sob a República é o direito de criar os seus sindicatos. A partir de 1910, os diversos sectores operários começam a criar os seus sindicatos, num movimento que se estende a todo o país e em breve envolve dezenas de milhares de trabalhadores. A classe operária crescia, embora lentamente, desenvolviam-se as indústrias da cortiça, da alimentação, exploração mineira, transportes; no Sul começa a formar-se um numeroso proletariado rural.

Com a fundação da UON (União Operária Nacional), em 1913, o movimento sindical activa-se. Realizam-se assembleias e congressos dos vários ramos da indústria e congressos sindicais (Torres Novas, Coimbra, Covilhã, etc.) onde é discutida a situação da classe operária e a táctica da luta económica. Os operários agrícolas criam os seus sindicatos rurais. O proletariado ganha novos hábitos de organização e uma consciência dos seus interesses económicos à escala nacional e não já apenas à escala local e profissional.

4. A burguesia republicana, que durante a propaganda contra a monarquia prometera o direito à greve, tentou depois negar essa conquista aos operários: o Congresso da República, reunido pela primeira vez em 1911, recusa-se por grande maioria a inscrever na Constituição o direito à greve (o Congresso tinha dois deputados operários num total de 220 representantes); em 1912 é publicada uma lei reconhecendo o direito à greve, mas pondo-lhe grandes restrições (proibia a greve ao pessoal do Estado, e a quaisquer outros trabalhadores, “no caso de afectar a economia nacional”).

Mas, apesar desta resistência, o movimento operário em ofensiva obrigou a reconhecer o seu direito à greve. O movimento grevista atravessa uma fase brilhante e torna-se a principal forma de luta do proletariado contra a exploração, contribuindo para o unir e para o educar. As greves tornam-se regulares e chamam à luta grandes massas trabalhadoras que até aí tinham estado adormecidas, sobretudo no Norte. Destacam-se pela sua combatividade os corticeiros, marítimos, vidreiros, trabalhadores rurais. Apoiadas na organização sindical as greves começam a registar uma percentagem apreciável de vitórias.

5. A greve geral de 1912 teve grande importância na união do proletariado. A greve iniciou-se entre os operários agrícolas da região de Évora que reclamavam maiores jornas. Reprimida pelas autoridades locais ao serviço dos agrários, a greve alastrou a Évora (construção civil e empregados). A autoridade encerrou o sindicato de Évora e então a Central Sindical em Lisboa proclamou a greve geral de solidariedade; a greve paralisou durante semanas Lisboa e a outra Banda. A polícia reagiu assaltando a Casa Sindical onde estavam reunidos centenas de grevistas e levando os presos para bordo de navios de guerra. Na Moita os operários atacados pela policia mataram o administrador do concelho. Em Almada onde a tropa proclamou o estado de sítio, os grevistas incendeiam as fábricas e assaltam quintas para obter comida. Por fim, o Governo recua, solta os operários presos e faz concessões.

Esta greve vitoriosa (juntamente com outra que no mesmo ano levou os vidreiros da Marinha Grande a defrontar a policia) teve grande influencia no crescimento do movimento grevista e sindical nos anos seguintes As massas viam como a burguesia mudava rapidamente a arma de ombro, atirando as novas forças de “defesa” da Republica (GNR, Exército) contra os trabalhadores, e as alianças que se estabeleciam na província entre os caciques republicanos e os caciques monárquicos para atacarem o movimento popular.

6. A partir de 1916, com a entrada de Portugal na guerra mundial imperialista, para servir os interesses colonialistas da burguesia nacional e do imperialismo inglês seu “protector”, a luta de classes do proletariado torna-se mais aguda e mais politizada Os operários sindicalistas desenvolvem uma campanha de agitação contra a guerra, com comícios à porta dos quartéis, mostrando que os argumentos do governo acerca da “defesa da civilização” mascaravam os apetites da burguesia para a partilha da África.

Em 1917, o movimento operário é reforçado com a criação da CGT (Confederação Geral do Trabalho) que substitui a UON. A CGT era urna verdadeira central dos sindicatos, que veio tornar possível a coordenação destes. O jornal da CGT, A Batalha, une e consciencializa dezenas de milhares de operários sob as ideias anarco-sindicalistas.

7. Entretanto, crescia a agitação política. Em Dezembro de 1917, é instaurada a ditadura de Sidónio Pais, contando com a neutralidade dos sindicatos, que estavam fartos da política reaccionária do Partido Democrático e se deixaram iludir com o mito do governo “apolítico” dos militares e as suas promessas de abandonar a guerra imperialista e de estabilizar a situação económica, Quando Sidónio se define como um ditador fascista e começa a fazer prisões em massa entre os operários, a CGT organiza uma campanha e decreta a greve geral sob a palavra de ordem “Fora o Sidónio”. A greve é desbaratada pela polícia mas um mês depois o ditador é morto a tiro num atentado (Dezembro de 1918). Em 1919 os trabalhadores pegam em armas para esmagar a revolta monárquica (escalada de Monsanto), vencendo a indecisão das autoridades.

Espalhava-se a agitação e o entusiasmo causados pela grande revolução russa, que mostrava na prática a possibilidade de derrubar a burguesia e estabelecer um governo dos trabalhadores, Os sindicatos aprovam decisões recusando-se a carregar material contra a Rússia bolchevista.

Todos estes acontecimentos elevam a consciência do proletariado e chamam-no a intervir na luta política. Devido a isso, activa-se a luta de tendências no movimento operário.

8. As ideias que inspiravam os sindicatos, a CGT e todos os operários avançados, eram as ideias anarquistas. O socialismo reformista desacreditara- se já antes de 1910 com uma linha de colaboração com a burguesia. O marxismo continuou a ser ignorado até muito tarde.

A corrente anarco-sindicalista, que orientava a CGT, era própria dum proletariado jovem e inexperiente na luta de classes. Esta corrente acreditava no derrubamento da burguesia por meio da greve geral e de acções terroristas desorganizadas, e punha portanto a sua esperança no movimento sindical e grevista. Como desconhecia a necessidade de uma ditadura do proletariado prolongada para a construção do socialismo, não compreendia a necessidade duma direcção política proletária centralizada, dum estado-maior proletário (o Partido Comunista), resistia à disciplina de classe, não enquadrava as acções tácticas num plano estratégico para a conquista do poder.

Apesar da vitalidade da CGT, que chegou a agrupar mais de 100 mil trabalhadores perto de 1922, o movimento era enfraquecido pela falta de uma plataforma política clara, os dirigentes sindicais cediam à demagogia e punham os interesses económicos de cada sector profissional à frente dos interesses gerais da classe; desgastavam-se energias sem um plano de batalha preciso e os trabalhadores iam-se cansando.

9. Em 1921, é fundado em Lisboa o Partido Comunista. A revolução russa popularizara o nome de Lenine, mas continuava-se a conhecer muito pouco do marxismo: circulava o Manifesto Comunista e algumas edições resumidas do Capital e pouco mais. Em 1920 criara-se a Federação Maximalista, que teve curta duração.

Nos anos de 1921-26 o novo partido luta para definir a sua linha e criar uma estrutura orgânica. O Partido tinha uma base operária restrita, em certos sectores de Lisboa, de Almada e do Alentejo; reunia também intelectuais e empregados; a sua base proletária era muito reduzida em face da CGT. Em 1924 e 1926, o Partido realiza dois congressos que, contudo, não conseguem definir uma linha política geral e onde se dão confusas lutas de prestígio entre diversos militantes. Publica-se com irregularidade o órgão do partido, o Proletário.

Com a ajuda da Internacional, o Partido forma alguns quadros que iam estudar à União Soviética. Define também alguns princípios de táctica comunista: em 1926 o 2.º Congresso lança um apelo para a unidade operária em face das ameaças fascistas (este apelo é rejeitado pelos anarquistas, que tinham tomado atitude violentamente sectária, contra os comunistas, a quem acusavam de dividir o movimento operário); defende a necessidade de aproveitar o parlamento burguês para fazer ouvir aí a voz da classe operária; opõe-se ao terrorismo anarquista, mas a sua contribuição principal para o movimento operário é fazer compreender a necessidade da direcção política do Partido e duma rigorosa disciplina de classe frente ao inimigo.

Nesta primeira fase da vida do partido faz-se sentir bastante a falta de quadros comunistas capazes; travam-se lutas pessoais e não há uma acção política diária e séria; o partido desacredita-se em discussões de cafés. Carlos Rates (militante sindicalista bastante conhecido, que aderira ao Partido) é eleito secretário-geral, com o apoio dum delegado da Internacional, mas pouco tempo depois troca o partido por um bom emprego. O partido atravessa uma séria crise a partir de 1926.

10. Depois de 1919, a luta de classes continua a agudizar-se. O proletariado consegue em 1919 uma vitória com a lei das 8 horas de trabalho, mas a carestia e a especulação agravam as suas condições de vida. O movimento sindical continua a alargar-se. Ao lado dos sindicatos da CGT surgem os sindicatos controlados pelos comunistas e filiados na ISV (Internacional Sindical Vermelha). O movimento das massas empolga muitos milhares de trabalhadores, o movimento grevista vai também em aumento: greve dos mineiros de Aljustrel durante 8 meses; greve dos ferroviários, que paralisa a rede nacional; greve dos marítimos, etc.. Dão-se no Alentejo, em Lisboa e no Algarve, grandes comícios e marchas de fome, com bandeiras pretas; o movimento estende-se ao Porto, com o grande comício de 20 mil trabalhadores no Monte Aventino. Com bastante frequência, trabalhadores armados assaltam estabelecimentos para arranjar comida. Em 1923, trabalhadores rurais da região de Odemira ocupam terras dos latifundiários; o governo reprime severamente o movimento e vários camponeses são deportados para África.

11. A burguesia começa a organizar-se melhor para lutar contra o movimento operário. Os patrões combinam-se para não ceder às greves e aplicam o Iockout; em Lisboa forma-se uma associação “amarela” paga pelos industriais, para furar greves, aterrorizar os operários e provocar distúrbios (o chefe desta associação é apunhalado por um operário). Latifundiários e grandes comerciantes criam em 1925 um novo partido ultra-reaccionário, a União dos Interesses Económicos. O chefe da União Liberal, Cunha Leal, pede no parlamento a pena de morte para os bombistas. O governo endurece a repressão contra o movimento operário. Em 1923 (?), como os ferroviários em greve ameaçaram sabotar as vias como protesto contra o facto de os comboios circularem conduzidos pela tropa, o governo manda atrelar vagões com grevistas na frente dos comboios.

Os actos terroristas amiúdam-se. Há atentados a tiro e à bomba contra grandes capitalistas, como Alfredo da Silva, da CUF. Surge a organização “Legião Vermelha” que pretendia opor o terrorismo operário ao terrorismo burguês. Mas a maior parte destes actos, sem urna direcção centralizada, não têm uma orientação política correcta e ainda agravam mais as dificuldades do movimento operário, como o lançamento de uma bomba num cortejo comemorativo do dia de Camões, que mata várias pessoas.

Depois de uma malograda tentativa de governo por um partido radical burguês da “Esquerda Democrática” em 1924 de J. Domingues dos Santos, apoiada nos trabalhadores, os grupos da burguesia dominante começam a preparar activamente o golpe fascista.

12. Características deste período – É um dos períodos mais ricos de experiência para o movimento operário, sobretudo na actividade sindical e grevista, que traz à luta de classes centenas de milhares de trabalhadores. O proletariado aprende a organizar-se e a lutar unido pelas suas reivindicações económicas. Liberta-se também da tutela ideológica burguesa e compreende que é preciso intervir na luta política. Contudo, esta consciência de classe é ainda imperfeita devido às noções anarquistas dominantes. O Partido Comunista está ainda muito longe de se poder tornar o estado-maior do proletariado. A confusão e a desmoralização alastram no proletariado, que não vê um objectivo preciso na sua luta nem uma direcção digna de confiança.

III – A resistência antifascista (1926-1940)

1. A instauração da ditadura fascista em 1926 abre a terceira etapa da revolução burguesa em Portugal. A concentração da riqueza conseguida com a exploração colonial e com os negócios da guerra, a necessidade de reprimir o movimento operário que se tornava ameaçador, a situação financeira desastrosa, levam o núcleo mais poderoso da burguesia a remodelar de novo as instituições e a caminhar para o fascismo. A democracia burguesa que desempenhara um papel positivo, estava ultrapassada e começava a ser um estorvo ao crescimento do capitalismo.

2. Devido à crise interna do movimento operário, não há praticamente resistência organizada contra a ditadura militar. Os chefes sindicalistas, com o seu habitual oportunismo, acreditavam que os militares poderiam melhorar a situação. O 2.° Congresso do Partido Comunista, reunido precisamente em 28 de Maio, lança um apelo para a Frente Única contra a ditadura, mas o Partido não tinha força para pôr esse apelo em prática. A massa proletária, cansada e confundida, não reage inicialmente à ditadura. Gomes da Costa faz o seu passeio militar de Braga a Lisboa sem a menor dificuldade.

Entretanto, menos de um ano depois, quando o carácter da ditadura se define, muitos operários de vanguarda de Lisboa tomam as armas em apoio dum golpe preparado por políticos republicanos: é o 7 de Fevereiro de 1927 de que resultam dezenas do mortos em combate ou fuzilamento após ele, sobretudo operários, soldados e marinheiros. Nas forças reaccionárias que esmagam a revolta destaca-se o tenente Botelho Moniz.

3. O movimento de massas reduz-se após a instauração da ditadura. Os sindicatos levam uma vida semiclandestina; a CGT, incapaz de se adaptar à legalidade, esboroa-se. Mas a corrente comunista, baseada no Partido, consegue reorganizar-se a partir de 1929, sob a direcção de Bento Gonçalves.

Apesar de fundado em 1921, o Partido Comunista ainda não conseguira criar uma estrutura orgânica nem conquistar uma séria base de massas no proletariado. Bento Gonçalves, operário do Arsenal, de 27 anos (nascido em 1902), sindicalista entusiasta, visitara a URSS por ocasião do 10.º aniversario da Revolução e voltara disposto a trabalhar pela reorganização do Partido que então estava desorganizado, sem imprensa, contando ao todo 30 militantes e duas células. Por iniciativa de Bento Gonçalves, reúne-se uma Conferência que elege nova direcção e enceta um serio trabalho de ligação à classe operaria (1929). Esta Conferência marca verdadeiramente o começo de uma actividade política comunista em Portugal. O Partido estende a sua organização clandestina na região de Lisboa, Marinha Grande, Alentejo. Forma-se um Secretariado, composto por Bento Gonçalves e José Sousa, conhecido dirigente sindical. Joaquim Pires Jorge, que participara no 7 de Fevereiro e sofrera dois anos de prisão em Angra, entra também para o Partido. Em 1931, começa a publicar-se o Avante, novo órgão do Partido, que substitui o Proletário.

4. Com a repressão fascista, a vanguarda proletária tende a ficar isolada das grandes massas, que se afastam da luta. Apesar disso os sindicatos mantinham-se (os de orientação comunista, controlados pela CIS, Comissão Inter-Sindical, dirigida por José de Sousa); a CGT perdia forças pouco a pouco. O Partido Comunista começa então a conduzir lutas de massas do proletariado, a ser reconhecido como o seu dirigente; greve dos vidreiros da Marinha Grande, que se toma um baluarte comunista; manifestações contra o desemprego em Lisboa, Almada, Algarve comícios-relâmpago do 1.º de Maio, etc.. As experiências de acção proletária neste período foram mais tarde analisadas no Tarrafal por Bento Gonçalves.

5. Em Julho de 1932, Salazar que era ministro das Finanças, toma a chefia do Governo. A ditadura toma novo impulso contra o movimento operário: “plebiscito” da nova Constituição (todas as abstenções foram contadas como votos a favor), promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional (Setembro de 1933), criando os “Sindicatos Nacionais”, grémios e corporações. O ETN estabelecia que os sindicatos livres seriam encerrados e que os seus bens reverteriam para os “Sindicatos Nacionais’. Era um golpe fortíssimo da burguesia contra as liberdades conquistadas em meio século de luta do movimento operário. A camada mais activa do proletariado mostrava-se disposta a resistir e a defender os sindicatos.

Perante a hesitação do Partido sobre o caminho a seguir, é decidido um apelo à greve, que certos sectores operários influenciados pelo anarco-sindicalismo tendem a transformar numa greve geral revolucionária. O movimento, desencadeado em 18 de Janeiro de 1934 e privado de uma direcção política, é rapidamente sufocado pela repressão. Há esboços de greves e atentados à bomba em Coimbra, Lisboa, Silves e Covilhã. Na Marinha Grande, os operários armados apossam-se da vila, elegem um soviete e hasteiam a bandeira vermelha, mas a vila é tomada de assalto por forças do exército; destacam-se no movimento da Marinha Grande, Manuel Esteves de Carvalho (morre um ano depois, tuberculoso), António Guerra, José Gregório e outros. São feitas muitas prisões.

A derrota do 18 do Janeiro foi um sério golpe na vanguarda operária e mostrou que o proletariado, dilacerado entre a tendência anarco-sindicalista da CGT e a tendência reformista da direcção do Partido, não podia conseguir êxitos na acção revolucionária.

6. O aparelho repressivo fascista vai-se estruturando. A nova polícia política, a PVDE, dirigida por Catela, começa a distinguir-se pelos espancamentos e torturas. O militante Manuel Vieira Tomé, um ferroviário, é assassinado em 1934. Após o começo da guerra civil de Espanha, surgem a Legião e a Mocidade, milícias fascistas; a policia cria uma rede de bufaria nas fábricas. Salazar apoia a campanha militar de Franco, exaltando o fascismo e o nazismo, excita-se a histeria anticomunista.

Em 1935, durante um comício-relâmpago em Alcântara, o militante comunista Manuel dos Santos mata um polícia a tiro. (Manuel dos Santos passou 10 anos na Penitenciária, de onde se evadiu, para vir a morrer pouco depois tuberculoso). Em Agosto de 1936, no ambiente de agitação causado pelo começo da guerra de Espanha, dá-se a revolta da Armada. Os marinheiros amotinam-se, prendem os oficiais e apossam-se de dois navios mas são bombardeados ao tentar sair a barra e rendem-se. Esta revolta fora preparada pela ORA (Organização Revolucionária da Armada) e pelo seu jornal Marinheiro Vermelho, de que circulavam centenas de exemplares. Na criação da ORA distinguiu-se Manuel Guedes, militante comunista (existia também o ORE, no Exército). Ainda um reflexo desta corrente é o atentado contra Salazar organizado por um grupo de trabalhadores anarquistas.

7. A ilegalização dos sindicatos e o fracasso das acções armadas provocam uma aguda luta de tendências no movimento operário e no interior do Partido. Os elementos sindicalistas agrupados na CIS e dirigidos por José de Sousa, membro do secretariado do Partido, lançam-se no movimento sindical clandestino, contra a opinião da maioria do Partido.

A princípio, conseguem alguns resultados; no período de 1934/36, dezenas de sindicatos esquivam-se à ordem de dissolução, conservam-se semilegalmente e fazem sair mais de uma dezena jornais sindicais clandestinos (dos ferroviários, dos metalúrgicos, etc). Esta corrente era a que estava mais próxima do anarquismo; era também a que concebia a resistência ao fascismo como simples questão de revoltas locais e atentados.

Bento Gonçalves, à frente da maioria da direcção do Partido, pronunciava-se pela penetração nos “sindicatos nacionais”, criticava o movimento sindical clandestino, cuja influência de massas diminuía rapidamente, condenava as acções armadas (classificou mesmo o 18 de Janeiro como “mais uma anarqueirada”) e pretendia que se adoptasse uma táctica defensiva: Frente Única com a pequena burguesia republicana, aproximação das massas proletárias por meio da luta económica e aproveitamento minucioso das organizações legais, incluindo os “sindicatos nacionais”.

Esta linha fora adoptada após o 7.º Congresso da Internacional Comunista (1935), onde Bento Gonçalves se deslocou, chefiando a delegação do P.C. Português. Neste Congresso, Dimitrov apresentou um informe indicando a política de Frente Popular contra o avanço das ditaduras fascistas como a questão central para o movimento comunista internacional.

A experiência posterior mostrou que esta táctica (que dirigia o fogo principal contra os anarquistas e trotskistas e descurava a luta contra o oportunismo de direita), tal como foi aplicada em Portugal, abriu o caminho às tendências pacifistas e reformistas dentro do Partido e no movimento operário. Se, em vez de se travar a vanguarda proletária, se tivesse canalizado o seu espírito de luta para acções tácticas de combate antifascista (que, ao contrário das revoltas locais poderiam ter êxito), poderia ter-se conjugado revolucionariamente a acção pacífica com a acção armada, neutralizando os oportunismos de “esquerda” e de direita e impulsionando a resistência antifascista. Com a linha adoptada, o Partido começou a afastar-se da perspectiva da conquista do poder e a descair no oportunismo.

8. Aos golpes que sofre o movimento operário e popular com o esmagamento das revoltas de 1934 e 1936, juntam-se os golpes sobre o Partido: ao chegar do 7.º Congresso da l.C., Bento Gonçalves é preso juntamente com José de Sousa e Júlio Fogaça (1935); em Setembro de 1936 abre o campo do Tarrafal para onde são enviados 150 militantes operários, entre eles Bento Gonçalves, Militão Ribeiro, Sérgio Vilarigues, Américo de Sousa, os dirigentes anarquistas Mário Castelhano (último secretário da CGT) e Januário, muitos marinheiros.

O Partido cuja estrutura clandestina era frágil, pois assentava só no Secretariado e nas tipografias, fica momentaneamente decapitado. Em 1936, recompõe-se o Secretariado, com José Gregório, Manuel Guedes (que se evadira do tribunal quando era julgado), Joaquim Pires Jorge e Álvaro Cunhal (estudante, dirigente da Juventude Comunista). Este Secretariado é destroçado com novas prisões; outro lhe sucede que também é desmantelado. Os métodos de trabalho clandestino tinham-se atrasado em relação ao trabalho aperfeiçoado da polícia.

A organização do Partido mantinha-se, embora abalada, na região de Lisboa e Alentejo, além de se começar a estender aos estudantes. Fazia-se uma intensa agitação política, em ligação com a guerra de Espanha; o Avante publicava semanalmente dez mil exemplares, recorde que não voltou a ser batido.

9. O período de 1936/40 é aquele em que o movimento de massas atinge o seu ponto mais baixo, devido à derrota das acções armadas, à dispersão da vanguarda proletária pelas prisões, pela deportação e pelo exílio, e também a uma certa estabilização do nível de vida das massas trabalhadoras, que haviam sentido duramente a crise do desemprego ligada à grande crise mundial do capitalismo, em 1930/33.

É de referir que bastantes trabalhadores comunistas e anarquistas combateram ao lado do povo espanhol contra o fascismo e alguns lá deram a vida. Estiveram nesta época em Espanha Manuel Guedes, J. Pires Jorge (preso pelos franquistas e entregue ao governo português, cumpriu três anos em Angra) e Álvaro Cunhal.

Os sucessivos golpes no Secretariado (foram presos Francisco Miguel, ao regressar da União Soviética, Alberto Araújo e outros) acabaram por desorganizar a direcção do Partido. Em 1939 a direcção do Partido era composta por elementos que não tinham a confiança do proletariado, muitos deles intelectuais sem experiência nem capacidade política; deram-se graves casos de infiltração de provocadores e aventureiros no aparelho clandestino do Partido. A direcção não orientava a luta prática, envolve-se em discussões e intrigas. O nível político da imprensa baixa, o partido tende a transformar-se num agrupamento radical pequeno-burguês sem verdadeiro cunho proletário revolucionário. Por fim (1939), a Internacional corta as relações com o P.C. Português, por a direcção deste não lhe merecer confiança. 1939 é um dos pontos mais baixos do movimento operário português.

10. Características deste período – O movimento operário é surpreendido pela reacção fascista da burguesia no momento em que a corrente anarquista entrava em declínio, quando a corrente comunista ainda não ganhara raízes nem amadurecera ideologicamente. A resistência ao fascismo trava-se sob uma aguda luta de tendências no interior do proletariado. Sob a repressão cada vez mais apertada da policia, a vanguarda do proletariado desgasta as energias em acções desencontradas, sem uma linha comum, oscilando do aventureirismo ao oportunismo de direita, e quebrando os laços com as largas massas.

Depois de, sob a direcção de Bento Gonçalves, ter formado um bom núcleo de militantes (José Gregório, Pires Jorge, Fogaça, Cunhal), o Partido, contaminado pelo direitismo, mergulha numa grave crise.

IV – O movimento da guerra e o seu declínio (1940-55)

1. A partir de 1940, sob o impulso da guerra mundial, a economia anima-se devido à exportação (minério, conservas, têxteis, alimentares, produtos coloniais, manufacturas diversas). A classe operária começa a crescer nas regiões de Lisboa e Porto, muitos milhares de camponeses pobres entram nas fábricas.

A exploração capitalista acentua-se brutalmente: intensificação do ritmo de trabalho, horas extraordinárias obrigatórias, carestia, especulação, racionamento. A partir de 1941, o movimento de massas do proletariado entra em impetuoso ascenso (primeiro no campo económico, depois também no político), envolvendo centenas de milhares de trabalhadores que até aí tinham estado à margem da luta de classes. Este ascenso, que está ligado à reorganização do Partido, marca um período importante no movimento operário português.

2. O movimento grevista de 1942-47 é uma das experiências mais brilhantes do movimento operário português, que educa e une as grandes massas proletárias, mostrando-lhes a ligação entre os capitalistas e o aparelho de Estado; as greves formam e revelam militantes operários, como Alfredo Dinis (Alex), morto pela polícia em Julho de 1945.

As principais greves deste período são:

  1. Greve de 20 mil operários de Lisboa, em Novembro de 1942 semi- espontânea, que colhe o governo de surpresa e obtém uma vitória parcial;
  2. greve de 50 mil operários da região de Lisboa e Almada, acompanhada por S. João da Madeira, inteiramente organizada pelo partido (Julho de1943); uma das maiores greves registadas em Portugal; manifestações e choques com a polícia; o governo encerra as fábricas, faz centenas de prisões, controla a readmissão do pessoal, a greve é derrotada;
  3. greve da zona de Alhandra, apoiada pelos operários agrícolas da região de Lisboa, com comícios, forte repressão (Maio de 1944);
  4. greves no Alentejo e Ribatejo pelas ceifas, envolvendo dezenas de milhares de operários agrícolas, geralmente vitoriosas (1944-45-46?);
  5. greve dos tecelões da Covilhã, em Janeiro, de 1943, com manifestações, forte repressão, derrotada;
  6. greve dos mineiros de S. Pedro da Cova (1946);
  7. greve do estaleiro naval de Lisboa, que não se consegue fazer alastrar ao resto da cidade; dezenas de operários deportados para o Tarrafal (Abril de 1947).

3. Estimulados pelo movimento grevista e nele apoiados, grossos contingentes proletários atiram-se à luta económica, aproveitando todos os meios legais. A tendência persistente para boicotar os “Sindicatos Nacionais” inverte-se e, desde 1941, desenha-se um grande movimento de massas para a penetração nos Sindicatos-fantoches, em seguimento das consignas do Partido (destacam-se concentrações e manifestações dos vidreiros da Marinha Grande); os êxitos conseguidos em poucos anos permitem que em 1946 e 1948 se trave uma luta generalizada pela conquista das direcções dos S.N. e pela expulsão dos rafeiros do patronato nelas instalados; dezenas de direcções sindicais ficam sob o controle dos trabalhadores, embora por pouco tempo. Generaliza-se também por esta altura a formação de comissões de fábrica semilegais (“comissões de unidade”) que servem de apoio orgânico às petições, concentrações e paralisações contra a exploração.

4. A amnistia dos Centenários, em 1940, trouxe do Tarrafal e da Angra militantes destacados, como Júlio Fogaça, Sérgio Vilarigues, Pedro Soares, Américo de Sousa, Pires Jorge, que se juntam a José Gregório e outros entretanto soltos por terem cumprido as suas penas, como M. Guedes, Álvaro Cunhal, e ainda novos militantes operários surgidos nas organizações locais, como António Dias Lourenço, lançando-se a reorganização do Partido e criando um novo Comité Central.

Nos anos 1940/41 a nova e a velha direcção do Partido, cada uma publicando o seu Avante, disputam o controle da organização e a influência sobre a classe operária, mas em breve o grupo pequeno-burguês de Cansado Gonçalves e Velez Grilo se desarticula e o Partido fica reunificado.

No curto espaço de três anos (1940/43) o Partido é reconstruído em moldes leninistas: direcção colectiva, disciplina firme, rigor conspirativo, corpo da militantes profissionais que se alarga progressivamente. Apesar de alguns golpes da polícia (prisões de Fogaça, Pedro Soares, Pires Jorge), o aparelho clandestino ganha estabilidade e continuidade, permitindo um largo trabalho do agitação e propaganda. Existiam bastantes militantes de origem burguesa (Cunhal, Fogaça, Soares, Cândida Ventura, etc.) mas que adquirem o estilo proletário de disciplina, firmeza e realização prática. O Secretariado é constituído por Manuel Guedes, José Gregório e Álvaro Cunhal (que estivera no Congresso da Juventude Comunista em Moscovo, tivera um porte exemplar quando preso, e se destacava rapidamente pela sua capacidade política).

O Avante sai com regularidade, popularizando a linha do Partido, noticiando as vitórias do exército vermelho da URSS contra o nazismo, divulgando as experiências da acção operária nas várias regiões do país O Militante, criado em 1935, começa pela primeira vez a ser um auxiliar do trabalho de organização.

5. A reorganização do Partido culmina no primeiro Congresso ilegal (1943) que é verdadeiramente o primeiro congresso desde a fundação do Partido. Cunhal apresenta o informe político, Guedes e Gregório apresentam informes sobre organização e defesa conspirativa.

O informe político estuda as experiências do movimento de massas e sobretudo da greve de Julho de 1943, defendendo a formação duma Frente Única Operária através da acção de massas (apelando inclusivamente para os legionários); passa em revista as forças aliadas do proletariado (chamando a atenção para a ausência de mobilização do campesinato e dos povos coloniais) e formula propostas de Unidade Nacional à burguesia democrática. O Congresso lança um apelo aos operários e camponeses para que desenvolvam a acção de massas contra a ditadura.

No seguimento do Congresso, o Partido obtém duas vitórias importantes: a criação do MUNAF – Movimento de Unidade Nacional Antifascista (Dezembro de 1943), organização clandestina onde colabora com os grupos da burguesia liberal; e o lançamento dos GACs (Grupos Antifascistas de Combate), em princípios de 1944, que representam a primeira tentativa do Partido para organizar a acção táctica armada contra a ditadura.

Nos dois anos após o Congresso, os efectivos e a influência política do Partido crescem rapidamente: o Partido funde-se com a vanguarda proletária e caminha à sua frente; ao mesmo tempo, consegue atrair ao Conselho Nacional do MUNAF praticamente todos os pequenos agrupamentos republicanos, socialistas, etc..

No conjunto, pode dizer-se que o 1.º Congresso ilegal definiu uma linha correcta para a acção táctica; o seu erro foi ter descurado completamente a perspectiva estratégica da revolução “nacional democrática, primeira etapa da revolução democrático-burguesa”; por isso, o Congresso não se demora no estudo do caminho da insurreição armada contra a ditadura e a conquista do poder pelo proletariado.

6. Entretanto, no Tarrafal (onde as febres e os maus tratos mataram mais de trinta militantes, entre eles Alfredo Caldeira, membro do C.C. do Partido, António Guerra, operário da Marinha Grande, Mário Castelhano, da CGT, e o próprio Bento Gonçalves. secretário geral do partido em 1942) prosseguia o debate acerca da linha do Partido e do movimento operário. Bento Gonçalves (num manuscrito mais tarde recuperado) põe em foco a seriedade do trabalho de massas realizado em 1929-35, em contraste com o aventureirismo das acções armadas. Porém, no decurso deste debate, em que enfrentava as criticas dos militantes acerca do abandono a que fora votado o movimento do 18 de Janeiro, as suas ideias aproximam-se cada vez mais da direita e vêm a cair num oportunismo extremo, ao formular a proposta para uma “política nova”, que consistia no apoio táctico dos comunistas ao governo de Salazar, no caso da independência nacional ser ameaçada por um ataque alemão!

As posições de Bento Gonçalves no Tarrafal (assim como, de resto, também a sua defesa perante o tribunal de Angra) mostram que ele nunca superou inteiramente a mentalidade sindicalista e “economicista” da primeira fase da sua actividade e parece nunca ter encarado a tomada do poder pelo proletariado como um objectivo prático concreto. Militante operário abnegado, organizador hábil do Partido Comunista, Bento Gonçalves deixou, contudo, em germe as tendências que mais tarde levariam à degeneração do Partido: limitação da iniciativa do proletariado ao terreno económico, pacifismo, oportunismo de direita.

7. Após a morte de Bento Gonçalves, a OCPT (Organização Comunista Prisional do Tarrafal) é dominada por uma corrente ultra-direitista animada pelo principal discípulo de Bento, o antigo estudante Júlio Fogaça, que é apoiado por João Rodrigues, Pedro Soares, Alberto Araújo (?) e mesmo por militantes operários, como Manuel Rodrigues da Silva e Francisco Miguel. Em 1944, a OCPT, em cartas dirigidas ao C.C. do Partido, acusa-o de falta de maleabilidade perante a crise da ditadura provocada pela derrota do fascismo na guerra. Argumentando com a “transição” na Itália (onde os reaccionários formaram um governo republicano e procuraram entender-se com os exércitos anglo-americanos), a OCPT propunha que o Partido adoptasse uma política de “transição”: não agitar inutilmente o espantalho da revolução, retirar a foice e o martelo do cabeçalho do Avante, dedicar todos os esforços à Unidade Anti-Fascista, entrar em conversações com os políticos burgueses da Oposição liberal, animar o golpe militar – em resumo, facilitar uma “saída doce” não revolucionária. A “política de transição” não era já simplesmente oportunista – tendia a liquidar o Partido como força política independente e a entregar o movimento operário ao controle da burguesia liberal. Como veremos, teve repercussões na linha posterior do Partido.

8. Ao terminar a guerra, sob a influência da derrota do nazismo e das vitórias históricas da URSS, o movimento operário e o movimento da burguesia liberal conjugam-se num vasto movimento nacional antifascista. As manifestações do fim da guerra, a petição nacional contra o Tarrafal, a reclamação de Eleições Livres, somando-se ao movimento grevista, obrigam a ditadura, momentaneamente isolada no plano externo, a pôr-se na defensiva: Salazar promete eleições livres, tolera a constituição legal do MUD (Movimento de Unidade Democrática), dá uma amnistia.

Após a formação do MUD em Outubro de 1945, o movimento democrático nas cidades toma um carácter de massa, as comissões do MUD e do MUD Juvenil (Julho de 1946) organizam legalmente a propaganda contra a ditadura, atraindo à acção antifascista grandes massas de empregados, operários, estudantes, elementos da pequena burguesia urbana. Pela primeira vez, a oposição à ditadura manifesta-se numa ampla Frente Única (de que contudo está ausente o campesinato).

9. O Partido Comunista recolhia o prestígio da sua campanha em defesa da classe operária e em apoio da URSS. Há um largo movimento de adesão ao Partido entre as massas trabalhadoras das cidades e a intelectualidade. A organização alarga-se nas zonas tradicionais (Lisboa, Outra Banda, Alentejo) e estende-se a regiões novas: Algarve, Oeste, Minho. A expansão do Avante acentua-se.

Do Tarrafal regressam em 1945 Militão Ribeiro, Francisco Miguel, Manuel Rodrigues da Silva, Júlio Fogaça, Pedro Soares, João Rodrigues, Alberto Araújo e outros, o que permite reforçar o aparelho clandestino do Partido. Militão Ribeiro, antigo operário têxtil, que no Brasil se distinguira como militante comunista e que no Tarrafal não alinhara na corrente da “transição”, é chamado ao Secretariado, que inclui também José Gregório (após alguns anos na Espanha e na URSS, fora um dos reorganizadores do Partido em 1940) e Álvaro Cunhal, que se destaca como o criador da nova linha política. Cria-se uma Comissão Política do C.C. (pouco depois dissolvida), com Cunhal, Gregório, Alfredo Dinis, Vilarigues, Pires Jorge, Manuel Rodrigues e Manuel Domingues.

O Partido continua a sofrer golpes da polícia que, contudo, não afectam o seu aparelho central: assalto a uma tipografia em 1945, prisão de Maria Machado; prisões de Francisco Miguel (1947) e Guilherme de Carvalho (1948). Militantes comunistas assassinados pela policia, como Alfredo Dinis, dirigente da greve de Lisboa; Germano Vidigal, trabalhador alentejano, Ferreira Marquês, empregado, de Lisboa, o médico Ferreira Soares, tomam maior o prestígio do Partido entre o proletariado e as massas populares. O Partido vive o período de maior influência política da sua história.

10. Em 1946, o Partido reúne o seu 2.º Congresso ilegal. Álvaro Cunhal apresenta os dois informes principais: político e de organização.

O informe político, “O caminho para o derrubamento do fascismo”, indica ao Partido a necessidade de multiplicar as acções do proletariado industrial e rural, para tornar possível o levantamento nacional antifascista (cujas características, contudo, não define). No que se refere à política de alianças, o informe dedica grande atenção ao movimento democrático burguês e ao MUD, descurando o problema da mobilização das massas camponesas semiproletárias, que continuam à margem da luta de classes e funcionando como uma reserva potencial da burguesia proprietária de terras.

O informe ataca com vigor a ineficácia das tendências putchistas e legalistas da burguesia liberal, assim como a plataforma de “transição” proposta pela OCPT e as tendências “terroristas” surgidas no Partido e no proletariado após a greve de 1943. A sua linha geral (depois desenvolvida nos informes de Cunhal às reuniões do C.C., de Outubro de 1946 e Junho de 1947) consiste em centrar os esforços do Partido sobre a Unidade de todos os anti-salazaristas. “A unidade é a garantia da vitória, a divisão seria a derrota”, “aquilo que nos separa nada é comparado com o que nos une”. Guiado por esta concepção, Cunhal é naturalmente levado a velar a contradição entre o proletariado e a burguesia liberal no movimento antifascista. A luta pelo derrubamento do fascismo não é vista como uma tarefa revolucionária de classe do proletariado, apoiando-se fundamentalmente no campesinato trabalhador e na luta de libertação das colónias e aproveitando depois a aliança instável com a burguesia liberal; é uma luta de “todos os portugueses honrados” (de onde as massas camponesas estão ausentes), em que compete a todos darem provas de tolerância e em que o proletariado não é autorizado a preparar a luta armada pelo poder.

11. Esta linha oportunista leva a uma atitude nova perante o movimento de massas; ele deve ser suficientemente forte para estimular e pressionar a burguesia liberal, mas não tão forte que a assuste e a afaste da luta. Isto reflecte-se em diversas posições e resoluções saldas do 2.º Congresso ilegal:

  1. dissolução dos GACs que não chegam a actuar;
  2. abandono da “linguagem demasiado de classe” usada no período de 1941/44;
  3. dissolução da Juventude Comunista, substituída pelo MUD Juvenil;
  4. necessidade de canalizar o movimento operário para formas exclusivamente pacíficas (Manuel Guedes dedica um informe à actividade nos sindicatos-fantoches);
  5. esforço para “satisfazer os anseios da pequena burguesia” exigindo que os comités do Partido “se interessem pelos problemas do comércio e da indústria das suas localidades”;
  6. concessões aos políticos liberais a fim de manter a Unidade, permitindo-lhes apossar-se da direcção do MUD, que se transforma em seu partido político.

12. O informe de organização expõe os princípios do centralismo democrático, até aí mal conhecidos e mal aplicados no Partido. Ao mesmo tempo, dentro das concepções da linha geral da Unidade, lança a palavra de ordem “Para um grande Partido nacional” capaz de exprimir as reivindicações não só do proletariado como das restantes camadas anti-salazaristas. Esbate- se a noção do Partido Comunista como o estado-maior do proletariado para a revolução, abrem-se as portas do partido a grande número do elementos pequeno-burgueses e de sectores atrasados do proletariado. A vigilância de classe afrouxa, o cunho proletário revolucionário das fileiras do partido compromete-se; muitos operários avançados começam a tomar em relação ao partido uma posição de apoio com reservas. Assim se explica que, no período de 1945-49, apesar do ascenso do movimento do massas e dos sucessos orgânicos do Partido, o número de militantes operários formados seja mínimo. Assim se explica, também, a decadência, primeiro lenta e depois acelerada, da organização operária da região de Lisboa.

13. Em resumo: o segundo Congresso ilegal, um dos mais importantes na vida do Partido, representa uma viragem oportunista, sob a direcção de Álvaro Cunhal, anulando as tendências positivas do primeiro Congresso. Embora rejeitando a linha liquidacionista da “transição” da OCPT, o Congresso orientou o Partido e o movimento operário no sentido de graves compromissos com a burguesia liberal. A partir do segundo Congresso, acentuam-se os dois pontos fracos do movimento democrático do fim da guerra:

  1. as massas trabalhadoras seguem as directrizes moderadas e “ordeiras” da Unidade (eleições livres, Amnistia, abolição da Censura e do Tarrafal) e não apresentam nas ruas as suas próprias reivindicações revolucionárias: fim da carestia e do terror fascista, demissão do governo, expropriação dos ricos, expulsão dos imperialistas estrangeiros, independência para as colónias);
  2. o campesinato mantém-se adormecido e à margem da luta política, privando o proletariado do seu único e seguro aliado na revolução.

14. A partir de 1947, o movimento de massas entra em refluxo. Depois da greve de Abril, o movimento grevista suspende-se. Em 1948 registam-se ainda êxitos nas “eleições sindicais” mas a situação geral é de recuo e os contingentes operários envolvidos na acção económica e política diminuem de mês para mês. Entre as causas deste refluxo podemos apontar:

  1. melhoraram ligeiramente as condições de vida dos trabalhadores pois o movimento grevista obrigou a acabar com o racionamento e a afrouxar a carestia (“campanha da vida barata”, 1947);
  2. o proletariado foi duramente castigado pela repressão das greves e do movimento político (prisões em massa, perseguições aos grevistas inscritos nas “listas negras” da polícia e dos patrões);
  3. as massas trabalhadoras foram para o movimento democrático iludidas na burguesia liberal e confiantes no apoio da Inglaterra e EUA, começando a perder as ilusões a partir de 1947;
  4. após a grande greve de Julho de 1943 e as manifestações que a acompanharam, quando a vanguarda operária começou a procurar a via da violência contra a repressão, o partido não a orientou nesse sentido, dissolveu os GACs e insistiu pela repetição anual das greves apesar da experiência mostrar que a arma da greve não podia ser usada sob o fascismo do mesmo modo que sob a democracia burguesa;
  5. desligação entre o Partido e a vanguarda operária que pressente o oportunismo da Linha da Unidade.

15. Depois do fugaz ascenso de 1945-46, o movimento democrático, em vez de se orientar no caminho dos choques armados e da luta pelo poder, desagrega-se e entra em declínio. A burguesia liberal que dirige o MUD é obrigada a abandonar as ilusões na acção legal e nas eleições; perante a onda de repressão de princípios de 1947 (demissões de professores e funcionários, incidentes na Universidade, prisões, desarticulação do MUD e do MUD Juvenil), os políticos liberais lançam-se no golpe militar (Abril de 1947); após o fracasso deste, começam a intrigar nas altas esferas para tentar desagregar o regime, e a hostilizar o Partido e o movimento operário. A apresentação da candidatura do general Norton de Matos à presidência da República faz-se em plena crise da Unidade, com o MUNAF praticamente inexistente e uma aguda luta interior no MUD.

16. A noção de que o proletariado e o Partido estão a ser utilizados pela burguesia liberal faz surgir no C.C. uma corrente que se esforça por rectificar os erros principais da linha da Unidade.

O Avante critica em 1948 os “falsos democratas” e alerta os trabalhadores contra as manobras destes; o Partido tenta disputar tarde demais a direcção do MUD e da candidatura de Norton de Matos aos liberais; são expulsos elementos titistas e social-democratas que formavam a extrema-direita do Partido (Piteira Santos, Mário Soares, Antonino de Sousa, etc.).

Por fim, na reunião do C.C., de Janeiro de 1949, Militão Ribeiro critica, embora de maneira incompleta, a linha da Unidade: o movimento democrático deve seguir uma orientação proletária revolucionária, no interesse de todo o povo, e não uma orientação oportunista, favorável à burguesia pequena e média; os comunistas não têm que se prosternar diante dos democratas burgueses, mas impulsionar sem limites o movimento de massas O informe de Militão Ribeiro inicia o período em que a direcção do Partido procura rectificar a linha oportunista do 2° Congresso ilegal.

17. O ano de 1949 é um ano difícil para o movimento operário português. O movimento democrático unitário, em que se tinham posto tantas esperanças, vem a morrer com a desistência da candidatura de Norton de Matos. O governo procede tranquilamente à burla eleitoral perante o desinteresse das massas. Logo em seguida, a polícia aplica um tremendo golpe ao Partido, prendendo Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro membros do Secretariado assim como outros militantes responsáveis, e assaltando uma tipografia. O movimento do massas chega a um dos seus pontos mais baixos: apatia, incerteza, desmoralização. A unidade rompe-se, o MUD desaparece, os políticos liberais, como Cunhal Leal e Norton de Matos, passam-se para o anticomunismo. 1949 é também o ano em que Portugal entra no bloco da NATO, consagrando a reabilitação de Salazar perante o bando imperialista americano-inglês. Tudo isto impõe uma revisão à linha geral do Partido elaborada pelo 2.º Congresso ilegal. É a tarefa a que se vai lançar o Secretariado, agora encabeçado por José Gregório.

18. A primeira tarefa do Secretariado, contudo, é deter a ofensiva policial que ameaça destruir o Partido. Dezenas de militantes clandestinos são engolidos pela repressão nos anos de 1949-50; além de Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro (este morreu na Penitenciaria um ano após a prisão), Manuel Rodrigues da Silva, António Dias Lourenço, José Moreira (assassinado na sede da PIDE), José Magro Joaquim Campino, José Maria do Rosário, Sofia Ferreira, José Martins, etc.. Organizações regionais inteiras são destroçadas no Minho, Algarve, Alentejo, Lisboa Oeste. Muitos elementos que tinham vindo ao Partido na fase do ascenso político por oportunismo, lançam-se na debandada, aterrados pela repressão; certos militantes responsáveis, ao serem presos, passam-se para o inimigo como Mário Mesquita, Mendonça, etc.. Um membro do C.C., Manuel Domingues, suspeito de espionagem e provocação, é expulso do Partido (aparece morto em seguida).

O Secretariado defendeu o Partido limpou a organização de elementos inseguros ou incapazes que tinham sido admitidos no período da Unidade, e em 1951 acabou por suster a ofensiva da polícia. O Partido, agora muito reduzido em efectivos e circunscrito à margem sul do Tejo, a certas zonas do Alentejo e região de Lisboa (onde aliás a organização operária é quase inexistente) está em condições de retomar a acção.

19. O Comité Central do Partido está reduzido a 5 membros efectivos – José Gregório (“Alberto”), J. Pires Jorge (“Gomes”), Manuel Guedes (“Santos”), Júlio Fogaça (“Ramiro”), Sérgio Vilarigues (“Amilcar”) – e um membro suplente Octávio Pato (“Melo”), jovem empregado que passara à clandestinidade no fim da guerra. Um outro membro suplente do C.C., o escritor Pereira Gomes, morre na clandestinidade em 1950. Do antigo aparelho clandestino restavam Américo Sousa, Pedro Soares, João Rodrigues, Cândida Ventura, Manuel Rodrigues da Silva, a que se juntam militantes de formação mais recente, como os operários Jaime Serra, Joaquim Gomes dos Santos, José Vitoriano, os estudantes Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Carlos Costa, etc.. A direcção do Partido perde, entretanto, Manuel Guedes, preso em 1952.

A necessidade de garantir a unidade do Partido num período difícil, e de manter uma elevada vigilância conspirativa e política levam à concentração do controle e da iniciativa nas mãos do Secretariado. Essa centralização evitou a destruição do Partido mas tendo levado por vezes longe demais a depuração do Partido, tenda sufocado a luta de ideias nos organismos partidários tendo criado um clima dogmático, o Secretariado veio a entravar a recuperação política do Partido e o seu amadurecimento ideológico no período de 1951-55.

20. A experiência que o Partido recolhera da linha da Unidade, coincidindo com a intensificação da luta contra o reformismo e o oportunismo de direita no movimento comunista internacional a partir do 1948 (resolução do Cominform contra o titismo), levam o Secretariado a conduzir, sob a direcção de José Gregório e pela primeira vez na vida do Partido, uma campanha sistemática contra as tendências direitistas.

Em 1951, o Secretariado retoma a crítica contra a plataforma de transição insistindo no carácter liquidador dessa corrente e exigindo a Júlio Fogaça, João Rodrigues e outros novas autocríticas que são tornadas públicas. Em 1953 são expulsos Gilberto de Oliveira e Gabriel Pedro por defenderem posições direitistas. Em 1954, a 5.ª reunião ampliada do C.C. destroça uma facção direitista que se começara a formar no C.C. em torno de João Rodrigues, com o apoio de Cândida Ventura e “Montes” e cujo objectivo era dissolver o MND (Movimento Nacional Democrático), organização progressista que o Partido ajudara a criar em 1949, após a falência do MUD, para restabelecer a linha da Unidade com a burguesia liberal. João Rodrigues é expulso do Partido.

Esta vigilância contra a direita foi, contudo, comprometida pelo chamamento ao Secretariado em 1952 (?), de Júlio Fogaça, apesar de este ter demonstrado pela sua autocrítica que não superara as suas ideias ultra-oportunistas do Tarrafal: fustigando a sua própria “presunção” e “desconhecimento das condições objectivas”, Fogaça em momento nenhum admitiu claramente que o fundo da “política de transição” era entregar o movimento operário e o Partido ao controle da burguesia liberal. Nestas condições, a integração de Fogaça no Secretariado foi um erro que veio a ter consequências graves para o Partido.

21. Na consolidação ideológica do Partido nesta fase, desempenharam importante papel as reuniões ampliadas do C.C.. A principal é a 5.ª reunião ampliada que aprova o primeiro projecto de programa do Partido; este projecto (que nunca chegou a transformar-se em programa, devido a nova viragem direitista do Partido em 1955-56, tem uma grande importância: nele o Partido formula pela primeira vez urna linha estratégica geral, apontando o objectivo da democracia popular com a expropriação do capital financeiro, dos latifundiários e dos imperialistas, reforma agrária, independência das colónias; dentro desta perspectiva estratégica o projecto de programa de 1954 indica às massas a via da insurreição popular armada e alerta-se contra as inconsequências e traições da burguesia liberal.

Ao mesmo tempo, a 5.ª reunião ampliada do C.C. atende às necessidades tácticas, propondo uma plataforma de unidade antifascista, em que define as condições em que está disposta a colaborar com os agrupamentos liberais para a acção imediata. Noutras reuniões, a direcção do Partido esboça (só no plano da propaganda) uma aproximação do campesinato, retoma a formação de jovens comunistas que fora abandonada pelo segundo Congresso ilegal, eleva a vigilância conspirativa de todo o Partido.

No conjunto, as reuniões ampliadas do C.C. do período de 1950-54 lançaram as bases para sanear ideologicamente o Partido. As suas falhas principais foram:

  1. não ter feito uma crítica sistemática e aberta ao desvio oportunista da Unidade;
  2. não ter chamado o trabalho camponês ao lugar que lhe cabia na actividade do Partido;
  3. não ter estudado as vias de preparação da insurreição popular;
  4. não ter fundamentado a definição da revolução democrática popular numa analise da luta de classes nacional e internacional.

Por essas falhas puderam voltar a infiltrar-se na direcção do Partido as tendências direitistas.

O Secretariado desenvolveu ainda neste período um esforço para a elevação ideológica do Partido, que contrasta com o praticismo anterior. Foi também difundido neste período a defesa de Álvaro Cunhal, a qual, embora denunciando a política de traição da camarilha governante perante o imperialismo, insiste no carácter nacional do Partido, segundo a linha da Unidade.

22. O Partido lutava com grandes dificuldades para restabelecer a sua ligação com o proletariado: muitos operários haviam perdido a confiança na natureza de classe e nos objectivos do Partido; o movimento de massas atravessava um período de fraca actividade o esforço para transformar os “sindicatos nacionais” em órgãos legais da classe operária fora varrido pela onda de prisões, demissões e suborno de dirigentes que levou a perder as posições conquistadas em 1946-48; por outro lado, o aparelho de vigilância da PIDE nas fábricas tornava-se mais eficaz.

Apesar disso, o Partido esforça-se por conduzir as reivindicações diárias do proletariado, criando lentamente novos focos de organização operária, sobretudo na Outra Banda. No Alentejo, onde o movimento económico do proletariado rural conhece um ascenso, o Partido populariza de novo O Camponês, alarga a organização, forma militantes e obtém êxitos políticos, conduzindo as greves das ceifas em 1952, 1953, 1954 (assassinato de Catarina Eufémia).

O Partido restabelece também algumas organizações de empregados e intelectuais, aproveitando o MUD Juvenil, retoma a formação de jovens comunistas, que fora abandonada pelo 2.º Congresso ilegal. Mas, a não ser nalgumas zonas do Alentejo, não consegue voltar a estabelecer uma sólida ligação entre o aparelho clandestino e a base proletária, Em Lisboa, centro proletário de largas tradições, as células do Partido nas fábricas ou não existem ou são pequeníssimos núcleos isolados da massa. Em Almada, Barreiro, Marinha Grande, Covilhã, existem células operárias, mas com fraca vitalidade. O definhamento do Partido como organização operária, a mudança da sua natureza de classe, embora momentaneamente travada prossegue lentamente.

23. O aspecto mais saliente na rectificação empreendida pelo Secretariado consiste em ter procurado chamar as massas populares a uma actividade política independente da burguesia liberal, impulsionando para isso a criação de organizações progressistas livres da influência dos políticos liberais: o MND (Movimento Nacional Democrático) e o Movimento de Defesa da Paz, além do MUD Juvenil que se reorganizava como um movimento clandestino.

A movimentação popular contra as burlas eleitorais de 1951 (a candidatura de Rui Luis Gomes) e de Outubro de 1953 (“eleições de deputados”), embora com uma participação de massas reduzida, faz-se em conflito aberto com os políticos liberais que tentavam de novo servir-se do Partido e dos trabalhadores para a sua política de pressão sobre a ditadura. No apoio à campanha mundial dos povos contra a agressão americana na Coreia, contra as armas atómicas e contra o imperialismo americano, o Partido consegue certos êxitos, sobretudo na mobilização da juventude. Também em 1954 quando se intensificava a luta do povo indiano pela libertação de Goa, o Partido e o MND tomaram uma posição internacionalista correcta.

24. As dificuldades políticas deste período, caracterizado pela pausa no movimento de massas (e pelo clima de anticomunismo histérico da “guerra fria”) acentuam-se por a direcção do Partido ter cometido alguns sérios erros:

  1. atacava os políticos liberais como “lacaios do fascismo e do imperialismo” em vez de mostrar que a sua duplicidade reflectia as contradições próprias do capital não monopolista; com este género de ataques o Partido incapacitou-se para aproveitar as tendências positivas da corrente liberal e neutralizar as suas tendências negativas;
  2. pretendia impor ao governo fascista a legalidade do MND e MNDP sem existir uma base de massas que o tornasse possível; daí o declínio dessas organizações, varridas por ondas de prisões, tendendo a enconchar-se no sectarismo, estranguladas por uma legalidade que não podem impor;
  3. pretendeu conduzir a campanha pela Paz à base de recolhas de assinaturas, moções públicas, etc., como nos países de democracia burguesa, facilitando a repressão e provocando o retraimento dos partidários da Paz;
  4. comprometeu as posições do Partido em diversas associações de massas, por pretender forçar os limites da legalidade, sem existir um movimento do massas em que se apoiar.

A falta de flexibilidade política, o dogmatismo da direcção do Partido, somando-se as dificuldades políticas deste período, criaram um clima de sectarismo que manteve o Partido isolado das massas trabalhadoras.

25. Características deste período — O desenvolvimento do capitalismo durante a guerra origina um acentuado crescimento do proletariado fabril. A classe operária enriquece a sua experiência de luta sob a ditadura fascista com o movimento grevista de 1942-47, que chama às primeiras filas da luta de classe milhares de trabalhadores.

O Partido Comunista reconstituído em 1940 torna-se o organizador e o dirigente reconhecido do proletariado e uma importante força política, sob a direcção de Álvaro Cunhal, José Gregório, etc.. Contudo o movimento democrático da pequena burguesia repercute-se sobre o movimento operário e no interior do Partido, gerando nele uma corrente oportunista de direita representada por Álvaro Cunhal, além da corrente ultra oportunista e liquidadora da transição, surgida no Tarrafal O oportunismo dentro do Partido compromete o seu vigor revolucionário, contém o movimento de massas no plano pacífico, reduzindo-o ao papel de força de pressão e acabando por torná-lo (1948) um apêndice do movimento democrático burguês. Assim o movimento popular antifascista esgota as suas energias em 1948-49 sem chegar a uma confrontação directa com a ditadura.

O refluxo do movimento de massas, os severos golpes policiais sobre o Partido e o rompimento da unidade antifascista provocam uma séria crise no movimento operário. O Partido sob a direcção de José Gregório e outros consegue sobreviver aos assaltos do inimigo e inicia a rectificação do desvio oportunista de direita, embora com vários erros dogmáticos e sectários.

V – A nova estrutura do proletariado e a degeneração revisionista do partido (1955-1966)

1. Depois de 1950, a modernização e concentração capitalista aceleram-se, impulsionadas pela penetração do imperialismo. O capitalismo português começa a passar decididamente da indústria manufactureira para a indústria moderna, assente na maquinaria e no trabalho qualificado (metalurgia, química, material eléctrico, construção naval, automatização da têxtil, etc.). A classe operária dá novo salto em frente e torna-se a maior classe do país, com um milhão em 1960, dos quais meio milhão (?) trabalham em fábricas médias e grandes.

Este movimento revoluciona os quadros tradicionais em que evoluía o movimento operário:

  1. as zonas industriais são invadidas por grandes massas camponesas, que fazem lentamente a aprendizagem da vida diária na fábrica;
  2. a “produtividade’, o trabalho a prémio e a multiplicação das categorias, lançam a concorrência e a divisão entre os operários;
  3. elevam-se os contingentes operários especializados e relativamente bem pagos (“aristocracia operária”), que se tornam focos de reformismo no seio do proletariado;
  4. uma massa muito grande de empregados comerciais e de escritório rodeia o proletariado e pressiona-o com o seu nível de vida mais desafogado e com a sua ideologia pequeno-burguesa.

Isto provoca nos centros tradicionais do proletariado avançado (Marinha Grande, Almada, Barreiro, Lisboa, Covilhã) uma crise de adaptação e uma certa dispersão da vanguarda operária, que ainda se agrava mais por efeito da viragem direitista no Partido e no movimento comunista internacional.

2. Cerca de 1954, o movimento de massas do proletariado começa a animar-se em torno da luta contra a “campanha da produtividade”; depois de 1957, estende-se a várias regiões a acção operária por aumento de salários, conseguindo cerca de 1959-60 uma actualização de todos os salários. As comissões de fábrica semilegais, as exposições, as concentrações, as paralisações, são as formas em que se apoia o movimento económico e servem de escola a largas massas operárias inexperientes. A utilização dos “sindicatos” continua a declinar, excepto no Norte que, nesta e noutras formas de acção, começa a despertar para o movimento organizado.

A greve surge geralmente nos sectores proletários que ainda a não experimentaram: tecedeiras da Empresa Fabril do Norte (1950); salineiros de Alcochete, 1957; pescadores, 1959, 1961; mineiros de Aljustrel, 1961.

Quanto ao proletariado rural do Sul, depois do auge de 1952-54, que o pusera à cabeça do movimento de massas, entra numa fase de maior combatividade, devido ao começo da mecanização nos campos e à emigração para a zona industrial Almada-Barreiro.

3. O Partido reconstituía pouco a pouco a sua direcção central e o seu aparelho clandestino. São presos entre 1953 e 1955, Joaquim Gomes dos Santos, José Vitoriano, Rogério de Carvalho, Pedro Soares, Américo Sousa, Jaime Serra; mas evadem-se sucessivamente Dias Lourenço, Pedro Soares, Joaquim Gomes dos Santos, Américo Sousa, Jaime Serra, Guilherme de Carvalho, libertado, reintegra-se na actividade, formam-se alguns novos militantes, entre eles os operários José Carlos e Joaquim Carreira.

Os excessos sectários e dogmáticos eram corrigidos. Apesar da burocratização que invade o aparelho do Partido, separado das grandes massas, este consegue pela condução da luta económica, restabelecer algumas pequenas organizações operárias em Lisboa, Almada, Marinha Grande, no Porto (pela primeira vez). A tiragem do Avante volta a aumentar.

O Partido tinha ainda condições para restabelecer os laços com as massas trabalhadoras e retomar a direcção política do movimento operário.

4. Em 1955, José Gregório, membro do Secretariado, é afastado por doença (vem a morrer em 1961 na Checoslováquia sem ter voltado a intervir no trabalho de direcção do Partido). A corrente direitista no C.C. que nunca fora desarticulada, começa a manifestar-se com mais energia. O novo despertar do movimento liberal burguês, as divisões que surgem no campo fascista, a atenuação do clima de “guerra fria”, os sintoma de mudança na URSS depois da morte do Staline (visita de Krutchev e Bulganine à Jugoslávia em 1955), tudo reforça a corrente díreitista.

A 6.ª reunião ampliada do C.C., 1955 (informe político de Vilarigues, informe de organização de Pires Jorge) é realizada sob o lema da luta contra o sectarismo, pela necessidade de uma larga acção do massas e do aproveitamento das associações legais. Mas, atacando em bloco a linha política seguida desde 1950, fazendo silêncio sobre o projecto de Programa, descurando a vigilância sobre os liberais, levantando de novo o objectivo da “unidade de todos os anti-salazaristas sem distinção”, a 6.ª reunião ampliada é um primeiro passo para a direita.

5. Em Fevereiro de 1956 realiza-se o XX Congresso do PCUS. A corrente direitista no C.C. acolhe com entusiasmo as novas teses que não só a reabilitam completamente como lhe vêm dar grande autoridade (linha geral da coexistência pacifica, possibilidade de passagem pacífica e parlamentar ao socialismo, unidade com os social-democratas, condenação do “culto de personalidade” de Staline).

A viragem direitista que se desenhava precipita-se. Em Abril de 1956 o C.C. do Partido lança um manifesto proclamando a “possibilidade de solução pacífica do problema político português“. A tese da “solução pacifica” era lançada para estimular o movimento liberal burguês e explorar as divisões no campo fascista, com vistas às “eleições” que se aproximavam. Com a “solução pacífica” o Partido priva o proletariado e as massas populares da perspectiva da insurreição armada, esperando em troca facilitar a desagregação da ditadura e a liberalização do Estado burguês. Isto equivale a pôr em pratica a “política de transição” proposta em 1944.

6. Fogaça e Pedro Soares, em carta ao C.C., de Maio de 1956, consideram a viragem insuficiente e propõem:

  1. que o Partido trabalhe por organizar a classe operária dentro dos “sindicatos” (tornar-se-ia assim uma força de pressão eficaz, sem ameaçar subverter a ordem);
  2. que o Partido cesse os ataques em bloco à Assembleia Nacional, Legião e outros órgãos fascistas, de modo a facilitar a decomposição destes;
  3. que o Partido declare a sua disposição de disputar as “eleições” em quaisquer condições, para assim estimular os descontentes a lançarem-se na luta “eleitoral”.

O C.C. não aprova estas medidas extremas, que acabariam de liquidar a sua influência entre os trabalhadores, mas o movimento para a direita continua a acentuar-se. No decurso de 1956, alegando a fraquíssima influência do MND e MUDJ, o C.C. decide a sua dissolução.

7. Entretanto, realiza-se em 1957 o chamado “V Congresso” do Partido (na realidade o I Congresso revisionista), consagrando a liquidação do Partido com a aprovação de um novo Programa que reflecte a brusca viragem à direita (sem a mínima referência ao Projecto anterior) e omite todas as questões fundamentais: a via de insurreição antifascista, a preparação do proletariado para a conquista do poder, a questão camponesa, carácter da revolução. O Programa é o compromisso de que o Partido não tentará fazer a revolução e facilitará a evolução.

Para conservar a influência sobre as massas, o Programa defende a nacionalização dos monopólios, a Reforma agrária, a expulsão do imperialismo, e a libertação das colónias, medidas que são impossíveis sem o estabelecimento da ditadura popular.

O informe de organização, de Dias Lourenço, e os Estatutos aprovados pelo Congresso animam o liberalismo e as tendências aventureiras em questões de organização, de acordo com a perspectiva da desagregação da ditadura a curto prazo. Seguindo na esteira do XX Congresso, o C.C., concluíra que tinha havido o “culto” do Secretariado, e faz pressão para a liberdade de tendências no C.C.. Esta corrente liberal e aventureira reflecte-se na composição do Congresso, a que são chamados muitos elementos sem experiência nem capacidade política, o que vem a causar graves prejuízos no Partido.

8. A necessidade de multiplicar as acções de massas ao serviço da desagregação do regime leva o Partido a degradar a orientação do movimento de massas. O Avante, o Militante, o Camponês, e os novos jornais de classe Corticeiro e Têxtil fecham a acção operária numa perspectiva económica de tipo sindicalista. Para estimular os trabalhadores exagera-se o alcance real das acções diárias nas fábricas, vêem-se vitórias em toda a parte, ocultam-se as derrotas, abandona-se o estudo objectivo do movimento de massas. Acenando com as vantagens económicas da luta reivindicativa, afastando o proletariado da ideia de que a luta económica vale só como escola primária da união e organização de grandes massas proletárias, de modo a prepará-las para a luta pelo poder, o Partido fomenta as ilusões reformistas entre a classe operária.

A campanha pelo salário mínimo diário de 100 escudos lançada pelo C.C. em 1957 (e depois abandonada pelo seu absurdo) é uma expressão deste esforço para canalizar a acção operária para o campo económico.

Ao mesmo tempo o Partido desenvolve activa campanha para arrastar os trabalhadores para os Sindicatos Nacionais, convencendo-os que aí se podem obter grandes vitórias; tentando vencer a relutância geral, o Militante afirma que “os dirigentes sindicais, sendo de origem operária, não podem manter-se indiferentes às reclamações dos trabalhadores” (artigo de Jaime Serra).

9. Os núcleos de operários avançados, que já tinham recebido com hostilidade a linha do XX Congresso (sobretudo os ataques a Staline, que para eles personificava a ditadura do proletariado), afrouxam mais ainda os seus laços com o Partido. Sem confiança no Partido, sem uma linha revolucionária, atravessando uma fase de reestruturação, a vanguarda operária desorganiza-se e fracciona-se em pequenos grupos sem uma orientação definida. Na zona de Almada tendem a renascer as tendências anarquistas, como reacção ao oportunismo e ao pacifismo.

O Partido continua, através da sua propaganda antifascista e da condução da luta económica a manter a ligação com os sectores operários, mas a sua base desloca-se da vanguarda para as camadas intermédias mais influenciáveis pela linha reformista. Os activistas na maioria das organizações locais do Partido são agora elementos de origem burguesa ou elementos operários reformistas. Os novos quadros operários rareiam, as células de fábrica não têm vida política e decompõem-se, os poucos militantes operários promovidos neste período revelam-se como carreiristas e aventureiros que, ao ser presos, se vendem à policia (J. Marinho, membro do C.C., Amador e José Miguel, suplentes do C.C., Malaquias, Candeias, etc.).

10. A prosperidade dos novos grupos financeiros apoiados na indústria e associados ao imperialismo (Champalimaud, B. Português do Atlântico, CUF, Banco Borges), a decadência do latifundismo, a recomposição geral da classe burguesa, provocam a partir de 1955 uma crise de readaptação e instabilidade na burguesia, que se manifesta no movimento democrático dos estudantes e dos intelectuais (1956-57), na reestruturação da corrente liberal, que forma a Acção Democrato-Social, no aparecimento duma oposição católica (manifestada no Congresso da JOC, nos debates azedos que se travam no Congresso da União Nacional (1956) e na Assembleia Nacional e, por fim, na cisão de individualidades do regime como o general Humberto Delgado.

À medida que este movimento de oposição burguesa toma corpo, ele desperta, como em 1945-47, uma grande onda de ilusões entre as massas trabalhadoras, que se lançam na acção política, em apoio do movimento de liberalização; e duma maneira ainda mais acentuada do que em 1945-47, a corrente direitista que controla Partido alinha atrás do movimento democrático- burguês, em vez de ajudar o proletariado a emancipar-se, através da acção, da influência burguesa e a orientar-se no sentido da revolução.

11. A direcção do Partido foi lograda pelos liberais nas “eleições de deputados”, de Outubro de 1957; a ADS, desinteressada de concorrer, aproveitou a expectativa do Partido para desistir à última hora, impedindo a organização de candidaturas e de quaisquer movimentos de massas. Isto levou o Partido a criticar os liberais e a tentar recuperar um pouco a iniciativa, apresentando a candidatura progressista de Arlindo Vicente às “eleições” presidenciais de 1958.

Entretanto, surgia a candidatura do general Delgado, que, apesar das suas posições conservadoras, desencadeou uma corrente de entusiasmo popular. Centenas de milhares de trabalhadores urbanos e elementos da pequena burguesia foram arrastados pela perspectiva do golpe militar iminente e viam no general o seu salvador. A campanha de propaganda é uma sucessão de grandes manifestações de rua (mesmo nas regiões tradicionalmente afastadas da luta política), que tendem a endurecer perante a repressão.

Ao mesmo tempo, a candidatura de Arlindo Vicente, apesar das suas reivindicações sociais, que lhe deram o apoio dos trabalhadores no Alentejo e Margem Sul, toma uma direcção moderada, hesitante e pacifista, impedindo a coesão da corrente revolucionária do proletariado. O Partido começa de novo a ficar na retaguarda do movimento.

12. Quando os trabalhadores começam a apedrejar a polícia nas ruas (Lisboa, Almada, Aljustrel, Olhão), o Partido não esboça qualquer acção no caminho da violência. Dentro da sua linha de fazer do proletariado a força de pressão do movimento, organiza sessões, agitação escrita, comissões, mas não vai além disso. A assembleia operária que reúne legalmente em Lisboa cerca de 300 delegados operários e formula diversas reivindicações está muito em atraso sobre as exigências da situação. O Partido não aproveita a ocasião para formular as reivindicações revolucionárias do proletariado e campesinato, a fim de não prejudicar a Unidade.

A unificação das candidaturas, feita mediante algumas declarações vagamente democráticas de Delgado, reforça a expectativa geral no golpe militar. E quando, após a burla eleitoral, o movimento liberal revela a incapacidade revolucionária que lhe é própria e não consegue sequer desencadear o golpe, o Partido fica desarmado e, como única forma de protesto, propõe um dia de luto.

Em Julho, quando se torna evidente que o movimento burguês se malogrou e que o Partido não tem uma linha própria, alguns sectores proletários mais avançados da zona de Almada lançam-se na greve de protesto contra a burla eleitoral; é a primeira greve política sob a ditadura fascista. Mas o apoio tardio e inseguro do Partido, o ambiente geral de derrota entre as massas, levam a greve a extinguir-se sem consequências, depois de se ter propagado a algumas fábricas de Alhandra.

13. Na reunião da Comissão Política do C.C. (Agosto de 1958), Jaime Serra apresenta um informe em que procura justificar a linha da “solução pacífica” e os graves erros cometidos pela direcção do Partido nos meses anteriores. Pretende desculpar a expectativa do Partido com o argumento de que, se se tivesse dito antecipadamente às massas que as eleições iam ser uma burla, ter-se-ia cortado o seu entusiasmo; isto confirma que o objectivo do Partido era usar a classe operária como força de pressão e não levá-la a tomar a direcção consciente do movimento antifascista.

Após esta reunião, o Partido fez esforços frenéticos para conjugar de novo o movimento de massas com o movimento liberal burguês, seguindo umas vezes a táctica da pressão, outras a do seguidismo; explora o movimento económico, tentando conduzi-lo à greve, mas sem êxito, a não ser no Couço, onde os trabalhadores rurais acompanham a greve com acções espontâneas de sabotagem; fomenta a criação dum novo organismo unitário, a Junta Nacional de Libertação (JNL), cuja actividade é reduzida, devido ao afastamento da Acção Democrato-Social (liberais), de momento desinteressada da colaboração com o Partido; lança uma vasta campanha de assinaturas pela demissão de Salazar; apoia o projectado golpe militar de Maio de 1959, para o qual se propõe fornecer combatentes embora não intervenha na sua direcção; agita a ideia duma “jornada nacional pacífica” pela demissão de Salazar, que cai no meio da indiferença popular.

À medida que o movimento de massas decresce, a direcção do Partido acentua a sua dependência para com a oposição burguesa: ora apela para a “união dos portugueses honrados” a fim de “poupar mais sofrimentos ao nosso povo”, ora tenta assustar os grupos burgueses com o espantalho da revolução, caso não actuem rapidamente (manifesto de Julho de 1959), ora pede aos operários que, para facilitar a “solução pacifica”, dirijam a luta económica principalmente contra o governo e não contra os capitalistas (artigo de Dias Lourenço, “Acerca da solução pacífica”, 1959).

14. O Partido decompõe-se também no campo orgânico. As organizações operárias locais esboçadas no decurso da agitação política desagregam-se logo que os operários se apercebem da política de colaboração de classe e de pacifismo seguida pelo Partido. Os sectores operários que permanecem ligados ao Partido são os que estão mais amarrados às tendências reformistas. Aventureiros e carreiristas sem consciência de classe são chamados a cargos responsáveis apenas porque são de origem operária, para darem crédito ao Partido entre os trabalhadores (J. Marinho, Amador, José Miguel etc.). No Secretariado, a confusão ideológica, a tolerância com as correntes e grupos, o liberalismo, a anarquia e as rivalidades pessoais criam o perigo de cisão iminente no C.C.. O partido clandestino torna-se mais vulnerável à medida que o rigor conspirativo se dilui. A traição de J. Marinho provoca a prisão de Jaime Serra, Joaquim Gomes, Pedro Soares, a perda duma tipografia, etc. (Dezembro de 1958). São também presos Guilherme de Carvalho, Alda Nogueira, Sofia Ferreira, Rogério Carvalho, Carlos Aboim Inglês, etc. (Blanqui Teixeira, preso em 1957, evade-se no ano seguinte). O Partido corre o risco de se desagregar novamente.

15. A evasão de Peniche (Janeiro de 1960) restabelece temporariamente a situação do Partido, reintegrando um grupo de dirigentes, entre os quais sobressai Álvaro Cunhal, e que inclui Jaime Serra, Joaquim Gomes, Pedro Soares, Guilherme Carvalho. O prestígio de Cunhal, após 11 anos de prisão, a autoridade que resulta de não ter estado envolvido na linha ultra-direitista, permitem-lhe conduzir um trabalho de consolidação do aparelho dirigente em risco de desagregação: põe termo às tendências fraccionistas e liberais no C.C., restabelece a autoridade do Secretariado, impulsiona o retorno às normas do centralismo democrático (Relatório “A tendência anarco-liberal no trabalho de direcção”, aprovado na reunião do C.C., de Dezembro de 1960). No relatório “Ensinamentos duma série de traições”, critica a invasão do carreirismo e liberalismo na promoção dos quadros e defende ,o revigoramento da firmeza na PIDE.

Apesar de sofrer em 1960 três baixas no quadro dirigente (Francisco Miguel, Júlio Fogaça e Cândida Ventura) e uma outra em princípio de 1961 (Guilherme Carvalho), o Partido recupera a unidade da direcção e alarga a capacidade política. Para isso contribui principalmente a rectificação da linha política, conduzida por Cunhal.

16. A reunião do C.C., de Março de 1961, aprova o relatório de Cunhal sobre “o desvio de direita nos anos 1956-59” e uma declaração política restabelecendo a linha do levantamento nacional. Elege também Álvaro Cunhal secretário-geral do partido.

O relatório sobre “o desvio de direita” critica a sucessão de cedências e desvios ultradireitistas de 1956-59 expressos na linha da “solução pacífica”, e nomeadamente, a crença na desagregação do regime, a expectativa no putchismo, a consigna da “jornada nacional pacífica”, o ultra-oportunismo sindical; mostra que a linha da “solução pacífica” era uma reedição da “política de transição” condenada pelo 2.º Congresso ilegal e acusa-a de pôr o movimento operário ao serviço da burguesia oposicionista; critica além disso publicamente Fogaça e Pedro Soares (de forma bastante moderada e conservando-os no C.C.). Fogaça é expulso pouco depois por questões morais.

A declaração política condena o pacifismo e as “tendências terroristas” como igualmente prejudiciais ao movimento democrático e define o levantamento nacional como a conjugação dos “oficiais patriotas” com o movimento de massas “em que uma greve geral política poderá ter importante papel”.

17. A reunião de Março de 1961 põe termo ao aventureirismo ultra-oportunista de 1956-59, que ameaçava liquidar a influência do Partido. Contudo ela está muito longe de ser uma viragem no sentido do marxismo-leninismo e da defesa dos interesses revolucionários da classe operária. Nenhum dos problemas vitais do Partido é abordado: restabelecimento da ligação com o proletariado, questão camponesa, deturpação do carácter da revolução, preparação das massas populares para a insurreição antifascista, aliança de combate com os povos das colónias.

A reunião tem mesmo um carácter direitista acentuado quando condena as tendências para a violência que começam esboçar-se nas massas. Na realidade, a rectificação política de 1960-61 visa restabelecer a débil capacidade de mobilização de massas do Partido para poder exercer uma pressão mais eficaz sobre a burguesia liberal mas nada contém que permita ao partido retomar o seu lugar de direcção revolucionária do proletariado. A rectificação de 60-61 é um reajustamento da táctica ao serviço da política reformista.

18. O facto de a direcção do Partido condenar o pacifismo, o oportunismo e de afirmar a perspectiva geral do levantamento armado, põe em marcha forças sãs existentes no Partido e obriga a retrair temporariamente os elementos direitistas. Em certos sectores operários estabelece-se a ideia de que o Partido vai enveredar por um caminho revolucionário, há um movimento de aproximação do Partido, elementos da base tomam a iniciativa de executar um traidor (J. Miguel, 1961).

No aparelho dirigente forma-se um movimento entre os elementos mais jovens de aproximação do marxismo: estudo da luta de classes e do carácter da revolução, estudo da questão camponesa, crítica à política de aliança operário-burguesa, combate ao praticismo; é editado o Manifesto Comunista e outros textos; prepara-se a reconstituição da Juventude Comunista, sob a direcção de Carlos Costa.

No esforço para encontrar as raízes do desvio ultra-oportunista de 1955-59, certos elementos como Francisco Rodrigues começaram a pôr em causa a linha tradicional da “Unidade”.

Mas esta corrente que começava a esboçar-se não tem continuidade. Álvaro Cunhal e o grupo dirigente que o cerca (em que se destacam Pires Jorge, Octávio Pato, Sérgio Vilarigues, Dias Lourenço, Blanqui Teixeira, Joaquim Gomes, Alexandre Castanheira), após terem pago o tributo à esquerda e recuperado o crédito, recomeçam a política de direita.

19. A linha política é dominada por um novo esforço de Unidade, com vistas às “eleições de deputados”. A linha de 1956-59, dirigida para a atracção dos fascistas descontentes, tinha levado o Partido a descurar a aliança com a ADS; Cunhal procura reconstituir um organismo unitário com os liberais, reatando a tradição do MUD e para isso toma diversas iniciativas: publicação de documentos apelando para a Unidade, entre eles “Unidade, tarefa central da hora actual”; orientação do Partido para conversações em todos os escalões com os políticos liberais (Maio de 1961); reconciliação com elemento titistas e social-democratas como Piteira Santos, que servem de intermediários na aproximação aos liberais; e por fim, a criação da Junta Patriótica (1961).

O seguidismo mais uma vez coloca o Partido à mercê dos políticos liberais, pouco interessados na apresentação de candidaturas por recearem que desencadeiem acções de massas. Perante a ameaça de se repetir uma situação semelhante à de 1957, a direcção do Partido procura apressadamente retomar a iniciativa (reunião do C.C. em Setembro de 1961) e consegue a apresentação de candidaturas para as “eleições de deputados” nalguns distritos; contudo, nenhuma crítica é feita à continuação do oportunismo de direita.

20. Entretanto, a corrente revisionista internacional, chefiada pelos dirigentes da URSS, abria fogo contra a oposição marxista-leninista do P.C. da China e do P. Trabalho da Albânia (reunião de Bucareste, Junho de 1960); iniciava-se uma ofensiva direitista em grande escala no movimento comunista internacional.

Correspondendo às pressões revisionistas, Cunhal faz publicar o documento “Três problemas da actualidade” (Agosto do 1960), no qual critica o “bonapartismo daqueles que querem fazer triunfar a revolução por meio da guerra”, numa alusão ao PC da China que não é compreendida pelos militantes, porque então se desconhecia ainda em Portugal a situação do movimento comunista. Também desde 1960, Cunhal começa a multiplicar os alertas contra o “esquerdismo” (artigo no Militante) e contra o “terrorismo” (após um quarto de século de acção puramente pacifica contra a ditadura e sucessivos desvios direitistas).

Em 1961 a pressão revisionista internacional intensifica-se. O acolhimento na URSS e nos partidos europeus ao relatório sobre “O desvio de direita nos anos 1956-59” é mais do que reservado; a revista internacional Problemas recusa-se a publicá-lo; os dirigentes revisionistas espanhóis, sentindo-se atingidos pela crítica à “jornada nacional pacífica”, exigem explicações. A degeneração revisionista de Cunhal (que nesse ano se instala na Europa revisionista) amadurece rapidamente. Em Setembro de 1961, apoia as novas teses do XXII Congresso do PCUS (“Estado de todo o povo”, “Partido de todo o povo”) e ataca publicamente a Albânia socialista.

21. Em Fevereiro de 1961 inicia-se a insurreição nacional de Angola; em Agosto de 1960, começara a insurreição na Guiné. As insurreições nacionais nas colónias (que em 1963 se estendem a Moçambique) abrem a crise geral do regime capitalista português, que foi construído e está cimentado sobre a exploração do trabalho escravo. A ditadura atravessa a maior crise política da sua história. Dá-se um movimento de pânico nos meios da burguesia colonialista. Rebentam divergências nos círculos financeiros quanto à condução da política colonial e um grupo tenta opor-se ao começo da guerra (Botelho Moniz, Abril de 1961). Forças da oposição burguesa no exílio desencadeiam o golpe do “Santa Maria”. O Directório Democrato-Social (ADS) realiza uma importante reunião nacional, lança o “Programa para a Democratização da República” e alarga a sua influência política. A agitação alastra nos meios da burguesia oposicionista, entre os estudantes, e, de forma subterrânea, entre as massas trabalhadoras.

22. O começo das insurreições coloniais abriu novas perspectivas revolucionárias ao movimento operário e trouxe novas obrigações ao partido do proletariado. Mas a direcção revisionista de Cunhal, ao mesmo tempo que afirma a sua solidariedade aos povos das colónias e lhes reconhece o direito à independência, procura utilizar o movimento de libertação colonial como mais uma força de pressão sobre a burguesia liberal. Em Março de 1961, o C.C. define a sua linha na questão colonial com um manifesto “unitário” moderado, em que apaga a importância das insurreições armadas; a direcção do Partido hesita em trabalhar pela subversão do exército fascista e toma posições ambíguas numa série de questões (organização militar, agitação contra a guerra, deserções, sabotagem); o esforço para conseguir a unidade em face da guerra leva mesmo o Partido a subscrever um comunicado da Junta Patriótica condenando o “terrorismo de brancos e negros” (Tribuna livre, Setembro de 1961).

O desejo de prestar solidariedade aos povos das colónias sem assustar a burguesia liberal nem pôr em causa a Unidade, leva a direcção do Partido a declarações humanitárias e à expectativa em face dos massacres. Isto acentua a degeneração geral do Partido.

23. A agitação causada pela guerra, a actividade dos grupos do oposição, a confusão e a crise no campo fascista, abrem caminho a um poderoso movimento de massas, que se estende de Outubro de 1961 a Maio de 1962, e tem uma grande importância na evolução do movimento operário.

Durante a campanha para as “eleições de deputados”, muitos elementos, entre eles trabalhadores, aproximam-se do Partido, procurando o apoio do seu aparelho clandestino para actuar organizadamente. As manifestações políticas, iniciadas pelos estudantes de Lisboa, começam a estender-se na população e alastram a várias cidades, culminando na grande manifestação operária de Almada (11 de Novembro), em que é morto o operário Cândido Capilé. Estas manifestações, pouco numerosas e pouco combativas ainda (à excepção da de Almada) têm características novas: ao contrário de 1945-49 e mesmo de 1958, elas não seguem a voz dos chefes burgueses liberais que se eclipsaram da cena; nalgumas, sobretudo em Almada, as massas começam a reclamar armas para enfrentar a repressão. O movimento dá um grande passo em frente, deixando à sua retaguarda a burguesia liberal.

24. Após as manifestações de Outubro-Novembro, os trabalhadores conscientes da região de Lisboa, Margem Sul e Alentejo (e mesmo isoladamente no Norte) pressionam o Partido para que organize acções armadas contra a ditadura, procuram armar-se, esboçam sabotagens. Este movimento, ainda indeciso, por efeito de um quarto de século de pacifismo, é contudo perfeitamente sensível. Como a direcção do Partido não corresponde a esta tendência e se opõe terminantemente a ela, certos grupos operários voltam-se para os meios da nova oposição radical burguesa que se definiu durante as “eleições” (Varela Gomes) e um punhado de trabalhadores de Almada-Barreiro (na maioria membros do Partido) acaba por seguir os oficiais no assalto ao quartel de Beja (Janeiro de 1962) prontamente sufocado pelo governo.

O facto de os operários, na prática, passarem por cima da direcção do Partido marca uma nova etapa na dissociação entre o Partido e o movimento operário. A participação operária na acção de Beja mostra também que o movimento operário, sem direcção revolucionária própria, corre o risco de virar costas ao oportunismo de direita para cair sob o controle do aventureirismo pequeno-burguês.

25. A acção de Beja, apesar do seu fracasso, desperta novas energias nas massas trabalhadoras e na pequena burguesia, pelo facto de ser a primeira tentativa armada contra a ditadura, após um intervalo de 25 anos.

Uma grande manifestação política de massas realiza-se no Porto, ao apelo dos manifestos do Partido e apesar do boicote dos chefes republicanos (31 de Janeiro de 1962). A manifestação de 8 de Março confirma o declínio da influência dos caciques liberais do Porto, cidade que era um seu feudo tradicional.

Em Lisboa, após uma campanha de agitação massiva organizada pelo Partido e pela nova “Rádio Portugal Livre”, em que participam centenas de activistas, realiza-se a grande manifestação do 1.° de Maio. Uns 50 mil manifestantes ocupam o centro da cidade, gritando “Temos fome” e “abaixo a guerra”, e apedrejando a polícia. A participação operária não é tão acentuada como na manifestação de Almada; grandes massas de jovens (operários, empregados, estudantes) formam o núcleo da manifestação. Há ainda manifestações noutras cidades e vilas.

Quase ao mesmo tempo, o proletariado rural alentejano, sob a orientação dos agitadores do Partido, transforma as greves locais das ceifas numa grande greve envolvendo mais de 100 mil trabalhadores, que conquista as oito horas de trabalho em várias zonas.

Estes dois movimentos são simultâneos com a greve e manifestações de estudantes contra o controle fascista da Universidade, sofrendo dura repressão, que causa grande descontentamento e agitação em certos sectores burgueses e amadurece a radicalização do movimento estudantil.

Depois disto, o Partido convoca ainda manifestações políticas pelo 8 e 28 de Maio, numa tentativa para prolongar o movimento, mas, à excepção do 28 de Maio em Setúbal, a população corresponde em menor escala e o movimento começa a refluir.

26. O Partido organizou e conduziu as manifestações e a greve camponesa. A manifestação de Novembro em Almada, e a acção de Beja haviam mostrado o risco de a direcção do Partido ser ultrapassada pelas massas, tal como acontecera aos chefes liberais. Por isso, e apesar do pesadíssimo golpe policial de Dezembro de 1961 (prisão de Pires Jorge, Octávio Pato, Carlos Costa, Américo de Sousa…) a direcção do Partido faz um grande esforço para estabelecer ligações com as massas e canalizar a combatividade popular para sucessivas manifestações que exerçam uma eficaz pressão sobre a burguesia liberal e precipitem o “levantamento nacional”.

Esta forma de oportunismo activo (neste período representado por Dias Lourenço e José Magro como antes havia sido por Pires Jorge e Octávio Pato) consegue êxitos iniciais, dado que muitos trabalhadores se aproximam do Partido, confiantes ainda, apesar das jornadas de Novernbro-Dezembro, na correcção do direitismo crónico dos dirigentes.

Mas cedo se manifesta que a linha do Partido é repetir as manifestações sem as deixar sair do plano pacifico. Todas as tendências surgidas entre as massas e na base do Partido para organizar a autodefesa do 1.º de Maio são rejeitadas com o argumento de que as massas recorrerão espontaneamente a acções violentas se o entenderem, assim não se reúnem armas, não se preparam explosivos, não se treinam brigadas Os activistas reprimem as iniciativas da base com receio de serem acusados de “terrorismo” pela direcção. Mesmo a proposta para bloquear as ruas com autocarros para deter as cargas da policia é rejeitada. No Alentejo, tentativas de assalto e sabotagens são reprimidas pelos responsáveis do Partido.

Assim, a partir do 1.º de Maio as massas recusam-se a continuar as manifestações em que já não vêem objectivo e o movimento declina mais uma vez sem ter chegado a desenvolver as suas potencialidades A actividade da direcção do Partido neste período pode definir-se como o esforço para não deixar escapar a direcção do movimento de massas, conservando-o nos limites pacíficos necessários à política da Unidade.

27. O aparelho clandestino do Partido termina 1961 com um êxito espectacular a evasão de Caxias de Francisco Miguel José Magro, Guilherme Carvalho, Antonio Gervásio, Domingues Abrantes, llídio Esteves, logo seguido por um grande golpe policial sobre o Secretariado e o aparelho central: prisão de Pires Jorge, Octávio Pato, Carlos Costa, Américo Sousa, etc., e assassinato de Dias Coelho. Entre as baixas sofridas nos meses seguintes após as manifestações avultam as de José Magro e António Dias Lourenço.

A continuidade da direcção é assegurada pelo Secretariado, de Álvaro Cunhal e Sérgio Vilarigues (no exterior) e F. Blanqui Teixeira mas o aparelho clandestino central, privado dos seus elementos mais experientes, entra num período de grandes dificuldades, agravadas pela perda da influencia política após as manifestações. As últimas bases proletárias com alguma vitalidade na margem Sul do Tejo e no Alentejo tendem a dispersar-se lentamente. O recrutamento operário é mínimo, o número de operários de fábrica e de células de fábrica é muito reduzido. Uma campanha de recrutamento conduzida em 1962-63, tem por efeito abrir mais as portas do Partido a elementos de fraquíssima consciência de classe, e muitos estudantes, etc.. A capacidade política, orgânica e conspirativa do Partido desce regulamente.

28. Depois de ter travado as formas superiores de luta no período de ascenso, a direcção do Partido faz um grande esforço por incentivar a luta económica no período seguinte (para assegurar uma base política de massas que lhe dê voz activa, para pressionar a burguesia liberal e convencê-la à Unidade, para impedir o reagrupamento dos operários que escapam à sua influência e começam a pressentir a traição). O Avante e os jornais profissionais Corticeiro, Têxtil e Camponês acentuam a propaganda reformista da luta económica, exageram os resultados das acções desencadeadas, insistem nas formas tradicionais (comissões de unidade, abaixo-assinados, idas aos “Sindicatos”) que em muitos casos não correspondem já às exigências dos trabalhadores; em Janeiro de 1963 é lançada larga campanha nacional pela concorrência às “eleições sindicais” dos SN., mas sem qualquer êxito, dado o desinteresse da classe operária.

Apesar do agravamento da situação económica provocado pela guerra colonial, a acção das massas é reduzida e dispersa. O movimento grevista continua a não entrar nas fábricas (greves dos pescadores do Algarve e das pedreiras de Pero Pinheiro, 1965). As causas principais desta dispersão são: a grande crise ideológica provocada na vanguarda operária pela expansão do revisionismo à escala internacional, o quase desaparecimento das células do Partido e dos activistas operários que anteriormente organizavam a acção económica nas fábricas, à falta de sindicatos; o aprofundamento do fosso entre a vanguarda operária (ela própria desorganizada) e as novas camadas operárias recrutadas no campo. O movimento operário atravessa profunda crise ideológica, política e organizativa, pelo facto de não dispor já do seu partido de classe.

29. Após o movimento de 1961-62, consolida-se a política direitista e completa-se a transformação do Partido num destacamento do movimento revisionista internacional, sob a direcção de Álvaro Cunhal (fixado na Europa revisionista), secundado por Sérgio Vilarigues, F. Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Joaquim Gomes, Jaime Serra, Pedro Soares, Francisco Miguel.

No plano nacional, o grupo revisionista, aproveitando o prestígio ganho junto da burguesia liberal com as manifestações, consegue desta o apoio para a criação da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), em Dezembro de 1962, com a qual espera poder exercer uma pressão mais eficaz no sentido do “levantamento nacional”; a FPLN agrupa forças liberais, atraídas pela possibilidade de usar o aparelho unitário de propaganda para alargarem a sua base de massas.

Na nova onda de ilusões ultra-oportunistas geradas pela FPLN, o C.C. aprova, na sua reunião de Janeiro de 1963, o documento de Cunhal “Perspectivas da Luta Nacional”, onde a política de unidade e a atracção dos fascistas descontentes tem um lugar absorvente ao mesmo tempo que se apaga o papel das acções de massas, se combate o “sectarismo” e se abandonam quaisquer reivindicações revolucionárias. O ultra-oportunismo deste documento, que faz lembrar o período da “solução pacífica”, provoca uma onda de críticas da organização, mas sem consequências de maior.

No plano internacional, o grupo revisionista apoia a política aventureira e capitulacionista de Krutchev no caso de Cuba, esforça-se por fazer silêncio em torno da guerra do Vietname, “para não prejudicar as perspectivas de coexistência pacifica”, e envolve-se em ataques cada vez mais abertos e violentos contra a China, a Albânia e o movimento comunista internacional (intervenção de Francisco Miguel no congresso do partido revisionista alemão, Janeiro de 1963).

30. O progresso da degeneração revisionista provoca uma corrente no interior do Partido, dirigida contra a “Unidade”, contra o pacifismo, pela solidariedade à China e ao movimento marxista-leninista internacional. Da luta de tendências que se trava no interior do Partido em 1962-63 resulta a expulsão ou afastamento de diversos elementos acusados de tendências “esquerdistas”, “terroristas” e “dogmáticas”, entre eles Francisco Rodrigues, do C.C.. A pequena envergadura da oposição marxista-leninista neste período pode explicar-se pelo facto de o partido ter sido gradualmente depurado das tendências revolucionárias desde 1945 e mesmo na fase anterior à linha da Unidade.

O partido sofre um novo e sério golpe em Maio de 1963 pela traição de Rolando Verdial, que origina a prisão de Blanqui Teixeira, Guilherme Carvalho, José Carlos, Jorge Araújo, etc.. Entretanto, a integração de algumas dezenas de militantes jovens, formados sob a direcção de Álvaro Cunhal, consagra a nova face do Partido como organização social-democrata e pacifista e elimina os vestígios proletários e revolucionários que ainda subsistiam.

31. Enfrentando uma crítica revolucionária (embora confusa e dispersa) nas fileiras do Partido e na classe operária, assim como no movimento comunista internacional, o grupo revisionista dirigente é obrigado a fazer um novo passo no seu amadurecimento e procura elaborar uma plataforma “marxista”, que sirva de cobertura à sua traição. Essa plataforma é a linha da “revolução democrática e nacional”, esboçada na reunião de Agosto de 1963 do C.C. e desenvolvida no relatório Rumo à Vitória, de Álvaro Cunhal, aprovado pelo C.C. em Abril de 1964.

Rumo à Vitória é o mais importante documento teórico do revisionismo português até à data, Encontram-se aí numerosos princípios revolucionários que a linha da Unidade havia omitido durante 20 anos: conquista do poder, ditadura do proletariado, aliança com o campesinato, insurreição armada, etc…. Contudo, para além desses slogans, a “revolução democrática e nacional” define-se como uma linha para a liberalização burguesa e de rompimento total com o marxismo.

32. Rumo à Vitória opõe-se a uma política proletária revolucionária em todas as questões fundamentais:

  1. Carácter da revolução. Nega o carácter predominantemente socialista e proletário da revolução portuguesa desde a sua etapa actual; inventa a “revolução democrática e nacional”, em que atribui um papel revolucionário não só ao proletariado e campesinato trabalhador, mas também à pequena burguesia e a “certos sectores da média burguesia”.
  2. Conquista do poder. Falsifica a análise leninista sobre a conquista do poder político, não definindo que classes assumirão o poder nem o carácter de classe do novo aparelho estatal (conquista do poder pelas forças “democráticas”, com um exército “democrático”, uma “polícia democrática” e uma “justiça democrática”).
  3. Ditadura do proletariado. Elimina a instauração da ditadura sobre as classes exploradoras, inventando uma primeira etapa “democrática e nacional”, em que o poder será simultaneamente proletário e burguês (“poder das forças democráticas”), passando depois pacificamente ao socialismo, “sem necessidade de nova insurreição”.
  4. Direcção proletária da revolução. Substitui a contradição de classe fundamental proletariado-burguesia pela contradição entre os monopólios e “todo o povo”, apagando a luta entre o proletariado e a burguesia liberal, reclama que se “concentre o fogo contra o esquerdismo e o sectarismo, perigos principais do momento”; a Unidade é “a tarefa central do Partido”; grande destaque à importância da luta económica; “a utilização dos Sindicatos Nacionais pode vir ainda a tornar-se muito importante”.
  5. Aliança com o campesinato. Entrega a direcção do campesinato médio à burguesia liberal (“elementos geralmente tidos por representantes da intelectualidade representam social e politicamente as camadas médias do campesinato”).
  6. Insurreição popular antifascista. Os trabalhadores não devem armar-se nem criar o seu próprio exército para uma luta prolongada pelo poder, o “levantamento nacional” será fruto dum “momento insurreccional” em que “os militares patriotas terão um importante papel a desempenhar”; combate o “terrorismo” e o “aventureirismo”; “em condições imprevisíveis”, é mesmo possível o afastamento da ditadura por meios pacíficos.
  7. Aliança com os povos coloniais. Apaga o papel das insurreições nacionais das colónias, que prejudicam a linha geral da Unidade e da coexistência pacífica; levanta reivindicações ultrapassadas (libertação dos presos políticos das colónias, instauração das liberdades democráticas nas colónias).

Embora referindo-se secundariamente às questões internacionais, Rumo á Vitória confirma as posições tomadas anteriormente: linha geral da coexistência pacífica, ataques à China e ao movimento comunista, apoio ao revisionismo e à social-democracia.

33. No período de 1964-66, lançada na luta contra o reagrupamento das forças revolucionárias, a direcção revisionista acentua a sua deslocação para a direita.

Em 1964 surgiu o Comité Marxista-Leninista Português, que prepara a reconstituição do Partido Comunista e a Frente de Acção Popular, organização popular antifascista que se contrapõe à FPLN. Ao atacar a linha destas novas organizações, a direcção revisionista ataca-as como “trabalho de provocação” e denuncia no Avante nomes de militantes marxistas-leninistas que haviam entrado clandestinamente no país. Em Junho de 1964, o Militante condena publicamente as organizações regionais de Lisboa, Margem Sul e Alentejo por terem, na preparação do 1.º de Maio, tomado iniciativas de autodefesa, realizado sabotagens e reunido armas. O C.C. acentua a sua campanha nas fileiras do Partido contra o “perigo terrorista”. Ao mesmo tempo, a direcção revisionista compromete-se aos olhos dos trabalhadores ao abandonar todas as reservas e lançar-se numa campanha antichinesa declarada.

A FPLN, de que muitos trabalhadores menos conscientes esperavam a intensificação da luta contra a ditadura, desprestigia-se devido à sua inacção e às lutas de prestígio que culminam com o afastamento do general Delgado em Outubro de 1964.

34. O 6.º “Congresso do Partido” (2.º Congresso revisionista, Setembro de 1965) aprovou um novo Programa e Estatutos e elegeu um Secretariado composto por Álvaro Cunhal, Sérgio Vilarigues e Manuel Rodrigues da Silva (libertado em 1964). A linha do Congresso é a confirmação da linha reformista de Rumo à Vitória. Expressões marxistas isoladas e promessas demagógicas (como a expropriação dos monopólios e do capital estrangeiro, a distribuição da terra aos camponeses, a elevação do nível de vida e de cultura das massas) encobrem a oposição a quaisquer iniciativas revolucionárias.

A linha geral do Programa pode resumir-se nestes pontos:

  1. favorecer a liberalização burguesa e embelezá-la sob cores revolucionarias;
  2. cortar o caminho à insurreição popular e à ditadura democrática popular, amarrar o proletariado à luta económica e ao papel de força de choque na luta política;
  3. afastar o proletariado do marxismo-leninismo, impedir a reconstrução do Partido Comunista;
  4. manter o campesinato como força de pressão, e parcialmente como reserva política da burguesia liberal;
  5. procurar manter as revoluções coloniais nos limites mais favoráveis à liberalização burguesa;
  6. opor-se ao movimento revolucionário mundial, favcecer o imperialismo russo e a “coexistência pacífica” com o imperialismo americano.

Concluído o seu processo de degeneração, o Partido revisionista chefiado por Álvaro Cunhal rompe os últimos laços que o uniam aos interesses do movimento operário, e transforma-se definitivamente num “partido burguês para operários” segundo a expressão de Lenine, ou seja, um partido especializado na tarefa de subjugar o proletariado à política burguesa.

35. Características deste período. O crescimento e a concentração do proletariado a partir de 1950 (que contribuiu para a sua desorganização temporária, pela afluência de novos contingentes e pela mudança de estrutura) está a dar um novo peso ao movimento operário no conjunto da luta de classes.

Desde 1956, a corrente de direita que lutava por controlar o Partido Comunista (e que fora contida no período de 1950-54) consegue grandes progressos, apoiada externamente pela irrupção do revisionismo moderno da URSS, e internamente pelo ascenso do movimento democrático burguês.

Os importantes movimentos de massas de 1958 e de 1961-62 obrigam a amadurecer as tendências direitistas, que travam a passagem da luta popular a formas superiores, e se revelam como um instrumento para a utilização do movimento operário ao serviço da liberalização burguesa.

Entretanto, o início da grande luta internacional entre a corrente marxista-leninista chefiada pelo PC da China, e a corrente revisionista moderna chefiada pela direcção do PCUS, reflecte-se sobre o movimento operário português e acelera a degeneração revisionista do grupo dirigente de Cunhal. Deixa de existir um Partido Comunista do proletariado português.

VI – O ressurgimento da corrente comunista

1. A experiência dos movimentos de 1961-62 e a luta de princípios no movimento comunista internacional activam em diversos sectores operários a reacção contra o pacifismo, o oportunismo e o reformismo. Dentro e fora do Partido dão-se tentativas dispersas para encaminhar a luta antifascista num sentido revolucionário. Em Abril de 1964, ao mesmo tempo que Cunhal, em Rumo a Vitória, nega que existam quaisquer tendências para a violência entre as massas, diversas organizações de base do Partido na Margem Sul, Alentejo e Lisboa tentam organizar actos de sabotagem e acções armadas pelo 1.º de Maio. As acções, que têm pequena envergadura, por absoluta falta de experiência e correntes contraditórias dentro do Partido, puseram em relevo a necessidade de preparar os militantes para a luta armada mas o Militante de Junho faz uma severa condenação destas organizações regionais, acusando-as de estar penetradas por “graves desvios esquerdistas”.

Os incidentes do 1.° de Maio de 1964 e os ataques públicos da direcção revisionista ao PC da China apressam a dissociação entre a base trabalhadora do Partido e a direcção. As greves do Pero Pinheiro e dos pescadores do Algarve, em 1965, confirmam a tendência dos trabalhadores para passar aos choques com as forças repressivas, apesar da viva oposição da direcção revisionista.

2. A criação do Comité Marxista-Leninista Português (Abril de 1964) inicia o período de ressurgimento da corrente comunista e da luta pela reconstrução do Partido Comunista. No seu órgão Revolução Popular, o CMLP definiu as bases gerais duma política comunista:

  1. A revolução portuguesa é uma revolução socialista, tomando a sua primeira fase a forma de uma revolução democrático-popular, ou seja, uma revolução dirigida contra a grande burguesia e o imperialismo realizada através da ditadura dos operários e camponeses pobres;
  2. A tarefa essencial dos comunistas é preparar o proletariado em bloco com os camponeses pobres para a luta pelo poder;
  3. Se o proletariado e as massas populares tomarem a cabeça da luta antifascista e recorrerem à violência organizada contra a ditadura, eles abrirão o caminho à democracia popular;
  4. Todas as camadas da burguesia se opõem em maior ou menor grau à marcha da revolução democrático-popular e devem ser neutralizadas;
  5. O movimento operário tem que se desembaraçar do revisionismo, da política da Unidade com a burguesia liberal e da linha da “revolução democrática e nacional”, ou seja na democracia burguesa;
  6. Os comunistas têm que se reagrupar fora do Partido revisionista, lutar contra a sua influência e reconstruir o Partido Comunista;
  7. Rompimento aberto com o revisionismo moderno chefiado pela direcção do PCUS, unidade com o PC da China e o movimento marxista-leninista internacional.

3. Em Janeiro de 1964, por iniciativa de um núcleo do comunistas é constituída a Frente de Acção Popular, com o objectivo de reagrupar as tendências revolucionárias antifascistas, orientá-las no sentido da democracia popular, servir de elo de ligação entre o Partido Comunista a reconstruir e as largas massas populares. Contra a política dos compromissos pelo topo que caracteriza a FPLN e todas as construções unitárias que a precederam, a FAP propõe desencadear a iniciativa popular pela conquista das suas reivindicações fundamentais: Liberdade, Paz, Pão, Terra, Independência. O jornal da FAP Acção Popular inicia a agitação da linha revolucionária entre as massas populares e faz a propaganda da luta armada contra a ditadura.

Em Novembro de 1965, os GAPs (Grupos de Acção Popular) da FAP actuam pela primeira vez contra instalações da polícia, por ocasião da farsa das “eleições de deputados”; um informador da PIDE é julgado em tribunal revolucionário e executado. A FAP populariza-se rapidamente entre as massas.

4. Até agora, os progressos da corrente marxista-leninista portuguesa e das forças revolucionárias que ela ocasiona têm sido lentos e cortados de graves dificuldades. O facto de ter vigorado durante 20 anos quase sem interrupção uma linha reformista na direcção do Partido, que acabou por levar à degeneração deste, aliado ao trabalho da repressão burguesa, levou as forças revolucionárias do proletariado português a uma profunda desorganização.

A corrente comunista que forma o CMLP e que serve de eixo à FAP é reduzida e ainda não formou quadros à altura das exigências. Diversos erros de organização e na escolha de quadros levaram a sérios golpes policiais sobre o CMLP e a FAP em 1965-66, atrasando o crescimento das tendências revolucionárias.

Após a definição das linhas gerais duma política comunista (realizada em 1964-65), a principal tarefa dos comunistas portugueses é a reconstituição do Partido Comunista e a ligação ao proletariado.

VII – Algumas experiências do nosso movimento operário

1. Sem a direcção do Partido Comunista, guiado pela teoria marxista-leninista, o proletariado não pode libertar-se da exploração capitalista. Os interesses de classe do proletariado exigem a instauração do socialismo e do comunismo, mas esse objectivo só pode ser atingido por uma acção centralizada e consciente, baseada num conhecimento científico da luta de classes, ou seja, por meio dum partido marxista-leninista.

Entregue ao movimento espontâneo, o proletariado tende a encerrar-se no sindicalismo e a oscilar entre o oportunismo de direita e de esquerda, mesmo em períodos de grande actividade, como mostra a experiência de 1910-22. Na última década, à medida que tem crescido a dispersão ideológica do proletariado por falta de uma direcção revolucionária, essa oscilação manifesta- se de novo com vigor crescente.

Só o Partido Comunista, organizado com uma disciplina de ferro, pode coesionar toda a classe em torno do objectivo da ditadura sobre a burguesia e conduzir a luta nesse sentido, através duma longa etapa histórica. Sem o Partido Comunista não há democracia popular, nem socialismo, nem comunismo. Por isso, a reconstrução do Partido destruído pelos revisionistas é a tarefa mais urgente do proletariado português.

2. Toda a actividade do Partido tem que girar em torno da luta proletária pela conquista do poder: esta é a razão da existência do Partido. Não basta aceitar “em princípio” a ditadura do proletariado, o socialismo e o comunismo; os revisionistas juram-lhes fidelidade mas, alegando que essas metas são longínquas, encerram o Partido na perspectiva acanhada do dia-a-dia, põem de lado a investigação da luta de classes e a formação teórica, transformam o marxismo-leninismo numa colecção de parangonas solenes e vazias, arrastam o Partido para o praticismo e o oportunismo e acabam por trocar os objectivos revolucionários por uma linha de reformas. Foi assim que Cunhal e o seu grupo conduziram o partido à degeneração.

Para garantir que o Partido não se desviará do caminho da revolução é preciso:

  1. traçar um plano concreto para a conquista do poder, baseado numa análise marxista-leninista da luta de classes;
  2. integrar todas as acções tácticas nesse plano estratégico, exigir que todas as tarefas parciais concorram para a meta da tomada do poder; rejeitar as que não sirvam esse fim; não se deixar desviar pelos episódios da política burguesa, mas aproveitá-los todos para aproximar a conquista do poder pelo proletariado e revelar em todas as etapas os interesses de classe em jogo.

3. O proletariado tem de ser educado na ideia de que a sua luta é internacional, de que a revolução só triunfará definitivamente no plano mundial. Os dirigentes oportunistas resumiram o internacionalismo proletário à divulgação dos êxitos da construção nos países socialistas: omitiram as ricas experiências do movimento operário internacional (tanto nos países capitalistas como nos países de ditadura do proletariado), na luta contra as manifestações burguesas no seu seio: o oportunismo, o pacifismo, o revisionismo; eles fecharam a luta do proletariado em perspectivas nacionais acanhadas, que tornaram mais fácil a propagação da ideologia democrática burguesa; nos últimos anos, passaram-se definitivamente para a propaganda do revisionismo e para a luta contra o movimento revolucionário mundial, fechando, completamente as perspectivas da revolução ao proletariado português.

O proletariado português não pode traçar uma estratégia e uma táctica acertadas se não actuar na perspectiva da época actual, a época do imperialismo, das revoluções proletárias e das guerras de libertação nacional; ele não pode marchar à conquista do poder se não se integrar no campo revolucionário conduzido pelo Partido Comunista da China; ele não pode compreender a natureza de classe de revisionismo de Cunhal nem combatê-lo eficazmente se não o vir à luz do movimento revisionista internacional. O proletariado português e o seu partido têm que se considerar destacamentos do vasto movimento mundial do proletariado revolucionário.

4. O Partido não pode ser o estado-maior do proletariado para a conquista do poder se não estiver mergulhado dentro da classe operária. O Partido tem que viver diariamente entranhado na vida da classe operária no mar da luta de classes Se uma organização não se integra no proletariado, então ela tende fatalmente a integrar-se noutra classe qualquer, uma vez que não há posições fora das classes. Se os chefes revisionistas puderam fazer degenerar o Partido Comunista Português nos últimos 20 anos sem encontrar uma séria oposição, isso foi devido à separação entre as células do Partido e as massas do proletariado.

Ao reconstruir o Partido, os comunistas devem implantá-lo firmemente nos centros vitais do proletariado nas grandes concentrações operárias: eles também devem ter em conta que os novos contingentes operários de formação recente (actualmente muito numerosos), os trabalhadores artesanais e os operários agrícolas oscilam de maneira muito acentuada entre o anarquismo e o reformismo, por lhes faltar uma experiência completa da máquina da exploração capitalista; devem ainda exercer vigilância sobre as camadas da aristocracia operária e impedir que propaguem na classe o reformismo e o individualismo pequeno-burguês.

O afrouxamento dos laços entre o Partido e o proletariado é por vezes inevitável por efeito da repressão ou por outras circunstâncias; mas os comunistas são obrigados a trabalhar constantemente para se unirem ao proletariado e para verificarem junto dele a sua linha politica.

5. O Partido não pode ser o estado maior do proletariado para a conquista do poder se não for uma organização proletária. A composição social do Partido reconstituído deve ser continuamente verificada de modo a assegurar nas fileiras e na direcção uma forte maioria de operários, e sobretudo de operários de fábrica Os elementos originários de outras classes devem ser chamados a todos os escalões do Partido, mas só se identificados com os interesses do proletariado, só se renunciarem a pontos de vista e privilégios das classes exploradoras.

Devem tomar-se medidas para que os militantes clandestinos e todos os revolucionários profissionais não se desliguem da vida da classe operária, caso contrário, a clandestinidade e a profissionalização podem favorecer a degeneração pequeno-burguesa de bons militantes operários, como mostra a experiência dos últimos 20 anos; desligando-se da luta diária do proletariado e do povo, esses militantes perderam a consciência de classe, tornaram-se burocratas e acabaram por cair no reformismo pequeno-burguês e no revisionismo.

6. O Partido tem que utilizar a acção diária como meio de educação prática do Proletariado para a luta pelo poder. A acção de defesa económica, as reivindicações diárias e locais das massas, os objectivos políticos parciais, são importantes como meio de educar e unir largas massas operárias em torno da vanguarda, e o Partido tem de conduzi-Ias para se acreditar, se treinar como dirigente do proletariado; nos períodos de derrota ou de estagnação do movimento de massas, reivindicações parciais podem mesmo tornar-se o centro da actividade política do Partido.

Mas o Partido reconstituído não deverá nunca abandonar a perspectiva de que elas são um meio inferior de educação e união do proletariado e não um fim em si mesmas. Os comunistas devem contrariar a tendência de vastos sectores operários para transformarem o Partido num instrumento de defesa económica (tendência que se torna especialmente acentuada sob a ditadura fascista). Eles devem mostrar como a táctica dos oportunistas nos últimos 20 anos, ao exagerar o alcance das acções parciais, de inventar uma sucessão infinita de “grandes vitórias”, tem servido para amarrar a classe operária às ilusões reformistas e ao pacifismo, apesar de subjugada por uma rígida ditadura fascista da burguesia.

O Partido reconstituído deverá mostrar em todas as ocasiões que as melhorias conseguidas pelas reivindicações diárias são limitadas e contingentes e que só a tomada do poder libertará o proletariado e todos os trabalhadores.

7. O proletariado só completa a sua educação revolucionária na luta directa pelo poder. Cada vez que o ascenso do movimento de massas leva estas a porem em causa o Estado burguês, o Partido reconstituído deverá orientá-las para a disputa do poder político, rompendo os limites legais e pacíficos; isso é essencial para completar a educação do proletariado mesmo que de momento a luta não conduza à vitória e venha a ser necessário recuar mais tarde para um nível inferior.

Nos últimos 20 anos, os direitistas actuaram sempre contra esta orientação; a pretexto da luta contra o “terrorismo” e contra as “acções desligadas das massas” eles transformaram a crítica marxista ao aventureirismo anarquista numa caricatura e entravaram o desenvolvimento superior do movimento operário em 1944-45, em 1958 e em 1961-62, tentando convencer os operários a esperarem indefinidamente por um “levantamento” combinado com a burguesia à escala nacional. Se o movimento de massas não é orientado para a luta pelo poder, ele tende a degenerar numa força de pressão dominada pela burguesia liberal.

8. O exército revolucionário é, depois do Partido, a exigência mais vital do proletariado. As experiências revolucionárias de muitos países e a experiência da ditadura fascista em Portugal mostram que, na época do imperialismo, a luta pelo poder é prolongada e tende a tomar a forma de guerra civil entre as forças revolucionárias e reaccionárias. O proletariado e as massas populares não podem esperar pela conquista do poder para criar depois o seu exército revolucionário; ele tem que ser conquistado antes, gradualmente, no decurso da luta, para tornar possível a conquista do poder. Quanto mais rígido for o aparelho estatal burguês, tanto menos o Partido pode contar sobre a espontaneidade das massas para a criação do exército revolucionário; o Partido deve tomar a iniciativa de criar grupos de combate e de guerrilha no decurso dos choques das massas com o poder reaccionário, ajudá-los a sobreviver e transformá-los em células do exército revolucionário.

Se a energia revolucionária dos operários e camponeses não for orientada para a construção da sua força militar própria, os trabalhadores, sem vislumbrar possibilidades duma luta independente, tendem a esperar a decisão final da sua luta das mãos dos democratas burgueses, e cair alternadamente no oportunismo de “esquerda” ou de direita; é o que tem acontecido no movimento operário português.

9. No último meio século, o movimento operário não pôde tomar envergadura revolucionária por lhe faltar o apoio do campesinato. Se nos períodos de ascenso do movimento operário este tivesse encontrado ao seu lado os camponeses pobres em luta pelas suas reivindicações próprias, o apoio mútuo dos operários e dos camponeses teria impelido o movimento de massas no caminho revolucionário e liquidado as tendências reformistas. O adormecimento do movimento camponês e a sua sujeição à burguesia liberal tem sido um dos maiores travões à marcha da revolução em Portugal.

Os oportunistas abandonam o trabalho camponês por o campesinato ser muito menos politizado que a pequena burguesia urbana; eles esquecem que as reivindicações do campesinato pobre são muito mais profundas que as da pequena burguesia porque são as únicas, além das do proletariado, que tendem a destruir a estrutura burguesa existente (direito à terra, eliminação do capitalismo intermediário, destruição das autoridades burguesas). Sem o apoio activo do campesinato pobre, o movimento operário não tem forças para triunfar na luta armada revolucionária, tende a procurar a aliança da burguesia liberal e, no esforço para conquistar essa aliança, acaba por se encerrar no quadro das reformas da estrutura burguesa. Essa é também uma experiência do movimente operário em Portugal.

A base da política de alianças do proletariado revolucionário está em arrancar o campesinato à direcção da burguesia liberal, desenvolver plenamente as suas reivindicações, conduzi-lo no caminho da ditadura popular e do desmantelamento do capitalismo.

10. O movimento operário português não pode manter a sua integridade revolucionária se não der um apoio directo e activo à luta de libertação dos povos oprimidos das colónias. Uma vez que o sistema capitalista português repousa sobre a exploração não só dos operários e camponeses mas também dos povos oprimidos das colónias, o proletariado tem que ser educado diariamente pelo Partido para reconhecer nos povos das colónias o seu aliado decisivo no plano internacional.

Os dirigentes revisionistas, enleados na sua política da Unidade com a burguesia liberal, subestimaram e abandonaram o movimento de libertação das colónias, substituíram a crítica ao regime de exploração colonial pela critica aos excessos da administração colonial fascista e embotaram o espírito internacionalista do proletariado, desarmando-o na luta contra a infiltração do chauvinismo imperialista. Nos últimos anos, quando os povos das colónias desencadearam as suas guerras nacionais de libertação, os revisionistas procuraram manter a solidariedade aos povos coloniais no âmbito da aliança com a burguesia liberal e usá-los como mais uma força de choque ao serviço da “Unidade”.

O movimento operário não pode ser encaminhado numa via revolucionária se os interesses da aliança com os povos das colónias não forem postos abertamente por cima de quaisquer acordos com a burguesia liberal, respeitando ao mesmo tempo a completa autonomia da sua acção e das suas organizações.

11. O proletariado deve exercer uma vigilância permanente sobre a pequena burguesia. Em Portugal, como em geral em todos os países dependentes do imperialismo, o movimento democrático da pequena burguesia é muito activo e em certos períodos toma mesmo uma orientação muito radical. Buscando uma base de massas, o movimento pequeno-burguês procura controlar o movimento camponês e sobretudo o movimento operário e o seu partido. Esta é uma lei da luta de classes que se manifestou com muito vigor em 1946-49, em 1956-59 e em 1961-64, períodos de ascenso do movimento democrático-burguês. Actualmente, a corrente comunista que prepara a reconstrução do partido sofre também a pressão duma corrente radical burguesa que procura pô-la ao seu serviço na luta pelo derrubamento da ditadura.

Os dirigentes direitistas não só abandonaram a vigilância perante o movimento democrático-burguês como favoreceram mesmo a expansão da ideologia democrático-burguesa entre o proletariado, com a política da Unidade anti-salazarista.

O Partido Comunista reconstituído deverá estudar a evolução do movimento democrático burguês e criticá-lo politicamente de modo a armar o proletariado para não se deixar dominar pela ideologia radical burguesa; ele deverá lutar para que, no movimento geral antifascista, a orientação proletária revolucionária prevaleça sempre sobre a orientação democrático-burguesa. A corrente democrática da pequena burguesia pode ter um papel positivo na actual etapa da revolução, mas só se o proletariado combater e neutralizar os seus aspectos reaccionários.

12. O revisionismo é o principal agente da burguesia no seio do movimento operario. O movimento operário português desenvolve-se sob a pressão permanente (militar, política, económica, ideológica) da burguesia nacional e do imperialismo estrangeiro, que se esforçam por afastá-lo da sua meta revolucionária; essa pressão gera continuamente dentro do Partido e do movimento operário as tendências de direita (o oportunismo, o seguidismo, o pacifismo, o reformismo, o legalismo) que, procurando evitar as dificuldades do processo revolucionário, tentam ganhar a aliança de uma ou outra camada burguesa e com essa mira acabam por abandonar o objectivo da luta pelo poder e as alianças revolucionárias do proletariado.

Dominando a direcção do Partido quase sem interrupção, a corrente direitista portuguesa amadureceu gradualmente as suas concepções e acabou por degenerar no revisionismo, ou seja, a utilização constante e sistemática do movimento operário ao serviço da burguesia. Actualmente o grupo revisionista de Cunhal transformou-se num destacamento avançado da burguesia no seio da proletariado, que tenta conservar a confiança do movimento operário para o poder conter e manobrar; ele traiu inteiramente os interesses fundamentais do movimento operário português e do proletariado internacional.

13. Transigir com o direitismo é preparar a liquidação do Partido. A experiência do PCP confirma inteiramente a experiência do movimento comunista internacional de que pretender salvar a Unidade orgânica do Partido à custa de concessões às tendências direitistas só serve para preparar uma crise mais grave e pode levar à destruição do Partido.

Uma das maiores preocupações dos direitistas é desarmarem a vigilância de classe contra eles. Enquanto não se sentem bastante fortes tratam de semear o ecletismo ideológico a pretexto de “condições novas” e amolecem a disciplina do Partido (1955-59); e quando alcançam uma posição preponderante no Partido, passam pelo contrário a exigir “unidade” e “disciplina” e exploram o espírito de disciplina do proletariado em seu proveito, expulsando os que se lhe opõem (1961-66). A transigência com o direitismo no PCP, a subordinação das questões políticas à organização, o amortecimento da luta de ideias em todos os escalões do Partido, o dogmatismo e praticismo, favorecem o triunfo do oportunismo e a sua degeneração em revisionismo.

A vigilância de classe no interior do Partido contra a direita tem que estar acima de tudo e ser inflexível; há que combater os conciliadores que procuram “manter a unidade do Partido” à custa de compromissos com as direitas porque os conciliadores de hoje são os direitistas de amanhã. O Partido torna-se mais forte e não mais fraco cada vez que se depura dos direitistas.

14. O Partido não deve também desarmar a vigilância contra o oportunismo de esquerda que é uma outra forma de abandonar a direcção do processo revolucionário. O anarquismo, principal variante do oportunismo de esquerda em Portugal, que dominou o movimento operário em 1910-30, tende a ressurgir como reacção contra o revisionismo e poderia vir a tornar-se um sério perigo se não fosse combatido. Esta tendência é esquerdista e revolucionária só na aparência pois que não age dentro duma estratégia global proletária para a conquista do poder; com o endurecimento da acção operária e as acções violentas ela tem em vista estimular e pressionar a burguesia liberal para que esta tome a iniciativa, não tendo como meta a ditadura do proletariado e os seus três pilares – Partido Comunista, Exército Revolucionário, Frente Popular – os anarquistas (assim como os trotskistas e outros falsos esquerdistas) não hesitam em comprometer as forças do proletariado em aventuras e acções sem um objectivo preciso. Só se o Partido Comunista reconstruído tomar a direcção do movimento revolucionário e elaborar uma estratégia e uma táctica revolucionárias, ele poderá corrigir as manifestações de falso esquerdismo que se propagam entre a classe operária.

15. A luta contra o oportunismo não é uma necessidade só de um certo período mas uma luta permanente, que tem de se prolongar até muito depois da instauração da ditadura do proletariado, enquanto persistir a pressão interna e externa da burguesia e do imperialismo. Actualmente o revisionismo de Cunhal (como toda a corrente revisionista internacional) faliu já em teoria mas está ainda longe de ter falido na prática e manobra para manter uma base de massas; quando amanhã a sua influência sobre o proletariado e as massas populares for liquidada (como já aconteceu no passado com os social-democratas), é fora de dúvida que novas correntes direitistas se formarão, em resultado da pressão da burguesia e do imperialismo. As novas correntes direitistas surgem sempre com formas novas, desconhecidas no passado, a pretexto de “condições novas”; muitas vezes elas apresentam-se inicialmente como um pequeno desvio quase inofensivo; os direitistas cobrem-se com as suas “boas intenções” e com o desejo de “melhorar o movimento operário” (desejo que a princípio é sincero, pois ainda não tem consciência do seu direitismo). O Partido e o movimento operário podem defender-se eficazmente do direitismo se mantiverem sempre bem claro o objectivo da ditadura do proletariado e relacionarem todas as questões com esse objectivo.

Na luta contra o oportunismo que se infiltrou nas suas fileiras e que degenerou em revisionismo, o movimento operário português e o movimento operário internacional estão ganhando nova maturidade e um impulso revolucionário decisivo. Questões vitais, como a via da insurreição e da tomada do poder, a defesa do carácter proletário do Partido, a linha das alianças, a vigilância sobre a burguesia democrática, o internacionalismo proletário, a luta anti-imperialista, deixaram de ser simples indicações teóricas e abstractas e tornam-se problemas vivos no decurso da luta contra a traição revisionista.

As seis questões fundamentais que condensam a experiência de um século do nosso movimento operário e que devem guiar a acção dos comunistas são em resumo:

  1. É preciso que exista um partido marxista-leninista.
  2. Unir o proletariado para a luta pelo poder.
  3. Os aliados do proletariado são os camponeses, as massas mais pobres e oprimidas da população, e devem ser agrupados na Frente Popular.
  4. O objectivo da luta de massas é criar um Exército Revolucionário para tomar o poder.
  5. A revolução portuguesa é uma parcela da revolução mundial e os inimigos da revolução são uma parcela do imperialismo.
  6. Vigilância permanente contra a penetração do inimigo através do oportunismo.

Se soubermos utilizar toda esta rica experiência, o Partido Comunista reconstruído terá uma vitalidade política muito maior do que em qualquer época do passado, um alto nível ideológico, estará solidamente armado contra o revisionismo moderno e todas as manifestações oportunistas. O proletariado português poderá então conduzir a revolução à vitória e pôr fim à exploração do homem pelo homem.


Notas de rodapé:

Nota 1: Este caderno contém uma reprodução integral e sem alterações de uns apontamentos feitos na cadeia de Caxias, no final dos anos 60, sob o título “Elementos para a história do movimento operário e do movimento comunista em Portugal”. Passados para o exterior, foram reproduzidos em duplicador (antes do 25 de Abril, ao que se supõe) pelas edições José Gregório, e circularam desde então nos meios marxistas-leninistas. A sua intenção era servir fins didácticos, para dar noções elementares aos militantes jovens. Usados nas cadeias em cursos de formação dos presos, foram também estudados nos grupos marxistas-leninistas depois do 25 de Abril. Com naturais deficiências por terem sido feitos de memória, sem recurso a materiais de consulta, as informações que contêm são no entanto correctas no essencial. [Nota do autor em 2008]

Nota 2: Tal como ‘Palavras necessárias’ de Bento Gonçalves, um escrito com o qual tem muitas similitudes de circunstância e de objecto, este texto não deve ser lido como peça de historiografia mas antes como, ele próprio, um documento político histórico, depositário de uma certa visão estratégica. Factualmente contém algumas imprecisões, que aliás o autor optou por não corrigir aquando da sua reedição em 2008. (retornar ao texto)

Inclusão 03/10/2019