A URSS e a Contra-Revolução de Veludo

Ludo Martens


Budapeste, 1956: a contra-revolução armada
[Maio de 1990]

capa

Não sendo já, neste ano de 1990, a restauração do capitalismo na Hungria um assunto de discussão, eminentes pensadores apresentam-nos as suas teorias em que expõem profundas justificações sobre este processo «libertador».

Segundo uns, esta ressurreição do capitalismo seria a prova final da falência de 45 anos de «stalinismo». Outros estimam que o capitalismo provou o seu notável dinamismo e que o socialismo foi ao tapete por KO económico. Uma terceira explicação justificadora diz isto: o homem não vive só de pão, a ausência de democracia e de liberdade própria do «stalinismo» ou mesmo do socialismo, levou as massas a desfazer-se do regime totalitário. E uma última teoria aparece a cloroformizar-nos os espíritos: não teríamos razão em lamentarmos a actual restauração, não sendo nosso este enterro; a Hungria, que sofreu um despotismo asiático imposto pelos tanques soviéticos, nunca conheceu o socialismo.

Estas quatro teorias, difundidas pelos filósofos oficiais do Ocidente, levam-nos à resignação diante da restauração, senão mesmo à simpatia pela «libertação» húngara. E encontraram um eco favorável entre a esquerda domesticada do mundo imperialista.

Recordando algumas linhas essenciais da história húngara, pretendemos salientar quatro verdades.

Entre 1945 e 1948, os trabalhadores húngaros levaram a cabo uma revolução socialista e instauraram a ditadura do proletariado.

Em 1956, uma contra-revolução violenta, provocada pela direita húngara com o apoio do «mundo livre», ameaçou as próprias bases do regime socialista.

Após o restabelecimento da ordem pelo exército soviético, Janos Kadar manteve certos traços do socialismo, rompendo ao mesmo tempo com o marxismo-leninismo e seguindo uma linha de lento apodrecimento interno.

Em 33 anos de evolução pacífica, Kadar e os seus sucessores realizaram finalmente todos os objectivos avançados pelos revoltosos de 1956. A contra-revolução armada mergulhou nas massas para vir à superfície e triunfar, três décadas mais tarde, como contra-revolução pacífica.

A libertação, após um quarto de século de fascismo

Na esteira da revolução bolchevique, os revolucionários húngaros instauraram em 1919 a ditadura do proletariado sob a forma de uma República dos Conselhos, dirigida por Béla Kun. Após 133 dias de existência, esta foi esmagada com a ajuda de exércitos estrangeiros. Miklos Horthy fundou então um regime de terror, de facto, o primeiro poder fascista estabelecido na Europa, que asfixiará a Hungria até 1944. Durante esses 25 anos, toda a propaganda comunista foi severamente reprimida, refugiando-se o Partido na clandestinidade.

Em Setembro de 1944, o Exército Vermelho faz recuar as tropas alemãs, que, alguns meses antes, em 19 de Março de 1944, ocuparam o território do seu aliado húngaro. O jornal clandestino Szabad Nep, escreve nessa altura:

«Horthy e os seus acólitos espalham fábulas alarmistas sobre milhões de operários romenos que teriam sido deportados para os trabalhos forçados pelo Exército Soviético, e pretendem que a mesma sorte está reservada aos trabalhadores húngaros se o país não se mantiver ao lado de Hitler».(1)

Esta intoxicação provoca uma verdadeira psicose em todos aqueles que um quarto de século de desinformação fascista atormentou. A partir desse dia, o nacionalismo anti-soviético será um dos vectores essenciais da ideologia fascista.

Em 15 de Outubro de 1944 reúne-se um Conselho da Coroa em torno do regente Horthy. Percorramos a acta desta reunião.

«Segundo o primeiro-ministro “não se deve esperar até que os russos apertem completamente entre as tenazes os nossos dois exércitos, estacionando um na Transilvânia e o outro sobre a linha dos Cárpatos orientais”.

«Segundo o regente, não há nenhuma esperança de receber ajuda. As promessas alemãs não são sérias. “Eles não cumpriram nenhuma das suas promessas”.

«O regente espera que, se concluirmos o armistício com os Aliados hoje mesmo, “as comissões inglesa e americana poderiam chegar a Budapeste ao mesmo tempo que os russos ou pouco depois da entrada destes”.

«O ministro da Agricultura teme a chegada, com os russos, de um grande número de “agitadores comunistas, o que poderia desencadear um forte movimento comunista”.

«Segundo o regente “teremos força suficiente para conter esse movimento”.»(2)

O que manifestamente invade o espírito de Horthy é o seu ódio pelos comunistas húngaros, tanto como pelo Exército Soviético. Quer concluir um armistício com os Aliados para permitir aos ingleses e aos americanos de voarem em seu socorro e salvar a nata do seu exército. Horthy declara ainda que o armistício facilitará a «sobrevivência do país»: a palavra de ordem da «independência da Hungria» terá, a partir de então, na boca da direita, uma conotação fascista, anti-soviética e pró-anglo-americana.

Mas nesse mesmo dia 15 de Outubro, por instigação dos alemães, o major Ferenc Szalasi toma o poder. É o chefe das Cruzes de Setas, bandos nazis extremistas que, sabendo o fim próximo, instauram um terror louco.

Em 3 de Dezembro de 1944, a Frente Húngara para a Independência Nacional vê a luz do dia. Agrupa, para além do Partido Comunista, as formações burguesas que continuaram a actuar na legalidade sob o regime fascista de Horthy: o Partido Social-Democrata, o Partido Independente dos Pequenos Proprietários, o Partido Nacional Camponês e o Partido Democrata Burguês. O programa da Frente compreende a dissolução das organizações fascistas. Mas, estipulando ser

«necessário colocar os cartéis e os grandes bancos sob o controlo do Estado» e «promover eficazmente a iniciativa e a empresa privadas», não sai de modo algum do quadro burguês.(3)

A Hungria perdeu no decurso da guerra 700 mil habitantes de uma população de 10 milhões. Trinta por cento das suas instalações mecânicas, 36 por cento das suas vias-férreas e 25 por cento dos seus imóveis de habitação foram destruídos.(4) A seguir à libertação, reformas econômicas permitem mobilizar as energias dos trabalhadores: 640 mil famílias camponesas recebem 1,8 milhões de hectares de terra; um primeiro plano trienal permite aos operários e aos técnicos desenvolver o seu entusiasmo na reconstrução do país.(5)

O primeiro complot fascista

Mas, como já assinalámos, as forças horthystas e reaccionárias não foram de modo algum liquidadas no momento em que tem início a reconstrução do país.

Em Dezembro de 1946, os Serviços de Segurança descobrem um complot fascista: militares preparam-se para tomar o poder, tirando proveito da assinatura do tratado de paz e da retirada do Exército Soviético. Entendem restabelecer o poder de Horthy em nome da «continuidade legal». Os conjurados fazem parte de uma organização secreta chamada Magyar Kozosseg (Comunidade Húngara), estruturada em «famílias» e depois em «clãs» e «tribos», o conjunto dirigido por um Comité de Sete. Entre os chefes contam-se: Gyula Gombos, presidente do Conselho entre 1933 e 1936, Myklos Kallay, presidente do Conselho a partir de 1942, Andras Szentivanyi, oficial do Estado-maior sob Horthy, e Balint Arany, secretário nacional do Partido Independente dos Pequenos Proprietários.

Durante o processo, eles revelam que Béla Varga, presidente do Partido dos Pequenos Proprietários, e Ferenc Nagy, presidente do Conselho em funções, se encontram à cabeça do complot. Ferenc Nagy combinara com representantes dos Estados Unidos seguir uma política prudente de limitação da influência da esquerda, para só agir abertamente depois da ratificação do acordo de paz.

O general americano Weems, membro da Comissão de Controlo aliada na Hungria, em carta endereçada em 5 de Março de 1947 aos responsáveis soviéticos, acusa-os de

«uma intervenção estrangeira nos assuntos internos húngaros a fim que os elementos minoritários da Hungria imponham a sua vontade à maioria eleita pelo povo».

Assim, desde 1947, o imperialismo americano combina o seu apoio aos antigos elementos horthystas e reaccionários com a denúncia da «intervenção soviética» na Hungria.(6)

O arcebispo Mindszenty aposta na Terceira Guerra Mundial...

A hierarquia católica foi um dos apoios maiores do regime de Horthy, ao longo de toda a sua existência. Perante a consolidação do poder democrático, a reacção interna, tal como os seus elementos emigrados e os seus protectores americanos, servem-se dela para o trabalho de informação e de subversão.

Nas suas Memórias, publicadas em 1974, o arcebispo Mindszenty explica, com uma franqueza a roçar a indecência, que se considera como um homem político cuja primeira vocação é o combate anticomunista.(7) Cita o seu predecessor, o cardeal Seredi, a quem chama de «brilhante jurista», para fazer suas as palavras dele:

«Na pessoa de cada primaz da Hungria estão felizmente ligadas a mais alta dignidade da Igreja católica e a do direito público húngaro, o que simboliza a realeza cristã e húngara. (...) Em consequência de uma lei emitida pelo rei Estêvão, o primaz é a primeira autoridade de direito comum, depois do rei ou do chefe de Estado».

Isto explica que Mindszenty possa ter tido em 1919, durante um breve período, a direcção do Partido Cristão, novamente criado, e que tenha apoiado o regente Horthy durante todo o seu percurso, dos anos 20 aos anos 40. A partir do momento em que o Exército Vermelho começa a varrer as tropas nazis, Mindszenty escreve a palavra «libertadores» entre aspas, para depois a substituir claramente por «ocupantes».(8) Logo após a libertação da Hungria de um quarto de século de regime fascista, Mindszenty redige as Cartas Pastorais para atacar o socialismo. Já em Maio de 1945 manda ler em todas as igrejas:

«Nenhum Estado pôde subsistir sem estar baseado na justiça e na moral. Mas a base da moral é a Igreja. (...) Nós tiramos as bases de uma verdadeira democracia do Evangelho e não exploramos a democracia como cobertura para servir ambições egoístas.»

Nas suas Memórias, anota:

«A primeira grande procissão religiosa (!), em 20 de Agosto de 1946, foi a expressão clara da rejeição do comunismo. Nesse dia, 500 mil fiéis seguiram em procissão a mão direita de Santo Estêvão, que ficou intacta».

Em Dezembro de 1945, em Roma, Mindszenty encontra-se com quatro cardeais norte-americanos que «não estavam nada satisfeitos com a aliança russo-americana»...(9) Eles prometem-lhe ajuda financeira e material. Nas eleições de 1946, o arcebispo dá instruções às suas ovelhas para que se oponham à esquerda e apoiem o império inglês:

«Um eleitor cristão não pode dar o seu voto a um partido ou a um grupo que traz novamente em si a opressão e a ditadura e que já bastantes vezes aboliu os direitos do homem e o direito natural. O ministro inglês dos Negócios Estrangeiros tem razão quando diz que se tem a impressão de que na Hungria um regime totalitário não será substituído senão por um outro.»(10)

Do mesmo passo, Mindszenty opõe-se à reforma agrária (que tende a «liquidar certas classes da nossa sociedade»), protesta contra a intenção do governo de «abolir a monarquia milenar húngara» e preocupa-se com «a sorte daqueles a quem chamavam “criminosos de guerra”, [cuja] maior parte são gente inocente.»(11)

Em Junho de 1947, o arcebispo Mindszenty e o seu secretário Andras Zakar vão para Otawa assistir a um congresso mariano. Fazem um curto desvio para os Estados Unidos onde se encontram com o cardeal Spellman, o porta-voz dos anticomunistas mais exaltados. Spellman arranja-lhes um encontro com Tibor Eckhardt, um dos principais responsáveis do regime de Horthy, refugiado nos Estados Unidos, e com Otto von Habsbourg, que lhe expõem longamente os seus projectos para a restauração dos Habsbourg no quadro de uma união austro-húngara. Desde 1945 que Mindszenty transmite regularmente informações a Selden Chapin e a Kocsak, dois diplomatas americanos. Aquando do seu processo, em princípios de Fevereiro de 1949, Mindszenty confessará, perante acusações irrefutáveis que escreveu uma carta ao senhor Chapin pedindo-lhe um carro e um avião para fugir da Hungria. No início de 1948 o cónego Mihalovics, director da Acção Católica e colaborador directo de Mindszenty, foge para os Estados Unidos. Entra em contacto com o barão Gabor Apor, com Endre Hlatky e outros homens do séquito de Horthy. Numa carta a Mindszenty, o cónego anuncia a sua decisão de publicar regularmente informações sobre a Hungria, para mobilizar apoios políticos e materiais.

«Lanço-me na luta contra o comunismo servindo-me do interesse suscitado pela minha fuga», escreveu.(12)

Num fulminante panfleto contra o «terror comunista» na Hungria, Roland Varaigne nota com certo embaraço:

«O facto de o cardeal se ter reconhecido culpado provocou uma intensa estupefacção no Ocidente». No entanto, reconhece, «Mindszenty estava perfeitamente lúcido». Entretanto, os que o acusaram de «capitulação total», foram demasiado apressados: «Na realidade, Mindszenty contesta de modo muito embaraçado embora, os pontos essenciais da acusação».

E Varaigne cita como prova esta passagem efectivamente bastante embaraçosa...

«Mindszenty: Sinto-me culpado por ter cometido parte considerável dos actos de que sou acusado. Naturalmente, daí não resulta que reconheça as consequências que daí extrai o acto de acusação.

«O presidente do Tribunal: No decurso de conversações, o senhor encarou a eventualidade de ocupar provisoriamente o posto de Chefe do Estado.

«Mindszenty: Pensámos nisso apenas no caso de — visto que em 1947, em toda a Europa, a hipótese de uma terceira guerra mundial iminente circulava com persistência — as mudanças históricas criarem igualmente na Hungria uma situação tal que, neste país, as forças exteriores e a guerra produziriam uma mudança levando a um vacuum juris; encarámos o que, em tal caso, deveria e poderia ser feito.»(13)

Aí está portanto um homem que, pretendendo falar em nome de Deus todo-poderoso, se preparava para dirigir um governo pró-americano logo que os Estados Unidos lançassem a tão esperada terceira guerra mundial anti-soviética. E o mundo «livre» a pintar os horrores de um abominável processo stalinista!

A CIA e os sociais-democratas de direita

A partir de 1947, James McCargar, secretário da legação americana em Budapeste, e o capitão McClemens, utilizam vários dirigentes da ala direita da social-democracia, entre os quais Karoly Peyer e Frigyes Pisky-Schmidt, para a constituição de redes de espionagem.(14) Assinala-se que tal corresponde às actividades, publicamente confessadas desde então, que os serviços secretos americanos empreenderam na mesma altura junto de dirigentes sociais-democratas da Suécia, da Itália e da Bélgica. Em 8 de Fevereiro de 1948, o secretário-geral do Partido Social-Democrata, Szakasits, anuncia a decisão de excluir do partido a sua ala direita. Em Junho de 1949, o seu partido funde-se com o Partido Comunista para formar o Partido dos Trabalhadores Húngaros. Notemos que aquando das eleições de 1947, o Partido Comunista se tornou a primeira força política, com 22 por cento dos votos, obtendo o Partido Social-Democrata 14 por cento.(15)

O estabelecimento do poder operário

Entre 1945 e 1948, os comunistas puderam desenvolver a luta política contra as forças reaccionárias em condições muito favoráveis. Primeiro, havia o entusiasmo dos trabalhadores mais pobres, libertados de um quarto de século de terror fascista. Em seguida, a presença do Exército Vermelho provocava um salutar receio entre a direita e tornava muito difíceis as intervenções abertas americanas. Intensificando a luta de classes e fazendo um trabalho político em profundidade, os comunistas conseguiram desmantelar, um após outro, os núcleos irredutíveis de todas as formações políticas burguesas e trazer consigo as suas forças democráticas. A partir de 1948, o Estado de democracia popular assumia na Hungria as funções da ditadura do proletariado. Do mesmo modo, o Partido pôde impulsionar, por etapas, a nacionalização da indústria. Partindo de início da reivindicação de um controlo do Estado sobre os bancos, passou-se à nacionalização dos três maiores, depois à nacionalização das minas, das fábricas metalúrgicas, etc. Em finais de Março de 1948, todas as empresas com mais de 100 trabalhadores foram nacionalizadas e a base económica do capitalismo foi reduzida de modo importante.(16)

É útil lembrar que na época, o estabelecimento da ditadura do proletariado foi levado a cabo com um imenso entusiasmo popular que os liberais esclarecidos não puderam negar. Pierre Paraf escreve num livro publicado em 1962 na Fayot:

«Arrastado pela história à mais frugal simplicidade, o povo das democracia populares suportou melhor que outros os duros sacrifícios que comportava o arranque da construção do socialismo, pago por vezes pelo preço do rude constrangimento ao trabalho obrigatório. O entusiasmo quotidiano vivificou a disciplina imposta pela lei. A juventude operária e intelectual entregou-se a essa construção como a uma aventura exaltante e fecunda: a do solo e do subsolo que preparava a do Cosmos. (...) O comunismo representa, desse ponto de vista, o que o cristianismo pôde representar na Idade Média, apoiado em fulgurantes conquistas da Ciência. É isto, muito mais do que as diferenças no nível de vida, que distingue um mundo do outro».(17)

Em 17 de Março de 1949, a Hungria, por ter depurado o seu sistema político dos antigos fascistas e dos colaboradores americanos, depara-se com a acusação, por parte do Departamento de Estado americano, de «violações dos direitos humanos». Assim, a arma dos «direitos humanos» que os americanos hoje brandem nas suas novas cruzadas, foi forjada no tempo do desencadeamento da guerra-fria.

Na época, a réplica do governo húngaro não tardou: vós, os defensores americanos «da liberdade, da democracia e dos direitos humanos» (assim falavam já os americanos em plena batalha pela hegemonia mundial!), dais refúgio a chefes fascistas tais como o general Karol Bartha, ministro da Guerra em 1941, a Henrik Werth, o chefe do Estado-Maior de Horthy durante a guerra, a Laszlo Bankuty e Béla Jurcsek, ministros de Szalasi, o nazi demente; protegeis no exterior o próprio regente Miklos Horthy, o general Kisbarnaki-Farkas e o tenente Gusztav Hennyey. Vós recusais extraditar para a Hungria, conforme aos acordos oficiais, todos esses dirigentes fascistas.(18)

As confissões de Rajk

É no seio do Partido Comunista, reconhecido como a força dirigente na construção do socialismo, que surgirão, a partir de então, as mais perigosas ameaças ao poder dos trabalhadores.

Em 26 de Abril de 1949, um jornal suíço, Die Tat, publica um artigo bastante estranho, baseado, segundo as suas próprias afirmações, nas confidências de John Foster Dulles:

«Os americanos ajudam activamente as Igrejas e os sindicatos não comunistas ilegais, em todos os países situados por detrás da cortina de ferro. Em Washington, onde os emigrantes de Leste são particularmente activos, o lobby anticomunista é muito dinâmico e já não fala para surdos. A partir de agora, o dinheiro e as armas chegam aos países totalitários do Leste por numerosas vias de contrabando. (...) Depois de John Foster Dulles ter anunciado há um ano, o nascimento do movimento clandestino, chamado Operação X e apoiado pelo Ocidente, muitas coisas se passaram neste domínio. O Ocidente tentou, seguindo o exemplo comunista, introduzir-se junto dos quadros e dos meios dirigentes das democracias populares e parece que o sucesso ultrapassa as expectativas.»(19)

Isto constitui uma boa introdução ao processo de Rajk Laszlo, antigo secretário do Comité Central do Partido Comunista Húngaro, antigo ministro do Interior. Citamos em primeiro lugar as declarações de Rajk aquando do seu processo público, que teve lugar de 16 a 24 de Setembro de 1949.

Retornado no Outono de 1945 à Hungria e nomeado secretário na organização do partido em Budapeste, Rajk foi, segundo disse, contactado por Kovach, membro da missão militar americana. Este último afirmava ter provas de que Rajk havia trabalhado para a polícia de Horthy.

«Mais tarde», disse Rajk, «informei Kovach de que, segundo as informações do Partido Comunista, na Hungria, os diversos elementos de direita, os partidários do regime HorthySzalasi, os trotskistas, o grupo de Weiszhaus, os partidos de direita como o Partido dos Pequenos Proprietários e a ala direita do Partido Social-Democrata tinham empreendido um poderoso trabalho de organização e tentavam colocar em todas as fábricas, instituições e gabinetes, elementos hostis à democracia popular, elementos nacionalistas, xenófobos e anti-soviéticos.»

O tenente-coronel Kovach dizia-me, continua Rajk, que

«eu devia fazer tudo para que esses elementos pudessem desenvolver a sua actividade política sem serem incomodados, na medida do possível».

Kovach pôs Rajk em ligação com Marton Himmler, um agente dos serviços secretos americanos.

«Ele queria confiar-me a tarefa», disse Rajk ao tribunal, «de assegurar a tomada do poder pelas forças de direita, de desagregar a força do Partido Comunista organizando no partido uma fracção aparte, dirigida contra Rákosi. Eu devia introduzir na opinião pública de que existe uma fracção Rajk, oposta ao Partido Comunista dirigido por Rákosi. A ideia de Himmler era a de que, se se conseguisse espalhar na opinião pública a ideia de que no seio do Partido Comunista não havia unidade, mas que, sob a minha direcção, haveria uma forte fracção nacionalista, anti-soviética e de orientação americana, isso criaria uma tal perturbação e uma tal desorganização entre as forças de esquerda, que se tornaria bem mais fácil às forças de direita tomarem a dianteira.» «Como ministro do Interior, em finais de 1946, e por instrução dos americanos», disse Rajk, «coloquei no Ministério do Interior Sandros Cseresnyes, que era o homem dos serviços de informação jugoslavos, Lazlo Marschall, que trabalhava para o 2.º Bureau, serviço de informações francês, Frigyes Major, que era agente do serviço de informações americano CIC, Béla Szasz, homem do Intelligence Service inglês. Além disso, o tenente-coronel Kovach pôs à minha disposição, no princípio de 1946, Tibor Szonyi, que era um homem seu.»(20)

Tibor Szonyi prestou ao tribunal as seguintes declarações:

«Permaneci na Suíça, a partir de finais de 1938, como emigrado político. Na Suíça, durante a guerra, achava-se o centro europeu do serviço americano de informações estratégicas do exército, o OSS. O seu chefe era Allen Dulles. Foi na Suíça, em Setembro de 1944, que Micha Lompar, um jugoslavo, me fez a proposta de entrar em ligação directa com Allen Dulles. Encontrámo-nos regularmente com Dulles em Berna, entre Setembro de 1944 e Janeiro de 1945, até ao meu regresso à Hungria. Dulles expôs-me longamente as suas concepções políticas para o pós-guerra, dizendo-me ser evidente que, em toda uma série de países da Europa Oriental que seriam libertados pelas tropas soviéticas, os partidos comunistas tornar-se-iam partidos governamentais e que, no interesse da orientação americana e da política de cooperação com a América, era preciso exercer a nossa actividade em primeiro lugar no interior do Partido Comunista.»

Mais adiante, Tibor Szonyi fala dos seus contactos com Noel Field, um colaborador de Dulles, e depois declara:

«Em Maio de 1949, Laszlo Rajk informou-me longamente e com detalhe sobre o plano de golpe de Estado. Quinze dias antes da minha detenção, disse que tinha concebido o projecto da eliminação física de homens de Estado dirigentes, a saber os ministros Rákosi, Farkas e Gero, e que o havia deliberado com o ministro do Interior jugoslavo Ránkovitch». Depois da formação de um novo governo, presidido por Rajk,

«projectava-se proceder à modificação da estrutura política do país, tomando por modelo a situação interna jugoslava. O papel dos partidos, em primeiro lugar do Partido dos Trabalhadores Húngaros, seria relegado para segundo plano na vida política para dar lugar a uma frente popular de base alargada. Encaravam-se também lentas e graduais mudanças deste género no domínio da política externa. Quanto ao programa, que consistia em fazer passar a Hungria do lado da União Soviética e das democracias populares amigas para o lado dos Estados Unidos da América, queríamos também executá-lo de maneira lenta e gradual.»(21)

Rajk, Nagy, Pozsgay, Nyers e a restauração

Estas declarações de Rajk e de Szonyi resumem-se a alguns pontos essenciais.

A vitória da contra-revolução pacífica, em 1989, ilumina estranhamente as declarações de Rajk e de Szonyi: fossem ou não culpados, necessário se torna constatar que o processo de restauração do capitalismo tem essencialmente seguido o caminho indicado pelas suas confissões. É possível que os inquiridores da época tenham querido ir demasiado longe e tenham apresentado como provas da ligação entre Rajk e os americanos elementos que não eram conclusivos.

Mas só uma nova geração de revolucionários húngaros poderá fazer sair da sombra toda a verdade sobre estes dois fenómenos capitais: a actividade dos serviços secretos ocidentais e a evolução do oportunismo no seio do Partido no decurso dos anos 1945-1953. Eis algumas razões disso.

Hoje, a CIA tornou público certo número das suas actividades na Europa de Leste. O que se segue provém de um livro de um jornalista inglês, Stewart Steven, que revela algumas verdades, sem dúvida para encobrir melhor outras operações e outras pessoas.(22)

É sabido agora que o tenente-coronel polaco Josef Swiatlo, que teve um papel importante no processo contra Rajk, foi recrutado em 1948 pelos serviços ingleses, antes de ser transferido para a CIA.

Nesse momento, Swiatlo é o número dois do 10.° Bureau da Segurança, aquele que segue os assuntos do Partido e do Governo. Figura entre a dúzia de pessoas mais importantes da Polónia Socialista e pode determinar, em larga medida, o futuro de todos os quadros. Acerca do capitão Michael Sullivan que o recrutou, sabemos isto:

«Desde que a Polónia foi libertada (1944), Sullivan foi para lá como chefe de uma missão de abastecimento britânica e, a coberto de caridade, organizou uma das mais complexas e mais elaboradas redes de informação política que até agora se podem encontrar no mundo».(23)

Allen Dulles, o chefe da CIA, mostra-se encantado assim que Swiatlo entra ao seu serviço.

«Dulles insistiu para que ele fosse posto de reserva, durante 20 anos se necessário, até que o grande golpe pudesse ser montado».(24)

Mas rapidamente Swiatlo recebeu a missão de montar falsas acusações contra os quadros comunistas que teriam entrado ao serviço da CIA. Swiatlo inventa então uma rede de espionagem com ramificações internacionais, na qual desmascara como alavanca operária Noel Field, que foi durante a guerra director para a Europa da organização de entreajuda protestante dos unitarianos americanos.(25) Field é um simpatizante comunista e conhece pessoalmente grande número de dirigentes das democracias populares. Swiatlo prova que Field, diplomata do Departamento de Estado americano desde 1926, trabalha para a CIA sob as ordens directas de Dulles e que recrutou quadros importantes na maior parte dos países comunistas da Europa de Leste. A Segurança Soviética recebe de várias fontes a confirmação desta acusação.

Field estava inocente? Terá sido vítima de um complot da CIA com Swiatlo, como afirma o autor Steven? Seja como for, anos mais tarde, o próprio Field confirmará o seguinte. Robert Dexter trabalhava durante a guerra, sob as ordens de Field na missão protestante dos unitarianos na Europa. Dexter era um oficial da OSS, o serviço de informações americano, dirigido a partir de Berna por Allen Dulles. Dexter pôs Field em contacto com Dulles, com a confessada intenção de o recrutar para a OSS. Depois disso, Field introduziu junto de Dulles vários comunistas de diversos países, entre os quais alemães e jugoslavos.(26)

Segundo as palavras de Swiatlo, este utilizou a «rede Field» para acusar falsamente quadros comunistas como Rajk na Hungria e Slansky na Checoslováquia. Conseguiu operar devastações no topo do Partido polaco fazendo prender o número dois, Jakub Berman, e depois Wladyslav Gomulka. Assim que as suspeitas começaram a concentrar-se sobre si mesmo, Swiatlo passou-se para o Ocidente, em 21 de Dezembro de 1953.(27)

Esta história prova-nos, pelo menos, que os serviços secretos ocidentais conseguiram recrutar nos países socialistas, gente altamente colocada. Utilizaram alguns dos seus homens para montar provocações entre os quadros comunistas. A existência de tendências oportunistas e nacionalistas nesses partidos oferecia-lhes um terreno ideal. Comunistas honestos, mas que manifestavam inclinações sociais-democratas, tornavam-se facilmente vítimas de complots montados pelos americanos. Não só a CIA semeava a cizânia dentro do Partido, mas contava colher, anos mais tarde, dividendos suplementares destas operações: falsamente acusados de ligações à CIA, injustamente presos e muitas vezes maltratados, estes homens podiam ser mais facilmente ser recrutados em seguida, após haverem sentido na carne as malfeitorias do «stalinismo». Assinalemos ainda ser muito provável que as revelações de Swiatlo, feitas nos Estados Unidos, revelando-nos algumas verdades, servissem também para proteger homens que continuaram a trabalhar para os serviços americanos.

Na áspera luta de classes que caracteriza os primeiros anos da edificação socialista, os comunistas estavam assim confrontados com dois fenómenos diferentes mas muitas vezes interligados: a existência de correntes oportunistas e nacionalistas que, levadas ao extremo da sua lógica, se uniam ao campo imperialista e da acção subversiva dirigida directamente pelas potências imperialistas.

Caberá aos futuros historiadores revolucionários húngaros desenredar todo este novelo de lutas diversas que constitui o caso Rajk.

Mas a essência política deste processo, tal como os comunistas húngaros o olhavam na época, pode resumir-se deste modo: no decurso da luta de classes que se desenrola nas condições do socialismo, os elementos oportunistas e nacionalistas burgueses no seio do Partido, evoluem muitas vezes para um programa abertamente restaurador e entram, pelo caminho, em ligação aberta com as potências imperialistas e com a reacção interna. E é contra esta lição, essencial para a consolidação do socialismo, que se obstinam raivosamente todos os fanáticos do anti-stalinismo.

«O processo de Budapeste», escreve François Fejto, «foi uma cerimônia de culto. O absurdo das teses expostas, o seu evidente non-sens, tinha uma função social e religiosa.»(28)

Este autor procura esconder, com o seu verbalismo venenoso, o fundamento político da luta em curso de que ele, no entanto, se dá perfeitamente conta.

«Na Hungria», confessa Fejto, «Tito possuía numerosos simpatizantes entre os velhos militantes do Partido, com o ministro do Interior Laszlo Rajk à cabeça».(29)

Estes processos, continua lucidamente, constituem «uma vasta ofensiva contra as tendências autóctones reformistas e nacionais», querendo Rajk e os outros fazer

«concessões reais às aspirações nacionais e liberais das populações por meio de uma realização das “virtualidades democráticas” do socialismo».(30)

Deste modo, Fejto descreve perfeitamente a orientação nacionalista-burguesa, anti-soviética, e a deriva social-democrata, reformista, cujos primeiros sintomas eram já aparentes em 1949-1953, e que acabaram, após longa incubação, por derrubar o socialismo em 1989. Quando Tito, em 1950, apoiou a agressão americana contra a Coreia, a verdadeira natureza desta orientação não é susceptível de dúvidas. Fejto admite que Rajk pertencia a essa mesma corrente.

Aquando do segundo enterro solene de Rajk, em 6 de Outubro de 1956, Imre Nagy, num gesto patético, abraçou a viúva de Rajk. Duas semanas mais tarde, Nagy encabeçava um movimento que mesmo Tito, seu protector, teve de classificar de contra-revolucionário.

Em 1988, foi possível assistir-se ao remake(31) do funeral de Rajk, organizado com grande pompa. Alguns meses mais tarde, os dirigentes do Partido húngaro que presidiam à homenagem, restabeleciam o capitalismo privado, acolhiam triunfalmente o presidente dos Estados Unidos, deixavam o Pacto de Varsóvia e declaravam a sua intenção de se juntarem à NATO. Mas quando os comunistas acusaram Rajk e Nagy de terem entrado precisamente nessa via, toda a imprensa burguesa berrou tratar-se de mentiras grotescas, de acusações absurdas, de efabulações inacreditáveis. Importa portanto sublinhar, independentemente até da culpabilidade efectiva de Rajk no que toca a algumas das acusações pronunciadas contra ele, que a direcção de Rákosi tinha, nos anos 1948-1953, agarrado bem os mecanismos essenciais da luta de classes sob o socialismo.(32)

A ofensiva americana

No princípio de 1948 é editado nos Estados Unidos um jornal de extrema-direita húngaro, que tem por título Amerikai Magyar Nepszava. O seu director é Zoltan Pfeiffer, antigo proprietário de terras e deputado próximo de Horthy. Entre os colaboradores, o fascista Tibor Ekhardt, o chefe da direita húngara Ferenc Nagy e o social-democrata Karoly Peyer. Em 27 de Maio de 1948, o presidente Truman envia uma carta aos editores:

«O povo húngaro combate atrás da cortina de ferro para reconquistar a sua liberdade e para edificar um Estado verdadeiramente democrático. Neste combate e no centro destas aspirações, estais vós de quem o povo espera as suas directivas. Estou convicto de que vós, que gozais dos benefícios da democracia americana, não os abandonareis.»(33)

Os americanos são nessa altura os protectores da organização fascista Comunidade Fraternal dos Guerreiros Húngaros, com sede na Alemanha Ocidental e dirigida por Ferenc Kisbarnaki-Farkas e Andras Zako, dois homens do fascista louco Szalasi. No seu Boletim Central n.° 12, de Abril de 1950, escrevem:

«Qual é a nossa finalidade? Ajudar todos os que se dispõem a lutar para libertar a Pátria húngara do bolchevismo, não apenas pela palavra escrita mas também, chegado o momento, pelos actos e pelas armas.»

No n.° 13 do mês de Maio, precisam:

«Temos o direito de esperar, em virtude da evolução provável dos acontecimentos internacionais, que as forças militares dos Estados Unidos nos abrirão o caminho do regresso.»(34)

O Le Monde escreve em 2 de Outubro de 1951:

«Um crédito de 100 milhões de dólares está previsto no projecto de lei americano sobre a ajuda militar e económica ao estrangeiro, com vista a permitir a constituição de corpos especiais de refugiados dos países a Leste da cortina de ferro. Estas unidades, precisam as informações de Washington, serão misturadas com as divisões americanas e integradas no exército do Atlântico».

Assim, em 1950, dois mil e quinhentos refugiados são incorporados no exército americano. Após cinco anos de serviço, poderão obter a nacionalidade americana. O porta-voz do primeiro grupo húngaro, Thomas Dosa, combateu durante um ano no exército fascista na frente Leste.(35)

Em 1950, os serviços da guerra psicológica do exército americano, por decisão do seu governo, lançam o projecto Radio Free Europe. Despacho da Reuter, de 25 de Outubro de 1950:

«O general Lucius D. Clay, antigo comandante da zona americana, anunciou que o serviço colocado sob a sua direcção, está a construir potentes emissores para apoiar a propaganda dirigida aos países por detrás da cortina de ferro. O pessoal será recrutado entre aqueles que fugiram recentemente de países do Leste europeu, aos quais esta propaganda é destinada. (...) Se esta actividade levar a acções subterrâneas nos países em questão “não ficaremos surpreendidos”», afirmou, para continuar de seguida: «”Não há limites ao que podemos fazer e ao que faremos”.»(36)

A partir de 1950, os Estados Unidos empenham-se activamente numa política dita de «libertação das nações cativas», das quais James Burnham, braço direito de Trótski até 1940, se apresenta como advogado. É a época em que Burnham e quase todo o establishment americano aguardam com uma paixão impaciente a guerra, ou melhor, a Terceira Guerra Mundial.

«A política de libertação revela-se um preventivo da guerra geral. A política de libertação, na medida em que tiver êxito, fustiga por detrás da frente soviética e corta as linhas de comunicação dos sovietes. Ao mesmo tempo desperta os elementos internos que são, do ponto de vista soviético, mais susceptíveis de desconjuntar o regime. Mas, a longo prazo, embora não seja inevitável, a guerra geral continua provável».(37)

É neste contexto global que Burnham situa a actividade americana na Hungria e na Europa de Leste.

«As palavras por si só não serão suficientes para convencer as massas de que a América se empenha em libertá-las. É necessário que ela o demonstre todos os dias pelos seus actos. Essa demonstração será feita de três maneiras: guerra política por todo o lado; acções auxiliares militares e paramilitares lá onde as circunstâncias o exigirem; preparação apropriada para qualquer acção militar que venha a verificar-se necessária no futuro. Os Estados Unidos estão desde já activos nestes três planos. A mudança política alargará o seu raio e acentuará o ritmo destas actividades, sobretudo a guerra política.»(38)

Esta política de conquista e de hegemonia americana será vendida na Hungria com a marca da «independência nacional»: É arrancando a Hungria à influência soviética e ao seu futuro socialista ligado aos destinos do socialismo soviético que os americanos pretendem atribuir-se um ramalhete de neocolónias na Europa Central.

O desencadear da luta contra o «stalinismo»

Logo após a morte do camarada Stáline, o Comité Central do Partido dos Trabalhadores Húngaros, na sua sessão de 27 e 28 de Junho de 1953, critica os «erros esquerdistas» da direcção de Rákosi, Gero e Farkas, e nomeia Imre Nagy, um oportunista de direita de longa data para o cargo de primeiro-ministro. Nagy afirmou sempre que a democracia popular não devia ser definida como uma forma de ditadura do proletariado. Crê que a Hungria deve passar por um estádio de capitalismo de Estado e que as forças produtivas no campo desenvolver-se-ão mais rapidamente com uma política de apoio aos camponeses médios. Afirma, além disto, querer evitar que a Hungria seja envolvida na confrontação entre os blocos. Em 1954, à cabeça do governo, Nagy desenvolve um programa centrado sobre a «unidade nacional», apelando aos nove milhões e meio de húngaros para que unam os seus corações e as suas almas.(39) Mas em Novembro de 1955, Rákosi consegue fazer expulsar do Partido o revisionista Nagy.

Imediatamente após o XX Congresso do PCUS, os oportunistas húngaros lançam-se numa crítica redobrada ao «stalinismo» de Rákosi. No dia 1 de Julho de 1956, Imre Nagy declara-se pronto a

«lutar, ombro com ombro, para eliminar as distorções stalinistas do marxismo nos domínios ideológico, político e metodológico» e jura fidelidade às ideias e aos princípios de Lénine».(40)

A Associação dos Escritores Húngaros manda os seus melhores plumitivos fazer campanha por Imre Nagy, que se torna num ápice a principal vedeta da Radio Free Europe e da BBC. Em 17 de Setembro, a Associação vira-se contra «a resistência burocrática, sectária e dogmática» e apela à luta contra «o perigo de uma restauração stalinista e rakosista».(41)

O Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos consagra, em finais de Junho de 1956, uma reunião especial dedicada à agitação a Leste. Em 29 de Junho, John Foster Dulles resume assim as conclusões:

«O Mundo Livre deve estar unido para exercer pressões que irão acelerar a desintegração completa do comunismo internacional e, talvez, o actual sistema da União Soviética. É necessário sobretudo intensificar a pressão sobre os países satélites, o que pode conduzir à sua completa libertação.»(42)

Curvando-se sob a campanha contra Stáline, levada a cabo conjuntamente por Nikita Khruchov e pela Radio Free Europe, pelo grupo de Imre Nagy e pela velha direita húngara, o Partido dos Trabalhadores decide organizar um novo funeral solene das «vítimas do stalinismo». Em 6 de Outubro, a «reencenação» destes funerais transforma-se em festa anticomunista. 300 mil pessoas, entre nostálgicos e ingénuos confusos, proclamam Imre Nagy como seu ídolo.

Nas semanas que se seguem, a maior parte dos estudantes e dos intelectuais participam nas manifestações nacionalistas dirigidas contra a presença das tropas soviéticas, pela retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia e pela recuperação dos territórios perdidos após a «derrota» de 1944. O nacionalismo burguês apresenta-se sob um duplo aspecto: anti-soviético pela sua aversão ao primeiro país socialista e adepto da ideologia fascista pela sua nostalgia dos 25 anos de «grandeza» húngara.

A CIA dita o programa da «revolução»

A partir de 23 de Outubro de 1956 propagam-se por toda a parte manifestações contra o governo socialista. A Radio Free Europe, segundo Robert T. Holt, um dos seus principais responsáveis, recebe todos os dias do quartel-general em Nova Iorque, instruções técnicas detalhadas. A rádio da CIA prega uma política de ampla unidade popular, alertando contra qualquer forma de precipitação. É necessário glorificar os valores nacionais húngaros e pedir um «aperfeiçoamento» e uma «rectificação» do sistema socialista. No decurso da acção poder-se-á, passo a passo, elevar a qualidade das reivindicações. Com essa finalidade, a CIA lança a palavra de ordem:

«Fazer da revolução uma revolução permanente!».(43)

Ainda a partir de 23 de Outubro, os amotinados levam a cabo ataques armados de pequena envergadura. Em 25, o coronel Pal Maléter, encarregado de reprimir os insurrectos, passa para o lado da contra-revolução. O conselheiro militar da Radio Free Europe, Julian Borsanyi, antigo tenente-coronel do exército de Horthy, a pretexto de «discutir a maneira como os insurrectos operam», dá instruções para a condução da insurreição.(44) A Comissão da Radio Free Europe financia o Centro Militar, estabelecido em Viena, que coordena a ajuda militar do estrangeiro. O general Andras Zako, chefe da principal organização fascista húngara, toma o comando do Centro. Os ataques armados a Budapeste são dirigidos por pessoas com grande experiência da guerra e da guerrilha: oficiais do exército de Horthy, membros das milícias fascistas das Cruzes de Setas e alguns trânsfugas do exército húngaro. Começa assim o que The New York Herald Tribune chama, em 17 de Novembro de 1956:

«A primeira batalha da Terceira Guerra Mundial pelos valores ocidentais».(45)

Durante esta primeira fase da contra-revolução, o Partido organiza Guardas Operárias nas fábricas e oficinas e distribui-lhes certa quantidade de armas. O exército húngaro permanece, na maioria, leal ao governo e leva a cabo operações eficazes, com o apoio de unidades soviéticas.(46) Em 28 de Outubro, os insurrectos anticomunistas estão praticamente derrotados.

No mesmo dia, o quartel-general da Comissão da Radio Free Europe envia de Nova Iorque um telegrama para Munique, contendo um «programa de oito pontos» para a insurreição húngara. Este será imediata e intensamente divulgado pela Radio Free Europe e retomado por quase todos os grupos anticomunistas. Eis o essencial desse programa:

  1. Retirada imediata e total de todas as tropas soviéticas do território húngaro.
  2. Dissolução integral e imediata da AVH (Força de Segurança do Estado). (...)
  3. Amnistia total para todos os combatentes da liberdade que participaram na insurreição.
  4. Exclusão do novo governo provisório de todas as pessoas que, de um modo ou de outro, estiveram associadas ao regime, ao governo ou à direcção superior do Partido após o último governo de Nagy.
  5. A maioria do gabinete do novo governo provisório deve provir de diferentes grupos patrióticos numa base representativa.
  6. Reunião imediata de uma Assembleia Constituinte, escolhida em eleições livres e secretas, para redigir uma nova carta de governo e um programa de acção. (...)
  7. Retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia.
  8. Manutenção dos conselhos operários e outros conselhos locais formados durante a crise e comunicação permanente entre eles até que as condições mencionadas estejam preenchidas.(47)
O revisionista Nagy à cabeça do governo

No momento em que a contra-revolução se desencadeia no país, a firmeza do Partido Comunista adquire uma importância decisiva para o resultado da luta. Ora, o Partido encontra-se num estado lastimoso. Quando o comité central se reúne em 23 e 24 de Outubro, é abalado por um vento de pânico. Em lugar de se orientar para a firmeza e para a mobilização das massas fiéis ao socialismo, os seus membros procuram refúgio na Grande Unidade. A tendência Mathias RákosiErno Gero, tratada de «stalinista» por todos os lados, encontra-se já bastante isolada. O grupo Janos KadarFerenc Munnich, tornado maioritário, apela à unidade de todos os comunistas, mesmo aos homens Imre Nagy. Imre Nagy é restabelecido na qualidade de membro do partido e é-lhe oferecido o cargo de primeiro-ministro! No entanto, toda a gente sabe que Nagy se acha na base da agitação antigovernamental nos meios estudantis e intelectuais. Como dirá Kadar mais tarde:

«Estávamos reticentes em tomar a decisão muito séria de revelar ao mundo que não havia unidade no seio do órgão dirigente superior do Partido e do governo.»(48)

Em 23 de Outubro, Nagy dá o seu acordo para apelar a ajuda do Exército soviético. Mas cinco dias mais tarde, em 28 de Outubro, no momento em que os contra-revolucionários se encontram encurralados, Nagy decreta na rádio um cessar-fogo imediato e geral e anuncia a retirada das tropas soviéticas de Budapeste!

«O governo rejeita a ideia de que o largo movimento popular que se desenvolve na hora actual seja uma contra-revolução», exclama.

E a revolta torna-se

«um movimento nacional e democrático» visando garantir «a nossa independência nacional, a nossa autodeterminação e soberania».

Nagy prossegue:

«O governo apoiará os novos órgãos democráticos criados por iniciativa do povo e integrá-los-á na administração do Estado».

Anuncia a criação de uma nova força de segurança, formada a partir de

«unidades do exército, da polícia e também das unidades armadas de operários e de jovens».(49)

De facto, o revisionista Nagy retoma por sua conta o essencial do programa ditado pela Radio Free Europe.

A 29 e 30 de Outubro, o Exército Vermelho retira de Budapeste. Uma vaga de euforia leva às nuvens os contra-revolucionários. Nagy recebe um dos principais chefes dos «combatentes da liberdade», Dudas, que fez seus os «oito pontos» da CIA. No dia seguinte, a Radio Free Europe anuncia:

«Parece possível que a democracia multipartidária seja restaurada na Hungria e que a Hungria possa assumir uma posição de liberdade e de neutralidade segundo o modelo austríaco».(50)

Nagy à cabeça da contra-revolução

Partindo da sua oposição ao «dogmatismo», ao «sectarismo» e ao «stalinismo». Imre Nagy passa em poucos dias para a contra-revolução aberta. Em 30 de Outubro, declara na rádio:

«O governo reconhece todas as autoridades locais, autónomas e democráticas, criadas pela revolução, nós apoiamo-nos nelas e pedimos-lhes o seu apoio.» E prossegue: «O gabinete aboliu o sistema de partido único e coloca o governo na base da cooperação democrática entre partidos de coligação, como existiam em 1945.»

No Presidium do Partido dos Trabalhadores Húngaros, Nagy acaba de obter uma maioria para... dissolver o partido e formar um novo! Núcleos dos antigos partidos burgueses foram já estabelecidos sob o impulso de emigrados anticomunistas. Estes partidos que se haviam estilhaçado entre 1945 e 1948 nos combates travados entre os elementos reaccionários e os elementos antifascistas, renasciam agora como forças abertamente de direita e pró-imperialistas. Em 1 de Novembro, o Partido dos Pequenos Proprietários escreve:

«Queremos uma nova constituição, uma República em lugar de uma República Popular.» Numa circular de 31 de Outubro, este partido afirma-se como «partidário incondicional da empresa privada e da economia privada».

Em 2 de Novembro, Jozsef Pasztor, o dirigente da Social-Democracia, declara:

«O Partido aceita a propriedade privada.»

O programa do Partido da Independência Húngaro menciona:

«4. A inviolabilidade da propriedade privada (...) 6. Pôr em prática a democracia pura, eterna e burguesa.»(51)

Em 30 de Outubro, Imre Nagy liberta o cardeal Mindszenty da prisão e este apressa-se a declarar:

«Vou continuar do ponto onde fui forçado a parar há oito anos.»(52)

Nas suas memórias, Eisenhower anota as suas reflexões de 1 de Novembro de 1956:

«O problema da Hungria é que os insurrectos têm falta de um dirigente forte que tenha autoridade. Imre Nagy falha e os insurrectos pedem a sua demissão. O cardeal Mindszenty poderia ser esse dirigente, se for apoiado pelo fervor católico do povo húngaro.»(53)

Na rádio, em 3 de Novembro, Mindszenty saúda o «povo» e a «luta armada», denuncia o «império russo» e declara que «o antigo regime já foi varrido».

«Nós queremos ser um país e uma nação com um espírito exclusivamente cultural-nacional, baseado na propriedade privada que é limitada pelas obrigações sociais.»(54)

Em 31 de Outubro, Nagy anuncia a sua intenção de se retirar do Pacto de Varsóvia e no dia seguinte proclama a neutralidade da Hungria, concluindo o discurso com as palavras: «Viva a Hungria livre, independente, democrática e neutra!» A Hungria cessou de ser socialista. E a bandeira da independência esconde mal que as formações de insurrectos dependem, em grande parte, do imperialismo. O Bureau da Internacional Socialista, reunido em Viena, e o presente Eisenhower, em Nova Iorque, prometem imediatamente uma «ajuda económica» para reerguer a economia da Hungria.(55)

Entretanto, os generais Béla Kiraly e Maléter distribuíram milhares de armas aos insurrectos. Kiraly e dois outros oficiais de Horthy constituem, em 1 de Novembro, um Comité de Reabilitação a fim de criar um corpo de oficiais do antigo regime fascista: apresentam-se 500...(56) E no mesmo dia, Nagy nomeia Pal Maléter, o general que se havia passado para os insurrectos, para o cargo de ministro de Defesa!(57)

Na cidade de Gyor, na Transdanúbia, a parte da Hungria que tem fronteira com a Áustria, um Conselho Nacional transdanubiano apresenta-se como governo alternativo. O presidente do Conselho, o antigo edil social-democrata Udvaros, numa entrevista, expõe a sua orientação:

«O Conselho sofreu uma evolução nacionalista. Os comunistas refugiaram-se junto dos russos que têm a guarnição nos arredores de Gyor. O primeiro objectivo da multidão foi a destruição da polícia política. Em Gyor eles eram uma centena, os chefes foram mortos e os outros fugiram. Nós somos contra a colectivização das terras. Damos toda confiança a Nagy. Aliás, ele recebeu a nossa líder, Anna Ketly, e assegurou-nos que partilhava os pontos de vista do Conselho Nacional transdanubiano. Enfim, aqueles que fizeram esta revolta estão no governo, com Pal Maléter, que acaba de ser chamado ao Ministério da Defesa Nacional. Em caso de eleições, a maioria dos votos iria para um partido clerical, na proporção de 60 por cento. O partido social-democrata poderia obter 18 a 20 por cento.(58)

O general Zako, chefe do Cruz de Flechas, viaja de Viena para Gyor e uma delegação de Gyor parte para Munique para encontrar-se com o tenente-coronel Julian Borsanyi, antigo horthysta e cérebro na Radio Free Europe...(59)

A direita inicia a caça aos comunistas: três mil são presos pelos contra-revolucionários. O jornal Nova Hungria escreve em 2 de Novembro:

«A nossa polícia neutraliza os inimigos da revolução nacional. (...) A operação de limpeza começou sob o controlo do Comité Revolucionário das Forças Especiais.»(60)

O Partido da Cruz de Flechas e fundamentalistas católicos levam o espírito de vingança ao ponto de inquietar um jornalista de direita como Alain de Seydouy, embora se trate de um fanático da «Indomável Hungria». O seu texto, publicado com esse título, diz a propósito dos últimos dias da insurreição:

«Aproveitando a fraqueza do governo Nagy, elementos da extrema-direita, como Dudas, podiam fazer temer o retorno de elementos fascistas, o que agora é explorado a fundo pelos stalinistas. Desde a sua libertação, que o cardeal Mindszenty multiplicou as declarações imprudentes. Enfim, a desaparição dos comunistas de todos os postos-chave lançou o país na anarquia. O próprio Tito se mostrou inquieto.»(61)

Estas notas de um anticomunista declarado constituem uma excelente introdução à análise que o grupo de Mandel apresentou sobre a contra-revolução húngara. O 9.º congresso mundial trotskista prestou homenagem aos revoltosos húngaros nos seguintes termos:

«A revolução húngara de Outubro-Novembro de 1956 foi mais longe na via da revolução política antiburocrática plenamente desenvolvida(62)

É nestes termos que Mandel nos revela que a contra-revolução armada húngara era o trotskismo «plenamente desenvolvido».

Kadar e a sua ama Nikita Khruchov

Em 1 de Novembro, Janos Kadar e Ferenc Munnich, dois membros do governo Nagy, decidem romper com o primeiro-ministro. No dia seguinte recebem o apoio de Gyorgy Marosan, Antal Apro, Imre Horvath e Karoly Kiss. Proclamam a constituição de um governo revolucionário de operários e camponeses que apela ao exército soviético para restabelecer a ordem. Em 4 de Novembro, o Exército Vermelho ataca as duas bases principais dos insurrectos, que agrupam cerca de dez mil homens armados. Os combates violentos duram dois dias. Em 9 de Novembro, os principais chefes da contra-revolução passam para o Ocidente. De 23 de Outubro a 9 de Novembro, contou-se três mil mortos.(63)

Kadar opôs-se à contra-revolução aberta e ao revisionismo extremo de Imre Nagy. No entanto, o próprio Kadar contribuiu para repor Nagy à cabeça do governo, do qual, aliás, fez parte. Além disso, atacou furiosamente a linha revolucionária defendida por Rákosi. A sua proclamação, em nome do governo revolucionário, em 4 de Novembro de 1956, começa com frases:

«Em 23 de Outubro, nasceu um movimento popular. A finalidade desse movimento era a liquidação do regime criminoso de Rákosi e dos seus cúmplices, a aquisição da nossa independência nacional e a defesa da nossa soberania nacional. Devido à fraqueza do governo de Imre Nagy, elementos contra-revolucionários conseguiram infiltrar-se nesse movimento.»(64)

No que ele chama de resolução histórica de 5 de Dezembro de 1956, Kadar inscreveu o seguinte:

«Desde o final de 1948, a clique RákosiGero desviou-se dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo(65)

Assim, todas as vitórias obtidas durante a revolução, na edificação económica e na repressão da reacção, foram denegridas como sendo desvios.

Kadar é um órfão da social-democracia húngara, adoptado pela sua ama Nikita Khruchov. Rákosi é um bolchevique autêntico, combateu ao lado de Béla Kun em 1920, foi encerrado nas prisões de Horthy de 1927 a 1940. Mas, depois da guerra, o seu Partido foi formado por um agrupamento de forças diversas, grandemente influenciadas pela social-democracia. Rákosi não conseguiu unificar os quadros numa óptica marxista-leninista, através de um trabalho ideológico, político e organizacional em profundidade. O Partido continuou a ser um saco de diversas e variegadas correntes.

O «stalinista» Rákosi foi eliminado do topo do Partido após uma intervenção directa do PCUS. Nikita Khruchov também impeliu à reabilitação de Rajk, à libertação de Kadar (preso em 1950 por causa da sua orientação titista) e à reintegração de Nagy.(66)

Em Junho de 1956, no momento em que a contra-revolução se desenrola ao olhos de todos, Suslov tem nas suas mãos uma autocrítica escrita por Imre Nagy, em quem tem total confiança, afirmando que a situação na Hungria tende a normalizar-se. Após os primeiros combates em Budapeste, Andrópov, o embaixador soviético, afirma:

«Não podemos considerar os insurrectos como contra-revolucionários, porque há entre eles gente honesta. O novo governo [de Nagy] é bom e é necessário que seja mantido para estabilizar a situação. Nagy procura manter a ligação com as massas.»(67)

São os soviéticos que, em 2 de Novembro, reúnem Kadar e os seus amigos na Crimeia e que, após concertação com Tito, impõem Kadar como novo chefe do Partido.(68)

Nikita Khruchov, Tito, Kadar e Nagy estavam ligados pela sua defesa comum de uma política revisionista e pela luta contra o «stalinismo». Só no momento em que Nagy passou abertamente para o lado do imperialismo e ameaçava, por consequência, a própria base do poder de Nikita Khruchov, é que este reagiu.

Lénine a propósito da revolução húngara

O episódio crucial da luta interna no Partido situa-se no início da insurreição, com a reintegração de Nagy e a sua nomeação como primeiro-ministro. No momento em que a luta de classes se transformava abertamente em guerra civil, os revisionistas, em nome do anti-stalinismo, agiram de forma diametralmente oposta aos ensinamentos de Lénine. Algumas das suas observações parecem ter sido escritas, com 40 anos de antecedência, tendo em vista os acontecimentos de Budapeste em 1956.

É a propósito do oportunismo no Partido Comunista Húngaro (já!) que Lénine escreve, em 1920:

«Não há dúvida de que uma parte dos socialistas húngaros passaram sinceramente para o lado de Béla Kun e se declaram sinceramente comunistas. Mas a essência da questão em nada se altera por isso: um homem que se proclama ”sinceramente” comunista, que na prática, em vez de uma política impiedosamente firme, invariavelmente resoluta, abnegadamente audaciosa e heróica (só uma tal política corresponde ao reconhecimento da ditadura do proletariado) vacila e se mostra pusilânime, esse homem comete, pela sua falta de carácter, pelas suas vacilações, pela sua indecisão, a mesma traição que o traidor autêntico. No plano pessoal a diferença entre o traidor por fraqueza e o traidor por intencional e premeditado é muito grande; do ponto de vista político essa diferença não existe, porque a política é de facto o destino de milhões de pessoas, e esse destino não se altera pelo facto que milhões de operários e camponeses pobres serem traídos por traidores por fraqueza ou de traidores por interesse.»(69)

A conclusão de Lénine é inapelável: nos momentos decisivos é necessário afastar os dirigentes oportunistas, hesitantes. Nikita Khruchov e Kadar farão exactamente o oposto: em plena guerra civil, fazem entrar no Partido, em nome da «unidade», os oportunistas e os traidores que tinham sido expulsos! Também neste ponto salta aos olhos que o dito «anti-stalinismo» visa directamente o próprio coração da obra de Lénine. Este havia tirado da sua experiência o seguinte ensinamento geral:

«Tendo nas suas fileiras reformistas e mencheviques não é possível vencer na revolução proletária, não é possível defendê-la. (...) Na Rússia ocorreram muitas vezes situações difíceis, quando seguramente o regime soviético teria sido derrubado se os mencheviques, reformistas e democratas pequeno-burgueses permanecessem dentro do nosso partido (... ) Num tal momento, não só é absolutamente necessário o afastamento dos mencheviques, reformistas e turatistas(70) do partido, mas também pode mesmo tornar-se proveitoso o afastamento de excelentes comunistas susceptíveis de vacilar e que revelam oscilações para o lado da “unidade” com os reformistas, o afastamento de todos os cargos de responsabilidade. (...) Nas vésperas da revolução e no momento da luta mais encarniçada pela vitória, as menores vacilações dentro do partido são capazes de arruinar tudo, de fazer fracassar a revolução, de arrancar o poder das mãos do proletariado».(71)

Assim, aqueles que esmagam a contra-revolução aberta de 1956 renunciaram eles próprios às concepções revolucionárias da ditadura do proletariado.

Os oportunistas e os agentes do imperialismo, quanto a esses, tiram uma conclusão maior da sua derrota; é preciso conquistar posições no interior do Partido e fazer, discretamente e por longo período, um trabalho de divisão e de restauração.

Como Kadar fez apodrecer o Partido

Depois de terem seguido durante 30 anos estradas paralelas, kadaristas e agentes da CIA caem finalmente, em 1989, nos braços uns dos outros para realizarem a contra-revolução pacífica. No segundo centenário da Revolução Francesa, o Partido Comunista Húngaro rendeu-se praticamente sem resistência, revelando-se a grande maioria dos seus quadros como sendo burgueses sem máscara.

É importante recordarmos que concepções ideológicas e políticas mascararam esse apodrecimento gradual e total.

Vejamos algumas teses do Partido Socialista Operário Húngaro a meio caminho entre a contra-revolução violenta de 1956 e a contra-revolução pacífica de 1989. Estamos em 1974­1975. Como era de esperar tudo vai pelo melhor.

«O nosso povo segue o nosso Partido, o poder operário é forte, as posições do socialismo são sólidas.»(72)

Kadar dixit.

«A roda da história rodou muito: a Hungria deixou para sempre de ser o país dos senhores parasitas, dos exploradores; os capitalistas, os imperialistas perderam o país e jamais haverá um único pedaço de terra que lhes pertença.»(73)

O sempre e o nunca de Janos Kadar durarão exactamente 14 anos.

As duas primeiras grandes ideias de Kadar são a extinção da luta de classes e a democracia para interesses sociais diferentes. Com a primeira, ele impede que a ditadura do proletariado se abata sobre os burgueses antigos e novos; com a segunda, assegura a esses mesmos burgueses espaços de livre desenvolvimento.

«A actividade política das forças internas anti-socialistas vem enfraquecendo cada vez mais; a função repressiva do Estado orientou-se cada vez mais para a ameaça externa.»(74)

Em todos os tempos os revisionistas fazem crer que os burgueses se retiram tranquilamente de cena ou se convertem em partidários do «socialismo». Não é preciso atacá-los.

«O Estado da ditadura do proletariado transformar-se-á gradualmente num Estado socialista de todo o povo.»(75)

Quem quiser que acredite. Liquidámos, diz Kadar,

«o dogma insensato segundo o qual a luta de classes se intensifica à medida que o socialismo avança».(76)

Assim, a contra-revolução violenta de 1956 não terá ensinado nada a este oportunista. Ele continua a sonhar que a luta de classes se apaga calmamente sob a ligeira brisa.

Os revisionistas não negam a luta de classes, mas pretendem que as diferentes classes amam, com uma paixão comum, o socialismo!

«Uma das maiores conquistas da nossa revolução é a unidade nacional de espírito socialista que respeita a todas as classes, todas as camadas fundamentais da nossa sociedade.»(77)

Graças a esta manha, os pequenos e médios capitalistas «trabalhadores» prosperam, os burocratas apropriam-se dos frutos do trabalho colectivo, os intelectuais tecnocratas prosternam-se diante das proezas das multinacionais ocidentais e os quadros corruptos multiplicam-se. Tudo em nome da diversidade de interesses!

«No nosso país, a livre expressão pública dos interesses que existem na nossa sociedade, a apresentação das divergências de interesses que com eles aparecem são garantidas sem a pluralidade dos partidos.»(78)

Este desenvolvimento progressivo das forças reaccionárias, capitalistas, pró-imperialistas, foi levado a cabo sob a bandeira tão popular no Ocidente, da democracia. O «socialismo morreu por falta de oxigénio democrático», pode ouvir-se por aí nos nossos dias. No entanto, é precisamente agitando a palavra de ordem de democracia que os revisionistas húngaros minaram, durante longos anos, o socialismo até ao seu total abastardamento. Eis o que o kadarismo badalava a qualquer propósito:

«No decurso da edificação de um socialismo desenvolvido, o papel da democracia é decisivo não apenas nos locais de trabalho mas também na vida do Partido, na vida pública. (...) A democracia conduz-nos, bem como muitas outras coisas, a um Estado de todo o povo».(79) «O socialismo e a democracia são dois conceitos inseparáveis um do outro.»(80)

Sim, inseparáveis, até ao dia em que a democracia para os burgueses terá acabado por liquidar os últimos restos da ditadura do proletariado. Depois acorda-se para constatar que o poder dos empresários privados e das multinacionais foi restabelecido.

E, sob o reinado da livre empresa, a «democracia para todos» reintroduzirá a ditadura económica e política do capital.

No reino da democracia pura à Kadar, onde a luta de classes já não tem lugar, a tarefa essencial dos trabalhadores é, pois claro, a de fazer prosperar a economia.

«Depois da conquista do poder, a tarefa mais importante da classe operária é a de contribuir sem tréguas para colocar as bases econômicas da nova sociedade, depois a de construir essa economia. O sucesso deste trabalho de edificação da economia decide do destino do socialismo.»(81)

À força de cegar sobre a edificação económica, a classe operária húngara viu por fim o capitalismo restaurado. A este propósito, é preciso notar que a derrocada do socialismo foi produzida a partir da liquidação política da ditadura do proletariado e não por causa de um falhanço económico tornado intolerável, como o afirma uma teoria justificadora da restauração. Em 1975, em cada 100 lares húngaros, 50 tinham uma máquina de lavar, 39 um frigorífico, 58 uma televisão.(82) A Hungria não era o Chile, nem as Filipinas, nem o Zaire, nem o Egipto onde, no entanto, nenhuma potência imperialista chama a população à «revolução» para pôr fim ao falhanço económico completo do sistema.

O partido «comunista» com o qual Kadar conduziu a mudança na direcção da restauração pacífica, havia renunciado à sua vocação de dirigir a luta de classes dos trabalhadores, de insuflar-lhes uma consciência de classe, de os mobilizar contra o imperialismo e a reacção. Aberto a todos os homens de boa vontade, o partido tornou-se refém dos burocratas e dos oportunistas que em nada se distinguiam da equipa de Imre Nagy. Ora, em 1974, Kadar pensava ser apropriado anunciar uma vez mais os «crimes cometidos contra as vítimas do culto da personalidade», fórmula que, ao mesmo tempo que atacava a concepção leninista da luta no interior do Partido, reabilitava os Rajk e os Nagy. Felizmente que pusemos fim, continuava Kadar,

«à monstruosa política que procura o “inimigo” nas fileiras do partido da classe operária.»(83)

Como resultado da política «humanista» de Kadar, 15 anos mais tarde, por mais que se «procurasse o comunista» nas fileiras do partido, já não o encontrávamos.


Notas de rodapé:

(1) Libération de la Hongrie - Choix de documents 1944-1945, éd. Corvina, Budapeste, 1975, p. 21. (retornar ao texto)

(2) Ibidem, pp. 33-34. (retornar ao texto)

(3) Ibidem, pp. 59-60. (retornar ao texto)

(4) Ibidem, p. 89. (retornar ao texto)

(5) Paraf Pierre, Les démocraties populaires, Payot, Paris, 1962, p. 187. (retornar ao texto)

(6) Boldizsar Ivan, L'impérialisme américain contre lepeuple hongrois, éd. d'Etat, Budapeste, 1952, pp. 23-25. (retornar ao texto)

(7) Mindszenty, Mémoires, éd. La Table Ronde, Paris, 1974, p. 68. (retornar ao texto)

(8) Ibidem, pp. 55-59. (retornar ao texto)

(9) Ibidem, p. 76. (retornar ao texto)

(10) Ibidem, p. 83. (retornar ao texto)

(11) Ibidem, pp. 84, 87 e 91. (retornar ao texto)

(12) Boldizsar Ivan, L'impérialisme américain contre le peuple hongrois, éd. d'Etat, Budapeste, 1952, pp. 51-52, 53-54. (retornar ao texto)

(13) De Seydouy Alain et Roland Varaigne, Indomptable Hongrie, éd. Les 4 fils Aymon, Paris, 1956, pp. 85-86. (retornar ao texto)

(14) Boldizsar Ivan, op. cit., p. 104. (retornar ao texto)

(15) De Seydouy.., op. cit., pp. 79-80. (retornar ao texto)

(16) Ibidem, p. 90 (retornar ao texto)

(17) Paraf Pierre, Les démocratiespopulaires, Fayot, 1962, pp. 67 e 93. (retornar ao texto)

(18) Boldizsar Ivan, op. cit., p. 129. (retornar ao texto)

(19) Ibidem, p. 66. (retornar ao texto)

(20) Ibidem, pp. 68-70. (retornar ao texto)

(21) Ibidem, pp. 75-79. (retornar ao texto)

(22) Stewart Steven, Le grand piège, éd. Robert Laffont, 1976. (retornar ao texto)

(23) Ibidem, pp. 42-43 e 34. (retornar ao texto)

(24) Ibidem, p. 90. (retornar ao texto)

(25) Trata-se dos membros do Unitarian Service Committee fundado em 1940, sob a direcção de Robert Dexter, sacerdote mais tarde recrutado para o OSS de Allen Dulles. A organização teve escritórios em Lisboa, Marselha, Genebra e Paris, tendo ajudado um grande número refugiados judeus a fugir às perseguições nazis na Europa. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(26) Ibidem, pp. 92-93, 95-96, 76-79. (retornar ao texto)

(27) Ibidem, pp. 143-144 e 191. (retornar ao texto)

(28) Fejto François, Histoire des démocraties populaires, tomo 1, éd. Seuil, Paris, 1971, p. 268. (retornar ao texto)

(29) Ibidem, p. 250. (retornar ao texto)

(30) Ibidem, p. 363. (retornar ao texto)

(31) Em inglês no original: remake aqui no sentido de reencenação. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(32) O processo de Rajk e de outros agentes do imperialismo na Hungria, bem como noutros países socialistas europeus fundados no pós-guerra, foi aprofundado pelo historiador Kurt Gossweiler, que se debruçou muito em particular sobre casos análogos ocorridos no mesmo período na República Democrática Alemã. Ver a este propósito a série de artigos As Origens do Revisionismo Moderno ou como o Browderismo foi implantado na Europa, diponível em português em www.hist-socialismo.net. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(33) Boldizsar Ivan, op. cit., pp. 135-136. (retornar ao texto)

(34) Ibidem, p. 133. (retornar ao texto)

(35) Ibidem, p. 134. (retornar ao texto)

(36) Ibidem, pp. 125-126. (retornar ao texto)

(37) Ibidem, p. 240. (retornar ao texto)

(38) Ibidem, p. 240. (retornar ao texto)

(39) Bercez Janos, 1956 Counter-revolution in Hungary, Akadémiai Kiado, Budapeste, 1986, pp. 43 e 54. (retornar ao texto)

(40) Ibidem, p. 79. (retornar ao texto)

(41) Ibidem, p. 86. (retornar ao texto)

(42) Ibidem, p. 89. (retornar ao texto)

(43) Ibidem, p. 111. (retornar ao texto)

(44) Ibidem, p. 113. (retornar ao texto)

(45) Ibidem, p. 112. (retornar ao texto)

(46) Ibidem, p. 123. (retornar ao texto)

(47) Holt, Robert T., Radio Free Europe, Minneapolis, 1959, p. 191. (retornar ao texto)

(48) Bercez Janos, op. cit., p. 128. (retornar ao texto)

(49) Ibidem, p. 133. (retornar ao texto)

(50) Holt, R.T., op. cit., p. 192. (retornar ao texto)

(51) Bercez Janos, op. cit., pp. 151-152. (retornar ao texto)

(52) Ibidem, p. 152. (retornar ao texto)

(53) Eisenhower D.D., The White House Years. Vol 2: «Waging Peace, 1956-1961». Nova Iorque, 1965, p. 82. (retornar ao texto)

(54) Berecz Janos, op. cit., p. 171. (retornar ao texto)

(55) Ibidem, pp. 156-157. (retornar ao texto)

(56) Ibidem, p. 162. (retornar ao texto)

(57) De Seydouy Alain, op. cit., p. 122. (retornar ao texto)

(58) Ibidem, p. 126. (retornar ao texto)

(59) Berecz Janos, op. cit., p. 167. (retornar ao texto)

(60) Ibidem, p. 147. (retornar ao texto)

(61) Ibidem, p. 147. 58. De Seydouy, op. cit., p. 169. (retornar ao texto)

(62) Inprecor, Xle Congrès mondial de la IVe Internationale, Novembro de 1979, p. 250. (retornar ao texto)

(63) Berecz Janos, op. cit., pp. 202 e 107. (retornar ao texto)

(64) De Seydouy Alain, op. cit., p. 179. (retornar ao texto)

(65) Berecz Janos, op. cit., p. 223. (retornar ao texto)

(66) Hoxha Enver, Les Khrouchtchéviens, Tirana, 1980, p. 291. (retornar ao texto)

(67) Ibidem, pp. 287 e 297-298. (retornar ao texto)

(68) Ibidem, declaração do embaixador Krilov em Tirana, p. 306. (retornar ao texto)

(69) «Notas de um publicista», V.I. Lénine, 14 de Fevereiro de 1920, Obras Escolhidas em seis tomos, Ed. Avante, 1986, t. 5, p. 48. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(70) Partidários de Turati.(N. Ed.) (retornar ao texto)

(71) «Acerca da Luta interna no Partido Socialista Italiano», Dezembro de 1920, V.I. Lénine, Obras Completas (em russo), Moscovo, 1981, t. 41, pp. 416-417. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(72) Pouvoir, liberté, démocratie, colectânea de artigos e discursos, éd. Corvina, Budapeste, 1978, p. 125. (retornar ao texto)

(73) Ibidem, p. 178. (retornar ao texto)

(74) Ibidem, p. 116. (retornar ao texto)

(75) Ibidem, p. 7. (retornar ao texto)

(76) Ibidem, p. 154. [Na tradição khruchoviana (foi Nikita Khruchov quem pela primeira vez levantou esta questão no seu «relatório secreto» de 1956), este «dogma insensato» continua a ser hoje imputado a I.V. Stáline, como prova do seu afastamento das ideias leninistas. Todavia, em 1919, Lénine escreveu o seguinte: «A supressão das classes é o resultado de uma luta de classes longa, difícil e obstinada, que não desaparece (...) depois do derrubamento do poder do capital, depois da destruição do Estado burguês, depois da implantação da ditadura do proletariado, mas apenas muda de forma, tornando-se em muitos aspectos ainda mais encarniçada.» («Saudação aos Operários Húngaros», V.I. Lénine, Obras Escolhidas em três tomos, Ed. Avante!, Lisboa, 1979, t. 3, p. 136.) (N. Ed.)] (retornar ao texto)

(77) Ibidem, p. 177. (retornar ao texto)

(78) Ibidem, p. 120. (retornar ao texto)

(79) Ibidem, pp. 118-119. (retornar ao texto)

(80) Ibidem, p. 217. (retornar ao texto)

(81) Ibidem, p. 140. (retornar ao texto)

(82) Ibidem, p. 174. (retornar ao texto)

(83) Ibidem, pp. 154-155. (retornar ao texto)

Inclusão 15/03/2013